A Bruxa de Ferro escrita por Miranda Uchiha


Capítulo 3
Alexander Grayson




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A Bruxa de Ferro

Por Miranda Uchiha

Alexander Grayson

OoO

Mira sentou-se em um banco estreito preso a uma plataforma rústica no telhado. O rapaz sentou-se no chão aos pés dela, sobre a plataforma construída na cobertura, apoiando-se ao que parecia ser uma grade de proteção. Ela se moveu desconfortável no silêncio prolongado e o viu agitar o cigarro no ar.

O desconhecido inclinou a cabeça até eles estarem se olhando de frente.

Donna sentiu o peito oprimido, e uma sensação estranha e aquosa inundou seu estômago.

Os olhos dele eram os mais verdes que ela jamais vira. Brilhantes, mas com texturas no interior das pupilas, um efeito que lembrava musgo fresco no tronco de uma árvore. Miranda pensou que ele devia estar com frio, porque vestia apenas uma fina camisa lilás (e quantos homens ficavam bem com essa cor?), mas em seguida viu o suéter preto abandonado a seu lado. Seus cabelos cor de caramelo eram um ou dois tons mais claros que os dela. Curtos na base e mais longos no alto da cabeça, de forma que uma franja desfiada caía sobre seus olhos sobrenaturais. A pele era macia e dourada, como se ele houvesse voltado de férias.

– Não tem medo de cair? - Miranda quase pulou ao ouvir o som da própria voz.

Por um segundo, ela teve a impressão de que o rapaz poderia sorrir. Em vez disso, ele inclinou a cabeça para trás, apoiando-a contra a grade de ferro preto com sua pintura descascada. O jovem olhava diretamente para o céu estrelado.

– E então? - Miranda insistiu. - Não tem medo?

– Não.

–Ah...

Ela ainda o observava. Por que havia subido? Toda essa noite havia sido um grande engano.

Mas não conseguia deixar de olhar para a boca larga de lábios carnudos, e sua imaginação enlouquecia. De repente surgiu em sua cabeça uma imagem dela beijando aquele garoto desconhecido. Bem, não era exatamente um garoto... Ele parecia ser pelo menos dois anos mais velho que ela. Sabia que seus lábios seriam macios, mas persistentes, e o sorriso preguiçoso se transformou repentinamente em algo mais intenso.

Miranda balançou a cabeça, fechou os olhos e os apertou com força, e depois de um estante voltou a encará-lo. As sobrancelhas foram erguidas compondo uma expressão que podia ser de curiosidade ou humor - ela não conseguia determinar. Ruborizada, ela se odiou no mesmo instante por ter uma reação tão infantil.

– Em que está pensando?

Ela puxou os joelhos contra o peito e os abraçou.

– Em nada.

– Nada. É claro. - A última palavra soou como se ele a prolongasse deliberadamente.

Miranda jogou os cabelos e desviou o olhar, cerrando os punhos e apoiando as mãos enluvadas no jeans.

A gargalhada dele a pegou de surpresa. O que a surpreendeu ainda mais foi que, no momento seguinte, eles riam juntos. Miranda gostaria de entender como sabia que ele era, provavelmente, alguém que ria tão pouco quanto ela. E tinha a sensação de que o desconhecido também sabia disso, e que compartilhavam um momento secreto de humor que podiam esconder de outras pessoas, manter como um segredo só deles - estranhos unidos em um contrato tácito de... Alguma coisa. Era emocionante e assustador.

Recuperando o controle sobre sua respiração, Miranda olhou para o companheiro mais uma vez.

– Então, qual é seu nome?

– Xan. E o seu?

– Miranda Clarck. - Ela se encolheu por dentro ao ouvir o som da própria voz. - Seu nome é uma abreviação de Alexander?

– Ah. Linda e inteligente, essa Miranda Clarck.

Ela poderia se sentir ofendida com o tom de voz, mas notou o brilho nos olhos dele e decidiu que gostava de ser provocada por alguém que não fosse Harry.

– Não está gostando da festa, está? - ela perguntou.

– Não, como era de se esperar.

– Como assim?

Ele mudou ligeiramente de posição, e Donna conseguiu estudar seu rosto com mais facilidade.

– Bem, não é muito comum alguém se divertir na própria festa, é? - Ela sentiu o rosto quente e soube que corava outra vez.

– Ah, você é Alexander Grayson.

– É um prazer conhecê-la - ele respondeu, sorrindo daquela maneira estranha novamente, como se sorrisse pela metade. - E ficaria ainda mais feliz se você se sentasse comigo aqui no chão. Meu pescoço está doendo.

Ela queria dizer alguma coisa sofisticada e inteligente, talvez até perguntar por que ele queria se sentar tão perto da beirada do telhado, por que não podia ir ele se sentar no banco, mas algo na voz de Xan a fez hesitar, uma vulnerabilidade latente, mas visível, que a fez especular sobre esse jovem. Ela escorregou para a plataforma e tentou adivinhar de onde ele era.

Seu sotaque era vagamente britânico, ou parecia ser, com um toque de Boston nas vogais e algo mais, talvez. Algum acento um pouco mais exótico.

Ela cruzou as pernas e se acomodou mantendo uma certa distância do rapaz.

– Assim é melhor - ele disse. - Não é tão frio quando você fica aqui embaixo.

Miranda sentia frio. Vestia mangas curtas, e só o veludo das luvas oferecia a ilusão de calor.

Ela se arrepiou e envolveu o corpo com os braços tentando aquecer-se, sentindo uma insuportável timidez sob o olhar atento desse desconhecido.

Xan ofereceu o suéter que ela já havia notado antes.

– Vista isto.

Miranda hesitou, mas só por um momento.

– Obrigada.

Vestindo rapidamente o agasalho ainda quente, ela tentou não demonstrar sua reação ao cheiro do dono daquele suéter. Desodorante ou loção de barba, talvez, fumaça de cigarro e mais alguma coisa, algo que sugeria musgo e árvores e largos campos abertos de grama muito verde.

Intrigada, ela o encarou e se deparou com seu olhar curioso enquanto tentava ajeitar o cabelo despenteado.

– Então - ele disse. - Em que colégio você estuda?

Ele havia adivinhado sua idade, mas Donna tentou não demonstrar o quanto isso a incomodava.

– Não estou em nenhum colégio.

– Não? - Ele ergueu as sobrancelhas. - Está na faculdade?

– Não, estudo em casa. Estou no último ano. Ainda tenho de ir ao Ironbridge High para fazer provas, mas é só isso. Não faço parte daquilo tudo.

Ele ameaçou um sorriso.

– Entendo o que quer dizer. Por que estuda em casa?

– Digamos que tive um desentendimento com uma porção significativa do corpo discente.

– Ah... - Xan mudou de posição, virando-se para ela, depois estendeu os braços acima da cabeça e bocejou barulhento. Miranda não se deixou enganar pelos movimentos preguiçosos e pelos olhos sonolentos - sabia que ele era perspicaz sob o exterior desinteressado.

– E você? - ela perguntou.

– O que tem eu?

– Ah, você sabe... Escolas, faculdade... - Ela deixou a questão morrer sem concluí-la.

Talvez fosse rude demonstrar que sabia que ele havia abandonado a faculdade.

– Comecei o curso superior no ano passado, mas não deu muito certo. - Ele a encarou com aqueles olhos verdes. - Mas você provavelmente já sabia disso.

Miranda ignorou o súbito rubor que fez ferver seu rosto.

– Ouvi alguma coisa, mas não costumo prestar atenção às fofocas - especialmente porque costumo ser o assunto.

Ele a estudou por um longo momento.

– Adoraria ouvir o que as pessoas falam sobre você, Miranda Clarck.

Ela mordeu o lábio e mudou de assunto.

– Então, o que faz aqui, enquanto a festa acontece lá embaixo? Não devia estar recebendo os convidados?

Sua risada ecoou com uma nota de amargura.

– Como se eu fosse o anfitrião perfeito.

– O que quer dizer?

– Nada. Só que concordo com coisas estúpidas quando estou entediado.

Houve um instante de silêncio. Miranda mexeu na manga do suéter de Xan. Não sabia o que dizer, e já estava se arrependendo novamente de ter ido até ali. Pensou em Harry lá embaixo com todos os convidados, e desejou que pudessem simplesmente ir para casa. Se não houvesse deixado o telefone celular no bolso do casaco, poderia ao menos saber que horas eram. Seu estômago deu um pulo quando ela imaginou a tia voltando para casa. A regra quanto ao horário de voltar era rígida.

– Que horas são? - Xan pegou o celular.

– Falta pouco para a meia-noite, Cinderela.

Ela sorriu.

– Na verdade, preciso ir embora logo. Só tenho mais uma hora para chegar em casa. E meu amigo deve estar procurando por mim.

Ele assentiu.

– Espero não ter assustado você. Às vezes sou um pouco... - Ele hesitou. - Um pouco excêntrico, acho.

– Você se esforça para isso, então? - Miranda provocou.

– Só quando quero impressionar garotas bonitas.

Bonitas? Esse cara ridiculamente lindo estava dizendo que ela era bonita? Miranda começou a se levantar, mas a mão dele pousou em seu braço e a deteve.

– Por que usa luvas? - Xan perguntou. - Não está na moda, está?

Miranda tentou responder com tom leve.

– Acha que eu usaria está coisa por estar na moda?

Ele fingiu refletir enquanto sorria.

– Falando sério, então. Por quê?

Miranda sentiu o coração oprimido e teve uma certa dificuldade para respirar. Por que se sentia tão compelida a contar a verdade para alguém que mal conhecia? Ela olhou para as mãos escondidas pelas luvas.

– Porque sou diferente - respondeu por fim, mas com uma voz tão baixa que quase não era audível.

– Eu também sou - ele anunciou quase no mesmo tom.

Os dois se entreolharam mais uma vez, os olhos escuros de Miranda mergulhando nas profundezas verdes dos dele. Pedra e floresta. Ferro e folha.

– Eu sabia que... - Ela parou e recomeçou devagar. - Às vezes eu sei coisas sobre as pessoas. - Sempre tivera uma boa intuição.

Os cantos da boca de Xan se ergueram.

– O que sabe sobre mim?

Miranda fechou os olhos por um momento.

Memórias espontâneas surgiram em sua mente, ocupando-a como um peso frio que tirava o fôlego. Recordações de uma floresta escura e sussurrante, uma clareira, e o som da morte seguindo seus passos. Suas lembranças, não dele. Pelo menos, acreditava serem suas recordações.

Ela baniu as imagens para o fundo da mente e abriu os olhos. Xan a observava com evidente curiosidade.

Há muito tempo não pensava no que havia acontecido com ela em lronwood. Sonhara com tudo aquilo muitas vezes, mas só agora via as imagens com clareza estando acordada...

Miranda tremeu e tentou sorrir, esperando que Xan não notasse.

– Bem, você é difícil de ler - ela conseguiu responder. Por que as memórias da Floresta de Ironwood apareciam para ela agora com tanta facilidade, se estava tentando se concentrar em Xan?

O clima havia mudado, e ela se sentia muito perto de um acontecimento importante e assustador.

– Você também é, Miranda Clarck. - Ele enfiou a mão em um bolso e tirou dele uma latinha de tabaco. - Você fuma?

– Eca, de jeito nenhum. - As palavras foram ditas antes que ela pudesse contê-las.

Xan não parecia ofendido. Pelo contrário, ele sorriu enquanto abria a lata. Seus dedos eram longos e bronzeados, e havia uma graça fluida nos movimentos... Uma energia intensa que a deixava sem ar enquanto o observava. Ele era diferente de todas as pessoas que havia conhecido antes.

– Você é realmente diferente, não é? - Era difícil entender por que estava fazendo esse comentário. Talvez fosse a expressão vulnerável no rosto dele. Ou a maneira como ele tentava esconder coisas, mas parecia convidá-la para entrar em seu mundo.

Xan assentiu bem devagar.

– Acho que todos temos segredos. Como se você estivesse escondendo alguma coisa com essas luvas.

Ela foi a primeira a desviar o olhar. Não podia continuar com isso... Simplesmente não podia se aproximar mais dessa pessoa. Acabara de conhecê-lo; o que está acontecendo comigo? Ela pensou. Lá estava ela, tentada a revelar o segredo sobre como suas mãos haviam sido reconstruídas, deixar fluir as palavras com a mesma facilidade com que os convidados derrubavam cerveja no tapete lá embaixo. Ela mordeu o lábio e manteve a boca fechada.

Xan mudou de posição, cruzou as pernas e começou a espalhar tabaco sobre uma folha de papel.

– Parece que não vamos mais compartilhar - disse, empregando novamente aquela voz indiferente e o tom arrastado, preguiçoso.

Miranda levantou-se muito depressa, e uma onda de tontura quase a derrubou.

– Eu tenho mesmo que ir. Preciso chamar um táxi.

– É claro - Xan respondeu, prendendo atrás da orelha o cigarro que acabara de fazer. -

Vou ajudar você a descer.

Ela recuou antes que a mão pudesse tocá-la.

– Não, obrigada. Posso ir sozinha.

Mas ele a seguiu da mesma maneira.

Quando chegaram ao quarto de onde ela saíra para a escada, Miranda não soube o que dizer. Alguma coisa em Xan despertava nela a sensação de estar conectada, embora soubesse pouco, quase nada sobre ele. Era frequentemente confortada pelo sentimento de conexão que experimentava com Harry; ele a fazia sentir como se tivesse pelo menos um arremedo de vida normal (o que quer que fosse isso). Mas com Xan era diferente.

Xan era diferente.

Miranda despiu o suéter preto, sentindo de repente um calor exagerado e um certo constrangimento ao devolvê-lo. Seus olhos notaram o relógio digital no criado-mudo ao lado da cama desarrumada. A cama dele.

– Droga. Eu tenho mesmo que ir. Harry deve estar me procurando.

– Harry? - Ele ergueu as sobrancelhas. - Ah, o namorado. - Era uma afirmação.

– Não, só um amigo. - Donna deu de ombros. - Meu melhor amigo, na verdade.

– Ah... - Xan passou a mão pelo rosto. - Posso telefonar para você? Acho que temos muito sobre o que conversar... - Por um momento ele soou inseguro, e essa hesitação deu a Miranda a coragem para correr o risco.

– É claro. - Ela recitou seu número, enquanto Xan ia apertando as teclas de seu telefone celular.

Porém, quando ele deu um passo em sua direção, Miranda teve de se esforçar para não correr. Afinal, quem diabos era Alexander Grayson? Mas ela se obrigou a permanecer onde estava. Xan estendeu a mão, e ela prendeu o fôlego enquanto, com grande delicadeza, ele afastava uma mecha de cabelos que caía sobre seus olhos, prendendo-a atrás da orelha.

O calor se espalhou por seu corpo e ela tentou sorrir. Pela primeira vez, Miranda percebeu que precisava olhar para cima para fitá-lo nos olhos. Xan era alto. Mais alto que Harry, ela pensou, e se sentiu imediatamente desleal.

A mão de Xan tocou seu ombro enquanto eles se encaravam. Em seguida, os dedos se moveram por seu braço, descendo até onde a luva encontrava a pele pálida do cotovelo.

Houve uma faísca repentina, como eletricidade estática - porém muito mais forte.

Miranda afastou-se do toque de Xan ao sentir a dor nas mãos e nos braços. Era como uma cãibra, mas uma sensação única que atacava ossos em vez de músculos. Ela lembrou a dor da infância - as múltiplas "cirurgias" nos braços deformados enquanto o Criador trabalhava nela com metal e magia, e a expressão no rosto de tia Mary quando ela ia visitá-la depois de cada procedimento.

– Que diabo foi isso? - Xan a fitava como se ela fosse alguma coisa preciosa e perigosa. Sua voz soava baixa, e os olhos brilhavam na penumbra do quarto. Ele esfregou as mãos como se estivessem frias e olhou para a porta entreaberta.

Miranda engoliu em seco.

– O que foi isso? - A dor nos ossos era agora uma espécie de formigamento que se espalhava pelos braços. Precisava sair dali. Não sabia o que havia acontecido entre eles, mas pensaria nisso mais tarde, quando não precisasse suportar a intensidade do olhar de Xan.

Ele franziu o cenho.

– Você também sentiu. Não diga que não sentiu. - Miranda deu um passo na direção da porta.

– Foi só um choque elétrico. Nada muito importante.

Por um momento, ela se perguntou se Xan ia mesmo tentar impedi-la de ir embora. Seu coração disparou, e ela resistiu à tentação de friccionar os braços.

Mas Alexander Grayson ficou ali parado observando-a, quase como se pudesse enxergar dentro dela, se fizesse um esforço.

Miranda caminhou apressada para a porta, olhando para trás apenas quando já passava por ela. Sem dizer nada, ela desceu a escada procurando por Harry.

Como já previa, ele estava furioso.

– Onde estava? Procurei por você em todos os lugares, liguei no seu celular mais de cem vezes...

Donna pensou que ele parecia um pai que havia perdido o filho no shopping, mas conseguiu conter um sorriso.

– Não exagere - respondeu ela, verificando as chamadas perdidas no celular enquanto vestia o casaco. O número de ligações não atendidas a surpreendeu. - Ah, você ligou várias vezes, mesmo.

– É claro que liguei! - Harry praticamente explodiu. - Não sabia o que pensar. Já estava me perguntando se Melanie e suas comandadas haviam feito alguma coisa com você.

A preocupação era tocante, mas Miranda se sentia distante dele, como se tudo que acontecia ali passasse por um filtro, como se uma cortina se fechasse diante de suas emoções e ela não sentisse mais as coisas com a intensidade de antes.

– Desculpe, Harry, mas o que imaginou que Melanie pudesse fazer comigo? Pelo que vi, ela parece comer na palma da sua mão. - E também havia o fato de Melanie Swan nunca mais ter se metido com ela diretamente desde o famoso incidente. Miranda tentou pensar em outra coisa, mas a lembrança persistia em brotar em sua mente como uma teimosa erva daninha.

– Cale a boca, Clarck. Não tente me distrair; você está muito encrencada. - Harry aprontou para o relógio de pulso. Merda. - E vai ficar ainda mais encrencada se não chegar em casa em meia hora, no máximo.

Miranda ficou séria.

– Tia Mary não vai me fritar viva por isso...

– Eu não teria tanta certeza. Na última vez que levei você depois do horário, ela ameaçou me enfeitiçar.

– Ela estava brincando! - Tudo bem, sua tia gostava de cultivar uma espécie de personagem alternativo New Age para lidar com as pessoas que não pertenciam à Ordem, mas às vezes Nav levava tudo isso muito a sério. Estava meio convencido de que Mary era uma bruxa moderna - o que não era uma conclusão muito distante da realidade. Mais ou menos... - Escute, já pedi desculpas por ter deixado você preocupado. - Miranda queria mudar de assunto, tirar a tia da conversa.

Harry passou um braço em torno de seus ombros e a afagou; ela soube que havia sido perdoada.

– O que estava fazendo, afinal?

– Respirando um pouco de ar fresco lá em cima, no telhado.

– No telhado?

Ela sorriu.

– Que lugar pode ser melhor?

Harry balançou a cabeça e sorriu sem muito entusiasmo.

– Você é bem esquisita, sabe?

Miranda olhou para ele com ar inocente enquanto se dirigiam à porta.

– Pensei que andasse comigo justamente por isso.

– Sim, é exatamente por isso. - Harry revirou os olhos. - Vamos, já chamei um táxi.

Ela riu e abriu a porta da frente, mas hesitou ao ouvir passos apressados na escada atrás deles.

– Miranda, espere um segundo!

Virando-se devagar, ela viu Xan segurando sua echarpe prateada. Ela tocou o próprio pescoço; por um tempo não a sentia ali. Teria deixado cair quando estavam no telhado?

Xan empurrou para trás a franja longa que encobria seus olhos. - Você derrubou isto aqui.

Harry olhou de um para o outro, e surgiu em seu rosto uma expressão que Miranda jamais vira antes. Com as faces muito quentes, ela odiou se sentir culpada de repente. Afinal, não havia feito nada de errado.

Ao pegar a echarpe da mão de Xan ela resmungou um agradecimento, esperando que ninguém notasse como suas mãos tremiam. A dor nos ossos retornara, despertando nela a vontade de envolver o corpo com os braços e esperar pelo alívio. A sensação - como se os ossos fossem friccionados uns contra os outros - provocava lágrimas que inundavam seus olhos. Ela piscou para contê-las e tentou fingir que estava tudo bem. Depois ajeitou a echarpe em torno do pescoço com dedos enrijecidos.

Xan sorriu.

– Combina com seu casaco.

– Ah... Obrigada. - Ela moveu os pés e decidiu que precisava apresentá-los.

Tocando a mão de Harry, disse: - Harry, esse é Xan ... Alexander Grayson. Nós nos conhecemos lá em cima. Xan, este é meu amigo Harry Thompson.

Eles se estudaram daquela maneira típica dos garotos. Depois, Harry estendeu a mão.

– É um prazer conhecer você - disse, embora a voz sugerisse o contrário.

Miranda não entendia o que estava acontecendo com ele, embora se sentisse grata por Harry ao menos fazer um esforço para parecer simpático.

Xan apertou a mão dele.

– O prazer é meu. Espero que tenha se divertido.

– Sim, foi muito legal. Obrigado.

A batida da música que pulsava na sala de estar reverberava sob os pés de Miranda.

Ninguém falou nada, e Xan voltou a encará-la. Ele a fitava com aquela expressão estranha, curiosa, como se ela fosse uma nova espécie que acabara de descobrir. Queria dizer a ele que era rude encarar as pessoas, mas não faria isso na frente de Harry.

Houve um estrondo na sala, e Xan se encolheu. - Bastardos! O que será que quebraram agora?

Seus olhos buscaram novamente os de Miranda. Ele ergueu as sobrancelhas, e ela quase riu.

Salva por um punhado de desastrados, pensou.

– Desculpe - disse Xan, passando a mão pelo cabelo novamente. - Preciso ir ver o que aqueles idiotas estão fazendo.

Miranda assentiu.

– Tudo bem. Obrigada mais uma vez.

Xan se virou e caminhou na direção dos ruídos assustadores.

– Eu ligo para você - ele disse por cima de um ombro.

Miranda queria desaparecer na poça de álcool do tapete. Por que ele havia dito isso? Os homens eram idiotas, mesmo.

Ela olhou para Harry e se sentiu aliviada porque, aparentemente, ele nem havia reagido.

Talvez não houvesse escutado. Sim, podia ter esperança...

Eles saíram da casa. Miranda chutou uma garrafa vazia para fora do caminho e olhou para o outro lado da rua. Ela estudou a escuridão: alguma coisa se movera? Uma sombra magérrima se escondeu atrás de um muro e ela quase gritou. Sua boca ficou seca e ela parou.

– O que foi? - Harry segurava o pesado portão de ferro no final da alameda na frente da casa, pronto para abri-lo e sair.

– Espere. - Miranda o segurou pelo braço; ela apertou com força excessiva, e o amigo gemeu.

Harry ficou sério, intrigado, e massageou o braço de um jeito exagerado. Ele estudou seu rosto por um instante.

– Miranda, qual é o problema?

Observando a rua, ela tentava engolir o nó que fechava sua garganta. Seu coração batia acelerado. Lá! Ali estava outra vez! Uma silhueta pequena se movia com graça sinistra, esgueirando-se por entre as sombras e escalando o muro do quintal vizinho.

– Viu aquilo? Alguma coisa pulou aquele muro, eu vi. - Ela sussurrava e sabia que devia parecer maluca, mas não conseguia se conter. Não sabia o que acabara de ver se esgueirando por entre as sombras, mas sabia que, o que quer que fosse, era mais sinistro que um gato de amanho gigante.

– Não há nada ali, Miranda. - Harry a olhou de um jeito estranho. - Tem certeza de que não bebeu?

– Cala a boca, você sabe que não.

– Na verdade, não tenho como saber nada, considerando como você decidiu passar a maior parte da noite no telhado. - Ele ergueu uma sobrancelha, algo que Miranda sempre havia desejado conseguir fazer. Mas essa era uma expressão que nunca conseguira dominar. Nem mesmo com a ajuda especializada de Harry.

– Ah, esqueça. - Miranda deixou escapar o ar que havia mantido preso sem perceber. - Talvez eu esteja mesmo ficando maluca.

– Ficando maluca? Lamento informar que isso já aconteceu há muito tempo, Clarck.

Miranda resistiu à tentação de demonstrar toda sua força física.

Porém, ela não conseguiu disfarçar o alívio quando o táxi chegou. Pelo menos Harry voltara a brincar com ela - a tensão que surgira entre eles quando Xan se aproximara parecia ter desaparecido. Ela olhou por cima de um ombro quando se sentou no banco traseiro do carro, sabendo que não poderia ficar feliz enquanto não saíssem dali.

Estava quase certa de que alguma coisa os estivera observando do outro lado da rua. A sensação no estômago permaneceu com ela durante todo o trajeto de volta para casa.


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