A Dama da Névoa escrita por Karina Saori


Capítulo 10
Mais perguntas sem respostas




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— Lina, não vá para cozinha! Não fui eu que te chamei!

Nesse exato momento, todas as luzes se apagaram. Vinda da cozinha, ouvi uma risada.

A casa toda foi imergida na escuridão. Tentei não tirar os olhos de onde seria a cozinha, enquanto tentava achar a escada.

— Lina, suba, rápido! Antes que seja tarde!

— Mas o que... Não fui eu, Lina! Não ouça isso!

Duas vozes idênticas vindas de diferentes lugares. Uma me dizendo para subir, a outra dizendo para eu ficar.

— Suba, querida! Vamos resolver isso com o senhor Lorenzo!

— Lina, não suba! Se você tentar subir, pode ser pior! Fique aí!

— Não dê ouvidos! Ela quer que você fique aí embaixo! Então suba, depressa!

— Lina, não suba! Não suba de jeito nenhum!

Uma voz se diversificou, mudando a voz gentil da minha tia para uma voz enferrujada.

— Cansei desse joguinho.

Logo depois de uma risada, ouvi um barulho alto cair escada a baixo.

— Lina... Me ajude...

Percebi que era minha tia e corri ao seu encontro. A outra voz desapareceu; só conseguia ouvir um murmúrio no andar de cima.

— Tia, a senhora tá bem?!

Sentei no chão e coloquei sua cabeça nas minhas pernas. As luzes repentinamente acenderam e vi que não era minha tia em meus braços. Ao olhar para aquela mulher que achei que era minha tia, ela estava com o rosto virado para mim, com os olhos assustadoramente arregalados, expressando um sorriso mais largo do que o normal.

Levantei apressadamente, e a mulher bateu com a cabeça no chão. Encostei-me na parede e tentei segurar meu coração que parecia querer pular para fora. Sem desgrudar o rosto do chão, ergueu os braços e pernas. Segundos depois, me fitou com aquele sorriso doentio e correu até mim, tão rápida quanto uma aranha.

Subiu na parede onde eu estava e grudou seu rosto ao meu. Deu risada.

— Hoje, não sou eu quem te atormentará. Só vim para deixar a minha presença e irritar as sombras do antigo cemitério. Adeus.

— Cemitério?

Ouvi um barulho vindo da cozinha e instintivamente olhei para lá. Quando voltei os olhos a mulher não estava mais.

— Lina! Está tudo bem? Algo me puxou até o banheiro e fiquei presa lá... — minha tia apareceu no alto da escada, acariciando a cabeça que provavelmente bateu quando foi puxada.

— Tia!

A luz se apagou novamente.

— Não saia daí, vou chamar o senhor Lorenzo. Tome, pegue isso.

Ouvi algo rolando da escada: uma lanterna. Peguei-a desesperadamente e procurei algo que eu, na verdade, não queria achar. Ao passar pela cozinha brevemente, vi uma sombra. Voltei o rasgo de luz para o local, mas não havia mais nada. Quando apontei para outro lugar, este já estava na minha frente.

Pelo susto, dei uma passo para trás, tropeçando na mesinha de centro e caindo em cima dela. Comecei a sentir a ardência dos cortes feitos pelo vidro, cravando nas minhas costas e braços. Tentei levantar, mas algo segurou meus ombros e pressionou meu corpo em cima dos cacos de vidro da mesinha.

Lutando descontroladamente para me soltar, minha mão não batia em nada, mas eu ainda estava presa. Remexendo a lanterna que havia desligado por causa da queda, mirei no que me segurava, mas só vi sombras. Muitas sombras.

Ouvi passos na escada; ao iluminar, vi que era minha tia e seu Lorenzo correndo até mim. Com ambos rezando, senti a pressão em meus braços diminuindo, mas as sombras continuavam lá. Em um relance, passei a lanterna em uma sombra branca. Achando que era minha imaginação, foquei a lanterna no mesmo local, e realmente era um vulto branco. Seu Lorenzo foi se aproximando enquanto balançava incensos acompanhados de uma reza, espalhando a fumaça por todo o cômodo. Aos poucos, os borrões escuros foram se afastando, mas não desapareceram, apenas se acalmaram. O vulto branco continuou em minha frente; não podia ver seu rosto, mas sentia como se estivesse me encarando. Aos poucos, esmaeceu lentamente até sumir. A luz voltou e minha tia me ajudou a levantar.

— Meu Deus, Lina... Você está bem? Olha todos esses machucados...

Fez-me sentar no sofá enquanto ela ia pegar bandagens que ficavam na cozinha. Ao voltar com uma maleta branca, sentou atrás de mim e tirou caco por caco que estavam fincados nas minhas costas e braços. Haviam marcas roxas em meus ombros.

— Algo me deixou intrigada... Elizabeth me disse que eles eram sombras do cemitério. O que isso quer dizer?

— Elizabeth? Do que está falando, Lina? — seu Lorenzo estava em pé na minha frente, de braços cruzados. O tecido leve do pijama o deixava ainda mais magro.

— Foi o nome que ela me deu. Ela me disse que não iria me atormentar hoje, só veio para provocar as sombras do cemitério.

— Sombras do cemitério... — seu Lorenzo pôs a mão no queixo, pensativo — Dirce, era algo que eu não havia te contado, também. Descobri hoje e ia conversar com você amanhã, mas enfim... Ao fazer algumas pesquisas, descobri que, em meados de 1890, este terreno era usado como cemitério para a vila habitante. Por conta dos usos de velas, havia muitos casos de morte em incêndios. No artigo que li sobre, dizia que o terreno todo foi limpo, mas muitas coisas não podem ser resolvidas assim tão facilmente.

— Que horror, eu não sabia disso. Então é por isso que existem tantas sombras há tanto tempo...

— Nós moramos em cima de um cemitério todo esse tempo?

— Mas não se preocupe, Lina. Não é algo tão agravante assim. Tanto que essas sombras nunca fizeram mal à vocês ou ao menos se moveram do lugar. Mas seria definitivamente melhor se nos livrássemos delas... Bom, mas quem está causando tudo isso, é esta mulher...

— Elizabeth...

Eu estava de costas para minha tia, mas pelo tremor de suas mãos na hora de tirar um caco, percebi que ela realmente conhecia esse nome.

— Seu Lorenzo... O senhor tem algum livro que fala dessa cidade especificamente?

— Não sei porquê, mas não há mais nenhum jornal que fala daqui... O último que consegui achar foi de 1986. Parece que a cidade é isolada... Nada do que acontece aqui vai para fora da cidade. Como o caso da morte daquela senhora... A Mercedes. Tenho um livro que é uma junção de jornais de 1900 até 1986... Não são nem propriamente dessa cidade. Algum jornal do estado publicou notícias daqui.

— Lina, vou fazer um lanche, você não quer? Não almoçou e nem jantou...

Minha tia parecia querer mudar de assunto, como se não quisesse que eu tivesse o consentimento desse livro. Ignorei naquele momento, aceitando o lanche.

Depois da minha tia fazer alguns curativos em mim, nós três fomos comer.

— Seu Lorenzo... No meio daquele monte de sombras escuras, eu vi uma única branca...

— Uma sombra branca é um espírito bom, Lina. Havia apenas uma?

— Pela falta de claridade, foi a única que vi. Mas por que só tinha uma?

Seu Lorenzo pensou por alguns instantes e deu de ombros.

— A única coisa que posso te dizer é que esse espírito te quer o bem.

Depois cada um foi para seu quarto. Quando minha tia fechou a porta, fui até o quarto onde seu Lorenzo estava. Bati levemente na porta com os nós dos dedos para fazer o barulho suficiente para apenas ele escutar.

Sussurrei seu nome, enquanto vigiava o quarto da minha tia — Preciso falar com o senhor!

— Hum...? O que foi, Lina...? — abriu a porta e se abaixou um pouco para ficar mais próximo à minha altura.

Levei o dedo nos lábios fechados, indicando-lhe para falar baixo.

— O senhor pode me emprestar aquele livro de que me falou? Vocês não querem me contar, então preciso saber por mim mesma.

— Lina... Não vou lhe negar isso porque acho que tens o direito de saber. Mas entendo a sua tia por querer te proteger. Então, não diga a ela que te contei e nem me pergunte nada. Só cooperarei com você para o empréstimo desse livro, ok? Se você descobrir algo, não adianta me perguntar.

Peguei o livro e agradeci com um sorriso. Corri para o meu quarto.

Já passava das quatro horas da manhã. O sol já estava se preparando para se expor, enquanto eu ainda estava com aquele livro nas mãos. Não achei nada até virar a última página, que era um pedaço pequeno de jornal com buracos em algumas partes devido ao tempo. Boa parte das palavras foram deduzidas, mas algumas estavam inelegíveis.


“23 de junho de 1986, Jornal Grinch

Incêndio acidental mata quatro adultos e ---------

No dia 17 deste mês, no horário por volta de 18h00, houve um grande incêndio residencial na cidade Sandbolt, localizad- no extremo Sul do estado de Grinch. - caso já foi finalizado, dado como acidental. --- não houve-am outras vítimas ou testemunhas. Este acidente provocou uma série de outros fatores, como - ------ ------------ - --------, que -------- -------------- --- --------a. Ela foi encontrada ------ no --------- -- ----- -------, onde --- ------ --------- ----------. Seus nomes eram ------”

 

O restante não estava lá, com claras evidências de que fora rasgado.

Então não foram só os meus pais e os do Rafael que faleceram naquele acidente... Mas quem poderia ser? Elizabeth? Não... Senão colocariam “cinco adultos”. Ou será que ela era muito jovem, então colocaram no jornal como quatro adultos e uma jovem? É, pode ser... Mas estou sendo precipitada. Não sei quando e nem como Elizabeth morreu, pode não ter ligação alguma com o acidente dos meus pais...

.

 

Acordei com meu despertador. Levantei ainda sonolenta e o livro, que ainda estava em meu colo, caiu no chão, soltando uma folha.

— Hum...? Pelo visto dormi enquanto procurava.

Abaixei para pegar a página e encaixá-la no livro quando vi que a data de publicação era do mesmo mês que o jornal sobre o incêndio. Um nome meio borrado estava escrito em destaque no título; tentei ler e me assustei por decifrar um nome que eu conhecia: "Elizabeth Cristgan".

Peguei a folha imediatamente, mas estava completamente manchada de tinta. Tentei decifrar mais alguma coisa, mas só consegui ler poucas palavras sem conexões.

"matou o"

"culpa"

"suicídio"

Essas palavras só me deixaram ainda mais curiosa para saber o que aconteceu no passado. Bom, pode nem ser a mesma Elizabeth... E esse mistério abriu ainda mais perguntas sem respostas.

Fui para escola e, ao chegar, Rafael passou seu braço por cima do meu ombro.

— Bom dia, Lina! — sorriu alegremente depois que eu o respondi não com o mesmo entusiasmo.

— Alegre como sempre... Queria ser como você. — suspirei.

Ele apertou meu nariz — Por isso estou sempre com você, sua idiota. Vou te contaminar com o meu otimismo — deu risada.

— Tá, tá. Preciso conversar com você... Nos encontramos depois da aula?

— Claro... Também preciso te contar do sonho que eu tive com você. E não foi muito bom.


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Notas finais do capítulo

Gente, como vou viajar, só vou poder postar no domingo! Logo que eu chegar em casa, já posto, pois já terei o capítulo escrito à mão!
Obrigada para os que ainda estão acompanhando =3=