Separate Ways - Requiem escrita por WofWinchester


Capítulo 1
Um começo obscuro


Notas iniciais do capítulo

Olá, leitores e leitoras. Essa é a minha primeira fic sobre a série Supernatural. Eu posto de sete em sete dias, ou de quinze em quinze dias, isso vai depender exclusivamente de vocês. Ela se passa na sexta temporada, logo depois do episódio "Clap Your Hands If You Believe" (episódio das fadas). Espero que gostem :3



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Uma gota escorria pela janela embaçada, formando uma linha que se estendia pela superfície do vidro. Acompanhei-a com o dedo até cair da borda da janela. O tempo estava feio, as nuvens cinza ficavam cada vez mais escuras com a chegada da noite. Os trovões e raios pareciam dançar no céu, a chuva não parava de cair, o vento não parava de soprar, gelado, contra as paredes da casa, fazendo estalos que se misturavam com o barulho da música na sala. Uma melodia simples e triste, como deve ser um funeral.

Sim, eu moro numa casa funerária, com meu tio pastor e minha tia, fanática religiosa que acha que o satanás me corrompeu.

Parece ontem que minha mãe e eu fizemos as malas, colocamos Jimmy, meu irmão de apenas quatro anos, no banco de trás e fomos tirar férias na praia. Fomos à viagem toda rindo e cantando Beatles, chegamos na casa quase na hora de dormir. Mamãe me colocou na cama, e com um beijo na testa prometeu me acordar para ver o nascer do sol na praia.

Mas ao invés disso, eu me lembro de acordar dentro do guarda-roupa, cheia de sangue. Eu estava em pânico, homens uniformizados me arrastavam pra fora enquanto eu assistia a cena de um filme de terror: Minha mãe morta no chão do quarto, sangue pra todo lado, e meu irmão chorando no colo de uma policial. Eu tinha apenas seis anos, e foi o que eu vi antes de espetarem meu braço e eu apagar.

Daí pra frente tudo aconteceu tão rápido... Eu fui mandada pra morar com meus tios, a única família que eu tinha já que eu nunca conheci meu pai, e ninguém sabia onde ele estava. Jimmy foi enviado para um orfanato em Chicago, e depois foi adotado por um casal de sobrenome Scheer, pois meus tios alegaram não ter condições de criar duas crianças.

Não há um dia em que eu não me pergunte como Jimmy está, e o que realmente aconteceu naquela noite. Ninguém nunca descobriu quem matou minha mãe, ou o porque, nada foi levado, não haviam pistas e alguns anos depois o caso foi arquivado.

Com meus tios, eu fui criada entre a igreja e a funerária, trancada em casa com terços, velas, bíblias, orações e crucifixos. Como minha tia, Elena, é muito severa, e até meu tio Lucius tem medo dela, eu nunca tive amigos e fui educada em casa, até os 15 anos. Com essa idade eu meio que “cortei as amarras”, e dei um jeito de me matricular na escola Estadual, a mais perto de nossa casa. Claro que ela ficou louca de raiva, até pouco tempo eu tinha que sair pela janela pra ela não me ver.

– Esther! – por falar nela... Elena entrou berrando e soltando fumaça porta adentro – Aquele seu cão infernal não para de latir, os familiares já estão ficando incomodados. Dá um jeito nesse bicho, ou amanhã ele vai embora! – mal terminou de falar e já saiu batendo o pé e fechando a porta com tudo. Minha tia não era fã de cachorros, nem da gatos, papagaios ou qualquer coisa que pudesse defecar dentro de casa ou no quintal.
– Ah, Boris – suspirei. Boris é um golden retriever de um ano e três meses. Ele tem síndrome de falta de atenção, não gosta de ficar sozinho. Quando era filhote, eu trazia escondido pro meu quarto, se não ninguém dormia com os latidos.

Coloquei um all star, um casaco e resolvi encarar a chuva. Sai de casa pela porta dos fundos, evitando passar pela sala, onde estava o corpo do falecido. Eu nunca gostei muito de funerais, nem de cemitérios, nem nada parecido. Não era medo, era só... arrepios na espinha.

A chuva agora era fina e gelada, os latidos de Boris vinham da parte da frente da casa, corri até lá com os pés guinchando na grama molhada. Ele latia e rosnava insistentemente para o matagal do outro lado da rua. Sim, eu morava num lugar cheio de matos onde possíveis seriais killers podiam atuar livremente. Ah, e melhor ainda, esse matagal do outro lado da rua seguia por uns cem metros e terminava num cemitério, que maravilhoso, vou chamar o Jason pra tomar um chá qualquer sexta-feira 13 que vier.

Fui indo em direção ao outro lado pra ver o que era, quando cheguei ao cordão da calçada, algo pulou do meio das árvores e eu caí sentada na grama. Mas para minha felicidade, era apenas a minha gata, Lilly. Na verdade ela não era bem minha, ela apareceu há uns meses e desde então eu a alimento. Escondido claro, minha tia acha que gatos pretos são mensageiros do inferno. O que eu discordava, como um bichinho tão fofo podia ser do mal? Lilly estava toda molhada, as orelhas pretas murchas.

– Lilly – disse me levantando. Ela deu um passo em minha direção e recuou, luzes de farol contrastaram nos olhos amarelos dela. Mais um carro estava estacionando no quintal, dele desceram duas garotinhas e um casal, que correram pra dentro da funerária. Atrás de mim, Boris continuava latindo.
– Lilly, vem cá! – ameacei chegar mais perto, mas ela se enfiou mais dentro do mato, miando - Não. Você não vai me fazer entrar nesse mato atrás de você! – ameacei a gata, como se ela pudesse me entender. Lilly continuou miando, cada vez indo mais pro fundo. Esperei um pouco e nada. É, ela ia me fazer entrar naquele mato.

O vento frio jogava as folhas e galhos na minha direção e eu não via exatamente pra onde estava indo. Eu sabia que estava descendo, cada vez mais.

– Lilly! Espera! – gritei, mas ela apenas miava e seguia em frente. Depois de quase dez minutos de descida e muitas voltas, percebi que o solo havia ficado em linha reta novamente. Agora sem as árvores obstruindo minha visão, eu pude analisar o lugar. Tinha muitas pedras, estava escuro, pequenos e grandes arbustos, muito mato. Algo nesse lugar me dava calafrios. Olhei pra baixo e notei que um pouco atrás do meu calcanhar tinha um pedaço de cerâmica, não uma cerâmica qualquer, era um pedaço de vaso. Eles faziam uma trilha de cacos e quando eu levantei a cabeça pude ver melhor. Tinham muitos vasos. Em cima de várias lápides.

Eu tinha ido parar justamente dentro do cemitério. Soltei uma risada nada divertida, isso só podia ser uma pegadinha né? Cadê as câmeras e o Danilo Gentili?

Aproximei-me das lápides, eram bem velhas e caindo aos pedaços, algumas tinham buracos e eu imaginei mãos saindo dali para agarrar meu pé. Afastei o pensamento com um arrepio. Esther, mortos não levantam das tumbas. Tentei me acalmar mentalmente, sendo racional.

As sepulturas estavam dispostas em fileiras, e no centro um pequeno caminho. Fui passando e olhando para cada uma delas. Apertei os olhos para as datas, todas indicavam 1623, 1658, 1612... Alguém realmente já deve ter visitado esse lugar? Parece que não. Isso era quase como um patrimônio histórico não descoberto, velho demais. Fui me dirigindo para o fundo do cemitério, onde os túmulos começavam a ficar mais imponentes, com esculturas de mármore e detalhes em ouro.

Schlafendes kind – De repente ouvi uma melodia, procurei pelo som e vi a Lilly sentada em cima de um dos túmulos. Belo lugar pra sentar, dona gata. – Schlafendes kind, mein subes kind. Schlaf den schlaf, die kommt, ist Papa gegangen und Mama ist nicht mehr hier – era uma voz desconhecida, mas era doce e inocente, me trazia certa nostalgia e no fundo era como se eu já a tivesse escutado antes. – Schlafendes kind, kommt der ewigen Schlaf erwartet feuer im dunkeln. (Dorme criança, minha doce criança. Dorme que o sono já vem, papai foi embora e mamãe já não está aqui. Dorme criança, que o sono eterno já vem, o fogo te espera dentro da escuridão.).

Eu preciso sair daqui, agora.

Lilly estava em cima do túmulo mais alto do cemitério, um metro e meio do chão mais ou menos. Atrás dela, um enorme anjo de mármore ostentava tristemente. As mãos juntas como se estivesse rezando, mas ele olhava para baixo e suas asas desciam caídas até os joelhos. Seus olhos estavam abertos, focados no túmulo, a impressão era de que ele o estivesse guardando, vigiando.

Catherine Lisenbroder – li a lápide num sussurro – nasceu em 1632, morreu em 1648 – passei os dedos sobre as letras ásperas. Estendi-me para pegar a gata que recuava dos meus braços. Eu não conseguia alcançar de onde estava, então coloquei um joelho em cima do túmulo cuidadosamente, e com a outra mão me apoiei, ficando quase de quatro. Cheguei mais perto dela e segurei sua pata, a puxando, mas logo parei. Senti algo atrás de mim, uma presença. Um arrepio percorreu meu corpo, foquei os olhos brilhantes de Lilly, e neles estava refletindo um vulto negro.

Virei-me e um grito metálico encheu meus ouvidos, senti a estrutura de mármore descendo, ao mesmo tempo em que imagens aleatórias passavam na minha mente, como um filme.

Olhos azuis. Reflexo. Sangue. Muito Sangue. Cruzes. Padre. Água. Muita água. Pouco ar. Gritos. Lágrimas. “Como ela morreu?” “Caiu do penhasco” “Dizem que ela havia morrido duas horas antes de cair”.

Minha cabeça girava no escuro e eu senti algo quente escorrer pelos meus lábios e bochechas. Pingou no cadáver. Era sangue. Espera...

Cadáver.

Eu cai dentro do túmulo e havia um cadáver em alto estado de decomposição bem na minha cara. Uma mulher. Eu estava apavorada e não conseguia me mexer. Seus olhos estavam abertos e ela parecia saber que eu estava ali, mas isso era impossível. Meu sangue continuava pingando em seu rosto. No seu pescoço algo brilhava, cintilava no escuro. De repente eu obriguei meu corpo a me obedecer, mas a única coisa que consegui foi gritar tão desesperadamente quando pude, e aí... Tudo ficou escuro.

Abri os olhos.

O teto do meu quarto foi a primeira coisa que vi. Eu estava na minha cama, a janela estava fechada, mas isso não impedia alguns raios de sol passarem pelas frestas. Suspirei, levando as mãos ao rosto. Foi tudo um pesadelo afinal.

Lembrei das imagens terríveis, o cemitério escuro, a aspereza da lápide, o cheiro do mato molhado, o cheiro do sangue... Um arrepio me percorreu a espinha me fazendo tremer.

Foi só um pesadelo. Não foi real. Repeti para mim mesma.

Dei um impulso para me levantar, e na hora em que meus pés tocaram o chão, uma tontura me fez paralisar. Senti um leve ponto dolorido e pulsante na parte frontal direita da minha cabeça, tateei com os dedos, mas que droga é essa? Olhei minha mão numa cor de bordo forte, e nas pontas dos dedos, sangue coagulado. As manchas subiam pelo meu braço e estendiam-se pelas minhas roupas. O cheiro metálico fez cócegas no meu nariz, era sangue. Eu estava coberta de sangue.

Levantei-me e alcancei o espelho num pulo. Eu estava praticamente pintada de vermelho. Manchas na minha boca, no meu rosto, meus braços. Ok, isso deve ter uma explicação aceitável. Ou eu sou uma aberração genética que menstrua pelos poros da pele, ou... As imagens não foram um pesadelo. Havia sangue pingando, meu sangue, mas não há uma explicação para eu estar coberta dele, essa quantidade é quase uma morte por hemorragia.

Encarei o espelho e meus olhos cor de chocolate estavam vagando por aí, procurando explicação pra isso. De repente me vi contemplando um belo amuleto vermelho brilhante que pendia no meu pescoço. Era uma pedra vermelha, provavelmente um rubi, do tamanho de uma azeitona, tinha o formato de um octeto em 3D, com suas bordas arredondadas. Em volta, uma estrutura era detalhada com pequenos desenhos estranhos, como línguas antigas.

Não sei quanto tempo fiquei observando o objeto brilhante e imponente pelo espelho. A imagem do pseudo pesadelo me veio a mente. O cadáver com algo brilhante no pescoço, era isso.

Tirei o colar imediatamente e coloquei em cima da penteadeira, com o medo involuntário que talvez ele pudesse virar um bicho e comer minha cabeça.

Algo muito estranho, espera, estranho? Não, algo impossível estava acontecendo aqui. Se realmente aquele pesadelo foi real, ao que parece que foi, como eu voltei pra casa? Porque não me lembro de nada depois disso? Porque esse colar estava no meu pescoço? Perguntas extremamente importantes, e eu não tinha ideia de como resolvê-las. Eu simplesmente acordei aqui, depois de sei lá quantas horas e... Meus Deus, a prova!

Catei meu celular pelo quarto para olhar a hora, eram dez e meia. Minha prova semestral era as dez!

Corri em direção ao banheiro (eu tinha um banheiro próprio, agradeci mentalmente pela milésima vez por Lucius ter sugerido isso), me jogando debaixo da água. Depois de esfregar bem as manchas de sangue, entrei num jeans e um moletom cinza. Peguei as roupas cheias de sangue e as roupas de cama e tranquei dentro do banheiro, se Elena visse isso... Joguei minha mochila no ombro e sai correndo.

Minha casa ficava a quarenta e cinco minutos de ônibus do centro da cidade, meu único meio de transporte até então, já que qualquer possibilidade de eu ter um carro foi devastada pela “salvadora de pecadores”, embora Lucius tivesse me ensinado a dirigir em segredo.

Sentei no banco enferrujado onde era o ponto de ônibus e esperei, não demoraria muito. O céu se alternava entre nublado e poucos raios de sol, juntamente com o vento seco e gelado que jogava as árvores de um lado para o outro. O asfalto tinha marcas de pneu, garrafas quebradas, latas de cerveja. Muitos arruaceiros escolhem as colinas como ponto para fazer suas gracinhas, pois é afastado e quase não há ninguém pra reclamar. O banco enferrujado fez um estalo, me sobressaltando. Eu estava nervosa, como se estivesse sendo observada. Besteira, mas por via das dúvidas procurei algum par de olhos alheios.

Foi aí que meu queixo caiu no chão.

Do outro lado da rua, uns quinze metros de onde eu estava, havia uma figura parada. Era alto, vestia jeans e uma camiseta. O cabelo loiro e olhos verdes, ele me encarava franzindo o cenho. Quando percebeu que eu o estava vendo, avançou na minha direção tão rapidamente que eu acompanhei o primeiro passo e em seguida ele já estava atravessando a rua. Minha reação lógica foi levantar e caminhar (quase correr) na direção oposta, embora eu tivesse curiosidade sobre o estranho no meio do mato. No meio do mato... Socorro, um estuprador-psicopata-assassino! Ouvi passos mais rápidos nas minhas costas e comecei a correr pra valer, virei uma curva, ao mesmo tempo em que senti uma respiração logo atrás de mim.

– Esther! – gritou ele. Como ele sabia o meu nome? Eu não sei se quero descobrir. O ar frio me fazia engasgar, minha garganta estava seca o que dificultava a respiração. O ônibus estava vindo, dois metros a minha frente, dando uma freada brusca quando eu praticamente me joguei no para brisas. Me lancei para a porta de entrada, espalmando as duas mãos no vidro, o motorista olhou assustado e furioso, meio segundo antes de abrir a maldita porta. Joguei-me ônibus adentro, mas uma mão quente segurou meu pulso com força.
– Espera! Eu sou Dean Winchester, e eu tenho motivos pra achar que você está correndo grande perigo! – falou o homem, dando golfadas de ar.
Você é o perigo aqui! – disse, me desvencilhando dele e o empurrando. Olhei pro motorista atônita. - Fecha essa porta logo! – disparei. Ele a fechou, mas eu só me senti segura quando o ônibus entrou em movimento. Observei o estranho parado no acostamento, fitando o veículo que se distanciava rapidamente. Respirei fundo várias vezes, recuperando o fôlego.
– Ei garota, não pode vir se jogando na frente do ônibus assim, tá doida? Quer morrer? – latiu o motorista enquanto gesticulava pra eu dar a volta na roleta e me sentar. Assenti com a cabeça, cansada o suficiente pra não me dar ao trabalho de pedir desculpas.

Preferi não pensar no que aconteceu, só agora, era demais pra um começo de dia.


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