Separate Ways - Requiem escrita por WofWinchester


Capítulo 2
A Condessa de sangue morta


Notas iniciais do capítulo

Olá, queridas leitoras, cá estou com mais um capítulo.



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A professora baixinha, gorducha e vestia igual perua com um cachecol colorido e jaqueta de couro vermelha, estava nos fundos da sala falando com o supervisor quando Daniel, meu melhor amigo de 1,90 de altura, olhos pretos e cabelo castanho claro, passou na ponta dos pés pela porta. Assim que ele deu um sorriso triunfante do tipo “enganei a velha”, ela se virou para ele, apontando o dedo cheio de anéis.

– Nem pense que eu não vi você chegar atrasado! Pode ir pegando permissão! – falou e se voltou novamente para o supervisor.

O esquema na Saint Michael era assim: Se você chegasse atrasado, precisava justificar e pegar permissão do diretor pra entrar na sala. Se você fosse ao banheiro, e demorasse mais de quinze minutos, precisava de permissão do diretor. Ou seja, dar bandinhas pela escola estava fora de questão. Sem contar as câmeras de vigilância espalhadas pelos corredores, isso era o Carandiru disfarçado de instituição de ensino.

A maioria da sala barulhenta riu muito de Daniel, inclusive eu. Ele apertou os olhos na minha direção e correu até a minha mesa, passando os braços pelas minhas pernas e cintura, me pegando no colo e me colocando de ponta cabeça em seus ombros. Arregalei os olhos diante de tal situação, e não foi que ele saiu correndo comigo porta afora?

– Me solta, Daniel! – bati os punhos nas costas dele. Um pouco mais pro meio do corredor, ele se ajoelhou no chão, me colocando sentada no piso.

– Você tem problema? – perguntei, danada da vida. Daniel apenas riu, se levantou e foi até a porta, eu o segui.

– Professora! – berrou ele, entrando na sala – A Esther também chegou atrasada!

Fiz a cara mais incrédula do mundo. Como é que é a história?

– Pra que gritar desse jeito? Não tem ninguém surdo nessa sala! – surtava ela, indo até a mesa e revirando um monte de papeis. De repente a sala toda ficou em silêncio – Os dois vão levar advertência.

– Espera aí! – me intrometi indo até a mesa dela – Eu estava dentro da sala, o Daniel me pegou no colo e me jogou lá no corredor. Eu não tive culpa!

– Eu? – ele arregalou os olhos – Nunca faria isso! Jamais! Olha pra minha cara professora – Daniel apontou pra si mesmo – Eu sou do tipo que faria uma coisa dessas?

– Pra falar a verdade sim – interrompeu ela. Alguns risos no fundo foram controlados pelo olhar autoritário da professora – E isso vai servir pra você, Senhorita Middtown, a não cooperar mais com as gracinhas dos seus colegas.

– Nossa – começou Daniel, fungando – Não sei o que dói mais agora, meu coração ou minhas costas emperradas. Ai como dói! – disse fazendo cena. Eu estava muito irritada com essa professora, e eu ainda ia perder a prova. Mas já que eu vou levar uma advertência de graça mesmo, vamos fazer por merecer.

– Calma Daniel, quer uma água com açúcar? Um chá? A senhora deveria se envergonhar! Olhe para o rosto dessa pobre criança inocente – declamei, pegando o rosto de Daniel com uma mão – essa pobre criatura ignorante, esse ser que mal sabe ler e escrever com muita dificuldade, esse infeliz que...

– Tá espremendo a minha cara! – exclamou ele, se livrando as minhas mãos, em seguida examinou o maxilar cuidadosamente – Acho que você afrouxou a minha cara toda – agora a gargalhada foi geral, e dessa vez o olhar autoritário da professora não fez efeito.

– Deixa de drama – falei com desdém falso. Olhei pra professora que estava perplexa com a situação. Discretamente passei a mão na minha mochila que estava na classe logo da frente, eu já sabia onde tudo isso ia dar.

– A senhora acha que a cara do Daniel tá torta? Tipo, mais do que ela já é? – perguntei seriamente.

– Ei! Eu tenho a cara torta?

– OS DOIS PRA DETENÇÃO! – gritou a professora já muito doida da vida. Ela pegou cada um por um braço e foi arrastando porta a fora.

– Olha os danos morais! – reclamava Daniel – Se tiver uma marca na minha pele sedosa e muito bem cuidada eu te meto um processo que você vai ter que vender essa bolsa de jacaré falso aí! Ai meu braço! Eu passo hidratante todo dia, hidratante caro, não o óleo de frango frita que tá aí no teu pescoço! – falava ele enquanto eu me segurava pra não rir. A professora transtornada nos empurrou pela porta e a bateu com força em seguida.

Daniel e eu nos encaramos e três segundos depois caímos na gargalhada ali mesmo, na frente da sala.

– Olha o que você fez – reclamei. Eu havia perdido a prova semestral e teria que me desdobrar pra arrumar uma assinatura de Lucius para que eu pudesse assistir a próxima aula dela.

– Eu não estava muito afim de aula hoje – falou Daniel, encarando o chão.

– E deixe-me adivinhar, eu sou sua primeira opção de companhia extra curricular? – perguntei, arqueando as sobrancelhas.

– Melhores amigos servem pra isso – ele me ajudou a levantar e fomos em silêncio pelo corredor, cruzando o pátio até a sala dos professores. Como todos os alunos estavam em suas respectivas salas de aula, a escola tinha aquele ar macabro e silencioso. Jogamos nossas mochilas no ombro e fizemos a cara mais santa do mundo enquanto íamos atravessado o saguão.

– Quem fala? – perguntei.

– Eu, você não sabe mentir, inútil – disse ele. Coloquei o pé na frente do pé de Daniel e o fiz tropeçar. Ele retribuiu com um soco de leve no meu ombro.

– Fomos indo até o portão, por muito azar, em vez do supervisor camarada que deixa todo mundo entrar e sair quando quiser, lá estava a supervisora chata.

– Oi – disse Daniel, ao se aproximar dela – Nós somos da manhã e ficamos aqui pra falar com um professor da tarde, mas já estamos indo embora.

– A mulher pensou um pouco, abaixando o óculos até a ponta do nariz.

– Sei... – murmurou ela, desconfiada.

– É verdade – falou ele, olhando-a diretamente nos olhos. Seu tom soou mais como uma ordem do que como qualquer outra coisa. A mulher balançou a cabeça duas vezes e depois abriu o portão. Descemos as escadas e eu esperei até estarmos longe pra falar novamente.

– Aquilo foi sinistro – disse – Você fez o que, hipnotizou ela? – brinquei. Daniel soltou um pigarro e riu. Caminhamos até chegar num skate park que tinha ali perto. Joguei minha mochila no chão e deitei naquela pedra grande onde os skatistas fazem manobras e eu não faço a menor ideia de como se chama.

– O dia tá uma porcaria – suspirou Daniel, se deitando ao meu lado e colocando os braços em frente ao rosto. Olhei para o sol tentando desviar das nuvens densas e acinzentadas que encobriam grande parte do céu. Típico dia em Elwood, Indiana.

– Pois é.

– Acho que você tá meio estranha – comentou ele.

– Por?

– Não sei. Num dia como esses você costuma chegar cedo, agarrar meu braço e me arrastar pra matar aula.

– Não é verdade – retruquei – Se fosse assim eu nunca iria pra aula, todos os dias são praticamente assim. E além do mais quem chegou atrasado foi você, eu cheguei cedo.

– Você entendeu – ele revirou os olhos.

Esperei um pouco. Não, eu não ia envolver Daniel nas minhas loucuras. São coisas que eu vou resolver sozinha, pelo menos eu acho que vou. Conte apenas fatos, não loucuras.

– Ontem teve um funeral lá em casa, e depois eu fui até a rua ver porque o Boris estava latindo, depois eu tive que correr no meio do mato pra achar a Lilly e acabei encontrando um cemitério. Nada demais.

– Um cemitério? – Daniel se dobrou por cima de mim, interessado no assunto.

– Sim, daqueles bem antigos, não sei nem se tem registro.

– Ah, eu quero ver – falou ele, os olhos brilhando.

– Não mesmo. Eu não volto lá de jeito nenhum.

– Deixa de ser medrosa, por favor, eu quero ver. Você tem noção? Imagina se a gente acha um cemitério ancestral? Com um túmulo de um monarca, um diplomata? Imagina só?

– Não volto lá por nada – bati o pé. – Vamos falar de outra coisa, que tal você me contar o porquê dessa tatuagem esquisita no seu braço? – puxei a manga da camiseta dele, revelando o escudo e as espadas imortalizados por uma tatuagem. As bordas perfeitamente delineadas, quase como se tivesse sido feita por dentro e não por cima da pele. Daniel recuou, tampando o braço e me fitando sem expressão. Ele não gostava de mostrar a tatuagem, nem falar sobre ela, o que foi motivo de algumas brigas e muita curiosidade da minha parte.

– Não troca de assunto – ele sorriu, desajeitado. – Você não volta lá nem por mim? – ele fez cara de cachorro na chuva. Virei o rosto irritada. Ficamos um minuto em silêncio e em seguida veio o ultimato.

– Você vai – disse ele.

– Não vou – bati o pé novamente, decidida.

Duas horas depois, eu estou aqui nesse cemitério horroroso e cheio de mofo novamente. Meu estômago estava roncando, não sei se era de fome, de nervoso, de medo, ou tudo isso junto.

– Olha só pra isso! – falou Daniel abrindo os braços e girando pelo cemitério – É incrível.

– Não sei qual a graça num lugar cheio de gente morta, mofo, e mármore velho.

– Você não tem cultura, nem dê opinião. Olha isso aqui! – ele deu um berro tão alto que eu me assustei, pensando que um zumbi estava vindo comer meu cérebro, ou o Jason tinha saído do meio do mato. Daniel correu até uma lápide estilhaçada – Tá aberta! Tá aberta! Tá aberta! – cantarolou entre pulinhos, enquanto meu pavor subia. Como assim aberto?

– Como assim essa coisa tá aberta?

– Tá conservado! – gritou ele novamente.

– Conservado? Conservado?!

– Deve ter no mínimo uns três séculos!

– O qu... – a essa altura eu já nem conseguia pronunciar mais palavra nenhuma, e Daniel só aumentava mais ainda o meu medo. Daqui a pouco ele ia gritar que o cadáver estava nos convidando pra tomar um chá. – Sai da frente – disse dando passos largos até ele e o empurrando da frente do túmulo aberto. Era alto com um buraco no meio e várias rachaduras, engoli seco. Tomei coragem e inclinei a cabeça, levantando um pouco os pés, enquanto olhava lá dentro. Ossos foram a primeira coisa que eu vi, um arrepio passou pelo meu corpo.

– Eu preciso ver melhor – disse Daniel seriamente enquanto enfiava as mãos nos pedaços de mármore do túmulo e os tirava da linha de visão.

– Você vai abrir isso? – perguntei pasma.

– Mas é claro que vou.

– Isso é um absurdo! É crime! É violação de cadáver! – protestei qualquer coisa que o impedisse de mexer no morto.

– Acho que os pais dela não vão se importar – falou com ar de sarcasmo.

– Dela? – falei, sentindo uma bola se formar na minha garganta. Agora que eu parei pra ver melhor, Deus queira que não, mas esse túmulo parece o túmulo que eu caí ontem a noite. Eu não lembro muito bem, pois todos eram muito parecidos.

– É uma mulher, dá pra ver pelo vestido. Você não viu?

– Não! Eu só vi ossos de uma pessoa morta! – rosnei – Seu projeto de besouro rola merda!

Assim que terminei de falar, Daniel tirou o último pedaço de entulho de dentro do túmulo. Agora a visão era clara. Devia ser uma mulher, a julgar pelo vestido que agora estava virado em trapos. O que não coincidia com o que eu me lembrava, o cadáver em decomposição. Pequenos pontos marcavam os ossos do rosto dela, pareciam...

– Isso parece sangue... – falou Daniel, cutucando as manchas – Sangue fresco.

Minha cabeça latejou em resposta, meu sangue. Senti minhas pernas ficarem bambas, meu corpo todo amolecer como se fosse gelatina. Era difícil respirar, ou manter meus olhos em uma direção certa.

– Olha só...– ele se agachou enfiando-se quase completamente dentro do túmulo, tirando um pequeno colar dourado. – Parece aqueles colares em que você coloca fotos dentro - continuou constatando Daniel, fuçando no objeto. A voz dele se distanciava cada vez mais, como se eu estivesse sendo sugada dali.

– Talvez seja ela aqui? Seu rosto é muito familiar... Eu acho que talvez ela possa ser...

Tudo começou a ficar escuro, as cores começaram a sumir.

– Você precisa partir.

Vozes dentro da minha cabeça começaram a falar, como fantasmas.

– Venha comigo, partiremos agora mesmo.

Falou a voz, minha voz.

– Não. O lugar pra onde você vai, eu não posso ir.

Ele encarou o penhasco com olhos baixos. O vento quente e úmido balançava os cabelos negros dela a luz do luar. Em seguida, ele a pegou pelo braço – meu braço – com extrema violência, os olhos vermelhos ardendo em uma fúria desconhecida. Eu não via seu rosto, apenas os olhos penetrantes e sem expressão. Então a garota foi lançada ao vento, penhasco abaixo. A figura negra apenas a acompanhava cair.

– Porque não me salva?

– Porque fez isso?

Um mistura amarga de sentimentos com agonia fora de controle.

– Por favor, não...

– Por favor.

– Esther! – a voz de Daniel estava longe.

– Eu amo você.

– Esther! Acorda!

– Não! – gritei, sentindo o gosto da água fria e salgada na boca e garganta, que de repente desapareceu com uma golfada de ar. Encontrei os olhos negros de Daniel, apreensivos logo acima de mim.

Eu estava sentada no chão, ofegando violentamente como se quase tivesse me afogado, as minhas mãos trêmulas seguravam minha garganta. Daniel estava agachado ao meu lado, numa expressão óbvia de pânico.

– O que houve? Você ficou pálida e caiu inconsciente! – verbalizou ele.

– Eu... – não encontrava palavras para explicar o que realmente aconteceu. Foi uma espécie de transe? Ou eu estou começando a enlouquecer? Não. Eu não sou louca. Alguma coisa está acontecendo. Alguma coisa começou nesse maldito cemitério.

– Esther, acho que você precisa descansar. Vamos, eu te deixo em casa – disse Daniel, se levantando e fazendo menção de me levantar também.

– Não. Eu só me assustei. – menti – Agora você me deixou curiosa, eu quero saber quem é essa mulher – falei, indo em direção ao túmulo.

– Mas Esther...

– Eu estou bem – sorri pra enfatizar – Então o que temos aqui?

Depois de alguns segundos de relutância, Daniel se prostrou ao meu lado.

– Tudo bem – começou ele – Quando você caiu como uma jaca madura ali no chão, eu estava dizendo que ela se parece com Elisabeth Bathory.

A condessa de sangue? – perguntei, tomando o colar da mão dele e fitando a foto desgastada pelo tempo. Uma mulher pálida, de cabelos negros rebeldes e olhos profundos e tristes. – Acho que você está assistindo aulas demais do professor Mclaughen – constatei. – Essa mulher foi condenada a prisão perpétua em seu próprio castelo. Ficou presa lá até sua morte em...

– 21 de agosto de 1614, sendo sepultada nas terras de Bathory, em Ecsed. – completou Daniel – Eu sei, Esther. Mas como se explica o sumiço do corpo de lá? Não foram achados nem os ossos – ele apontou sugestivamente pro túmulo atrás de mim. Eu me afastei um pouco.

– É bem suspeito – admiti – Mas porque você acha que, dentro os quatro cantos do mundo, eles esconderiam o corpo de uma Condessa Húngara num cemitério de quintal em Elwood? Além do mais, aqui na lápide diz Catherine Lisenbroder. – coloquei os fatos na mesa. – É uma possibilidade de 1 em 1 milhão.

– Mas é uma possibilidade, e lápides não provam nada – falou Daniel com um sorriso otimista. – Sem contar nas pesquisas por fora, os livros não contam tudo. E a filha que ela teve? E o fato dos guardas do castelo terem dito que ela se parecia igual ano após ano, ela não envelhecia. Muitos diziam que ela podia ser...

– Se você disser...

– Uma vampira.

– Pra mim chega – falei dando meia volta – Estamos aqui analisando uma coisa séria e você com seus contos de terror. Vampiros não existem, nem fantasmas, nem demônios, nem anjos, nem qualquer outra besteira que você pense em falar agora.

– Esther... – Daniel me encarava confuso – porque mencionou tudo isso? Eu nunca falei em Anjos ou Demônios.

Senti uma pontada de nervosismo, essas malditas visões e coisas esquisitas estavam perturbando até meu modo de pensar e falar.

– Lendas urbanas – dei de ombros e fui em direção a saída daquele cemitério odioso.

Daniel me seguiu em silêncio. Eu estava atordoada demais pra pensar em falar qualquer coisa.

Ele me deixou em frente a funerária perto da uma hora da tarde, horário em que eu deveria estar voltando da escola. Notei um Chevy Impala preto estacionado no quintal. Me despedi de meu amigo rapidamente e entrei, dando de cara com uma cena que me fez derrubar a mochila no chão.

– Oh, querida, ainda bem que você chegou – disse Lucius indo em minha direção. Elena estava sentada numa poltrona ao lado de dois caras que usavam ternos. Um deles, moreno, olhos verdes e um pequeno caderno em mãos. Já o outro era loiro, olhos também verdes e me fitava diretamente, o cara do ponto de ônibus. O tal Dean Winchester. Meu sangue gelou. – Esses são os agentes...

– Thompsom e Criek – interrompeu Dean, apontando por último pra si mesmo, em seguida puxou um distintivo – FBI.

Certo, conta outra. Desde quando agentes do FBI se escondem no mato e perseguem garotas no meio da rua? Eu não ia cair nessa, mas fiquei quieta, não ia fazer alarde na frente dos meus tios.

– E o que agentes do FBI estão fazendo aqui? – perguntei, dando ênfase sarcástica. O loiro soltou um pigarro de desconforto.

– Seu irmão. – começou o moreno - James Scheer, ou Middtown, como preferir, está desaparecido depois de assassinar os pais adotivos a facadas. Estamos fazendo perguntas a família de sangue pra saber se alguém já teve um comportamento parecido que explique isso.

Meu corpo parecia ser feito de pedra, precisei de alguns segundos e muita força pra conseguir formular as palavras.

– O quê?!

– É algo trágico, mas nós não temos como ajudá-los senhores, não temos nenhum tipo de contato com o garoto desde criança – falou Lucius.

– Apesar de Esther ter presenciado algo parecido quando tinha seis anos, a mãe morreu num trágico assassinato. Foram os demônios, com certeza – começou Elena.

– Demônios? – perguntaram os agentes em coro, interessados demais.

– Sim, demônios. Eles perseguiam a pobre Marina, e depois que ela morreu, não é difícil ver que eles perseguem seus filhos. Veja só as roupas de Esther, uma total pecadora...

Encarei minha calça jeans e moletom surrado. Eu podia ficar brava com minha tia, mas eu ainda estava perplexa sobre o que eles disseram sobre meu irmão. Estava tentando manter a calma, mas cada célula do meu corpo gritava pra eu sair chutando as portas atrás de Jimmy. Ele não pode ter feito uma coisa dessas, deve haver uma explicação razoável. Minha cabeça dava voltas e voltas, e cada fio de cabelo se arrepiava ao pensar que ele realmente tinha cometido tal atrocidade.

– Gostaríamos de falar com a Esther – pronunciou-se Dean – Se vocês não se importarem.

– Não, fiquem a vontade – disse Lucius, olhando pra mim.

– Eu me importo. Não quero falar com vocês – falei, juntando a mochila do chão e colocando no ombro.

– Não é questão de querer... – o moreno ia começar, mas eu o cortei rispidamente.

– Vocês têm um mandato? Quando tiverem um podem falar comigo.

Segui em direção as escadas.

– Precisamos de um? – perguntou o loiro, desafiador. Eu o encarei por dois segundos e depois subi para o meu quarto. Pensei em toda aquela bagunça cheia de sangue presa no banheiro e me joguei na cama. Minha cabeça estava atordoada e eu não conseguia pensar direito.

Esses caras estavam investigando o paradeiro de Jimmy, talvez realmente fossem do FBI. Mas algo dentro de mim me fazia duvidar, pode chamar de sexto sentido ou o que quiser, mas eu não acreditava nessa história de agentes da lei. E quanto ao meu irmão, desaparecido. O que eu podia fazer? A resposta era nada. Talvez eu pudesse tentar, mas tentar o que? Minha única opção de fazer algo por Jimmy seria seguir os passos dos supostos caras do FBI, eles iriam voltar pra falar comigo, disso eu tinha certeza. Lembrei de uma das cenas mais felizes que eu tive com Jimmy na infância.

Estávamos brincando de pique esconde dentro de casa e então mamãe chegou, nos amontoamos no sofá para ouvir uma história e acabamos dormindo ali. Eu não tinha muitas lembranças de quando era pequena, só algumas imagens, eu sequer lembrava do rosto da minha mãe.

Decidi esvaziar a cabeça um pouco e resolver o único problema que eu podia agora.

Elena lava roupa dia sim, dia não. Se eu lavar de madrugada ela não vai perceber. Tendo um problema resolvido, peguei meu celular e liguei para Daniel. Ele atendeu no segundo toque.

– Alô.

– Sabe se tem algum trabalho pra semana que vem? Já que você me tirou da aula.

– Tem uma pesquisa de trinta páginas sobre os reinos, suas características e exemplos completos – falou, com a voz meio emburrada.

Ficamos dois minutos em silêncio.

– Ei – comecei – Desculpe o chilique no cemitério. Você sabe, eu...

– Você é medrosa – debochou ele.

– Não é isso. Eu só não gosto dessas coisas, sei lá.

– Certo, desculpada.

– Adivinha quem esteve aqui?

– Os X-men?

– Não. Agentes do FBI – falei – Parece que meu irmão esfaqueou os pais adotivos e está desaparecido.

Daniel ficou em silêncio.

– Daniel?

– Eu sinto muito, Esther – falou ele por fim – Olha, eu preciso fazer uma coisa agora. Posso te ligar depois?

– Pode...

A voz dele soou estranha, e em seguida ele desligou. Encarei o telefone por alguns segundos, meio magoada por eu estar abrindo meu coração e meus problemas e meu melhor amigo desligar praticamente na minha cara. Deitei de lado na cama, agarrando o travesseiro. O sol já estava se pondo, alguns raios entravam pela janela e dançavam no chão, sumindo devagar. Acabei adormecendo.

Quando acordei já era noite escura. Não pude acreditar no quanto eu havia dormido. Tomei um banho, fiz um lanche rápido e decidi começar o meu trabalho. Liguei o computador, e o sinal da internet estava péssimo, pra variar. Fiz todas as pesquisas para a próxima aula de Biologia e fiquei encarando o google. Eu não curtia redes sociais, e minha internet era lenta demais pra qualquer outra coisa, então meu computador só servia pra trabalhos escolares mesmo. No relógio marcava 23:53PM, e eu não pretendia dormir. Me rendi a curiosidade e coloquei o nome Elisabeth Bathory no google.

“A condessa Elisabeth Bathory foi uma das mulheres mais perversas e sanguinárias que a humanidade já conheceu. Os relatos sobre ela ultrapassam a fronteira da lenda e a rotulam através dos tempos como A Condessa de Sangue”.

[...] Ficou noiva do Conde Ferenc Nádasdy aos onze anos de idade, passando a viver no castelo dos Nadásdy, em Sárvar. Aos 14 anos engravidou de um camponês, e como estava noiva, fugiu para não complicar o casamento futuro; que ocorreu em maio de 1575. Seu marido era um oficial de exército que, dentro os turcos, ganhou fama de ser cruel.

[...] Teve uma ótima educação, inclusive sendo excepcional por sua inteligência. Falava fluentemente húngaro, latim e alemão. Entretanto, não tivera uma infância feliz, graças a sua frágil saúde, além de ter crescido num período ao qual a Hungria sediava guerras entre austríacos e turcos. De acordo com os registros, quando tinha cerca de nove anos de idade, resistiu há uma invasão das tropas inimigas ao castelo de Ecsed, residência de sua família, e provavelmente presenciou a morte de suas irmãs mais velhas, que foram estupradas e depois assassinadas. Não obstante, seu pai, George Bathory, se tornara famoso por aplicar castigos severos aqueles que não cumpriam suas leis, sendo que muitos deles eram assistidos pela jovem. Como quando um cigano acusado de sequestrar crianças foi aprisionado dentro da barriga de um cavalo morto, apenas com sua cabeça deixada para fora.

[...] Ganhou fama de ser vampira por se banhar com o sangue de suas criadas [...].

[...] Espetava alfinetes em vários pontos sensíveis do corpo de suas vítimas, como, por exemplo, sob as unhas ou nos mamilos. No inverno, executava suas vítimas fazendo-as se despir e andar pela neve, despejando água gelada nelas até morrerem congeladas [...].

[...] Em 1604, depois da morte de seu marido, Elisabeth conheceu Anna Darvulia, que lhe ensinou novas táticas de tortura. Muitos dizem que a tal mulher era praticante de magia negra, além de ter grande semelhança com a Condessa, podiam ser facilmente confundidas.

[...] “Tu, Elisabeth, és como um animal” – disse ele – “estás nos últimos meses da tua vida. Não mereces respirar o ar nesta terra, nem ver a luz do Senhor. Irás desaparecer deste mundo e nunca mais irás aparecer. As sombras irão encobrir-te e terás tempo para arrependeres da tua vida brutal. Condeno-te, Senhora de Csejthe, a seres imprisionada perpetuamente no teu próprio castelo” [...].

[...] Morreu em 1614, quando um dos guardas, tentado pela curiosidade, espiou pelas paredes do castelo, encontrando o corpo de Elisabeth no chão, sem vida aos 54 anos de idade. O corpo foi coberto por uma toalha vermelha, ficando fora das vistas de todos os moradores e curiosos. Foi enterrada num caixão fechado para que ninguém pudesse vê-la. “Ela estava intacta, como se estivesse nos seus 20 anos de idade” eram os boatos que circulavam pela cidade, após o sepultamento da Condessa.

[...] O corpo sumiu da sepultura, estudiosos preferem não falar sobre o ocorrido [...].

[...] Estão as autoridades nos escondendo algo?! Estão eles nos escondendo os Demônios?! [...].

Isso é doentio. Apenas uma maldita história de terror criada para pôr medo em pessoas que perdem seu tempo lendo isso.

Desliguei o console, catei as roupas ensopadas de sangue e decidi ir até a lavanderia. Desci as escadas sorrateiramente, coloquei as roupas na máquina, sabão em pó e liguei, demoraria mais ou menos uma hora e meia, então eu subi novamente pro quarto. Não me preocupei com Elena, pois ela dormia feito uma pedra.

Com as luzes apagadas, eu abri a janela e me escorei no parapeito da mesma, sentindo o vento bater no meu rosto e jogar alguns fios do meu cabelo pra trás. O topo das árvores balançava harmoniosamente, contrastando com o brilho prateado da lua. Um bater de asas desviou minha atenção para outro lugar, mas eu não consegui ver nada. Talvez tenha sido um pássaro ou um morcego. Boris começou a latir e rosnar em direção a porta de entrada da funerária.

– Boris – chamei, controlando a voz pra não gritar – Não, deita. Menino mal! Shhh – ele deu um grunhido e olhou na minha direção, abaixando as orelhas. Olhei pra trás, observando o escuro por vários segundos. Uma sensação angustiante começou a se formar no fundo do meu peito.

De repente ouvi um estrondo alto, vindo da cozinha, seguido por sons de panelas caindo, portas batendo e vidros quebrando. Meu coração disparou, querendo sair pela garganta. Boris latia desesperadamente do lado de fora. A porta do meu quarto se abriu lentamente, revelando uma silhueta. Um homem veio perambulando no escuro com a mão no pescoço. Apertei os olhos, reconhecendo Lucius, ele estava cheio de sangue, parecia ter sido atropelado por um caminhão.

– M... Ajude-me! – foi o que murmurou antes de ser lançado contra a janela, espatifando-a. Outro homem veio em minha direção, ele era ruivo, usava terno, e os olhos... Eram completamente negros.

– Esther – pronunciou ele. Eu recuei pra trás – É um prazer conhece-la. – ele sorriu e se aproximou, eu já estava com as costas na parede. Ouvi Boris chorar e em seguida os latidos cessaram, juntamente com o som de um carro cantando pneu.

– Quem é você? – perguntei assustada, olhando para a janela espatifada que dava para o quintal, meu cachorro estava empalado em cima do portão. O corpo de Elena estava atirado na grama, e o Impala estava estacionado em frente a funerária. Senti lágrimas se formarem nos meus olhos, mas o pavor as conteve.

– Eu... – quando o homem ia responder eu ouvi um barulho de tiro. O homem caiu de joelhos e eu aproveitei a distração. Corri pra janela, me jogando na grama que por sorte ainda não havia sido cortada esse mês. Caí com o ombro direito no chão, o que me fez rolar de dor por dois segundos.

– Espera! – gritou a voz de Daniel, debruçado na janela. Encarei seu olhar desesperado, mas meu corpo seguiu o instinto primitivo de continuar correndo pra longe do perigo. Eu não estava pensando direito, só queria sair daqui, agora.

Eu olhava pra trás pra ver se ninguém estava me seguindo, Dean desceu pela janela e estava vindo atrás de mim, e estava armado. Lancei-me e corri mais rápido em direção ao Impala 1967. Quebrei o vidro com uma pedra e entrei. Fui logo puxando os fios do painel para tentar fazer uma ligação direta (que eu só havia visto em filmes, mas tempos desesperados pedem medidas desesperadas). Sorri ao ouvir o ronco do motor, mas parece que eu liguei ou derrubei alguma coisa que fez um farfalhar engraçado.

Arfei, manobrando o carro pra dar o fora daqui, quando atingi a velocidade de 60km/h eu percebi que não estava mais sozinha. Desviei os olhos da estrada e vi um par de olhos azuis me encarando.

– Mas que... ! – eu pulei do banco abruptamente, perdendo o controle da direção e indo de encontro a um poste. Senti um toque quente na minha testa antes de eu apagar completamente.


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