A Carta escrita por Nicolle Bittencourt


Capítulo 1
Capítulo 1: Amar-te é um mal que me faz bem


Notas iniciais do capítulo

"Ele nunca lerá isso, ele nunca a conhecerá, e ela sabe, mesmo assim, ela gosta de sonhar".



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Desde sempre, as palavras haviam sido a forma que ela havia encontrado para se expressar, se livrar de tudo.

E naquele dia, não havia sido diferente, pelo contrário, naquele dia em especial, ela precisará daquilo quase tanto quanto precisava dele. O coração dela já não aguentava mais tudo aquilo, era demais para o seu pobre coração, e demais para a garota. Era como se ela fosse desabar a qualquer instante, estilhaçar como uma taça de cristal, porque, a grande verdade era: mesmo que ele não soubesse sobre sua existência, mesmo que ele nem ao menos sonhasse em saber quem ela era (e isso em si já era o suficiente para fazê-la cair em lágrimas); cada pequena ação dele refletia nela, atingia-a, a fazia ascender para o céu ou decair em terra. E depois de consecutivas atitudes dele, atitudes que a feriram com nunca antes alguém a feriu, ela sentia-se como se fosse explodir, como se houvesse sentimentos demais sendo carregados por ela, peso demais sendo suportado por suas costas. Ela precisava se livrar disso, precisava com urgência.

Então, ela fez como sempre fazia quando se sentia assim: alcançou seu caderno favorito e agarrou a primeira caneta que viu pela frente. Sem grandes explicações ou mesmo pensamentos, dirigiu-se a sua cama, lançando-se sobre ela; segurando a caneta como se fosse sua vida, apoiando o caderno contra suas pernas enquanto começava a escrever aquilo que estava guardado em seu coração, aquilo que nunca poderia dizer pessoalmente à ele. Ou melhor, que nunca poderia dizer à ele. E mesmo assim, a carta seria dirigida ao garoto, afinal, qual seria o objetivo de escrever aquilo se não fosse para ele?

A menina sabia que ele nunca leria o que ela fosse escrever naquele pedaço de papel, mas isso não a impediu de escrever, na verdade, aquilo fora mais como um estimulante para ela. Uma forma de escrever-lhe tudo o que estava guardado com ela há tanto tempo!

E sendo assim, ela começou a abrir seu coração e a derramar sobre a página a sua frente o que estava a fazendo se sentir presa e incapacitada. Ela escrevia sem ligar para o capricho da letra ou para possíveis erros, ela resolveria isso depois, a garota apenas precisava se livrar daquela sensação, ela precisava fazer algo sobre o que sentia por ele, precisava ajuda-lo e precisava se ajudar. Escrever, era a única solução que ela conseguiu arrumar; era a única forma de confidenciar a ele como era estranho amá-lo.

“ Meu amor,

A dor que tu me inflige rasga-me, corta-me, dilacera-me.

É uma dor que eu nunca senti antes, e que destrói tudo que encontra pelo caminho: sonhos, amores, sorrisos, amizades e carinhos.

O pior de tudo é que tu não sabes que me causa esta dor! O pior é que eu não posso dizer a ti tudo de ruim que já causaste ao meu coração, todos os cortes que tu provocaste, todas as rupturas infindáveis.

Eu só queria poder gritar contigo, gritar todas as atrocidades que fizeste-me e não sabes. Eu queria bater-te, chutar-te, sacudir-te até que pudeste sentir um pouquinho da minha dor. Sim! Porque nada se compara a ela, no entanto, gostaria que tu sentiste um pouco de dor, para que ao menos, pudeste entender-me, e para que entendeste por que às vezes parece que sou cortada de dentro para fora, dilacerada sem piedade ou consideração. Acho que se tu entendeste-me, conheceste-me, tentaria não machucar-me assim, tentaria compreender o que tuas atitudes causam ao meu coração: uma dor profunda e sem fim. Uma dor acompanhada de lágrimas e cortes, uma dor que ninguém consegue curar, a não ser tu, o único culpado de toda dor.

Eu digo que eu quero te bater e gritar contigo, mas acho que se te visse... Se te visse... Oh, se te visse eu ficaria sem palavras, eu sorriria e seria como se nenhuma dor tivesse existido, seria como um sonho, onde tudo é perfeito e colorido. Tenho certeza de que quando tu sorrisses; quando tu sorrisses, eu derreter-me-ia, porque minha vida é ver teu sorriso. Se ouvisse tua voz falando comigo, eu ficaria calada apenas para ouvir cada sopro de tua boca, cada pequena sílaba formada, cada palavra encantadora dirigida aos meus ouvidos. E quando fosses me abraçar, quando teus braços fossem envolver os meus... Já não existira mais o mundo ou os problemas, ou mesmo teu lado sombrio e rebelde; apenas existiria nós e nosso abraço, só existira teu corpo envolvendo o meu, teu cheiro inebriante invadindo o meu ser enquanto eu tentaria gravar cada mínimo detalhe teu: cada expressão, cada toque, seriam grafados em mim para toda a eternidade.

E isso tudo é tão contraditório! Tu me fazes sentir a pior das dores, a mais dolorosa e insuportável, tu és o culpado de noites em claro, lágrimas em ritmo crescente e soluços incessantes. És o culpado das horas perdidas, horas que fico imaginando-te ao meu lado, falando comigo; culpado do coração palpitante; dos sorrisos honestos, e de levar-me as alturas apenas com tua voz, que nem a mim é dirigida realmente. Mas também é culpado de tantas brigas que tenho, de tanta desunião, de tanto sofrimento e desilusão. Tu és meu tudo e meu nada, minha felicidade e minha tristeza, meu mundo e a destruição do mesmo. Tu és contradição pura e simples em meu coração.

Não, não é meu coração, é teu coração! Tu és culpado de roubá-lo também, de roubá-lo e feri-lo ao teu bem querer, de manipula-lo ao teu bel-prazer, de fazê-lo pulsar quando desejas e de fazê-lo teu cada dia mais.

Eu sou toda tua, acabo por dar-me conta, e tu nem ao menos sabes disso, e nunca saberá, creio eu. No entanto, creio que fiz uma importante descoberta enquanto escrevo isto: tu és minha enfermidade e meu remédio, és o causador e curador de todos os meus problemas, meu dia chuvoso e o sol por trás da tempestade. Tu és o meu tudo, e sem ti sou um nada. Por isso continuarei aqui, dependente de ti, minha droga, minha doce e viciante droga. Continuarei a chorar por ti, a sorrir por ti, a gritar por ti, a brigar por ti, e a sonhar contigo, não importa o que houver no caminho, não importa se me machucarei no percurso, desde que eu saiba que te encontrarei do outro lado, nada importa de fato.”

Ela terminara a carta aos prantos, as lágrimas escorrendo pela face sem que ela as secasse, a garota já havia parado de tentar desde o início, quando não conseguiu controla-las.

As lágrimas continuavam preenchendo seus olhos e embaçando sua visão, no entanto, isso não a incomodava, aquilo havia sido bom! Servira para esvair dela todo aquele peso, aquela dor, aquela tristeza! Além disso, a estimulara a prosseguir a carta, e ela não poderia estar mais feliz com o resultado. Aquilo... Aquilo fora quase igual a ouvir a voz dele nos dias nebulosos e tristes, era como descobrir um bote salva-vidas quando se está em alto-mar, ou visualizar um pequeno raio de sol através das nuvens espessas e negras.

Era uma pequena alegria e um grande alívio.

Agora a menina estava leve, um pouco machucada talvez, porém, estava livre daqueles sentimentos pesados dentro de si! Conseguira escrever o que diria a ele se tivesse a oportunidade, escreveu o que sentia e o que a incomodava, escreveu para ele e sobre ele, e nada poderia mudar o quão orgulhosa ela ficara do resultado. As lágrimas eram apenas o preço a se pagar por aquilo, um preço um pouco caro talvez, porém, não importava.

Ela deixou-se admirar seu trabalho, relendo o que escrevera enquanto remexia incessantemente no cabelo (uma mania que tinha quando estava nervosa e que nunca conseguira mudar), e balançava o lápis entre os dedos. Como já sabia, terminou a leitura aos prantos, só que de uma forma mais moderada, porque chegara a conclusão de que havia escrito algo bonito, realmente, gostara do resultado, e dessas vez, não englobava apenas sentimentos, englobava a sua escrita também.

A menina olhou fixamente seu texto, pensando que era bonito demais para ser guardado, porém, pessoal demais para ser revelado, era algo só dela e dele. E por mais que agora estivesse feliz com o que seus sentimentos a fizeram produzir, sabia que jamais poderia deixar alguém ler aquilo, seria como abrir as páginas de um diário e jogar ao vento, só que esse diário, era seu coração.

Por fim, ela arrancou a página do caderno, deixando o mesmo na cama assim como sua caneta, essa, porém, estava perdida nos lençóis (algo que sempre acontecia quando ela escrevia ali). Levantou-se impetuosamente, segurando o papel em suas delicadas mãos e foi correndo até a prateleira de livros mais próxima.

Olhou os título, e sem demorar muito, pegou um de seus favoritos de Nicholas Sparks,“Querido John” especificamente, ela amava aquele livro, assim como amava tudo o que aquele escritor fazia. No entanto, ela o pegara por um motivo especial, havia uma frase nele, uma frase que definia exatamente a forma como ela se sentia, que definia tudo, e era o local perfeito para guardar sua carta. Porque fora a essa conclusão que chegara, que ela guardaria a carta, se um dia alguém tivesse que ler, seria ele e apenas ele, ninguém mais deveria ler aquilo. Afinal, o destinatário oculto era o garoto, então, se um dia Deus permitisse, se ela conseguisse realizar o que queria, bem, ela iria dar para ele aquela carta, mas enquanto isso, ela ficaria ali, escondida dentro de um livro em meio a tantos outros livros, escondida de tudo e de todos, apenas ao alcance da garota.

A carta ficaria escondida entre as palavras que definiam os pensamentos e os sentimentos da garota, era como um quebra-cabeça, a página completava a carta, e vice-versa.

Com os olhos ainda úmidos, ela fechou o livro e guardou-o entre os tantos outros, deu as costas a prateleira sem realmente querer fazer isso.

Por fim, jogou-se em sua cama, deitando assim sobre o caderno e a caneta, mas isso era o de menos, porque o nome dele rodava em sua mente e em seu coração. Olhando para o teto de seu quarto, a única outra coisa que a menina conseguia pensar, era no trecho que lera no livro, um dos seus favoritos.

Então, como se ele pudesse de alguma forma ouví-la, ela sussurrou as palavras que explicavam como ela se sentia sobre ele, sobre como era amá-lo.

“Amar-te dói, machuca. Causa-me dor, angústia. Fico doente, de saudades, de carência, de amor. Amar-te me faz mal, um mal que me faz bem.”.


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Notas finais do capítulo

"... Talvez, ela não tenha guardado a carta no livro para sempre".



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