Identidade Homicida escrita por ninoka


Capítulo 54
O preço da verdade


Notas iniciais do capítulo

Oi meus amoreees, tudo bom??
Como têm passado???

No capítulo anterior tivemos a titia Agatha falando sobre o seu passado e agora voltamos para o presente.........
Jack tinha mostrado à Elsie uma papelada que relatava sobre a ~até então~ desconhecida morte de seus pais. Por que Agatha sempre escondeu isso (e tão bem)? Agatha e suas intenções ainda são um mistério para muitos. Jackelino tenta buscar algumas respostas...

relembrando:
Elliot == falecido marido da Shermansky



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[Jack]

Algo me impedia de prosseguir com as instruções de Nathaniel sobre recolher material investigativo a respeito de Shermansky: o pânico de arruinar o único resquício de inocência que as lembranças do passado me proporcionavam. E mesmo antes que eu pudesse me  dar conta, aquela sensação tinha se tornado um fardo para o meu trabalho.

Foi na noite anterior que tinha mostrado para Elsie a ficha sobre a morte de seus pais e --francamente-- tinha minhas dúvidas se aquela tinha sido a melhor coisa que eu poderia ter feito. A garota parecia fora de si. Isso me fazia pensar; imaginar o que Agatha provavelmente tinha em mente quando ocultou tudo sobre sua própria irmã…

Logo de manhã recebi um telefonema da Central --estavam desesperados.

Kim, que vinha sendo mantida sob os cuidados da ala médica da CO desde o incidente com a garota Melody, tinha um sintoma pouco conveniente: perda de memória. Não se lembrava de nada. Somente há pouco tempo atrás tinha identificado o próprio nome.

Mas não era seu progresso que tinha chocado a Central.

Ela tinha fugido.

Sofreu de um surto, de repente. Conseguiu burlar toda a segurança do instituto e caiu fora. Até aquele momento, sequer um sinal de vida da menina. O que me custava acreditar; já que talvez não fosse tão fácil se manter bem escondido naquela cidade.

Caminhava já fazia alguns minutos. Era uma tarde agradável. Bastante gente andava pelas ruas e o clima ensolarado conseguiu trazer uma atmosfera de sociabilidade geral.

Tinha acabado de sair do Parque Central e minhas intenções não estavam em voltar cedo para casa. Em vez disso, peguei a avenida principal do bairro, prossegui mais algumas quadras e adentrei uma rua. Em pouco tempo cheguei em frente um sobrado, onde parei e acionei a campainha.

A porta foi timidamente entre-aberta e um rosto se instaurou na pequena brecha.

— Jack? — Faraize me entreolhava com espanto — Quer dizer… — se conteve. — Jackelino. Boa tarde.

— Podemos conversar...?

Entrei em sua casa e a primeira imagem me deixou em pânico: uma sala pequena, sem tv, com dois sofás perpendiculares ao outro e uma mesinha de centro coberta por uma bagunça de bugigangas, porcas, chaves de fenda e parafusos. No chão, xícaras de café usadas empilhadas umas em cima das outras. Os sofás, encardidos.

Não costumo ser do tipo frescurento, mas em meu interior reside a alma de uma dona de casa pragmática; gosto de tudo em seu devido lugar. E aquela visão me fazia querer arrancar os próprios cabelos.

— Estava preparando um chá. Acho que já, já fica pronto. Aceita?

— Um copo d'água é de bom tamanho.

Faraize acenou com a cabeça:

— Sente aí. Já trago os dois.

Me sentei no sofá. O estofado bastante rasgado e as migalhas de comida se agrupando nas brechas entre as almofadas me obrigavam respirar fundo. Mas decidi ignorar tudo aquilo. Comecei a passear os olhos pelos cantos do cômodo. Me atentei a mesinha de centro, onde meus olhos enxergaram ao menos três carcaças de keypass abertas, ao redor de várias ferramentas e -- claro -- muito lixo.

Isso me fez relembrar: Faraize era o dono daquela tecnologia. Ele sempre foi um... nerd, por assim dizer; desde que éramos muito jovens. Muito fissurado em comics e quadrinhos japoneses que falassem sobre eras avançadas e tecnológicas, não me surpreendia que ele tivesse se aventurado no universo das loucuras cibernéticas e projetado o keypass. Na verdade, acho que a única coisa que ainda me trazia dúvida era porque com tanto potencial ele ainda se dava ao trabalho de se dedicar à sala de aula.

De frente para o sofá que eu estava, o local que comumente reservaria uma televisão dava, invés disso, lugar para um espaçoso quadro retangular, que me tomou a atenção. Embora detenha determinada admiração pela arte, meus dotes em função de compreender a temática da obra foram sempre muito escassos. Fiquei algum tempo tentando compreender aquele conjunto de quadrados rabiscados, alguns marcados com um pingo grosso e vermelho ao centro. Curioso demais. Espiei para os lados e vi que Faraize ainda não estava por perto. Discretamente me reergui do sofá, retirei o celular do bolso e direcionei a câmera do apetrecho para aquele quadro enigmático. Quando tudo parecia conforme, tratei de me comportar de novo no sofá.

Faraize retornou pouco tempo depois.

— Aqui. — me estendeu o copo com água. — Vou deixar o chá aqui na mesa também se quiser. — disse e arrastou parte do lixo da mesinha para o chão, onde caíram sem qualquer tipo de apreço, e disponibilizou o pedaço vazio para colocar o bule de chá.

— Obrigado. — sorri e tomei o líquido numa tacada.

— Hmm... bom... — ele se sentou no sofá perpendicular e iniciou seu típico costume de retirar os óculos do rosto e limpar as lentes na blusa. — Faz... faz tantos anos que não conversamos. No máximo uma palavra ou outra sobre o trabalho. Nem parece que nos vemos praticamente todos os dias naquele lugar.

Estiquei o corpo e inseri o copo vazio num ponto livre da mesinha. Num suspiro, voltei a descansar as costas.

— É verdade…

— E… hm… o que de repente te trouxe até aqui?

— Vim aqui por causa de uma pauta antiga. Uma questão não resolvida entre a gente.

Faraize ainda mantinha sua atenção fielmente engajada em tentar tirar uma sujeira inexistente do óculos:

— Agatha...? — respondeu.

— Ela...

— Foi morta.

— Por que não me contou? Por que ninguém me contou?

— Disseram que você não estava aqui na época. E, além do mais... Nós não nos víamos fazia anos, até você reaparecer em Sweet Amoris.

Remexi a cabeça compreensivamente.

— Foi uma notícia que abalou o bairro inteiro na época. A sobrinha de Agatha era uma criança e todos ficaram mexidos com a situação dela.

— Elsie...?

— Ela mesma. Desde que a vi pela primeira vez… não tive dúvidas de que era a própria.

Sem querer criar rodeios no diálogo, fui direto ao ponto.

— Sobre o assassino...

— Bem… — encaixou o óculos na face. — Até hoje sem conclusão. Diziam que as filmagens das câmeras não captaram ninguém entrando no apartamento que ela morava. Chega a soar sobrenatural.

Algo começou a me deixar desconfortável naquela conversa.

— Zero suspeitos?

— Hm… Muitos vizinhos alegaram na época que Agatha sempre era muito reservada. Nunca foi de interagir muito. Isso praticamente anulava as chances dela ter rixa com os moradores do prédio.

— Uma Agatha muito reservada era a última coisa que eu imaginaria. — ri.

— Nós mudamos, Jack. — apanhou a primeira xícara da pilha de xícaras sujas e estudou seu interior como se averiguasse algo. — Eu mudei, você mudou. É um processo natural. — sacou o bule da mesinha e despejou chá na xícara.

De fato havia uma nuance muito melancólica em sua voz. Por um momento me atentei à figura de Faraize, que era como um irmão para mim. Vi nele uma aura acinzentada, diferente de quando éramos jovens. Faraize sempre foi muito introspectivo e disso não havia dúvidas. No entanto, tinha algo a mais ao seu redor; algo muito mais pesado do que ele poderia suportar.

— Como passou seus últimos anos? — perguntei, com alguma ingenuidade que havia me tomado conta.

Faraize assoprou o chá.   

— Depois que nos formamos tentei entrar para uma faculdade de história, mas não consegui de primeira. Éramos muito moleques, me frustrei a beça na época. Mas no tempo livre acabei trabalhando com um homem que consertava aparelhos eletrônicos. TV’s, controles, rádios, coisas do tipo. Me apaixonei pela coisa. Mas não desisti de história. Depois de entrar para a faculdade acabei transformando a vida de desmontador num hobby. Até o ponto que fui lecionar em Sweet Amoris e Shermansky descobriu que eu poderia ajudá-la.

Pensativo demais, me peguei estático.

— Sobre Shermansky… É uma pergunta estranha.  — pigarreei. — Você acha que ela também mudou?

— Bom, conhecemos ela desde crianças. Naturalmente nossa percepção sobre as pessoas também muda ao longo do nosso amadurecimento. E além de tudo, ela é nossa chefe agora.

Julguei que Faraize não soubesse sobre minha expulsão do cargo.

— Ela é a chefe mais distante que já tive. — desabafei. — Posso contar no dedo quantas vezes encontrei ela pessoalmente desde que iniciei meu contrato. Aliás, acho corajoso da parte dela deixar a escola ao léu, assim.

Faraize soltou uma risadinha (até me surpreendi):

— Ela nunca deixa aquela escola ao léu, acredite. A instituição é como o próprio corpo dela; enquanto seu corpo físico funciona mais como a consciência que comanda aquele lugar. Pelo menos acho que desde que o doutor Elliot faleceu ela prefere ver as coisas por essa perspectiva. Acho que é uma válvula de escape. Eles montaram a escola juntos. Ela deve fantasiar como se fosse o filho que nunca tiveram juntos.

A perspectiva de Faraize me deixou um pouco doente, mas me intrigou ao mesmo tempo; porque parecia carregar algum tipo de verdade. Mesmo que eu pouco conhecesse sobre quem de fato era Shermansky.

 


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Notas finais do capítulo

desculpem qualquer errinho ae hihi
Kissus!!!