76° Edição dos Jogos Vorazes escrita por Mad


Capítulo 1
Está com fome, meu anjo?




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Seria estranho dizer que todos eles já sabiam?
Seria impossível cada um deles ter certeza de sua morte?

Enquanto Josh Cellar andava silenciosamente entre as árvores, catando furtivamente qualquer tipo de planta comestível para saciar sua fome tenebrosa, ele sentiu alguns espasmos musculares. Dentro de sua cabeça, um sussurro o surpreendeu.

“Será você”, dissera a voz.

Voltando para casa ele se deparou com duas garotas vestidas com farrapos de vestidos azuis idênticos, sentadas em uma trágica carroça, fazendo tranças nos cabelos uma da outra. Reconhecera Michele e Victoria Shay, suas vizinhas. O garoto desvia o olhar rapidamente, e percebera que seus punhos se cerram quase que instantaneamente.
Logo as garotas pareceram nota-lo, pois risadas foram estridentemente produzidas, barulhos de ânsia de vomito compartilhados.
O garoto não se importou; Não estava com vontade de brigar. Não hoje. Estava se sentindo extremante abatido após a volta na floresta. Seus ombros doíam com o trabalho pesado, como se cinco dos machados que era obrigado a manejar durante quase doze horas por dia estivessem pendendo sobre eles, e a fome rotineira do distrito sete não ajudava em nada.

Sua casa era feita inteiramente de madeira, alguns pontos já apodrecidos com o tempo, mas Josh a achava perfeita exatamente daquela forma.
Ele sabia que teria que entrar alguma hora, mas preferia adia-la o quanto podia.
Ele se senta no segundo dos três degraus que levavam a frágil porta de entrada e agora mastigava sua última folha de menta, em uma esperança desesperada de acabar com aquele vazio no estômago.
Josh vestia suas melhores roupas; Uma calça moletom marrom, da mesma cor de seus olhos e cabelos, uma camiseta manchada que um dia já fora branca (Agora possuía um terrível tom amarelado), e dois sapatos gastados.
Ele encara o céu azul por alguns segundos, antes da tosse se seu pai começar a agredir seus ouvidos, vinda de dentro da casa. Ele suspira por alguns instantes, antes de se levantar e entrar para poder se despedir. A hora da colheita estava próxima.
–----

Luka Venomania se encontrava sentado na mesa de jantar da família, em sua casa surrada, no distrito 12.
Seus pais e sua irmã observavam-no como se ele já estivesse morto. Bem, ele se sentia assim, então era bom receber o tratamento como tal. Como mais um garoto morto sem importância.
Após sua mãe desabar em um choro desesperado, ele percebeu que não conseguiria ficar nem mais um segundo dentro daquela casa. Com seus cabelos castanhos, quase loiros, esvoaçando, ele abre a porta da frente, saindo para tomar um ar, ignorando os apelos de seu pai, o senhor Venomania.
Katia Jhonnes, uma garota oferecida da redondeza, passava por ali, lançando-o um olhar com uma falha tentativa de parecer sedutor.
Mas é claro que Luka não deixaria transparecer. Com toda a sua educação, ele acena, ruborizando, logo mais esquecendo que ela acabara de passar.
Ele pensa em suas opções de futuro. Se ele for para a arena.
Se ele não for para a arena, haveria comemoração: Seu pai o convidaria para caçar, e assim eles, iam, voltando com um pato, ou um peru selvagem para a janta.
Ele tentava entender porque tinha a sensação de que aquilo jamais aconteceria...
–----

Rain Ghostsong prendera seus cabelos negros finos e lisos em um rabo de cavalo com uma fita azul que considerara ridícula. Ela havia se recolhido na floresta para se vestir; Lá ela poderia se sentir mais à vontade para pensar antes de ir de encontro com sua provável morte. Ela veste seu vestido – O único que possuía – amarelo que já tinha visíveis marcas de mofo em algumas partes desagradavelmente intimas, e veste suas sapatilhas de couro preto. Quando se olha no reflexo do pequeno lago, sente uma vertigem repentina, que a obriga a se ajoelhar no solo arenoso. O desespero começa a invadi-la aos poucos, um nó formando-se em sua garganta, o remorso – Remorso por ter rendido se as tésseras, a vontade de voltar atrás e devolver aquele alimento que salvara sua vida. Seu nome estava lá dentro oito vezes.
Winter, o filhote de lobo branco como a neve, percebe seu desconforto e logo se aproxima da dona, lambendo-a carinhosamente no rosto. Aquilo só lhe dera mais vontade de chorar. Ela abraça o filhote, se lembrando de tudo, como se um filme de sua vida tivesse se dado início diante seus olhos cinzentos.

Ela costumava ser uma menininha dócil e sempre alegre. Pequena com a pele morena, olhos grandes e negros como os cabelos, um sorriso iluminado.
Rain, como fora dado o seu nome, nunca entendeu bem a lógica do governo – Os distritos, a Capital – E para ela, aquilo era algo para se aprender apenas na escola.
Fora quando a mãe e o pai, Robert e Marlene Ghostsong, acordaram-na durante a noite, quando tinha apenas 10 anos, e mal sabia calçar os próprios sapatos, para avisar-lhe que partiriam durante um tempo.
“Você está com fome, meu anjo?”, perguntara a mãe, seus cabelos castanho-claros pousando em ondas perfeitas sobre seus ombros. A menina Rain concorda com um “sim” tímido.
“Nós sabemos, querida”, a voz grave de seu pai chama-a atenção “Nós estamos indo para um lugar agora. E, quando voltarmos, estaremos com tudo para você. Comida, uma casa melhor. Não sabemos quando retornaremos, espero que em breve. Enquanto isso Maggie cuidará de você”.
E assim se foram, adentrando a escuridão sobre o olhar temeroso da menina, após forçarem-na a prometer jamais contar nada a ninguém.
Os dias se passaram lentamente. Maggie, sua vizinha idosa e doente, alimentava-a sempre que possível, mas nunca o suficiente. E seus pais não vinham nunca.
E jamais iriam voltar.
Ela só entendeu aquilo após o distrito nove ser domado pela trupe de rebeldes com os quais os pais haviam se aliado. Ela sobrevivera a invasão, a queda do distrito, se alojando na floresta, por conta própria.
Lá, uma vez, enquanto caçava com sua lança improvisada, abatera um pequeno e peludo ser; Um filhote de lobo branco. Ela se assustara ao quase não conseguir vê-lo ao meio da neve branca, avistando primeiro, dois olhos azuis temerosos.
Cuidara dele, recebendo diversas mordidas até finalmente receber sua total confiança.
Assim que a guerra terminara – Os rebeldes domados, Katniss Everdeen morta – Os distritos foram reconstruídos. Sua vida recomeçou do zero em uma das frágeis estruturas de cimento em que fora alojada após ser encontrada na floresta.
Ela sentia a mesma sensação ali, novamente, ajoelhada na terra: Um desespero profundo, uma vontade insana de gritar.
E então, ao receber a notícia de que seus pais estavam mortos ao se juntarem a rebelião, que Maggie fora queimada viva pois não quis contar por onde Robert e Marlene conseguiram escapar do distrito 9, ela recebera um novo tipo de sentimento. Uma raiva profana, como um grito oco; O ódio da Capital, o ódio dos rebeldes, o ódio de Katniss Everdeen.
–----

Carly Doug estava confiante. É claro que não seria ela. Não seria.
Enquanto se observava no grande espelho de seu quarto, vestida de verde e preto, ela conseguiu sorrir. Mas não um sorriso verdadeiro ou mesmo natural; Um sorriso ensaiado e nervoso. O mesmo sorriso que teria que dar quando subisse no palco, quando seu nome fosse suplicado por Charlotte Grey, a representante do distrito 8, quando todos estivessem a observando piedosamente, quando os dedos finos e pálidos de Charlotte agarrassem o pedaço de papel no qual seu nome se encontrava...
Ela se interrompe abruptamente; Ela não podia pensar daquela maneira.
Suspirando e sorrindo nervosamente, ela começa a descer as escadas para o segundo andar de sua casa, onde seu pai, o Prefeito Gregory, com seus olhos verdes e cabelos castanhos ralos a esperava, suando baldes.
Quando ela aparece, ele sorri e indica o polegar esquerdo em satisfação.
Talvez suas semelhanças fossem mesmo apenas os olhos. Mas nem isso era realmente parecido; Os olhos de Carly eram suaves e azuis, e os do Prefeito verdes e intensos. Talvez ela realmente tivesse puxado os cachos ruivos de sua mãe, Samanta Doug, morta desde que nascera; Ela também não se importava. Repugnava tanto seus cachos ruivos como repugnava um pedaço de gordura cuspido em um guardanapo. O que para alguns seria uma benção, para ela era um pesadelo; Como um sinalizador vermelho em meio as casas urbanas decadentes do distrito. Já era ruim o suficiente o preconceito que lhe era depositado por ser a filha do Prefeito; Seus cabelos ruivos, em contraste com os poucos loiros e milhares de cabelos negros que a rodeavam, era como uma placa: Me odeiem.
Sendo assim, ela preferiu viver a vida inteira dentro da casa de dois andares de seu pai, tocando sua arpa e escrevendo suas poesias, aproveitando enquanto sua morte não era próxima. Quando a guerra começou eles conseguiram um esconderijo preferencial na Capital, onde ela pode ficar, impassível, tocando e escrevendo até acabar...
E agora aquele dia terrivel chegara pela segunda vez, o único dia em que ela era obrigada a sair.
A colheita.
Segurando firme a mão de Carly, prefeito Gregory pisca algumas vezes para o nada, antes de guia-la para a porta, onde juntos de outras centenas de pessoas, eles seguiriam para a praça central, onde o palco já estava pronto para as chamadas.

Ambos, no mesmo momento, deixaram suas casas, as mãos tremendo e os corações batendo em ritmo acelerado.
Um sozinho.
Um acompanhado de seus pais e sua irmã de três anos.
Uma sozinha, com o lobo a perseguindo entre as sombras.
E outra com uma mão firme e forte a agarrar-lhe a sua.

Após a segunda rebelião dos distritos contra Panem, algumas regras foram mudadas:
Apenas um tributo de cada distrito é escolhido. A colheita acontece na mesma hora e dia, em todos os distritos. Os nomes masculinos e femininos são misturados, e que seja o que a sorte quiser.
Agora, apenas maiores de 14 anos podem fazer parte do sorteio, o máximo aumentando até os vinte. Tésseras rendem mais duas vezes o seu nome no sorteio, mas, sem elas, não importa a sua idade, o número de vezes será sempre igual: Apenas uma vez.
Josh Cellar tinha 18 anos, e seu nome jazia 11 vezes dentro dos recipientes.
Luka Venomania tinha também 18 anos, e seu nome aparecia três vezes.
Rain Ghostsong estava com apenas 16 anos, e seu nome era repetido oito vezes.
E por fim, Carly residia com 17 anos de vida, seu nome aparecendo apenas uma vez.
Três deles já haviam passado por pelo menos duas colheitas, e sentido a mesma sensação; Medo, nervosismo, pavor.
Apenas para uma o sentimento era novo.
Mas, dessa vez, eles realmente tinham motivos para senti-las.


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Notas finais do capítulo

Reparem em algumas mudanças nas regras do governo de Snow: Fiz elas apenas por total necessidade, para a história poder se desenrolar sem desavenças.