Aquela carta de suicídio... escrita por Boo


Capítulo 1
Único - Sempre


Notas iniciais do capítulo

Eu dedico essa estória a Annie (Fuinha), pois ela fez um texto com a mesma temática que esse há um tempo. Lembro que foi tão forte e tão pesado, mas tão belo. Me fez apreciar mais ainda o trabalho dela. Ela está sumida há uns meses, e não tenho notícias sobre o paradeiro dela, mas gostaria muito que ela retornasse. Que ela lesse esse texto algum dia.Sigam adiante e boa leitura.



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Aquela carta de suicídio...

Sempre

Feita a partir de Suicide Letter

Ia andando lentamente até sua casa. Pegou as correspondências, sem nem ao menos olhá-las. Seguia essa rotina chata desde que ela se fora. Ia ao colégio — fazia isso, sim, para se distrair e não pensar em tudo, mesmo que tudo lá lembrasse os momentos em que estavam juntos no local—, voltava, pegava as contas, entrava em casa e se jogava na cama.

Estudar, nunca. Lembrava-se de como ela ficava irritada com isso. Estudava tanto e não tinha notas excepcionais, enquanto ele, sem um mínimo esforço, tirava notas excelentes. “Mas só sou bom em exatas!”, disse uma vez, levantando as mãos em rendição. Isso só fez com que ela ficasse mais emburrada e lhe desse soquinhos, antes de rir e puxá-lo para um beijo.

Um sorriso amargurado, porém verdadeiro e carregado de nostalgia, se fez presente em seus lábios. Jogou a correspondência sobre a mesa e foi para seu quarto. Estava fazendo muito calor. Queria ligar o ventilador de teto, mas já estava afundado em tristeza e lembranças, não precisava fazer o tipo de coisa que ela fazia, só para se sentir pior. Ela amava deitar e observar o ventilador girando. Não faria isso.

Estava cansado. Entretanto, sua mente ia a mil. Não conseguiria dormir. Queria se livrar de tudo aquilo, de todo aquele sofrimento, mas dormir parecia que era pior, ia deixá-lo culpado. Perdido nesse tipo de pensamentos, culpa e lembranças, não percebeu quando seus olhos pesaram. Muito menos quando tudo começou a escurecer e caiu em um sono profundo.

— Hey, idiota. - Uma voz feminina, trêmula, chamou.

Uma menina? Não seria aquela...? Tinha que ser! Queria que fosse. Então percebeu que não poderia ser. A realidade o atingiu como um soco. Aquela voz nem ao menos era dela. Abriu os olhos lentamente, encarando sua irmã.

— O que você quer?

— Tome. - estendeu a mão para ele, segurando nela uma banana. - Você sabe que ela não ia gostar nada de saber que você 'tá há dias sem comer.

— Não enche, sai daqui.

— Não seja idiota! - A garota gritou, nervosa. - Você certamente lembra daquela vez que ela me pediu pra ter dar alguma coisa pra comer. Porque ela queria seu bem, não podia deixar você mal. Ela se preocupa com...! - interrompeu-se, arrependida. Não queria ter falado no presenta. - Se preocupava com você. Tem noção de como a mamãe está preocupada com você?! Fica se sentindo culpada por não poder estar presente pra você! Não faça besteiras, pare de ser rabugento e faça logo o que ela iria querer. Coma.

— 'Tá, 'tá, tanto faz. Me dá logo isso e se manda. - agarrou a fruta.

— Toma. - suspirou, incomodada, e foi em direção a saída.

Ela ia sair do quarto, quando parou na porta, ao ouvir a voz dele chamando seu nome. Virou a cabeça.

— Obrigado. De verdade. - Ele pediu, sabendo que ela só queria ajudá-lo. A irmã deu um sorriso fraco e saiu.

Se ela queria o bem dele, se preocupava, por que diabos o deixara sozinho?! Não conseguia entender. Tirar a própria vida... Ela chegara a esse ponto e ele nem ao menos percebera. Como não percebera sua amada afundando tanto? Ela tinha tanto medo da dor. Tanto medo de sofrer e ainda sim...! Talvez fosse por isso que escolhera um tiro. Suicídio, de forma rápida, que não sofresse, para acabar com a dor de viver. Se ele não fora o bastante, como sobreviveria agora? Não a tinha mais.

“Eu tenho medo de ser a única pessoa que está aqui te sustentando, porque se qualquer coisa acontecer entre nós, quem vai te segurar? Eu quero ser egoísta e continuar desejando ser a única pessoa em quem você confia, aquela com quem você pode contar. Mas é errado. Eu quero que você fique bem e isso sozinho não dá, precisa de pessoas pra te apoiar. Não uma, mas algumas. Quero que você tenha amigos com quem conte e se abra, que te façam bem”, ela declarou uma vez. Ele sabia que ela tinha razão. Mas esperava que essa “qualquer coisa” não fosse tão grave assim. A perdera para a morte. Não tinha amigo que ajudasse com isso.

Decidiu-se. Tiraria sua vida também. Não aguentaria mais viver depois de sofrer tanto. Já perdera tanto. Esse era o limite. Não dava mais. Ficaria um pouco com a família. Elas mereciam. Precisava dar-lhes um bom momento ao menos uma vez, nem que fosse agora antes de sua morte. Depois que estivessem dormindo, faria o que queria.

A irmã pequenina sorriu ao vê-lo sair do quarto, depois de tanto tempo, por espontânea vontade. Bateu no sofá, indicando que queria que ele fosse assistir desenho com ela. Antes assistir desenhos fazia com que ele se distraísse. Sentia-se bem dessa forma. Mas ao ver a garotinha rindo com algo que supostamente era engraçado, percebeu que aquilo não ia animá-lo em nada.

— Ah! - A mãe exclamou surpresa, a porta aberta. - Você saiu do quarto.

O comentário foi feito de forma emocionada. Sabia como o filho estava sofrendo, aquilo foi uma surpresa agradável.

— É. - respondeu, desconfortável. - Oi. - deu um sorrisinho, prontamente correspondido.

— Oi. Eu trouxe comida, crianças. Vamos jantar?

Os quatro sentaram à mesa e começaram a comer silenciosamente. Mas a pequena não se controlou e logo iniciou uma série de brincadeiras, arrancando risadas dos familiares. A risada dele era falsa, mas sabia que convenceria. Queria fingir estar se divertindo. Queria que elas dormissem em paz, sem se preocupar com ele. Para ter coragem de fazer o que queria.

Já tentara tantas vezes, mas parecia mais nervoso dessa vez. Controlou-se. Terminou de comer, ainda estampando um sorriso fraco e nada verdadeiro.

— Eu lavo a louça. - A filha do meio disse, enquanto os outros irmãos sentavam novamente no sofá.

A dona da casa começou a ler o que chegara do correio, passando os envelopes um por um. De súbito, sua boca abriu-se em um “o” e uma carta caiu de sua mão, tamanha a surpresa. Não era possível...

— Filho?

A voz lhe traíra. Falhara. O garoto logo levantou do sofá, preocupado com aquele tom de voz. Ela lhe encarou com um olhar carregado de dor. Isso foi o bastante para que ele se aproximasse, alerta.

— Tem uma carta para você.

— Pra mim? Carta? - Ele arqueou as sobrancelhas, não entendendo onde ela queria chegar.

— Ali.

O dedo em riste apontava o chão. O rapaz se abaixou e recolheu o envelope. Logo entendeu o choque da mãe. Tremia, pálido. O remetente não poderia ser mais claro.

— Essa carta, ela é...? - Não pode completar.

— É dela. - A mulher afirmou.

— Eu vou para o meu quarto. - disse e se retirou.

A irmã suspirou uma segunda vez naquele dia. Sabia que era errado, mas sentia certa raiva da garota. O irmão sofrera demais na vida. Demais, mesmo sendo tão novo. Ela sabia, então como pudera deixá-lo? Balançou a cabeça, tentando ocupar-se com outras coisas.

Ele sentou na cama, dessa vez ligando o ventilador primeiro. Algo lhe dizia que iria precisar dele assim. Olhou o envelope novamente. Podia ser uma brincadeirinha de mal gosto. Ficaria decepcionado. A data era de duas semanas atrás. Exatamente o dia em que ela partira.

Abriu o papel com violência, correndo os olhos pela carta. A letra desenhada e pequena, levemente inclinada, era inconfundível. Mais que isso, mudava de tamanho com frequência. Ela estava nervosa ao escrever aquilo. Entendia porque uma carta. Ela nunca tivera gostara de tratar assuntos muito sérios de forma oral. Escrevia. Era mais fácil.

Inspirou profundamente. Pararia de perder tempo pensando no momento em que ela escrevera. Leria de uma vez.

Quando você abrir essa carta, eu provavelmente já terei partido. Eu sei que estou sendo um tanto egoísta. Na verdade, eu me tornei cada vez mais e mais egoísta desde o dia que começamos a sair. Mas não se sinta culpado! Não é tua culpa. Sou apenas eu.

Eu só queria ver você feliz mais do que tudo e quanto mais eu tentava, mais eu queria. Eu não queria deixar você sozinho nesse mundo de merda. Mas você nunca está sozinho, não é? Você tem amigos. Família. Não, eu estou errada. Você é forte. Essa é a diferença entre nós, você aguenta. Eu, por outro lado... Não podia mais. Já deu para mim.

Você sempre me tirou da realidade. Você me completa(va). Eu amo esses momentos. Eu seriamente amo. Os únicos arrependimentos que eu vou carregar são não ser mais capaz de fazer você sorrir e não poder lembrar das coisas boas na minha vida. Porque não serei mais capaz de fazer coisa alguma. Se você me perguntar o que eu gostaria de fazer se escolhesse continuar vivendo, seria “ver” as coisas que amo em você. Sabe quais são?

Eu amo o jeito que você me encara, sempre gentil e profundo. Amo o jeito estranho que seus lábios se mexem quando você sorri sem perceber, eles vão para cima e para baixo levemente por alguns segundos. Amo como você põe meu cabelo atrás da minha orelha e balança teu cabelo. Amo como você faz coisas bobas apenas pra me fazer sorrir. Amo quando você canta alto quando se distrai e começa a tocar instrumentos invisíveis. Amo quando você segura meus quadris. E amo especialmente o modo que teus lábios encaixam nos meus, tua língua toca minha língua, tuas mãos seguram meu pescoço e minha mão. Amo te ajudar quando você precisa de mim ao máximo. Amo todos os teus defeitos. Toda parte do teu corpo e alma.

Então só posso te agradecer. Por estar na minha vida, por tornar as coisas mais fáceis... Por me amar.

Desculpe por estragar tudo e me matar. Eu acabo de me sentir ridícula olhando para essa arma. Suicídio, han? Bem, acho que é isso. Acabou. Adeus para sempre. E por favor, seja feliz.

Eu amo você, sempre.

As lágrimas corriam pela face dele, seu soluço dominara o quarto. Debruçou-se sobre a cama, protegendo a carta com o corpo, e vomitou no piso limpo. Chorava descontroladamente. Como a amava...! Ela pedira que fosse feliz. Ela pedira... de verdade. Ela o amava. Como poderia tirar sua vida depois disso?

Ela queria que ele vivesse. Tanto quanto ele queria que ela estivesse viva.

— Sua idiota... - sussurrou, em meio aos soluços. - Você não precisava ir. Podia ter pedido para eu fazer mais e mais das coisas que você amava... Isso dói. Isso dói pra caralho.

As lágrimas molhavam a fronha, algumas caiam na carta. Ela provavelmente chorara sobre o mesmo papel. Ele se sentia destruído. Mas sabia que deveria continuar. Por ela. Por ele.

“Tem que ser por você. Se não for por você, é mais difícil. Mesmo que você queira ser bom por alguém. Melhorar por alguém. Por você, é de verdade”, ela vivia dizendo. Seria forte por ele. Mas sempre por ela.

— Eu também te amo. Pra sempre. Eu quem tenho que te agradecer. Por tudo. - chorava descontroladamente.

Jogou-se na cama, permitindo-se chorar o máximo que podia. Ninguém entraria em seu quarto, sabiam que queria ficar sozinho. Choraria até não ter mais lágrimas. E então recomeçaria. Faria de tudo.

Pegou um papel e uma caneta. Escreveu, mesmo sabendo que ela nunca veria. No dia seguinte levaria a um lugar. Após um longo tempo, adormeceu. Não sonhou. Apenas dormiu, esgotado de cansaço.

Os raios de sol batiam em seu rosto, fazendo com que acordasse. Era cedo. Levantou-se. Não iria para a escola. Não nesse dia. Pegou seu velho skate e foi até o cemitério. Caminhou lentamente entre diversos túmulos, até chegar a um em granito negro. Era belo. Depositou um envelope sobre ele, juntamente a uma flor, a favorita dela. Sentou-se e ficou por ali, com o vento sendo seu companheiro, até escurecer. Conversou com ela. Sobre vários assuntos. E então, se retirou. Antes disso, no entanto, lançou um último olhar para o túmulo da sua garota.

Não podia ler agora, mas sabia o que estava contido no papel ali dentro. De um lado, obrigado. Do outro, sempre.


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Notas finais do capítulo

Eu sei que o final deixou a desejar, fiquei sem saber como realmente finalizar. Mas achei o obrigado e o sempre adequados. Escrever esse texto me fez refletir bastante e me deixou bem emotiva, fiz com tudo que pude e pus sentimentos fortes e reais nele.
Espero que tenham gostado tanto quanto eu.
Sintam-se livres para deixar suas críticas e comentários~
Boo.