Um mundo além do mundo escrita por Lobo Alado
Notas iniciais do capítulo
Este foi difícil! Mas está em mãos, e espero trazê-los muitos outros o quanto antes possível.
Mas como não tenho o tempo que desejo não sairá mais rápido do que este, mas sairá!
Tudo o que me resta fazer é desejar uma boa e atenciosa leitura.
O horizonte era uma mistura de cores na terra e uma parede cinzenta no céu. As nuvens carregadas dissolviam-se até onde os olhos não podiam ver. Longe Ismira via cortinas de água derramando-se sobre o mundo... Uma chuva que não demoraria chegar, ela sabia.
As planícies declinavam num certo ponto, e uma depressão deu à jovem uma visão privilegiada de uma grande extensão de terra. Ismira já via as muralhas da capital do Império e, mesmo distante, conseguiu distinguir torres e grupos de casas do lado de fora da cidade.
Finalmente, finalmente... Pensou ela deliciando-se com a visão da cidade. Agora não precisaria dormir em alerta, temer urgals e ladrões e muito menos roubar o que comer.
– Paramos aqui. – Disse a Visionária, e o seu animal grotesco parou entre duas rochas grandes no meio do terreno declinado.
Elva contorceu-se como uma minhoca e saltou graciosamente do dorso do animal para o chão, e Ismira tímida e desengonçada saltou para o chão caindo de joelhos dobrados, com medo de parecer que ela queria imitar o salto gracioso da companheira.
– Por que não continuar? – Disse a jovem de cabelos ruivos afastando-se do urso gigante mal humorado. – Estamos tão próximos... mais algum minutos e estaremos em Iliera.
Elva manteve o olhar ainda mais distante, se é que isso era possível, enquanto fazia surgir fogo, sem nenhuma palavra na língua antiga, nos galhos que havia colocado no meio entre as rochas. Um longo tempo passou-se, fazendo Ismira crer que sua pergunta iria ser ignorada, quando finalmente a mulher com a marca prateada disse:
– Não iremos para Iliera, sinto muito. Sei que espera encontrar seus pais, mas isso não será possível. – Seu tom era tão calmo e indiferente que Ismira sentiu-se ofendida. – Eles não estão na cidade, e mesmo que estivessem não seria aconselhável encontrá-los agora. – Então lançou-lhe aquele olhar por baixo que a jovem perturbava-se ao tentar descobrir o significado.
– O quê?! – Ismira agachou-se ao lado de Elva que trabalhava na fogueira. – O que é isso que diz agora? Meus pais saíram de Carvahall para irem até Iliera. Onde estão se não lá? E para onde vamos se não for para a capital? – Perguntou ela apontando para a depressão onde encontrava-se a cidade.
– Ai, pare! – Ela bufou e abandonou a fogueira já bastante viva, dourada com ligeiros lampejos de violeta. – Quer que eu lhe responda todos os dilemas do universo também? Nasuada tem bastantes problemas por resolver, e você só seria mais um deles se a levasse para a capital. Além de se tornar um alvo bem mais fácil para aqueles que querem prejudicar seu pai... Não, vamos para o lugar mais seguro de toda a Alagaësia.
Ismira pensou em uma infinidade de opções, mas no final contentou-se em apalpar o rabo de cavalo e perguntar:
– E qual seria?
A visionária levantou-se e olhou para o ultimo vestígio da luz do sol a oeste. A luz da fogueira ganhava cada vez mais destaque enquanto a noite chegava, e ali, entre a fogueira e as nuvens cinzentas, Elva parecia ser a silhueta mais importante em tom de negro, o único tom de negro pintado na parede cinza do céu.
– Você gostará de conhecer a montanha oca dos anões. – Disse ela. – E eles devolverão seu lar.
Ismira recostou-se na rocha e fitou as ondas trêmulas da fogueira. As chamas criadas pela magia da Visionária pareciam agitar-se de maneira errada para uma fogueira. Mais rápidas e mais ferozes, como perfeitos chicotes de ouro e violeta estalando no ar em movimentos perfeitos.
– E meus pais? – Perguntou ela, com a voz mais imatura do que desejara. – Quando voltarei a ver eles? – A pergunta era um suplico... um pedido de trégua para a vida e para o seu destino cruel.
Elva caiu em um silêncio morno até o sol sumir de vez.
– Seus pais... – A palavra perdeu-se no horizonte e outra longa pausa foi feita. – Ismira, conte-me sobre sua vida no Vale Palancar. Era certamente uma boa vida, não? Imagino que nunca pensou em abandonar o lar... Carvahall era o suficiente para você, não é verdade?
Ismira franziu o cenho.
– Por que isso agora? – Agitou-se desconfortável sobre a grama. – Aonde quer chegar com esta conversa?
– Esqueça. – Disse estendendo uma mão para que ela se calasse. – Seus pais... Você tem muito de seus pais em si. – Ismira fitou pela primeira vez um sorriso que não fosse terrível no rosto de Elva, quando a bruxa virou-se para a luz das chamas. – Verá seus pais quando achar que deve vê-los.
Depois disso a noite foi silêncio como a anterior. Ismira não queria, mas sentia uma relutância forte em acompanhar a mulher de olhos violetas, e não conseguia descansar totalmente com ela tão perto, muito menos de seu companheiro monstruoso que era obrigada a montar agora. Elva insistiu que abandonasse o cavalo já fraco que Albriech conseguira em Yazuac, e agora as duas seguiam viajem no dorso largo de Gorjar. Pelo menos as costas do animal eram largas o suficiente para que ela escolhesse qualquer posição, podendo até mesmo deitar quando ele seguia mais devagar.
Muito tempo já tinha se passado desde que a noite chegara, mas Ismira não mudou de posição em nenhum momento, ali, recostada na rocha, fitando a fogueira. O sono foi tomando conta de si e a imagem dos chicotes violetas e dourados do fogo mágico acompanharam seus sonhos num padrão hipnotizante.
Seus sonhos não demoraram muito. Acordou com um choque quando as gotas de água fria começaram a salpicar sua pele. Abriu os olhos e encontrou o mundo em escuridão. A fogueira havia se apagado, e ela só podia sentir o vento agressivo enquanto ouvia o barulho do inicio da chuva.
Tateou o chão engatinhando até conseguir se levantar com movimentos desajeitados na escuridão.
– Aqui. – Ouviu a voz de Elva, e logo em seguida uma bola de luz violeta surgiu entre as mãos da feiticeira fazendo surgir seu rostinho cruel a fitar Ismira. – Venha para cá. Saia da chuva! – Elva estava abrigada e longe da chuva, entre as duas patas e debaixo do pescoço do urso.
Ismira hesitou em ir de encontro à fera, mas estava começando a ficar ensopada, então respirou fundo e foi. Cobriu-se com sua capa e tentou dormir tranquilamente debaixo do animal de presas gigantes e de mau temperamento. Estremeceu quando ele rosnou baixo, mas logo o calor de seu corpo a aqueceu e o bater do coração dele acalmou-a e ela foi dormitando ao som das suaves batidas, até realmente dormir.
Sonhou com um enorme coração batendo, vermelho e banhado de sangue, em cima de uma mesa enquanto ela o fitava. Depois os sonhos foram mais enevoados, dissolvidos e confusos, até não poderem mais ser considerados sonhos.
Quando a manhã chegou, tudo o que restou foram os vestígios úmidos da chuva passada e o céu ainda escondido por suaves nuvens cinzentas e claras. O Urso negro arranhava a pedra escura com impaciência enquanto Elva preparava-se para continuar a viagem.
– Por que ele é tão... amargo? – Ismira espalhou os restos cinzentos e negros dos galhos queimados da fogueira, e retirou os restos das cinzas da bota.
Um rugido rebentou da garganta do Urso e Ismira viu-se encarando os grandes olhos violetas do animal de tão perto. Suas pernas fraquejaram e ela arquejou de medo, mas não conseguiu mover-se.
– Eu não pretendia... Eu... você entendeu o que eu disse? – Ismira conseguiu dar um passo para trás.
O Urso afastou-se e soltou um som rouco e engasgado que poderia ser uma gargalhada.
Amargo? O nome ecoou na mente de Ismira. Não poderia pensar em uma denominação melhor? Afinal, eu sou grandioso e feroz... E tudo o que pensa é amargo? A voz que passeava em sua mente era solene e suavemente grave. Mas ela ainda não acreditava que era o Urso que falava consigo.
– Eu... eu peço desculpas. Não tive nenhuma intenção de ofendê-lo, Gorjar... e... você é realmente grandioso. Bastante feroz também.
Elva soltou uma gargalhada.
– Garota, Gorjar odeia bajuladores, lembre-se disso.
Ismira estava a ponto de desculpar-se quando a voz mental de Gorjar velejou pelo ambiente.
Não assuste a garota, Visionária. Bufou. Não tenho qualquer sentimento negativo para com você Ismira, e perdoe-me se lhe assustei com meu comportamento.
– De forma alguma... ah, quero dizer, assustou um pouco.
Ismira respirou fundo e lembrou a si mesma de que não havia nada que pudesse temer, estava falando com um animal racional e não com o monstro que imaginava ser o urso.
– Estamos nos demorando, não podemos ficar mais. – Lembrou Elva.
Gorjar deitou sobre as patas.
Suba Lady Ismira, não tema meu tamanho, e receba com alegria minha proteção.
Ismira olhou para os grandes olhos dele. Não haviam perdido a ferocidade ameaçadora, mas ela não conseguia mais temê-los, não tinha mais motivos.
– Não o temo mais, Senhor. – Ela fez uma reverência e avançou para montar o animal. Elva já o havia montado há muito.
Ismira observou, com desconforto, a capital ficar cada vez mais para trás à medida que avançavam em direção deserto Hadarac, para onde Elva afirmava estar indo.
– A forma mais rápida de chegar à montanha oca é atravessando o deserto, e é dessa forma que faremos, você querendo ou não... Então prepare-se para o calor e para a sede. – Ela dissera.
Mas agora a perspectiva a animava mais do que assustava. Ela sempre ouvira sobre a imensidão que era o deserto Hadarac, mas nunca o visitara, nem tinha idéia de como era. Parecia quase um sonho distante pensar em atravessá-lo montada nas costas de um urso gigante.
Deu um ultimo e longo relance pedinte à Iliera e virou-se, abandonando qualquer perspectiva de ver novamente o que estava deixando para trás. O desconhecido me espera, é ele que agarrarei com alegria e ferocidade, como desejara Hope. Ela pensou com determinação.
Quando as horas passaram e as dunas do deserto surgiram, num ambiente iluminado de um tom vermelho e uma atmosfera quente, ela mal pode acreditar... Ismira sentia-se num sonho febril.
Era uma visão incrível, ela nunca tinha visto nada parecido em toda sua vida. As dunas pareciam uma criação divina, ou uma visagem. Eram onduladas e brilhantes, vermelho-douradas. Algumas erguiam-se tão altas que cobriam o horizonte dos olhos de Ismira. A areia dançava entre elas como pó mágico com vida própria. Não havia qualquer vestígio das nuvens carregadas da noite anterior sobre o deserto.
Não é à toa que o chamam de antigo reino dos dragões... Pensou Ismira maravilhada.
Mas quanto mais avançavam pelas dunas desmanchantes, mais Ismira sentia-se sugada, e mais suor derramava-se sem poupança. E as roupas de couro ferviam sua pele. A jovem deitou-se por um instante nas costas do senhor Gorjar – Senhor Gorjar... Ela achara apropriada a denominação, afinal, o urso havia sido tão cortês com ela que merecia o nome respeitoso. – Mas o pelo negro estava insuportavelmente quente.
O Urso andava com uma lentidão irritantemente calma e Elva não parecia incomodada por baixo de sua capa negra e quente à luz ardente do sol. Ismira percebeu de súbito que era o único ser vulnerável ali. Fraca e dependente dos cuidados de pessoas mais capazes. Pensou irritada.
Elva virou lentamente a cabeça para encará-la. E Ismira viu a estranheza do olhar dela atingindo-a.
– Que foi? – Perguntou irritada. – Não gosto desses seus olhares enigmáticos.
Gorjar deu mais uma de suas gargalhadas-tosses.
A garota não sabe muito sobre você, Visionária. Ele disse. Por isso está tão à vontade.
– Do que está falando? – Perguntou Ismira desconfiada e com medo... mais medo de Elva do que em qualquer outra ocasião. Do que aquele urso estava falando? Por que ela não deveria estar à vontade? – Me digam por favor... do que estão falando? Você é boa... não é? Não vai me fazer nenhum mal... – Choramingou ela. Então lembrou-se de quem era seu pai. – Não tenho medo de você... Não terei, nunca. – Rosnou ela.
– Nem tem motivos para ter, garota. – Falou Elva virando-se nas costas de Gorjar para ficar de frente para ela. – Não lhe farei mal... Só que... Você tem certeza e que não sabe do que falo?
Ismira franziu o cenho.
– Não... Não tenho nenhuma idéia.
– Não leu em nenhum livro sobre minha habilidades e poderes? Ah, acho que estou sendo esquecida pela Alagaësia, pode acreditar Gorjar? – Ela afagou os pelos negros dele. – Eu falo de ler pensamentos, garota. Falo de sentir sentimentos... falo de viver o seu ser... falo de saber seus medos, de conhecer seus segredos, seus sussurros, seus desejos proibidos e vergonhosos, falo de saber sobre tudo a respeito de todos que estão à minha volta. – O olhar que ela lançou foi de longe o pior que recebera até o momento. – Sou Elva, a Visionária.
Ismira estremeceu. Estava num local sem vida, afastada de tudo, apenas na companhia de um urso e daquela mulher que acabara de lhe falar aquilo.
E o desconhecido ainda era uma estrada enevoada e sem fim que ela tinha de seguir.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!Notas finais do capítulo
Então? Como se saiu este capítulo em relação aos outros, alguma observação?
O que estão achando da história em geral? Sugestões? Quero ouvir, ou melhor, ler o relato de vocês sobre...
Até! Nos veremos mais vezes com alguns parágrafos de presente para vocês.
14/02/15