– Mais uma vez!- gritam para mim.

Levanto do chão barroso da floresta e saio correndo para dar impulso, disparo os ganchos em uma das arvores, ligo o gás e saio voando pelas copas. O cheiro de terra molhada havia infestado a floresta, esse aroma, o som da chuva batendo nas folhas, tudo lembra meus dias de inocência. Entro na floresta disparando para ganhar mais velocidade, recolho e disparo novamente enquanto encaixava as laminas. Desvio dos obstáculos colocados de proposito, mais adiante havia um tipo de parede com formato de titã com tipo de um revestimento na parte da nuca. Em um único movimento corto profundamente o alvo e aterrisso no chão barroso. Logo o instrutor e Levi chegam até mim.

– Muito bom!- o instrutor fala enquanto anotava algo em sua prancheta- Acho que não precisava repetir tantas vezes Sr.Levi..

Passo a mão na testa para tirar o suor. Repeti o mesmo exercício quatorze vezes, que exagero. Para quem nunca usou DMT, me adaptei muito bem, mesmo sendo pesada e complicada.

–Foi um horror- Levi fala- Movimentos lentos, sem habilidade alguma com as laminas. Decepcionante seu empenho ao exercício.

–M-mas ela só tem dois meses de experiência com o DMT! Isso é um grande progresso, ninguém nunca havia se adaptado tão rápido com ele..

–Não importa- Levi vira de costas- Ela tem mais um mês pra aprender direito- ele olha pra mim por cima do ombro- Não esqueça de estudar.

O pequeno anda e direção ao acampamento e some entre as arvores. Sinto minhas mãos formigarem, estavam apertadas com muita força. Abro-as e olho para elas, estão calejadas e vermelhas. Todos os dias venho treinando e treinando até ficar exausta, por que não consigo alcançar as expectativas dele?

–Ele nunca muda..- o instrutor solta um suspiro enquanto passava a mao nos cabelos negros dele- Bom, eu vou indo também..

A Tarde veio tingindo o bosque em laranja. As folhas ainda caiam, e os pássaros aos poucos saiam de seus ninhos para cantar, finalmente o céu estava limpo. O tempo passou tao devagar, tao deprimente estar sozinha.. Chego apenas para a hora do jantar, o refeitório era uma casa de madeira em meio ao acampamento, era lá onde os recrutas comiam, haviam mesas enormes indo a parede a parede. Como de costume estava cheio de gente irritante e desagradável.

–Posso sentar aqui?- uma voz tremula perguntou atrás de mim.

–Tanto faz- respondo enfiando um pedaço de pao em minha boca.

–Com licença..- Uma garota de cabelos compridos escuros e olhos azuis sentou na minha frente. Seu nome era Elize, esse é o ultimo ano antes de entrar nas tropas, e dorme na parte de baixo de meu beliche. - Hoje você não foi nas aulas teóricas. Se quiser ajuda..

Aponto para o livro aberto ao meu lado que estava lendo.

–A-ah, sim- ela dá uma risada sem graça- Entendo.. Essa deve ser a única hora que tem pra estudar. Desculpa atrapalhar..- ela se levanta.

–Fica ai..- não olho diretamente para ela, mas não queria ficar sozinha.

Ela voltou a se sentar.

– Está tudo bem?- Elize fala preocupada.

– Um pouco cansada.

–Muita carga em cima de você.. Você devia relaxar um pouco Kiara- ela toma uma colher de sopa enquanto esperava minha resposta.

– Não posso.

–Por que?

–Daqui a um mes eu entro pras tropas de expedição e mal consigo mostrar aquele piolho de gente que posso ser boa! Meu desempenho está a altura de qualquer nessa merda aqui- abro os braços ao fazer referencia de todos que estavam no refeitório. Não aguento mais ficar lendo essa droga de livro! Na verdade nem queria estar aqui..

–Kiara..

– Com licença- saio da mesa com a minha bandeja e meu livro.

No dia seguinte, acordo as três da manha para minha caminhada matinal em volta do acampamento. Vou á pista de corrida, mais uma solitária atividade. O sol ainda não havia nascido e o céu ainda estava com estrelas. Será que os meninos estão vendo? Ah, não não.. Luca e Pietro devem estar dormindo em uma cama confortável agora.. E assim tem que ser!

–Kiara!- escuto uma voz conhecida. Hanji estava perto do estábulo, sinalizando para que eu chegasse mais perto dela.

–Oi – cumprimento ofegante- chegou da capital agora?

–Infelizmente sim..- ela responde antes de bocejar -Ehh, está treinando tão cedo??

–.. Aparentemente não estou fazendo o meu melhor..

–Levi?

–Sim..- afirmo enquanto escutava o cavalo dela relinchar-.. Mas eu estou tão bem quanto os outros, mesmo sendo tão pouco tempo, sei que estou no mesmo nível!

Hanji acaricia seu cavalo e abre um sorriso.

–Sabe por que, entre tantas outras pessoas, Levi e Erwin, te escolheram? Não foi sortiada, escutamos muito sobre você..- Hanji vê o meu silencio e responde- Bom, é claro que nenhum dos dois irão falar sobre isso.. Mas naquela luta, contra o Levi, vimos um grande potencial adormecido em você Kiara. E terá que acorda-lo..

Um grande potencial adormecido dentro de mim, como assim? Eu nunca fui nada a mais do que uma garota normal.

– O que mais te deixa longe que acorda-lo por completo minha querida K, é sua falta de interesse- Zoe me olha séria.

–Como assim? Estou treinando o máximo que posso!

– Me conte sobre seu futuro, o que você visualiza? Qual a sua maior motivação para estar aqui?

–Meus irmãos é obvio! Dar uma vida melhor para que eles possam ter um futuro brilhante esse é o meu sonho!- começo a ficar nervosa.

–Não é mais um sonho, isso virou uma obrigação imposta por você mesma Kiara!!

Obrigaçao.. ? Hanji me puxa pela gola de minha regata larga, me jogando contra a parede

–Agora me responda: Qual o SEU futuro?- Seu rosto estava tao perto que pude perceber o circulo escuro em baixo de seus olhos- Todos neste acampamento irão atravessar aquelas muralhas e colocar suas vidas em risco! Nós seres humanos somos únicos, Kiara. Nós temos esperanças, e qual é a sua?

– Eu... Eu preciso treinar!- empurro-a para trás e saio correndo do estabulo de volta ao minha rotina matinal.

Depois de cinco voltas de aquecimento, aperto o passo e começo a correr. O sol deu seus primeiros sinais da manha, sua temperatura escorria pelas montanhas até me encontrar. Eu não entendo, Hanji queria chegar em que ponto? “Nós temos esperança” Mas o que é ter esperança?

O calor da manha, o vento assoviando pelas arvores, a terra a me acompanhar, o suor de meu corpo, estamos todos ligados. “Usar seu conhecimento, o local, suas armas, suas habilidades contra seu inimigo”, me recordo de um trecho do livro de táticas de batalha contra Titans. Somos o minúsculo ser humano e a imensa mae natureza, somos ratos que lutam pela sua sobrevivência.

Futuro e esperança, essas duas palavras estão me perseguindo. Ambas correm juntas e ao mesmo tão longe da realidades de nos soldados. Não sabemos se iremos voltar para casa.

Somos seres humanos lutando pela possibilidade de poder ver novamente o nascer do sol, a chuva caindo no telhado, as flores na primavera, ver seu reflexo no espelho envelhecendo, chegar em casa e sentir aquele cheirinho delicioso do almoço sendo feito e sentar-se a mesa com seus parentes, encontrar um parceiro para poder amar e ser amado... Entao é essa a esperança de todos que estão neste acampamento?

Paro no meio de minha trajetória me apoiando sobre os joelhos com um olhar baixo.

Eles querem viver. Mas, e eu?

Consegui cumprir meu desejo.. Não não era um desejo, e sim uma obrigação! Hanji estava certa. Fiquei cega com isso, perdi o meu futuro de vista e ainda estou tentando algo que já consegui. Eu não sei.. Não sei! Não sei sobre o que vai ser de meu futuro! Mas..

–Eu quero ver meus irmãos, quero me divertir com eles, chorar com eles. Eu quero ser feliz..- falo alto enquanto olhava para o Sol.

– Entao fique forte e lute!- uma voz masculina responde, e seu dono passa correndo por mim, se vira e deu uns pulos- Vamos! Está esperando o que mulher?

O Homem saiu correndo, e por algum motivo saio correndo atrás dele.

Assim como todos nesse acampamento, eu farei de tudo, para viver.

Viver ao lado de quem me faz bem.

E para isso, serei a melhor de todos!