Foram apenas algumas horas, talvez. Mas lá dentro tornaram-se séculos e séculos. O frio tomava conta de seus ossos frágeis e a situação estava longe de se resolver. Não conseguia esquecer meio mar de mundo sobre os seus ombros, um mundo tão... Inconsistente. A xícara de chá lhe trazia as lembranças da mesa quentinha da casa de seus pais, talvez nunca devesse ter saído de lá. Culpava-se de tantas coisas que se esqueceu de olhar pra onde estava guiando o bule. “Oh não” “De novo!” As queimaduras no braço era algo tão ínfimo que ela nem mesmo preocupou-se em lavar o machucado, ou enfaixar com uma gaze macia. Apenas enxugou asperamente o líquido quente e doce que pingava sobre a mesa.

– Jemma? – A voz rouca de Skye a procurava pelo Bunker.

– Skye – A cientista suspirou, já esperando o sermão da amiga.

– Segunda vez essa semana? Sério mesmo? – Ela tomou o pano áspero das mãos de Simmons e jogou no cesto de roupa suja, abrindo o armário de primeiros-socorros. – Eu vou ter que ficar te caçando todas as noites, agora? – Ela puxou o braço de Jemma para baixo da torneira e deixou a água esfriar a queimadura – O que eu vou fazer com você, hein? Olha só isso! Até parece que não tem olhos!

– Eu estou bem, Skye...

– Está bem uma ova! – Ela desligou a torneira e tirou o braço da amiga debaixo d’agua, envolvendo-o numa toalha macia – Se eu não aparecesse você ia passar a noite se queimando com chá aqui sozinha. – Ela diminuiu o tom, percebendo o olhar entristecido de Jemma – Hey, eu tô aqui. Não precisa passar por isso sozinha, okay? Você já devia saber disso. Anda, me dá esse braço. – Ela enxugou delicadamente o braço da amiga, massageando o local da queimadura com uma pomada branca e envolvendo com gaze logo em seguida. – Olha – Skye soltou um suspiro, puxando uma cadeira para o lado de Jemma, que permanecia de cabeça baixa – Todos nós estamos abalados com o ocorrido... E eu nem mesmo sei como está sendo difícil pra você, afinal, era você quem estava dentro daquele... – Os olhos da morena começaram a lacrimejar – Olha, eu não sei o que faria se te perdesse... Se perdesse você e o Fitz. Vocês são as pessoas mais puras e inocentes que eu conheço... Nem sei como o Fitz vai acordar, mas... Estaremos aqui para ele quando ele despertar.

– Ele escolheu a mim, Skye – Os olhos da cientista levantaram-se encontrando o olhar ligeiramente tenso da morena – Ele disse que... Ele me ama.

– Claro que ama, Jemma! Todos nós... – A hacker simplesmente travou ao perceber o que a amiga estava tentando lhe dizer – Você quer dizer, daquele jeito?

– Pára, Skye! Assim faz parecer que estamos no colegial!

– Deixa de ser boba, garota! Você entendeu o que eu quis dizer e é isso que importa!

– Não, mas parecia que eu tinha...

– E você não contou nada pra mim?! – Skye interrompeu o devaneio de Jemma.

– Eu não falei nada pra ninguém! O que mais você esperaria de mim?

– Claro que não falou... Mas agora vai falar.

– Não, Skye... Não gosto de lembrar daquela cena.

– Tá legal, escuta... Não pense que você vai fugir dessa, okay? Só porque você ainda está muito frágil... Eu vou te dar um desconto. Mas assim que estiver pronta pra falar... Ai de você se eu não for a primeira a saber.

– Claro que eu vou te contar... Só não consigo me concentrar com o Fitz vegetando naquela máquina que... Respira por ele. Só me lembra quando era você dentro de uma câmara, entre a vida e a morte...

– Hey, não... Você tá parecendo uma máquina de lembranças ruins! Não pense sobre isso, okay. Eu estou aqui ó – Ela pegou o braço não enfaixado da amiga e tocou seu próprio rosto com a mão dela – Em carne e osso. Vivinha da silva. Em breve, Fitz estará do mesmo jeito e vocês voltarão a ser o casal nerd mais adorado da S.H.I.E.L.D. – Simmons deu um sorriso ao ouvir a expressão da amiga.

– O que eu faria sem você? – Jemma puxou a amiga, abraçando-a.

– Seria a cientista com a vida mais monótona de toda a galáxia. – Skye respondeu, empurrando a amiga com as duas mãos, de volta para o corredor – Agora, vamos dormir, porque se A.C me ver acordada a essa hora, vai dizer que isso foi obra minha – Ela apontou para o braço enfaixado de Simmons – E você vai dormir no meu quarto dessa vez. Quero ver você fugir sem que eu perceba.

– Oh, Skye... Eu nem tentaria.

– Ótimo. Agora vamos, ainda são 3h da manhã.

(...)

As ruas frias de Washington estavam mais calmas do que o normal. Os carros não pareciam estar com muita pressa, estava tudo lento. O sinal vermelho não era necessário numa avenida totalmente parada, apenas com dois caminhões de alta segurança trafegando pela faixa da esquerda. O silêncio ensurdecedor reinava naquele horário peculiar quando todos estavam dormindo em suas casas, até que uma figura familiar apareceu como num raio, manchando o asfalto da Avenida Vermont. A figura que se apresentou causou um estrago no meio da pista, fazendo os dois caminhões capotarem simultaneamente. A mulher que aparecia entre a fumaça e a poeira mostrava-se envolta numa armadura metálica, digna de um museu medieval. Tinha os cabelos negros e passadas firmes que estremeciam o chão ao toque de seus calcanhares. Sua espada reluzia, mesmo na escuridão da noite.

– Com licença, cavalheiros. – A mulher tirava os homens dos escombros um a um – Estou procurando alguém em especial.

– Sif? – Os olhos de Ward arregalaram e ele não sentiu suas pernas. O impacto do caminhão tinha quebrado sua perna esquerda e a outra estava presa nos escombros.

– Grant Ward. Temo que não tenha boas notícias para você.

– É... Eu não tenho tido boas notícias mesmo ultimamente...

– Você será levado sob custódia até Asgard. Você e seu parceiro John Garrett.

– Sinto muito, Lady Sif... Garrett está morto.

– Meus pêsames. – Ela deu uma pausa curvando-se em respeito ao defunto – Nesse caso... Grant Ward, você está preso por Conspiração à Ordem dos Nove Reinos. Você será levado para Asgard imediatamente.

– E-EU O QUÊ?! NÃO, NÃO! ISSO NÃO ESTÁ CERTO! EU NÃO FIZ NADA QUE... SIF! – O homem mostrava-se em desespero enquanto a guerreira asgardiana o acorrentava com uma algema de vibranium – A SHIELD sabe disso?!

– Não. Para a segurança deles, você será levado sem testemunhas. Será julgado e quando o veredicto for revelado, eu e Thor avisaremos aos outros. Philip, filho de Coul ficará contente em vê-lo novamente.

– Espera, espera... Sif... Eu sei o que eu fiz, tudo bem? Traí a SHIELD, era o meu trabalho... Mas CONSPIRAÇÃO? Eu nem mesmo sei como se conspira contra os nove reinos!!

– Isso veremos no tribunal. Nosso tempo acabou.

– NÃO, SIF!! POR FAVOR... EU NÃO TENHO NADA A VER COM...

Uma luz azul os arrebatou na aurora restando apenas as buzinas que começavam a dar sinal de vida no meio da Avenida Vermont.