61ª Edição dos Jogos Vorazes escrita por Triz


Capítulo 20
Capítulo 20 - Quem é você, Sierra?


Notas iniciais do capítulo

A fic está cada vez mais perto do fim :c

Talvez tenha mais dois capítulos pela frente. Esse de agora tem drama para não deixar as coisas paradas. Vou sentir muita falta de escrever, mas tenho alguns planos.

Boa leitura!



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A música tocada no programa ecoa junto com os aplausos e gritos. Caesar Flickerman, de terno branco, decorado com plumas dos mais diversos formatos, e de cabelos amarelos, dá as boas vindas aos telespectadores. Não me escapa o pensamento de que ele parece uma galinha com essa roupa. E aí minha mente, tão traiçoeira, me recorda das galinhas assassinas da arena, que mastigaram minha carne. E bem no momento de subir ao palco fico tenso, com um sorriso mais falso que a cara da maioria das pessoas da Capital.

— Receberemos agora nosso querido campeão, Geoffrey Stanley Monroe! — chama Caesar. — Aplausos para o Geoff!

Vou subindo ao palco muito tímido, diferente de quando estive ali pela primeira vez. Não tenho a mesma confiança de antes, quando fiz a Capital gostar de mim mesmo não sendo um Carreirista. Eles me mudaram. Além do mais, da última vez, eu vi Astrid antes de subir ao palco, e agora estou vendo uma galinha. Sinto minha cabeça rodopiar com o nervosismo.

Caesar me recepciona com um aperto de mãos e então nós dois sentamos nas poltronas. Fico mais tenso à medida que a plateia se entusiasma. Cruzo as pernas e encaro a medonha maquiagem verde de Caesar Flickerman.

Olho para o público, quase que lacrimejando com a quantidade imensa de luzes apontando para a minha cara. Queria poder fingir um desmaio para sair dali, mas não achei que fosse necessário, já que parecia que eu cairia a qualquer instante. Até eu vê-la na plateia, acenando e sorrindo, me confortando de longe. Dominique. Isso acalentou um pouco meu coração, me fazendo ficar mais tranquilo e ajudando o meu sorriso a ser menos forçado. Tenho que ser forte e confiante por ela, afinal ser assim está no meu sangue.

— Boa noite, Geoffrey, e parabéns pela vitória — a voz de Caesar Flickerman não é tão agitada quanto costumava ser na primeira vez em que conversamos. — Estamos felizes em ver que retornou. Sabemos o quanto sofreu naquela arena, mas o que importa é que está bem. Começaremos agora vendo os melhores momentos, e depois conversamos. Está de acordo?

Nunca na face da Terra gostaria de rever a arena.

Bom, pelo menos era isso o que eu queria dizer, mas se fizesse isso, iria arcar com consequências ruins.

— Certo — é o que sai da minha boca, de maneira automática e contrariando minhas vontades.

Então, num telão, começa a passar um vídeo com o banho de sangue. Consigo me ver ali, correndo em direção à Cornucópia, minha expressão de ódio mortal estampada na cara. E aí começam as lutas, revejo a morte de Jass e a minha briga com Anya. Pareço um psicopata, coisa que jamais desejei ser. Sinto um nojo da pessoa que me tornei; ou melhor, da pessoa em que me obrigaram a ser. Astrid sai correndo por um canto, passando despercebida. Os Carreiristas arrancam cabeças com a mesma facilidade que tenho para piscar os olhos.

As cenas passam arrastadas, como se o tempo parasse, uma tortura para minha mente. Todos os momentos que vivi com Astrid sendo refrescados em minha memória. Olho para aqueles lindos olhos grandes e verdes no telão, aquele sorriso de orelha a orelha, e até mesmo o cabelo castanho claro volumoso e bagunçado. Uma garota tão alegre, confiante, animada, que nesse momento está morta. Ela parece tão viva no telão que a ideia de sua morte parece surreal. Nossa relação parecia ser de amigos de infância, e isso foi tirado de nós rapidamente. Dava pra ver nossa alegria enquanto conversávamos. Era como uma bolha no meio de tanta desgraça.

Mordo o lábio inferior, tentando não chorar com aquilo. As cenas continuam passando lentas, cada segundo a mais é doloroso como uma facada no coração. O plano com os touros está entre os melhores momentos, assim como nossa briga com Lars, a aliança com Roseline e Graham, o gás venenoso e o conflito com Trina. E também está lá o meu beijo com Astrid, e quando este passa, o pessoal da plateia solta um grunhido fofo.

Durante o resto da exibição dos melhores momentos, fico com uma expressão neutra. Não celebro quando apareço matando alguém, como fazem alguns dos Carreiristas vitoriosos de edições passadas. Mesmo assistindo a minha vitória, não me sinto feliz. Valeu mesmo a pena matar toda aquela gente só pra ganhar uma casa nova? Está certo que foi um sorteio, mas essa foi uma vitória ruim.

No final de tudo, o símbolo da Capital aparece e os melhores momentos acabam. Caesar me encara com certa pena no olhar, e eu apenas abro um sorriso fraco, que esconde minhas emoções reais. Ele se ajeita na poltrona.

— Então, Geoff... como foi rever todos esses momentos?

Suspiro profundamente.

— Ver num telão não é a mesma coisa que estar ali nos Jogos, com toda aquela gente morrendo de maneira brutal diante de seus olhos. Elas berram por piedade, o desespero delas acaba chegando a você com uma força imensa. É uma coisa horrível, não consigo colocar em palavras, porque se fosse fazer isso, acabaria me torturando ainda mais. E ver tudo isso me fez lembrar daqueles sentimentos que me machucaram tanto na arena, coisa que gostaria de evitar.

— Infelizmente terá de conviver assim para sempre, não?

Uau, Caesar, obrigado por me fazer sentir melhor.

— Pois é.

— Mas você conseguiria mudar, acho eu. Distrair-se com outras coisas ajudaria. Tem algum plano para o futuro?

— A distração não me faria esquecer completamente. Não dá para fazer isso. Assim que voltar para casa, irei finalmente descansar após anos de sofrimento. Deitarei na cama confortável que nunca tive antes. Ajudarei meu cachorro Castiel, dando-o comida de verdade. Sabe, não me importo com a glória, prefiro passar despercebido.

— Mas você tem a Turnê dos Vitoriosos. Como será encontrar a família dos outros tributos?

— Não posso te dizer nada com certeza — aperto as mãos, que suam, quentes. — Nunca tive pais, não sei nem imaginar como é perder um filho. Deve ser uma coisa terrível, uma dor insuportável.

— Por falar em família, não se esqueça de que prometeu à Astrid procurar seus pais.

— Não tenho ideia de como os acharei. Para falar a verdade, nem sei se estão vivos. E, dependendo do motivo do abandono, não voltarei a falar com eles tão cedo.

— Vamos torcer para que os encontre, e que seja uma boa relação. Agora vamos falar de figurinos... eu já posso enxergar a inspiração para esse seu traje.

Dou uma olhada para baixo, só para checar minha camisa.

— Astrid May, uma noite estrelada — digo, sorrindo. — Seus olhos eram as próprias estrelas, brilhantes e iluminados. Nunca me esquecerei de como ela estava bonita naquela noite. Sinto muito a falta dela — minhas mãos apertam os braços da poltrona com força. — Mas a tiraram de mim! Nós poderíamos ter passado mais tempo juntos, Caesar, muito mais! Eu sinto raiva, raiva por ela ter vindo para cá, ela era uma pessoa boa. Preferia que Astrid não tivesse sido sorteada e nem me conhecido, para que pudesse estar cuidando de sua família agora. Isso não é justo!

Percebo que meu tom de voz aumentou muito, então fecho a boca e afundo na poltrona.

— Acalme-se — Caesar fala, muito calmo. — Todos sabemos o quanto ela era uma pessoa boa, mas infelizmente se foi. E você está aqui agora, vivo, e poderá viver bem, como nunca fez antes. Manteve sua personalidade forte, o que é motivo de orgulho. Não desistiu, nem quando os obstáculos eram quase que impossíveis de serem atravessados. Eu te admiro.

— Obrigado, Caesar.

— Aproveite o tempo que tem agora. Cuide de sua saúde, de sua perna nova, e continue sendo essa pessoa forte e incrível que é. Pessoal, uma salva de palmas para o Geoff!

E as pessoas me aplaudem, gritando meu nome muito alto. Finjo um sorriso, aliviado por tudo ter acabado por enquanto. Ainda estarei envolvido com a Capital durante muito tempo, sendo mentor e viajando pelos distritos na Turnê. Tudo aquilo que o Caesar falou sobre ir viver minha vida com tranquilidade é besteira. Nunca conseguirei viver cem por cento bem depois do que passei.

Caesar então chama o Presidente Snow ao palco. Ele aparece, os cabelos e a barba grisalhos refletindo as luzes do palco. Atrás dele, vem um garotinho carregando uma almofada com uma bela coroa em cima. O Presidente pega a coroa e chega perto, junto com um cheiro extremamente forte de rosas que invade minhas narinas. Mantenho a postura, mesmo querendo vomitar com o aroma.

O Presidente Snow ergue a coroa e a encaixa na minha cabeça. Mais uma rodada de aplausos e gritos me aquece por dentro, e em seguida sou guiado para fora do palco. Ali, alguns me dão parabéns, e realmente fico agradecido.

Saio andando naquele caminho que sempre trilhava alguns dias atrás, quase que automaticamente. Alcanço o elevador e pressiono o botão do último andar. A brisa gelada da noite sacode meu cabelo, que faz cócegas em minhas orelhas. Certamente irei demorar a me acostumar a esse estilo curto, é estranho.

O terraço permanece o mesmo. Acabo me sentando no lugar de sempre, à frente da vista magnífica da Capital. A noite, gloriosa e estrelada, só consegue me deixar pior, porque é idêntica à de alguns dias atrás, quando Astrid e eu passávamos a noite aqui. Eu me lembro bem, ela sentava e admirava o brilho lunar enquanto cantarolava alguma coisa. E eu, ao seu lado, a observava. O violão ainda está apoiado à parede, como se nenhuma força do mundo pudesse o tirar de lá.

Fico ali por um tempo, contemplando o nada, até que as portas do elevador se abrem atrás de mim. Olho para lá.

— Dominique! — exclamo, e todo feliz, levanto e corro até ela.

Dominique me aperta num abraço forte, acariciando meu cabelo enquanto dá gargalhadas de felicidade.

— Geoff, eu sabia que ia voltar! — exclama ela, me largando do abraço, mas apoiando as mãos em meus ombros. Ela mudou um pouco, seus olhos estão mais cansados e o cabelo lilás foi enfeitado com mechas azuis e rosas, além de ter uma presilha de serpente prendendo a franja. — Eu tinha certeza! Você não pode imaginar o quanto torci por você e o quanto estou feliz neste momento!

— Senti tanto sua falta, Dominique. Obrigado por não me abandonar.

— Eu nunca te abandonaria. Sinto muito por não conseguir mandar mais dádivas na arena, eu acreditava Bree e Taylor estavam sendo incompreensivos... Mas eles estavam economizando, apostavam em você. Por isso esperaram até você chegar aos finalistas e lhe mandaram a faca personalizada. Foi tão difícil de se fazer que demorou dias. Tínhamos a expectativa de lhe enviar a faca dias atrás. Desculpe-nos!

— Não tem problema. Só de saber que você e os mentores se importaram fico feliz. Achava que Bree e Taylor não se importavam, admito. Só que, assim que a faca chegou, reparei que haviam pessoas aguardando minha volta. Isso só me motivou mais. Obrigado.

Dominique sorri com lágrimas brotando no canto de seus olhos, como uma mãe faria. Espero que essa visão de figura materna que tenho de Dominique dure para sempre.

Viro-me para o céu estrelado:

— Provavelmente é a última vez que verei esse céu.

— Acho que não. Ano que vem, você e Bree serão os mentores — Dominique suspira. — E continuará assim até o próximo vitorioso do Distrito 5 aparecer. Mas saiba que eu estarei lá todos os anos para lhe fazer companhia, não poderá escapar de mim tão cedo, Geoffrey Monroe.

— E terei que ver Frida todos os anos!

— Ah, você sabe que no fundo ela gosta de você, não é?

— Isso é fato.

O relógio de pulso de Dominique começa a piscar e a emitir um som de alerta.

— Bom, Geoff, receio que temos que ir. O trem partirá ao Distrito 5 agora para que cheguemos na estação amanhã de manhã. Vamos?

— Sim.

Eu e Dominique andamos até o elevador. Não desgrudo os olhos daquele terraço nem por um segundo, e quando as portas vão se juntando lentamente, vou tendo a impressão de que estou deixando meus dias com Astrid para trás. É um passado que estará cada vez mais distante, esses tempos felizes no meio de um ambiente caótico jamais serão esquecidos. E a partir de agora, minha vida será outra, e bem melhor. Apesar disso, deixar para lá memórias tão boas seria um crime contra minha felicidade. Provavelmente terei que mantê-las empacotadas na minha cabeça. E nunca, em qualquer hipótese, esqueceria a pessoa tão incrível que foi Astrid May.

Em um baque leve, as portas do elevador finalmente se fecharam.

[...]

Dormi quase a viagem inteira da Capital ao Distrito 5. Apenas acordei quando faltava uma hora para chegarmos, e eu ainda estava com sono. Levantei e fiz minha higiene matinal muito rápido, e logo parti para a mesa do café da manhã. Bree, Taylor e Dominique estão lá, conversando animadamente sobre coisas fúteis da Capital (como a novela, presumo).

— Bom dia, Geoff — diz Taylor, parecendo não tão sério pela primeira vez. — Vejo que está sonolento.

— Ah, sim — respondo com a voz muito cansada. — Parece que planejaram o dia de ontem só para me matar de sono.

— Pelo menos estamos chegando em casa — avisa Bree, brincando com os cabelos louros, arrumados numa trança.

— Coma rápido, Geoff — fala Dominique, vestida inteiramente de preto e branco e com um chapéu de plumas enorme na cabeça. — A previsão de chegada é em cinquenta minutos, e ainda precisa se arrumar.

Assim faço. Aproveito o gosto maravilhoso dos pães com geleia, bebo muito suco de abacaxi e ainda delicio um bolo de cenoura. Logo depois, vou ao meu quarto e opto por uma camisa cinza e calças pretas, bem simples. Quando termino de me arrumar, o trem vai perdendo velocidade e Dominique vem me chamar:

— Geoff, vamos descer do trem. Se prepare para as câmeras!

Me posiciono na saída rapidamente. As portas do trem se abrem e revelam a multidão que, alguns dias atrás, me tratava como um simples menino de rua, e que agora, me trata como um campeão. Aceno para eles e sorrio para as câmeras, mas no fundo, o que eu mais quero é ir para a minha nova casa descansar.

Fico ali por um tempo, tentando sair pelo meio das pessoas, até que ouço um latido. Imediatamente sorrio, e o cachorro branco vem correndo como um foguete.

— Castiel!

Castiel pula no meu colo e começa a lamber meu rosto, abanando o rabo, todo feliz. Acaricio sua cabeça, sentindo o pelo macio pelos meus dedos. Fico fazendo carinho em suas costas até ele se acalmar um pouco, e depois o solto no chão. Ele caminha ao meu lado, sem parar de abanar a cauda, e juntos seguimos na direção de minha nova casa. Sei o caminho, já que algumas vezes passei por lá só para dar uma espiada. Dominique vem logo atrás, tentando correr ao mesmo tempo em que se equilibra nos saltos.

Aos poucos as pessoas vão parando de nos seguir. O portão da Aldeia dos Vitoriosos é enorme e seus detalhes em ferro são impressionantes. Há um caminho de pedras tão bonitas que chegam a brilhar. As mansões ali são gigantescas, maravilhosas e decoradas com os materias mais bonitos de Panem. A maioria ainda está sem ocupação, mas uma delas está decorada com balões e faixas de congratulações. Lentamente chegamos mais perto.

— Aquela é a sua mansão, Geoff! — exclama Dominique. — Incrível, não?

— Com absoluta certeza. E obrigado pelos balões e pelas faixas!

Castiel late em aprovação, mas Dominique ri.

— Ah, não fui eu quem deixou os balões.

— Então quem foi?

Chego mais perto da casa, e só então reparo em uma mulher sentada nos degraus de entrada. Ela se levanta (revelando ser baixinha) e sacode o vestido azul, decorado com laços e botões. Seu cabelo é loiro, liso e muito longo, atingindo a cintura. Deveria estar na faixa dos vinte para trinta anos, e seus grandes olhos azuis me parecem familiares.

— Oi, Geoffrey — ela cumprimenta.

— Hã... Posso saber quem você é? — estreito os olhos. — E o que está fazendo em minha casa?

— Eu vim lhe dar os parabéns, oras. Meu nome é Sierra.

— E quem é você, Sierra?

— Desculpe pela apresentação tosca. Meu nome é Sierra Monroe, e vim lhe parabenizar pela vitória.

Meus olhos se arregalam tanto que parecem saltar das órbitas. Ouço Dominique soltar um gritinho.

— Desculpe... Acho que não entendi direito. — digo. — Qual é mesmo seu sobrenome?

— Monroe — Sierra ri, entortando a cabeça para o lado. — E aí? — mais uma risada. — Gostou da surpresa, irmão?


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Notas finais do capítulo

Será que a Sierra é mesmo irmã do Geoff? E por que ela está nos degraus de sua casa?

Continuem acompanhando! Até semana que vem e não se esqueçam de comentar o/