61ª Edição dos Jogos Vorazes escrita por Triz


Capítulo 19
Capítulo 19 - Sofrimento interminável


Notas iniciais do capítulo

Demorei mais que o previsto, mas agora estou de férias. E a fic terá mais quatro capítulos, e não dois, como planejei, senão as coisas ficariam corridas. Boa leitura!



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Acordo lentamente, o que faz meus olhos semiabertos praticamente queimarem com a luz intensa das lâmpadas do teto. Ok, estou deitado numa cama, com tantos aparelhos conectados a mim que perco a conta. Tem um cabo no meu nariz que faz o ar entrar sem que eu me esforce tanto, e fico agradecido por isso, porque mal tenho forças para me erguer. Presumo que esse seja um resultado da inalação do gás venenoso na arena.

Meu corpo pesa muito, mas estou muitíssimo melhor em comparação ao que eu sentia na arena. Apesar de estar mais saudável, fazer qualquer movimento me custa muita energia. Até minhas pálpebras, sempre leves como plumas, parecem pesar toneladas. Sinto a garganta seca, como um deserto dentro de mim.

Algumas pessoas andam como flashes à minha frente, os passos sincronizados ao bipe das máquinas. Com dificuldade, viro minha cabeça para o lado, que pesa mais que nunca. Meu braço direito, com uma agulha injetada, possui uma cicatriz feia do cotovelo ao ombro. Outras pequenas cicatrizes estão espalhadas por toda a extensão de ambos os braços.

A roupa do hospital é desconfortável e áspera. Tento me erguer para pedir ajuda, mas estou tão zonzo que capoto para o lado e uma bolsa de soro estoura no chão ao mesmo tempo que aperto um botão acidentalmente.

— Ah! — exclamo ao ser esmagado pela cama inclinável.

Uma mulher vem como um relâmpago consertar minha posição.

— Doutor, o garoto acordou! — ela avisa. — Venha rápido! — a enfermeira vira-se para mim, afofando meu travesseiro macio. — E você não se mexa mais, ok?

Não tenho forças para responder, e apenas me ajeito na cama.

O Doutor, presumo, aparece com uma prancheta na mão e um aparelho estranho enrolado em torno de seu pescoço. Seu cabelo, metade louro e metade grisalho, dá a sensação de que trabalhou por muito tempo tentando me manter respirando. Ele encosta o aparelho no meu peito e não muda a aparência séria.

— Seus batimentos estão voltando ao normal — ele diz, sério. — Está se sentindo bem?

— Mais ou menos — é o que consigo murmurar.

— Certo, hã... Geoffrey — ele pega sua prancheta. — Lembra-se do que aconteceu? Pode falar devagar, sei o quanto está cansado.

Só consigo me comunicar por frases curtas.

— Fui sorteado. Eu estava nos Jogos. Matei pessoas. Abri um celeiro com bestantes. Vi minha amiga ser esfaqueada. Tacaram uma espada na minha perna. Sobrevivi, eu acho.

— É exatamente isso.

O Doutor faz anotações em sua prancheta durante um tempo, e eu só fico ali, contemplando o teto como se fosse a coisa mais interessante do mundo.

— Bom, Geoffrey... Você está indo bem. Dormiu por dois dias, já vi casos piores, mas mesmo assim sofreu danos graves. Principalmente com a perna esfaqueada.

— E o que aconteceu com ela, Doutor... hã...

— Dr. Gavin.

— Certo, o que houve, Dr. Gavin?

— Tivemos que fazer uma cirurgia de emergência — explica. — O corte foi muito profundo e danificou boa parte da sua perna direita, do joelho para baixo. Além disso, o seu pé já estava com fraturas horríveis. Isso não foi nada legal para você, Geoff — ele suspira. — Dê uma conferida.

— Certo — digo, minha voz soando relutante.

Olho para a direção de minhas pernas. A esquerda está normal, com apenas algumas cicatrizes pequenas que sumiriam com o tempo. Já a direita, também está normal. Pelo menos isso até o joelho. Então percebo e paraliso. Após ele, não tem mais nada. Eu não tenho mais uma batata da perna e nem um pé direito.

Tento acreditar que não é real, passando a mão no ar à frente da minha antiga perna. Acabo me decepcionando como sempre; afundo minha cabeça no travesseiro, desejando que tudo aquilo fosse só um sonho ruim.

— Você amputou minha perna — sinto um peso na voz.

— Não tinha jeito. Terá que fazer alguns exercícios para acostumar a andar com uma prótese, embora com a medicina avançada daqui não demore muito.

— Entendo.

— Sinto muito mesmo, Geoff.

— Entendo.

O Dr. Gavin continua me checando e fazendo anotações em sua prancheta. Ele despluga aparelhos, puxa agulhas e desliga máquinas, me deixando livre, somente com aquele cabo no nariz, levando ar aos meus pulmões.

— Estou bem? — pergunto, encarando os cabelos grisalhos do Dr. Gavin.

— No geral sim. Seu pulmão ainda está infectado com o gás, e embora seja em pouquíssima quantidade, é bom deixar esse tubo por mais um tempinho, talvez uma meia hora. Fique feliz por não ter sequelas por inalação de veneno — ele dá mais uma checada na prancheta. — Você também perdeu muito peso e está com o índice de massa corporal baixo, então sua dieta será reforçada. Esperamos que os danos psicológicos não tenham sido fortes.

— Essa deve ser a pior parte, Dr. Gavin.

— Eu sei. O Geoffrey sai dos Jogos, mas os Jogos não saem do Geoffrey. Muitos dos tributos que sobrevivem ficam loucos, sendo que alguns cometem suicídio. Prometa para mim que será forte. Acompanhei o que passou e sei que é difícil, então trate de superar tudo.

— Acho que carregarei isso pelo resto da vida. No momento, estou tentando me afundar nesse travesseiro e desabar.

— Tente parecer feliz. Hoje à noite fará uma entrevista com Caesar Flickermann.

Surpreso e completamente indisposto, solto uma exclamação:

— Já?!

— É. Você não pode ficar aqui para sempre, sem falar que já está bem. Além do mais, ainda está de manhã, e daqui a pouco sua Equipe de Preparação te buscará.

— Nem descansar em paz eu posso.

O Dr. Gavin abre um sorriso amarelo e eu fico ali na cama, deitado, querendo morrer. Mal acordei e já tenho que fingir um sorriso e aparecer nas câmeras do país inteiro. E ainda por cima tenho que olhar para a cara de tacho da Frida. O que mais posso pedir?

[...]

Andar com a prótese foi complicado nos primeiros passos. Depois, tornou-se um complemento ideal para a minha perna. Isso não significa que não sinta falta, todas as vezes que olho para baixo e vejo aquela prótese de metal, sinto um repentino pânico, perguntando-me onde estaria minha perna. E aí cai a pesadíssima ficha.

O Dr. Gavin me liberou quando o sol estava quase se pondo. Despediu-se e me entregou à Frida, cujos cabelos alaranjados estavam bem mais curtos do que a última vez que a vi. Ela me levou ao Centro de Transformações.

— Você virou uma vareta magricela, Geoffrey — ela diz.

Reviro os olhos.

— Ainda não me vi no espelho.

— Farei o possível para que pareça normal na frente das câmeras.

— Ué, não vai me deixar horrível como sempre?

Ela sorri com o canto da boca.

— Sou grata à você. Lembra-se do acidente com as Cerejas da Madrugada? — assinto com a cabeça e ela dá risada. — Você acabou escolhendo seu próprio traje. Os maiores mestres da moda da Capital gostaram do que viram e, por um acaso, vieram falar comigo. Me ofereceram um emprego em um império da moda quando não estiver trabalhando nos Jogos.

— E você dizendo que só lhe faço mal — dou risada. — Foi promovida como estilista dos Jogos?

— Recebi uma oferta, mas não aceitei. O Distrito 1 queria uma estilista nova, mas preferi ficar no 5. Isso significa que nos veremos ano que vem. Boa sorte como mentor.

— Por favor, não me faça ficar pior.

— Não te irritarei mais, isso não é suficiente? Além do mais, tenho uma surpresa para você.

— Ah.

A palavra surpresa não me fazia sentir nada bem a esse ponto. Qualquer coisa que me tire a concentração já me faz olhar por todos os lados, procurando por perigo. Aí eu me lembro de que os Jogos já acabaram. Aquela frase do Dr. Gavin passa pela minha cabeça:

"O Geoffrey sai dos Jogos, mas os Jogos não saem do Geoffrey."

Frida me faz sentar numa maca, e logo minha Equipe de Preparação chega, carregando maletas e mochilas.

— Nos vemos mais tarde — diz Frida. — Até logo.

Fico quieto, deixando a Equipe começar seu trabalho.

[...]

Quando tudo terminou, me entregaram à Frida novamente, e ela está com um pacote na mão; minha roupa para a entrevista. Eu estou cansado demais para isso, então finjo um sorriso, deduzindo que minha Equipe de Preparação me deixou com cara de menos cansaço.

— E aqui está sua surpresa — ela diz. — Venha cá.

Subo num pequeno pedestal e Frida abre o pacote com a roupa. Ela puxa uma camisa azul marinho, decorada com algumas pedrinhas prateadas, que formam desenhos assimétricos pelas costas e ombros. A calça é preta, simples, já que o principal é a camisa. É simplesmente maravilhosa, uma noite estrelada. Como o vestido de Astrid.

— Gostou? — ela pergunta. — Pensei bastante nela ao fazer.

— Pela primeira vez eu gosto de alguma coisa sua. Obrigado.

— Então vista-a logo.

Visto a roupa por completo e coloco a pulseira de serpente, tentando não surtar ao ver a perna falsa, e só então posso me observar. Frida traz um espelho de corpo inteiro e fico ali, me observando em estado de choque.

Magro, muito magro, com ossos pontiagudos e salientes. As maçãs do rosto estão saltadas, marcadas pela camada fina de pele por cima. Consigo ver algumas áreas em que a Equipe de Preparação conseguiu disfarçar, como cicatrizes pequenas e olheiras, mas não conseguiram tirar minha expressão de horror. Olhos saltados, inquietos com qualquer ameaça de perigo à vista, o azul tornando-se um cinza nebuloso. O tamanho do cabelo foi reduzido, agora está só um pouco abaixo das orelhas, e não comprido como antes.

— Eu sou uma aberração — acabo falando. O choque me faz soltar algumas lágrimas. — No que me tornei?

— Em nada. Você continua a ser você mesmo. Guarda o choro, vai borrar sua maquiagem — ela me guia até a porta de saída. — Agora suba ao palco e arrase.

Concentro-me em fazer um sorriso falso e, sendo engolido por aplausos e flashes, alcanço a escadaria do palco.

Será uma noite bem longa.


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Notas finais do capítulo

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