“Simmons?”

A voz de Skye soou rouca, distante e até mesmo desconhecida aos ouvidos de Jemma. A bioquímica ergueu os olhos das próprias mãos, podia sentir as lágrimas querendo escorrer através deles, mas respirou profundamente até controlá-las e, lentamente, virou seu corpo em direção a voz.

Skye estava escorada na parede de seu cubículo no Playground, próxima a porta. Incerta, não sabia se tinha ou não a permissão de entrar. A hacker respirava devagar, apreensiva, os braços cruzados na altura dos seios... Visivelmente preocupada, por mais que não manifestasse por meio de palavra alguma. Jemma suspirou, estava cansada em ver aquele mesmo olhar em todos os membros de sua equipe.

A pena, a dor calada, o pesar... E ela podia suportar aquilo de qualquer um, menos de Skye.

“Por favor, não me olhe dessa forma.”

As palavras de Jemma saíram mais rudes do que o normal. Skye pareceu um pouco surpresa, franziu a testa e, depois, suspirou. Ainda estava calada, não parecia mais a mesma. Nenhum deles era o mesmo, principalmente Fitz. O silêncio nunca fora um componente presente na reação delas. Mas, naquele momento, estava pesando e sufocando tudo ao redor das duas.

Skye levantou os olhos, Jemma fugiu de seu olhar, encarando as próprias mãos. Insegura, Skye se aproximou e sentou-se em frente a ela, na cama. Não forçou contato físico algum, não continuou a procurar os olhos claros da bioquímica. Apenas respirou fundo e limpou a garganta.

“Sinto muito pelo Fitz.”

“Diga isso a ele. Eu não mereço qualquer pesar agora, Skye.”

Amargura, mais uma vez.

Skye olhou atônita para Jemma que sequer ergueu os olhos para ela, a hacker sentia falta do brilho corajoso e gentil, Skye sentia falta de Jemma. Skye tornou a ficar em pé, suas mãos estavam trêmulas e sua respiração já perdera o compasso há alguns segundos, podia escutar a pulsação de suas veias em seus ouvidos... Podia escutar tudo e queria escutar tudo.

Só não desejava aquele silêncio incômodo e tão incomum entre elas. Que, naquele momento, percebeu que era o silêncio da ausência de Fitz. Ele costumava preencher aquele vazio de palavras...

E Jemma parecia ter sentenciado suas palavras e não mais procurava se explicar. Ela simplesmente não queria mais falar sobre aquilo, ela queria amargar tudo que acontecera dentro daquela caixa no fundo do oceano. Jemma queria carregar aquelas palavras consigo, queria resguardar a expressão de Fitz, naquele momento, quando ele dissera aquelas palavras. Jemma não queria pensar no que viera depois e nem do que acontecia agora.

Ela não queria pensar em Skye.

“Seja lá o que Ward disse a vocês não é verdade, Jemma. E seja lá o que aconteceu naquela caixa no fundo do mar, eu estou aqui para você... Eu sempre estive aqui para você.”

As palavras de Skye só tornaram as coisas ainda mais difíceis. Jemma resmungou e limpou os filetes de lágrimas que escorreram de seus olhos com um gesto agressivo e amargo. Ela não devia chorar por causa daquilo. Ela não devia deixar seu coração acelerar por escutar aquilo vindo de Skye. Ela não deveria deixar-se inflamar por aquele sentimento... Não era certo. Não era correto. Não com Fitz desacordado por sua causa.

“E quem esteve com Fitz quando ele acreditava fielmente em Ward? Quem foi a retaguarda dele quando ele precisou, Skye?!”

Jemma finalmente explodira. Da forma dela, calada e controlada, mas fria e distante. E foi essa ausência de sentimentos que preocupou ainda mais Skye. Ela olhou mais uma vez para Jemma e, dessa vez, os olhos finalmente se encontraram. Skye enxergou uma vazio com o qual não estava acostumada, enxergou a escuridão dentro de Jemma e, naquele momento, desejou sugar todo o negro de dentro dela... Porque ela, Skye, estava acostumada com a solidão e com a escuridão. Mas Jemma não, ela não deveria lidar com aquilo, muito menos Fitz.

Nenhum dos dois merecia aquilo. Era culpa dela. Ela deveria ter deixado Mike matar Ward... Ela era tão fraca, tão frágil... E Ward previra aquilo, Ward esbravejara e jogara aquilo na sua cara. E ele estava certo: os dois eram monstros.

“Eu não fiz uma pergunta retórica, eu quero respostas, Skye. Você não quer conversar? Então me responda quem foi que percebeu que Fitz carregava as coisas dentro de si e quem foi que se dispôs a conversar com ele!”

Skye manteve-se calada. As palavras morreram em sua garganta.

“Por que não responde, Skye? Porque não há resposta! Ninguém esteve lá para ele quando ele precisou!”

Jemma explodira e, dessa vez, o grito angustiado dela não foi sufocado e ele ecoou dentro do pequeno cubículo que as duas ocupavam. Skye observou, como que em câmera lenta, enquanto as lágrimas de Jemma finalmente escorriam e molhavam todo o rosto que estava pálido. Os lábios tremiam e o olhar estava vazio, Skye não se sentiu convidada a se aproximar e a engolfá-la em seus braços...

E aquilo machucou. Porque aquilo era Jemma Simmons se fechando para todos, aquilo era Jemma se afastando ainda mais.

Skye respirou fundo e, quando percebeu, suas lágrimas molhavam o edredom da cama de Jemma. As duas continuaram colhendo suas lágrimas, escutando apenas suas respirações pesadas, nenhuma das duas parecia inteira o bastante para consertar o que estava quebrado na outra. Porém, foi Skye quem tomou coragem e ficou em pé, trêmula e suando frio da cabeça aos pés.

“Eu estive lá por ele, eu escutei tudo que ele sentiu. Eu sabia porque ele se irritava por Tripplet. Eu sabia e compreendia o quão sonhador ele era por ainda acreditar em Ward!”

A confissão de Skye foi como um chute na já moribunda alma de Jemma. A bioquímica olhou para ela novamente e, dessa vez, havia fúria impressa em cada um dos pontos brilhantes de sua pupila. Jemma ficou em pé e marchou até Skye, ficando próxima a ela. As lágrimas ainda escorriam pela face dela e ela não parecia quebrar com cada gota e sim, reconstruir-se.

Skye sentiu a fúria de Jemma marcar seu coração a fogo. A hacker sentiu a intensidade de suas lágrimas aumentar, instintivamente, recuou um passo. Viu o desprezo tomar o olhar de Jemma e aquilo foi pior do que descobrir quem Ward era de verdade.

“E por que você escondeu isso de mim, Skye? Você não tinha o direito de me privar disso tudo diante da situação em que nós estávamos vivendo!”

Skye podia escutar os pedaços de seu coração se partindo conforme a voz de Jemma ricocheteava e derrubava as suas barreiras. As palavras caladas em sua garganta pareceram emergir na superfície de sua língua...

“Porque ele fez a mesma coisa por mim, Jems... Porque ele sabia que eu teria demonstrado da mesma forma.”

Jemma congelou. A fúria parou de ser inflada em seu sangue, seu corpo trêmulo paralisou e tudo que ela conseguiu enxergar foram os olhos escuros de Skye assumirem a escuridão que habitava os seus. A bioquímica aproximou-se de Skye que recuou mais um passo e ergueu uma mão entre elas.

Uma parede física para o tornado de sentimentos que estava jogando-as de um lado para o outro.

“Skye, eu...”

A sirene que indicava a emergência na ala médica disparou, interrompendo qualquer que fosse a sentença de Jemma naquele momento. A única coisa em que ela conseguiu pensar foi em Fitz. Skye, silenciosamente, abriu caminho para que ela passasse e Jemma correu pelo corredor, sem olhar para trás.

Skye a seguiu, caminhando lentamente pelo corredor. Chegou minutos após Jemma. Todos da equipe observavam, através do vidro da sala, enquanto Tripplet e Jemma checavam os sinais vitais de Fitz que acabara de acordar.

A hacker sorriu, um sorriso triste que já se tornara comum desde que Ward destruíra o que ela chamara de “família”. Através do vidro, os olhos de Fitz encontraram os seus por breves momentos e ela acenou para ele, com lágrimas em seus olhos... E, então, Jemma puxou a face dele para seus lábios encontrarem a testa dele. E a última esperança de ter algo que pudesse ser chamado de seu acabou naquele momento.

Skye abaixou a cabeça e deu às costas às comemorações da equipe, poderia lidar com tudo depois que lidasse com seus próprios sentimentos. Foi tudo mais rápido do que ela teve consciência, porque ela não conseguiu enxergar os olhos preocupados de Jemma procurarem os seus enquanto ela caminhava pelo corredor e chegava à imensa pista de pouso.

Encarou o Bus com os olhos molhados e escutou passos atrás de si. Não se virou e nem se surpreendeu quando May parou ao seu lado, olhando para a mesma direção que ela olhava. May pigarreou indiscreta enquanto Skye limpava as lágrimas sem vergonha alguma.

“Não é bom deixar as emoções falarem mais alto, Agente Skye.”

“Não fui eu quem espancou um cara quase até a morte porque ele feriu meus sentimentos dormindo comigo, Agente May.”

A ironia presente na voz rouca e quebrada de Skye fez May dar um sorriso pequeno enquanto apertava o ombro direito dela. Skye entendeu que aquela era a forma May de passar um pouco de força. A mais velha afastou alguns passos e, antes de entrar novamente nas instalações do Playground, parou, observando Skye preocupada.

“Lembre-se do que eu disse: canalize tudo isso em alguma coisa. Mas em alguma coisa boa, nós duas sabemos que você ama os dois, Skye.”

Skye acenou com a cabeça, ainda de costas, observando suas lágrimas molharem o chão aos seus pés. A hacker continuou observando o chão. Limpou seus olhos depois de alguns minutos e olhou para o Bus, procurando pertencer de novo à S.H.I.E.L.D., à equipe, à família... Estava acostumada a ser sozinha, mas não estava acostumada a ser sozinha depois de provar o sabor de pertencer a algo...

De pertencer a alguém.

Continuou pensativa e calada, posições que não eram comuns a ela. Ainda havia algo que a guiava, ela ainda tinha um trato com Coulson... Skye só precisava descobrir uma forma de continuar depois de estar tão destruída.

“Você não está pensando em fugir, não é? Eu já estive em seu lugar... Quem sabe, um dia, você acabe me fazendo companhia na Cavalaria.”

A voz de May provocou risos em Skye, ela se virou imediatamente e caminhou até a mais velha. A proximidade das duas, depois de tudo que passaram com Ward, aumentara e fortalecera. May lançou um olhar a ela, sincero ao dizer que o caminho era difícil e esperançoso ao dar a entender que tudo daria certo no final. As duas entraram nas instalações e, brevemente, Skye esbarrou no corredor em Jemma.

Não levantou o olhar, fingiu não escutar quando ela a chamou... Mas escutou May claramente.

“Vamos treinar, se Coulson realmente reconstruir a S.H.I.E.L.D., você irá precisar de um novo S.O., afinal.”

Skye assentiu e aquela pareceu ser a melhor solução para aquele momento.

FIM