O Mistério de St. Reeve's escrita por sora aye, Charlie Mills


Capítulo 9
Quebre o gesso


Notas iniciais do capítulo

musica: Dancing with myself (http://www.youtube.com/watch?v=b_mwlrkBPTk)
Espero que gostem...



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Encaro-me pela sétima vez no espelho, estava me preparando para o Baile de Boas-Vindas. Aliso meu vestido pela décima primeira vez e mexo-me desconfortavelmente, olho para baixo e encaro minhas pernas. O vestido era curto, acabava no meio das coxas e era extremamente causal. Minha mãe costumava usá-lo normalmente em casa, era a única coisa que eu a via usar, tirando a farda do exército. Rodo em frente ao espelho e o vestido me acompanha, ele era solto e bem largo.

Era lindo, pelo menos para mim e simples, eu tinha certeza que todos estariam vestindo coisas melhores, mas eu não tinha dinheiro, pelo menos não o suficiente para gastar com luxos, como vestidos. Olho para trás e vejo Katherina ainda se arrumando, Charlie estava no banheiro, pelo jeito sofrendo para se aprontar.

Quando ela sai pela porta de madeira escura que separava nosso banheiro do quarto, vejo que está usando um vestido do mesmo comprimento que o meu, mas visivelmente mais chique. Era vermelho no busto e abria rodado e preto depois da linha da cintura. Ela usava um cinto preto, que parecia fazer parte do vestido, com pequenas pedrinhas brilhantes.

Definitivamente mais chique do que eu!

Um barulho ecoa pelo quarto, viro minha cabeça subitamente e giro nas minhas sapatilhas pretas. Não era alguém batendo na porta, era mais como alguém dando um, realmente forte, soco na superfície de madeira.

Vou correndo atender a porta junto com Charlie, quando abrimos, vejo Peter com um outro menino loiro do lado de fora. Olho rapidamente para a cara de Charlie, aparentemente ela estava esperando o outro garoto.

Peter se encontrava preso pelos braços fortes do loiro e seu cabelo estava sendo esfregado impiedosamente, os dois estavam sorrindo, como bons amigos. Dou um leve sorriso, “eu sei que você tem amigos Peter”, penso, maternalmente.

Quando eles nos veem, imediatamente soltam-se, um jogando o outro para longe. Mas antes Peter estende uma mão em direção ao suposto amigo da Charlie e ajeita, carinhosamente, a gravata vermelho sangue do loiro.

– Danny? – Charlie pergunta, ela sabia de Peter, mas aparentemente não sabia que o amigo dele, era o meu amigo. Tudo bem, eu também não sabia.

– Ren? – Peter me encara surpreso. Ele estava tão chique quanto eu, sua camisa xadrez estava quase inteira coberta por um suéter preto, deixando a vista apenas o colarinho, azul e laranja. Um paletó cinza cobria o suéter e um sorriso empolgado mostrava-se implantado em seu rosto.

– Peter?

– Charlie? – O loiro, Danny, pergunta.

– Burro – escuto Charlie mencionar baixinho, não entendo na hora, mas depois penso que deve ser menção a algo que não conhecia.

– Não sabia que vocês se conheciam – aponto para os meninos, ainda parados na porta – e nem que você conhecia ele – me direciono à Charlie.

Ela apenas dá de ombros.

– De qualquer jeito – Danny interrompe o momento de tensão – as duas estão lindas

Eu sorrio, mas sei que ele só quer dizer que Charlie está bonita. Afinal eu pareço que vou ao supermercado e não à uma festa.

– Sim, embora tenha algo faltando em você – Peter aponta para mim. Claro que ele perceberia.

– Peter – Danny acotovela o moreno, que faz uma careta, falsa, de dor – Seja gentil com a dama.

Seguro-me para não rir. “Dama?”, penso, ele era cavalheiro, talvez até de mais, ou talvez eu esteja acostumada a conviver com garotos mais sarcásticos e ácidos do que Danny. “O que você esperava, fazendo amigos na aula de tiro?”, meu cérebro argumenta.

– Enfim – Charlie fala, bem no momento em que vai abraçar Danny. Mas estranhamente estávamos trocadas, eu em frente a Danny e Charlie em frente a Peter.

Depois de um batida embaraçosa, a menina me pega pelos ombros e trocamos de lugar.

Quando vou abraçar Peter ele abaixa, devido a enorme diferença de altura. Ofendida, eu recolho os braços e dou um leve puxão nas bochechas do garoto. Ele olha para mim, irritado e ergue as mãos para beliscar as minhas.

– *Pinch – escuto Peter sussurrar.

Olho para Charlie e vejo ela gritar um “te encontro na festa” para Katherina. Peter olha rapidamente para Danny, que encara-o de volta.

– Vou dar uma melhorada no visual dessa aqui – ele apoia o cotovelo em cima da minha cabeça – Nos vemos no baile.

Danny levanta um dos cantos da boca e assente para Peter.

– Nada de fugir – Ele ameaça, batendo levemente na bochecha de Peter.

Ele acena e arrasta-me para longe dos dois.

– Para onde vamos? – pergunto.

– Dar um brilho a mais no seu vestido, não é obvio!

Abro a boca para fazer mais uma pergunta, mas como se ele lesse minha mente, Peter me corta.

– Sem perguntas! – ele exclama.

– Você nem sabia o que eu ia perguntar!

– Ia me perguntar sobre Danny – ele sorri convencido, era verdade, eu ia – Somos amigos há muito tempo, mas é uma longa historia, qualquer dia lhe conto.

– Eu vou cobrar Peter – sussurro. Um leve soquinho no meu braço indica que ele ouviu.

Peter me leva até a sala de armas. Franzo as sobrancelhas, “porque ele estaria me trazendo aqui?” penso. Ele abre a porta e gesticula para que eu entre.

– Jaime já deve estar na festa a essa hora – consulta o relógio de pulso – o que significa que nós podemos entrar aqui.

Ele desliza a segunda porta e empurra-me para dentro da segunda sala, a que usamos para praticar.

– Porque estamos aqui? – pergunto acompanhando ele com os olhos. O garoto ajeita o paletó cinza e se abaixa em frente a parede oposta a porta, seus dedos deslizam por toda a sua extensão, procurando sentir alguma coisa.

De repente ele aperta uma parte da parede e uma pequena maçaneta da mesma cor pula para fora. Levo um susto e pulo ligeiramente para trás.

– O que é isso? – pergunto, aproximando-me e ficando do lado de Peter e da misteriosa maçaneta.

– Isso – ele responde girando-a e abrindo uma porta embutida e camuflada na parede – é o quarto do velho.

“Um quarto, dentro de um quarto! Dentro de um quarto!”, penso impressionada, entrando. A minha esquerda encontra-se uma cama de casal simples e feita de madeira, com uma cabeceira do mesmo material descansando do lado. Em cima da cabeceira tem uma foto, aparentemente velha, de Jaime usando um uniforme do exército. Um enorme tapete estende-se por quase todo o chão, apenas parando um pouco antes de encontrar as paredes. Encaro uma enorme porta de vidro do lado oposto do quarto. Ando até ela e vejo uma enorme sacada do lado de fora, pequenas e delicadas grades de ferro, separam-nos do incrível oceano a nossa frente. Abro a boca em admiração, nunca tinha visto o mar tão bonito antes, eram sete da noite e o sol estava quase terminando de se pôr, conseguia ver os últimos raios espiando-nos por entre as águas do mar. Era lindo.

Peter arranca-me de meus devaneios beliscando de leve minha bochecha.

– Vamos Ren, eu não lhe trouxe aqui para apreciar a vista.

Faço uma cara de triste, não me importaria de ficar aqui a noite inteira encarando o mar.

– Trouxe você aqui por isso – ele abre a primeira gaveta da cômoda de Jaime e tira um colar de pérolas.

Era muito bonito, ele joga em cima de mim e fala para coloca-lo. Obedeço, imaginando que seja o brilho a mais que ele queria dar ao meu vestido.

Quando deslizo-o pela minha cabeça constato que é gigante, pareço uma menina de três anos provando os colares da mãe. Peter começa imediatamente a ter um ataque de riso incontrolável, eu apenas espero, fazendo uma cara de desagrado.

– Peter! – grito quando vejo que ele não vai parar de rir.

– Ah... okay, okay, já parei – ele enxuga uma lágrima e ajeita a camisa xadrez e o suéter antes de se aproximar – você tem que usar assim – o colar é levantado pelas mãos dele e enrolado mais uma vez em volta do meu pescoço.

Ele sorri, convencido e puxa-me para dentro do banheiro de Jaime, abrindo uma porta de madeira em frente a cama.

O banheiro é extremamente simples, tudo de porcelana, exatamente como o nosso. A única diferença, é que o dele é super branco, enquanto o nosso, é mais puxado para o amarelo creme.

Peter direciona-me para frente de um espelho pendurado em cima da pia, quando me encaro vejo que o colar não ficou ruim. As pérolas são pequenas e delicadas e de uma tonalidade creme que combina com o padrão florido do vestido.

– Gostei! – exclamo.

– Que bom – ele fala coçando o queixo – porque eu não tinha um plano B.

Ele começa a sair do banheiro e eu sigo-o fechando a porta de madeira. Olho mais uma vez para o mar e despeço-me da maravilhosa vista, agora as primeiras estrelas estavam começando a aparecer no céu escuro. Seria uma pena desperdiçar essa noite trancada dentro de um ginásio com milhares de outros humanos. “mergulhador afogando-se, claro”, lembro.

Quando já estamos fora da sala de armas, uma pergunta brota na minha cabeça. Porque Jaime teria um colar de pérolas como esse? E porque Peter saberia desse colar? E porque Peter sabia como entrar no quarto de Jaime? Do jeito que ele foi camuflado, tenho certeza que o velho não queria ninguém entrando sem permissão.

As perguntas morrem na minha boca quando chegamos na porta do ginásio, fiquei tão absorvida em meus pensamentos, que nem percebi que já havíamos andado, praticamente, a escola inteira.

Peter me olha e sorri.

– Te encontro na mesa de comidas!

– Quem chegar por último vai ficar sem os melhores doces! – exclamo correndo para dentro do ginásio.

Ele passa por mim um pouco antes de eu entrar, não era justo! Ele tinha pernas maiores. Passo por várias pessoas dançando e conversando. Escaneio o baile rapidamente, vejo Lady usando um vestido muito bonito, branco com detalhes verdes descendo pela lateral como uma cachoeira. Eu não estava tão chique como o resto das meninas, na verdade não chegava nem aos pés delas, mas estranhamente isso não me incomodava, o que me incomodava era o fato de que, eu não conseguia achar a maldita mesa de comidas!

Olho para os lados tentando encontrar algo. Vejo uma moça ruiva e extremamente alta, com os cabelos soltos e um vestido comprido, roxo escuro, consigo espiar pequenos detalhes prateados nos ombros dela, formando padrões de flores. Ao lado está um homem, alguns centímetros mais alto, vestindo um terno preto e uma gravata borboleta vermelho escura, rio com a gravata, mas estranhamente, fica muito boa nele. O homem passa um braço pelos ombros da mulher, que ri.

Tiro os olhos deles e volto a minha busca pela mesa de comidas. No meio da minha caçada, deparo-me com um homem, vestindo um terno simples cinza e extravagantes óculos de lentes roxas claras e armações brilhantes. Jaime!

– Reeeen-chan – Jaime aproxima-se de mim e dá um pequeno pulo do meu lado – e ai, como está? Gostando da festa?

– Hum... Boa, mas, eu meio que tinha que achar a mesa das comidas. Você sabe onde ela fica?

– Permita-me – ele estende o braço para mim e guia-me até uma enorme mesa branca, repleta de todos os tipos de petiscos. **Apple scones, Scotch eggs, Toffee Apples, etc.

– Uau! – exclamo em excitação, se tinha algo que me empolgava, era comida.

Distraio-me pegando pequenos docinhos e os apreciando antes de colocá-los na boca, sinto-me tão absorvida pelos sabores, que nem percebo o olhar fixo de Jaime em mim. Quando me dou conta, toco involuntariamente no colar e viro-me para encarar meu professor.

– O que foi?

– Nada – Jaime suspira, tirando os óculos e colocando-os no bolso do paletó.

– É o colar?

– Não, é só... não sabia que Peter sabia que eu ainda tinha isso.

Abaixo a cabeça e uma tensão paira em cima de nós.

Felizmente o Diretor corta o clima começando um pequeno discurso, sendo ignorado pela maioria dos alunos, inclusive eu e Jaime. Quando ele termina e alguns poucos aplausos desanimados ecoam pelo salão, a música começa a tocar e vejo todos os alunos se jogando na pista e balançando de um lado para o outro, na batida da música.

Eu não me junto a eles, ao invés disso sento-me em uma mesa no canto do salão com Jaime.

– De quem é esse colar então? – passo os dedos delicadamente pelas pérolas.

– De alguém muito importante.

Jaime parece triste e extremamente nostálgico falando sobre ela, ou ele, nunca se sabe. Decido não tocar mais no assunto, devem ser más memórias.

– Então, pelo que eu vi o Diretor não é muito amado pelos alunos.

Ela dá um leve sorriso, o assunto parece ter reanimando-o.

– Você já foi na sala dele não? – aceno com a cabeça – então, reza a lenda de que dois alunos pintaram ela inteira de vermelho.

– Jura?!? Pensei que ele que havia deixa ela daquele jeito!

– Não! Pode ter certeza, foi uma pegadinha.

Rio forte depois desse comentário. Não imaginava que esse era o motivo da sala inteira dele ser vermelha.

– Porque ele não pintou de novo, sabe... de uma cor normal?

O homem dá de ombros e dá mais um gole na bebida.

– Não sei, vai ver que o cache estava baixo.

Rio de novo.

Ficamos algumas horas conversando. Peter tenta se juntar algumas vezes, mas sempre que ficava muito tempo, Danny aparecia e o abduzia. Perco a noção de tempo, mas a reganho quando o Diretor desliga a musica e anuncia que o baile estava acabado e que todos deveriam voltar aos seus respectivos quartos.

Sorrio para Jaime e sigo-o para fora do ginásio, mas paro no momento que percebo que não havia trazido minha chave.

– Espírito preso no passado só pode! – exclamo, atraindo a atenção de algumas pessoas em volta, inclusive Jaime – Desculpe – sussurro.

– O que? – Jaime pergunta.

– Esqueci minhas chaves – suspiro desanimada

– Como? – ele põe as mãos na cintura e me encara incrédulo – Como você pode esquecer a chave?

– Não tinha onde coloca-la e antes de sair do quarto acabei me esquecendo de pega-la.

– Porque não colocou nos bolsos?

– Bolsos?!? É um vestido de festa! Quando minha mãe foi compra-lo, a única coisa que ela esqueceu de pedir foram bolsos!

A ideia de Jaime era boba, mas me fez rir. Bolsos em um vestido...

– E agora? O que você vai fazer?

– Esperar Charlie ou Katherina e torcer para que elas tenham a chave.

– Quer ajuda?

– Não precisa, eu vou esperar aqui na saída, uma hora elas vão sair e se não saírem, elas vão voltar para o quarto. E consequentemente, destranca-lo.

– Então ta bom. Boa noite Ren – Jaime da uns leve tapinhas na minha cabeça e começa a andar em direção a sua sala.

Encosto na saída do ginásio e fico atenta as pessoas saindo, procurando pelas minhas colegas de quarto. Depois de um tempo, vejo Charlie erguer o braço e gritar meu nome, de dentro do prédio, corro na direção dela e antes que possa abrir a boca ela fala:

– Espero que você esteja com a sua chave.

– Na verdade, eu ia perguntar o mesmo para você.

Decidimos então tentar achar Katherina, caminhamos lentamente tentando localiza-la. Encontro-a no topo da escada “obrigada minha maravilhosa visão”, penso, apertando o braço de Charlie e apontando para a garota pálida, usando um vestido preto simples.

Corremos para alcança-la, quando chegamos, Charlie suplica entre fortes expirações.

– Sinceramente Kat, eu espero que você esteja com a sua chave.

Katherina nos encara inexpressiva e estende a mão para uma garota ao seu lado. Ela era ruiva e muito alta, mas tinha um rosto jovial e alegre. A menina então, abre uma pequena bolsa e entrega uma chave para Katherina.

– Sorte de vocês – ela responde nos mostrando o pequeno pedaço de metal.

Caminhamos juntas até o dormitório em silêncio, um pouco antes de chegar no nosso quarto, Katherina se despede da menina ruiva, agora identificada como Victoria.

Entrando no quarto Kat senta-se na cama que não pertencia a ninguém e começa a tirar as sapatilhas. Charlie por outro lado se direciona ao banheiro e retira um pequeno pedaço de algodão, começando a limpar o rosto da leve camada de maquiagem. Como não estava usando maquiagem opto por, primeiro, tirar minhas sapatilhas.

Ergo minha perna, sinto-me como um flamingo e meu sono aumenta a dificuldade de equilibrar-me, mas aparentemente não ligo muito, pulando de um lado para o outro e bamboleando pelo quarto, na tentativa de arrancar os sapatos do meu pé.

Para frente, para trás, para frente, para trás.

E de repente um sapato não identificado se mete no meu caminho, sinto meu corpo começar a desfazer e vejo uma parede se aproximar do meu rosto. Escuto gritos vindo de longe, mas tudo que consigo ver são pequenos pedaços de gesso quebrado. Levanto-me lentamente, ainda meio tonta pela queda, Kat e Charlie encaram-me com os olhos arregalados.

Demoro um tempo para associar as informações e quando meu cérebro finalmente volta a funcionar, percebo que caí na parede entre as duas escrivaninhas, mas claro... Não havia caído na parede, havia quebrado a parede!

E descoberto algo.


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Notas finais do capítulo

*pinch – beliscar
** Apple scones, Scotch eggs, Toffee Apples – comidas da Escócia.

#Ghost...



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