O Mistério de St. Reeve's escrita por sora aye, Charlie Mills


Capítulo 7
Feche os olhos


Notas iniciais do capítulo

musica para o cap: Diver (http://www.youtube.com/watch?v=-W_2MtTjhIY)
espero que gostem...



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Último dia de aula da semana. Aula de Inglês, a única aula que eu teria com minhas colegas de quarto.

Entro na sala antes de qualquer um e sento-me no fundo, coloco meu caderno em cima da mesa e arrasto minha mão pela folha, começando um desenho. Logo a sala inteira se enche com alunos, vejo Charlie sentar no fundo. Não muito depois consigo achar Katherina que se arrasta para uma carteira no canto, rapidamente encostando a cabeça na parede.

O professor logo entra na sala. Thomas sempre se vestia com roupas extravagantes. Hoje ele desfilava com uma blusa preta, que parecia uma capa, com um paletó verde escuro e detalhes grosseiros em dourado, calças pretas e botas pretas, com cadarços grossos e levemente mais claros.

Thomas tinha um cabelo peculiar, era comprido e extremamente preto. Não sei se era assim natural, mas do jeito que ele arrumava fazia esse ser jogado inteiro para trás e levantar de leve nas pontas, criando pequenos cachinhos cobertos de gel.

Ele era engraçado e sua aparência sempre me fazia rir. Assim que ele entra na sala, grita um “bom dia para todos” e começa a matéria. A aula voa e quando percebo, já estou indo para o refeitório. Subo penosamente as enormes escadas para chegar no segundo andar, o do refeitório. Odeio escadas, sempre odiei, que tipo de exercício demoníaco é subir esse objetos de punição medieval?

Expiro forte quando chego no andar que queria e vou em direção ao refeitório, estava com fome. Havia acordado meio tarde hoje, não o suficiente para chegar atrasada, mas não consegui tomar um bom café da manhã. Coloco um pé na frente do outro e quando vejo estou perdida nos meus pensamentos.

­°_°_°_°

*Flashback*

Minhas mãos caem do lado do meu corpo, “morta” a palavra ecoa na minha mente, gritando, assombrando-me e rasgando todo sentimento bom que ainda tinha. Abaixo a cabeça e pequenas lágrimas escorrem pelo meu rosto. Rapidamente as enxugo e aperto os olhos com força, numa tentativa de suprimir as lágrimas que sabia que ainda tentariam escapar.

Alguém chama repetidamente meu nome, mas escolho não prestar atenção. Estava de luto, será que ela não podia respeitar isso?

– Ren, Ren!

A voz me chamando se torna tão insistente e irritante, que me forço a olhar para cima. Kaede me encara, tristeza e pena transbordando de seus olhos. Ela pousa uma mão no topo da minha cabeça e me dá um leve empurrão, para que eu comece a andar. Minhas pernas seguem no automático, eu não ligava para onde estava indo. Porque ligaria? Eu não tinha mais casa, eu não tinha mais família, eu não tinha mais ninguém para quem retornar.

– Ren – Kaede continua me chamando. Não quero responder, quero apenas ser deixada em paz e ter meu momento de luto, sem ser interrompida, sem olhares de pena, sem processos complicados para me ajeitarem como órfã de guerra. Só quero paz.

– Ren – Kaede não desiste, ninguém sabia como lidar com crianças como nós melhor do que ela. Óbvio! Esse era, afinal, seu trabalho.

– Kaede-sama – respondo, voz fraca e tremida. Nem sequer a reconhecia como a minha, é impressionante como apenas algumas palavras podem mudar você para sempre.

– Ren, sei que é difícil. Sei que você sabe que é difícil, mas nesse momento eu tenho que atender a outras crianças também – ela faz uma pausa, esperando que eu diga algo. Esperando em vão – Por favor, me ajude... por favor. De todas elas... pelo menos você.

Sua voz me implora para colaborar. Uma parte de mim não quer, ela quer sentar e ficar sozinha, ficar sozinha para poder lamentar em paz, mas eu sei que não posso.

“... O batalhão da sua mãe foi dizimado. Nós sentimos muito, mas sua mãe está morta”. As palavras dos oficiais do exército ecoavam na minha mente. É claro que sentem muito, porque ela morreu em nome do país. E morreu deixando uma criança para trás, uma criança que agora era responsabilidade deles.

Eu estive esperando essa notícia, desde que eles foram para a guerra. “Todo mundo morre Ren. E isso é normal, nós um dia vamos morrer... Só nunca deixe nossa morte a afetar tanto, a ponto de você nunca mais seguir em frente”. Minha mãe falou isso para mim pouco antes de ir para guerra, eu me lembro, levanto a cabeça e encaro Kaede-sama. “Não importa a dificuldade, continue seguindo em frente. Não pare, continue andando”.

– Me desculpe – respondo a Kaede, não me dou o trabalho de forçar um sorriso, ela vai saber que é falso – Eu sei, eu vou te ajudar. Desculpe.

Kaede me agradece e me guia até uma sala onde fala para esperar até ela voltar.

Finalmente estava sozinha, ninguém havia chegado, estava sozinha. Completamente sozinha. “Me deem algo” imploro dentro de meus pensamentos “Qualquer coisa”, repito, levantando a camisa e tirando uma pequena pistola do coldre preso em minha cintura. “Por favor”. Uma lágrima solitária escorre pelo meu rosto enquanto agarro a arma com força e a pressiono contra meu corpo, abraçando-a como um ursinho de pelúcia. Eu tinha dez anos. Dez! Dez anos e já sabia como usar uma arma... E sabia muito bem. Nesse momento eu não tinha nada, o que eu teria? Era uma criança abandonada pelos pais no mundo, não tinha mais nada. “Eu podia me matar” penso, eu tinha uma arma, eu podia. Podia me matar e Kaede ia ter uma vida a menos para cuidar.

Solto uma pequena risada. “Estou de luto, mas mesmo assim consigo rir”, penso sarcasticamente. Não iria me matar, não podia me matar. Eu tinha que viver, limpo minhas lágrimas e dou um último suspiro. “Viver é duro, viver é difícil, você não vive realmente a não ser que sofra”, penso nas palavras de Kaede-sama, quando minha mãe foi mandada para a guerra. Eu era corajosa, sei que era e mesmo se não fosse, agora iria ser. E iria viver.

Guardo a arma no coldre de novo antes que Kaede volte e me encontre com ela. Eu ia viver, sabia que ia. “Meu último mergulho nas profundezas do desespero”, penso, só não feche a porta. Só não feche a porta.

E com isso fecho os olhos.

*Flashback*

Abro os olhos e encaro a parede na minha frente. Distrai-me tanto pensando em assuntos do passado que esqueci de olhar para onde estava andando. Esfrego minha testa e o meu futuro galo. Já estava estudando aqui a uma semana, devia pelo menos saber o caminho para o meu quarto sem ter que, fisicamente, olhar. Era boa com isso, guardar os lugares na cabeça, conseguia me guiar.

Dou mais alguns passos adiante e de repente uma voz ecoa pela escola. Detecto a origem e vejo um autofalante pendurado no canto do corredor, na junção da parede com o teto.

“Atenção alunos, o Baile de Boas-Vindas acontecerá sábado da semana que vem. O horário é das 19:00 até à 1:00 da manhã e o local é o Ginásio. Os alunos poderão ir acompanhados de outros alunos”

– Baile de Boas-Vindas – sussurro. “Ah... vai ser divertido”

Uma mesa cheia de comidas deliciosas e depois voltar para o quarto e dormir. Normal. O que todos fazem nessas festas. Eu bem que podia usar um pouco de normalidade na minha vida. “Nah... Isso só seria chato” penso em seguida, voltando para o quarto.

°_°_°_°_°_°_°_°

Quando chego no refeitório para jantar, encontro Peter sentado em uma mesa, encarando um prato com ameixas perfeitamente maduras. Aproximo-me e sento-me ao lado dele, estalando os dedos na frente dos olhos do menino para que ele acorde do transe.

– Hey Ren! – ele exclama sorrindo para mim.

– Hey Peter – respondo capturando uma de suas ameixas.

– O que você tem ai? – ele aponta para o galo.

– Bati com a cabeça na parede.

– Jura? – Peter parece impressionado – A verdade? Você está me falando a verdade? Não vai fazer uma piada? Ou me zoar com algum comentário extremamente inteligente?

Sorrio para ele e aceno negativamente com a cabeça. Peter franze as sobrancelhas, desconfiado.

– Ren será que a batida não afetou seu cérebro? – ele pergunta pousando uma enorme mão em minha testa.

Solto uma risada abafada e retiro sua mão.

– Estou bem. Só estava distraída pensando, enquanto andava e acabei não olhando para onde estava indo.

– Aparentemente em direção à uma parede – ele sorri

– Aparentemente – concordo, dando uma mordida na ameixa. Um suco doce escorre pela minha boca. Estava perfeita.

– Então... Você ouviu sobre o Baile de Boas-Vindas? – pergunto.

– Meio difícil não escutar – Peter rola as frutas de um lado para o outro, as analisando meticulosamente – porque?

– Por nada. Quer dizer... Eu queria saber como é. Nunca estive em um baile antes.

Peter abandona as ameixas e encara-me estupefato.

– Nunca? Tipo... nunca??

– Existe algum outro tipo de nunca? – meu tom petulante faz ele esticar a mão e cutucar de leve minha bochecha.

– E ela está de volta.

Rio com o comentário dele e continuo encarando-o, esperando por uma resposta.

– Bom, não sei se sou a melhor pessoa para perguntar sobre um baile. Eu nunca gostei deles – Peter volta a examinar o prato – milhares de pessoas juntas, apertadas, amassadas, fingindo que se gostam e que apreciam a companhia umas das outras. Para ser sincero, me sinto como um mergulhador afogando-se em festas.

Escuto Peter silenciosamente, ele adquire um semblante sério durante a história.

– Eu não sei – falo algum tempo depois que ele termina – já me senti assim antes, mas por um motivo completamente diferente.

Silêncio cai sobre a mesa e eu apenas encaro minha ameixa meio comida. Consigo escutar a respiração calma de Peter e seus incansáveis movimentos de vasculhar as frutas.

– Por que? – ele pergunta sem tirar os olhos do prato.

– Por que o que?

– O motivo de você ter se sentido como um mergulhador se afogando?

Minha cabeça derruba e eu apoio as mãos na mesa, memórias desagradáveis veem a minha mente. A sensação de um mergulhador se afogando, a sensação de estar sendo destruído, esmagado, aniquilado pela coisa que você mais ama. Traído. Quebrado. Será que existia dor pior? Tento focar em outra coisa, quando ergo a cabeça, vejo Peter finalmente escolher três frutas do prato e levantá-las.

Ele segura duas com a mão esquerda e uma com a direita. Uma das ameixas de repente voa da mão de Peter, logo uma outra se junta a essa e quando vejo, ele está fazendo malabarismo.

Rio suavemente.

– Você estava escolhendo ameixas tão cuidadosamente para isso?

Peter sorri para mim e continua a fazer seus malabarismos, logo acrescenta mais duas frutas e continua sem a menor dificuldade, jogando elas para o ar e as recapturando antes que atinjam o chão. Assisto impressionada, meu amigo tinha, certamente, uma habilidade incomum.

– Se não quiser falar não precisa – ele responde, ainda prestando atenção no malabarismo – Você tem o direito de ter seus segredos.

Aceno com a cabeça.

– E.. Onde você aprendeu a fazer malabarismo?

Peter sorri maldosamente, prevejo uma resposta irônica.

– Esse, minha querida amiga, é um segredo que eu gostaria de manter.

Por um segundo penso que seja verdade e abaixo a cabeça, com medo de ter trazido más memoria para Peter, mas logo um sorriso abre no rosto dele e relaxo, “ele estava só brincando” suspiro.

– Só brincando. Uns amigos me ensinaram quando eu era pequeno – ele responde, parando de olhar para as frutas caindo, mas mesmo assim não perdendo nenhuma.

– É impressionante, você quase pode trabalhar no circo – assim que as palavras saem da minha boca, percebo que elas soaram um pouco mais irônicas do que eu esperava.

Peter joga todas as frutas para o ar de uma vez e as captura, terminando seu incrível numero de malabarismo. As frutas são delicadamente recolocadas no prato, exceto por uma que fica com o garoto.

– Mas então – ele começa dando uma mordida na ameixa – você vai no Baile?

– Eu posso não ir?

– Poder pode, mas sabe... grande baile, todos vão, é meio anormal não ir.

– Nunca fui normal – suspiro – e realmente não tenho vontade de ser.

– Então vá ao baile vestida de maracujá e chegue pela janela, com uma corda de escalada. Assim você pelo menos deixa claro que quer ser anormal, vai evitar dúvidas depois.

Franzo minhas sobrancelhas e olho levemente impressionada para ele.

– Maracujá? Por que maracujá?

– De toda a minha grande e filosófica reflexão, a única coisa que você consegue absorver é maracujá? – Peter soa ofendido, mas sei que ele está apenas fingindo.

Ele dá mais uma rude mordida na ameixa e cospe o caroço de volta no prato.

– De qualquer jeito, eu vou ter que ir – ele limpa uma fina linha de suco escorrendo pelo queixo.

– Porque?

– Meus amigos vão estar no Baile e eles me matariam se eu não fosse.

– Ah! Então o Jaime vai também – minha ironia quase chega no ápice durante a frase.

– Ha. Ha. Ha. Muito engraçado, mas eu tenho amigos. Quer dizer... além de você e do Jaime – ele acrescenta depois de um tempo, fechando todas as minhas aberturas para um corte.

Inclino a cabeça levemente para a esquerda e olho interrogativamente para Peter. Sabia que ele tinha amigos, já tinha visto ele conversando com um menino loiro um pouco mais alto que ele, mas era engraçado ver a decepção e leve desespero no olhos do meu amigo.

– Eu tenho sim! – ele exclama, agora a coisa estava ficando séria.

Rio e faço que sim com a cabeça – eu sei Peter, eu sei. Relaxe. O que significa que eu não preciso ir para o Baile, porque você já vai ter amigos lá... Certo? – uma pontada de esperança aflora no meu coração. Não que eu não adoraria ir ao Baile com o Peter, mas, eu realmente não queria. “Sociopata” uma voz ecoa no fundo da minha cabeça.

– HA! Claro que não. Você vai! – ele termina de engolir a última ameixa e levanta-se me puxando junto.

– Sim senhor – aproveito a oportunidade e bato continência para ele.

– E só por causa disso, eu vou te pegar sexta que vem. Vista-se decentemente para o Baile e se você não estiver pronta quando eu chegar, quem vai escolher uma roupa para você vai ser eu! Nem que seja uma roupa de Maracujá! – ele exclama – o que na verdade seria uma boa ideia... – Peter sussurra a última parte, mas mesmo assim consigo escutar.

Dou um leve soco no braço do garoto, ele vira para mim e esfrega o lugar “machucado”. Suspiro e deixo-me ser arrastada para fora do refeitório. Quando chegamos na frente da sala de armas ele me solta.

– Vou treinar um pouco agora.

Okay – respondo – eu vou estudar, tenho que fazer minhas lições.

Peter acena com a cabeça e antes de entrar na sala, aponta para o pulso relembrando-me de que eu tinha que estar pronta na hora, sexta que vem. “Se eu tivesse tido um irmão, eu aposto que seria alguém como Peter” penso, mas é claro, que para alguém como eu, ter um irmão era impossível.

Caminho até a biblioteca pensando no que vestir para o Baile, eu não tinha vestidos. Bom... Eu tinha um, mas era da minha mãe, não me parecia certo usá-lo para algo tão banal. Chego nas enormes portas duplas de madeira escura e meticulosamente desenhadas da biblioteca e abro-as. Eu penso nisso depois, sorrio.


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Notas finais do capítulo

°_°_°_°_°_° - significam uma passagem de tempo, seja de um dia, ou de algumas horas.

#Ghost...



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