O Mistério de St. Reeve's escrita por sora aye, Charlie Mills


Capítulo 24
É Melhor Deixar Enterrado


Notas iniciais do capítulo

Olá, desculpem pela demora. Com as responsabilidades do terceirão, não conseguiremos postar tão frequentemente quanto antes, ainda assim, esperamos terminar essa parte da fic até a metade do ano.
A música do capítulo é: Gone, Gone, Gone do Phillip Phillips;
https://www.youtube.com/watch?v=oozQ4yV__Vw



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They've promised that dreams can come true but forgot to mention that nightmares are dreams too.- Oscar Wilde




Julgando pela força que Ren apertava meu braço, ela parecia verdadeiramente assustada. Tudo fazia sentido, Thomas nos chamar para a sala dele era a garantia perfeita de que não estaríamos no quarto. Até mesmo Katherina, em todo o luto e atitude irritada foi atraída pelo chamado de Thomas, assim como abelhas são atraídas pelo mel.

–Ren, ele não está mais - pousei minha mão no ombro dela, para assegurar de que eu estava ali - ele já foi embora.

Ela lentamente soltou o meu braço, mas continuou encarando a parede e eu podia ver que ela estava preocupada. Voltei para perto das escrivaninhas, terminando de afasta-las e expondo a abertura. Passei pelo buraco, descendo dois degraus e colocando a cabeça para fora.

–Ren, nós temos que ir e achar os livros - a garota não se mexeu - o que você acha que vai acontecer se o Thomas achar os livros?

Isso pareceu tira-la do transe, pois ela veio na minha direção. Os nós dos dedos de Ren estavam brancos, tamanha era a força que ela segurava o cabo da lanterna. A garota entrou no túnel, juntando as escrivaninhas e nos deixando no escuro.

Acendi a minha lanterna, iluminando a quase familiar escada de ferro. Como sempre, a escada em caracol parecia descer para sempre. O corrimão era grudado nas frias e úmidas paredes de pedra, deixando o caminho com um aspecto claustrofóbico e gelado. O facho da lanterna oscilava conforme nos mexíamos e o ar frio fazia com que nossa respiração virasse fumaça.

Apesar de não ouvir nada, não podia deixar de imaginar Thomas nos esperando lá embaixo, segurando os livros e exigindo explicações, os olhos azuis como o céu e que podiam aquecer tanto quanto podiam congelar. O homem era um enigma para todas nós, suas atitudes eram controversas e imprevisíveis mas algo dentro de mim queria que eu confiasse nele.

Finalmente saímos do túnel que, segundo meus cálculos tinha mais ou menos a altura do castelo. As plataformas não estavam muito distantes agora e já era possível ver a silhueta iluminada do Obelisco. Desliguei a lanterna assim que chegamos ao fim da escada e Ren fez o mesmo. Andamos pelas passagens estreitas, os nossos passos ecoando no silêncio mortal do lugar. Tap..tap..tap..tap.tap.tap.tap. Ren agarrou o meu braço, à distância, eu podia ouvir outro par de passos. Olhei ao redor, procurando algum lugar para onde pudéssemos ir. A nossa única opção era continuar a frente, andando para a sala do Thomas.

–O que faremos? – eu sussurrei, naquele silencio, era impossível dizer se a pessoa estava a 100 metros ou a 10.

–Seguimos em frente – Ren respondeu, ainda sussurrando.

–A sala do Thomas é um beco sem saída – eu apontei – não poderemos voltar.

Em nossa pressa de chegar aos livros, havia me esquecido de checar se havia alguém no nível do Obelisco. Qualquer pessoa poderia facilmente nos emboscar e ninguém nunca acharia nossos corpos.

–Ali – Ren apontou para uma pequena saliência na rocha, grande o suficiente para caber uma pessoa e meia, ou eu e a Ren.

A garota puxou o meu braço e nos escondemos. Os passos se aproximavam cada vez mais e eu podia ouvir a respiração pesada da pessoa, murmurando alguma coisa baixinho. Ela finalmente passou por nós, caminhando distraidamente e indo em direção à sala do Thomas.

Olhei para Ren, a pessoa era baixa demais para ser o nosso professor de inglês, mas a parca luz do Obelisco não era o suficiente para iluminar o rosto. Esperei que a pessoa estivesse um pouco mais longe e sai do nosso esconderijo, me colocando atrás e usando meus poderes para arremessar a pessoa para longe.

Ela voou por pelo menos cinco metros antes de atingir a parede e cair no chão com um baque surdo. Ela ficou algum tempo sem se mexer, até que lentamente levou a mão à parte de trás da cabeça. Ren então tomou coragem e ligou a lanterna, iluminando o rosto de Katherina, que fechou os olhos e voltou a encostar na parede.

A garota japonesa olhou para mim com desaprovação no olhar e eu levantei os ombros. Podia ser qualquer um e eu estava determinada a fazer o necessário para esconder o nosso segredo.

–Agora que o time está reunido – eu comecei – devíamos aproveitar a nossa chance para recuperar os livros que roubamos.

Katherina não falou nada, apenas levantou e continuou andando. Olhei para Ren e foi a vez dela de levantar os ombros. Andamos por mais cinquenta ou sessenta metros, era difícil medir distâncias quando não se tinha um referencial e eu tinha a impressão que as medidas nessa caverna não funcionavam como no mundo real.

Os quatro livros estavam onde havíamos deixado, ou melhor, jogado. Me abaixei e peguei o livro de tecido, com mais tempo, pude perceber que o tecido era veludo, algo extremamente raro na época que o livro foi feito e isso só podia significar uma coisa...

–Esse livro é importante – levantei o livro vermelho e me abaixei para pegar o próximo.

–Como você sabe? – Ren perguntou, parecia duvidar das minhas habilidades

–Ele é feito de veludo, uma coisa cara e difícil de achar, principalmente na época em que esse livro foi feito – dei de ombros – se tivesse que adivinhar, diria que esse livro é um livro de registros, era uma prática comum entre os ricos do século XIV, eles mantinham registros das famílias mais importantes da região.

–Isso significa que a família do brasão era uma família da nobreza?

–Não necessariamente, as coisas ficariam muito fáceis, se eles fossem não seria difícil achar mais registros ou até mesmo os descendentes. Apesar de que podemos ir para a biblioteca e ver se achamos alguma coisa.

–O que você acha desse? – Ren me passou o próximo livro, com capa de couro e alguns detalhes em dourado. O “S” estilizado da nossa tatuagem estava na capa.

Passei o dedo pelo brasão, ele estava em relevo em relação ao resto da capa e era feito de um metal, muito provavelmente ouro. Apesar de todo o tempo decorrido, o brasão brilhava como novo. Abri em uma página aleatória e comecei a folhear. A escrita era difícil, um inglês arcaico e a caligrafia parecia apressada.

–A maioria das folhas esta datada, eu diria que isso é um diário – tentei ler uma página, tinham palavras riscadas e as vezes um parágrafo inteiro, o ano escrito no topo da página era 1315, mas o dia e o mês estavam rabiscados e era impossível ler – eu não consigo entender o que está escrito, podemos procurar na internet ou pedir ajuda para alguém, esse inglês é antigo demais, até mesmo para mim.

O outro livro tinha uma capa preta simples, com uma cruz dourada no centro. Na página marcada, uma árvore genealógica, com o brasão misterioso e dois nomes riscados. Passei ele para Ren.

–Estranho, a família acaba nesses dois nomes – olhei para ela, que estudava o livro atentamente – eles provavelmente morreram em uma guerra ou de doenças, a maioria das famílias não termina em uma linhagem.

–Eles não tem a data da morte – Ren jogou o livro para o alto, provavelmente frustrada, eu corri e consegui impedir que ele caísse no chão.

–Ren, eles podem não ter nada, mas você tem noção do valor histórico desses livros?

A garota deu de ombros e pegou o último livro, ela passou por algumas páginas e depois colocou no topo da pilha que havíamos formado.

–Alguns poderes, consegui identificar telecinese e lactocinese, eles também tem uma descrição detalhada.

Levantei as sobrancelhas, surpresa com o conteúdo do último livro. Me aproximei da pilha, peguei os quatro livros e joguei minha lanterna para Katherina, que me olhou como se fosse voar no meu pescoço e me matar.

–Você prefere carregar os livros? – a garota bufou, mas acendeu a lanterna e foi iluminando o caminho.

Caminhamos em silencio até chegar na nossa escada, quando Ren levantou a mão e pediu silêncio.

–Eu vou ir na frente, esperem um minuto antes de me seguir, não quero que sejamos surpreendidas por... presenças indesejadas – Katherina olhou inquisidoramente, mas nada falou.

Ren foi na frente e eu a acompanhei com os olhos, até que ela entrou na parte fechada e desapareceu de vista. Depois disso, me concentrei em contar até sessenta. Kat fez um gesto com a lanterna, mostrando que já era hora de ir.

Quando chegamos no quarto, Ren já havia aberto um espaço para que pudéssemos colocar os livros. As duas cadeiras e o baú estavam no canto do quarto, deixando livre o espaço entre as camas. Coloquei os livros no chão e me sentei, abrindo a garrafa de água que estava do lado da minha cama e tomando um longo gole.

–Certo – Ren separou os livros, formando um semicírculo e se sentou no meio deles – já sabemos o que esses livros são antigos e provavelmente significam alguma coisa para o Thomas.

–Eles também têm um brasão com a nossa tatuagem, então provavelmente não é coincidência – Ren estudava o livro de registros – qual o nome da família?

Ela voltou para a página marcada.

–Stormrage – ela olhou para mim – isso era comum?

–Podemos ver se achamos alguma coisa na biblioteca sobre essa família, mas eu duvido.

–E se nós voltássemos para a sala do Thomas? – Ren sugeriu – ele deve ter mais algumas coisas sobre essa família.

Katherina bufou com essa sugestão, mas não falou nada.

–Ele provavelmente vai perceber que os livros sumiram, talvez não seja uma boa ideia, pelo menos não por enquanto.

Nesse momento, uma batida na porta ecoou pelo quarto. Olhei preocupada para Ren, a garota estava branca como papel. Katherina levantou e abriu a porta cuidadosamente, Gwen estava parada com um cesto de roupas nas mãos. Os olhos dela passaram pelo quarto e eu rapidamente usei meus poderes para empurrar os livros para debaixo da cama.

–Meninas – Gwen estava confusa, não era permitido que os alunos entrassem nos quartos antes das seis da tarde – eu achei que o quarto estivesse vazio.

Olhei para Ren, ela ainda estava meio branca. Katherina estava passando por mim para se sentar na cama. Fiz um gesto discreto com a cabeça, apontando para Ren. De repente, a expressão da garota se contorceu e ela deixou escapar um gemido de dor.

–Ren não está se sentindo bem, resolvemos acompanhá-la até o quarto – eu respondi, esperando que Gwen acreditasse.

A faxineira levantou uma sobrancelha, mas não contestou.

–Eu trouxe as roupas de vocês – ela colocou o cesto no chão, próximo de onde os livros estavam – acho que vocês podem separa-las.

Ela andou em direção a porta, mas parou.

–Me chamem se precisarem de alguma coisa.

–Não será necessário – Katherina falou, se levantando e seguindo Gwen até a saída – eu já estou indo.

As duas olharam para mim e para Ren.

–Eu só vou ver se ela tem tudo que precisa, já estou saindo.

Gwen assentiu e encostou a porta, me deixando sozinha com a garota.

–Katherina anda muito estranha, me pergunto se fizemos a coisa certa quando contamos para Stefan – Ren falou, ela parecia preocupada.

–Sobre a bebida? Tenho certeza que sim, ele é o único que pode ajudar Katherina, principalmente no estado que ela se encontrava – dei tapinhas amigáveis no ombro de Ren e estendi a mão para ajudá-la a se levantar – além do mais, nós precisamos dela.

Ren e eu nos dirigimos à porta do quarto. Estávamos na metade do terceiro andar quando ouvi uma voz me chamar.

–Charlie – Danny gritava do outro lado do corredor, o garoto veio correndo, até parar a poucos metros de nós duas – eu esqueci de te devolver isso.

Dan me passou meu caderno de geografia, eu havia emprestado para que ele pudesse copiar alguns conteúdos.

–Eu queria falar com você, não entendi algumas coisas que você escreveu – Danny olhou para Ren e depois voltou os olhos verdes para mim.

A garota pareceu entender, pois andou em direção à escada.

–Nos vemos depois, tchau Charlie, tchau Danny – ela acenou para nós dois antes de desaparecer escada abaixo.

–Venha – Danny agarrou minha mão e me puxou para a biblioteca.

Ele olhava por cima do ombro e se sentou em uma mesa afastada. Assim que ele fez isso, arrancou o caderno das minhas mãos e abriu em uma página que eu não percebi que estava marcada.

–Você pode explicar isso? – a folha em questão estava inteira rabiscada, mas não formava nenhum padrão visível – eu estou preocupado.

Danny estendeu a mão por cima da mesa e pousou em cima do meu braço. Eu não notei que estava mexendo, mas Dan parecia intrigado.

–O que você estava fazendo?

Eu olhei para baixo, não havia notado mas eu mexia a mão como se estivesse escrevendo.

–Eu preciso de um lápis, agora – eu devo ter falado a última palavra com intensidade, pois o garoto abriu a mochila e tirou uma caneta.

Puxei o caderno com violência e abri em uma página aleatória, Dan olhava intrigado enquanto eu fazia riscos que não pareciam ter sentido.

–O que você.... – eu levantei o dedo e ele se calou.

Depois de mais alguns riscos precisos, eu senti que minha mão voltava ao meu controle e soltei a caneta.

–Charlie, isso está me assustando – continuei sem falar nada, mas voltei para a primeira página rabiscada e arranquei a folha – esse conteúdo vai cair na prova.

Como Ren havia feito antes, eu juntei os dois papeis, esperando que um desenho se formasse. Tudo que eu podia ver era o contorno do castelo, mas tinha um grande branco próximo ao chão. Danny pareceu perceber, uma vez que ele tirou o caderno das minhas mãos e arrancou a última folha. Ele sobrepôs com as outras duas e virou o desenho para mim, horrorizado.

Na grama, havia um enorme bloco de pedra e ao lado dele, o corpo de uma pessoa.

–Por favor, me diga que não é quem eu penso que é – o lábio inferior de Danny tremia e eu podia ver lágrimas a ponto de cair.

–Freya – a melhor amiga de Laura, ela jogava comigo no time de vôlei, mas havíamos perdido um pouco do contado – temos que achar qualquer coisa que nos de uma data.

Passei o desenho para Danny, os olhos do garoto passaram por todo o papel, até parar em uma van estacionada ao fundo.

–Eu conheço essa marca, eles fazem o bolo do aniversário do colégio – eu suspirei aliviada, pelo menos não era hoje – Charlie, o aniversário é semana que vem, nós temos que avisar eles, nós podemos mudar de confeitaria, isso não tornará o desenho realidade, ou..ou.nós podemos impedir a passagem naquele lugar.

Eu continuei imóvel, os únicos desenhos que eu havia reconhecido e tinha sido com a ajuda de Ren, tinha sido os lugares, eu nunca tinha pensado que podia desenhar algo que ainda não havia acontecido, muito menos que era verdade.

–Danny, não podemos fazer nada, essa é a regra número um de viagens no tempo, não podemos interferir – coloquei a mão no ombro do garoto, mas ele se levantou.

–Isso não é viagem no tempo, uma vida está em jogo – ele gritou, fazendo algumas cabeças se viraram na nossa direção – e se você não vai fazer alguma coisa em relação a isso, eu vou.

Dito isso, o garoto caminhou em direção a saída, com passos pesados e os ombros arqueados. Eu juntei as minhas coisas e corri atrás dele.

–Danny – coloquei a mão no peito dele, impedindo-o de continuar a andar – longe de mim acreditar nisso, mas se impedirmos agora, o destino vai dar um jeito de compensar e pode ser pior, imagina se é o Peter.

–Charlie....

–Não podemos fazer isso, eu não posso desafiar a profecia, você não entende isso, eu já vi series suficientes para saber que isso nunca dá certo.

–Então nós vamos deixar ela morrer? – eu suspirei

–Por que você acha que isso é fácil para mim? – a pergunta saiu antes que eu pudesse pensar

–Por que você não está surtando – Danny parecia indignado.

–Eu estou, acredite em mim - levantei o braço, minha mão tremia tanto que eu não seria capaz de segurar um copo - a morte dela vai ser minha culpa e eu vou ter que viver com isso, mas não há nada que nós possamos fazer.

Danny suspirou e me puxou para um abraço.

–Eu não vou conseguir viver com isso.

–Danny, impedir a morte de Freya pode resultar em consequências desastrosas - eu não tinha certeza de até onde o Thomas sabia e alterar um evento pré-determinado podia comprometer eu e minhas colegas - isso é maior que nós dois.

–Não depende só de mim, tem outras pessoas envolvidas nisso, pessoas perigosas – resolvi não contar nada, muito menos mencionar nomes, Danny já estava correndo perigo.

Eu não podia ver, mas tinha certeza que o rosto do meu amigo havia se contorcido em uma careta.

–E se nós tentássemos convencer Freya a ir embora? - o garoto ainda tinha esperanças.

–Mais pessoas podem acabar se machucando, eu sinto muito, mas não há nada que nós possamos fazer.

–É claro que sim, afinal, é maior que nós dois - Danny ecoou.

~~~~~~~~~~~~

–Charlie - o braço de Danny pousa no meu ombro, mexendo os dedos distraidamente enquanto eu encaro a janela - vamos sair daqui

Era a véspera do aniversário do colégio, o bolo deveria chegar a qualquer momento e eu estava esperando. Nesse momento, a van azul entra no estacionamento, com o fatídico emblema. Para minha surpresa, eles param na porta da frente, do lado oposto de onde o furgão deveria.

Eu olhei para Danny, confusa e o garoto deu de ombros.

–Talvez não seja esse ano, quem sabe - o garoto se levantou e estendeu a mão para mim - vamos ver se achamos Freya.

Eu levantei do banco, esticando os braços para o alto e girando minhas costas, estava parada há pelo menos trinta minutos. Danny deu uma pequena corrida até uma máquina de bebidas e voltou algum tempo depois, carregando dois copos descartáveis.

Espresso para nós dois - o garoto sorriu tristemente - estamos precisando.

–É claro - tomei um gole da bebida, no clima frio de fim de ano, o calor era bem vindo - eu só quero ir até o jardim, ter certeza de que não podemos ver a van.

–Tudo bem, eu te acompanho – ele passou o braço pelos meus ombros, nos guiando em direção à escada para o primeiro andar - isso é tudo tão estranho, como você conseguiu se acostumar?

–Aceitar que uma pessoa deve morrer para que eu não tenha meu segredo exposto?

–Ter telecinese.

–Na verdade, eu só afasto as coisas, não é uma telecinese completa - eu inspirei pesadamente - tenho uma teoria de que os poderes vem de acordo com a personalidade, eu costumava pensar que afastava as pessoas, eu me culpava pelo fato de que meu pai abandonou a mim e a minha mãe.

–Mesmo em Londres, na escola que eu estudava antes de vir para cá, eu nunca tive muitos amigos, nunca me fez falta, mas eu não conseguia pensar que talvez fosse minha culpa - um sorriso apareceu, mas era apenas um disfarce - eu escondia o que sentia, nunca fui boa com sentimentos, ainda não sou, não lido bem com emoções.

–Por isso pareço tão calma - olhei fundo nos olhos de Danny, neles havia mais compreensão do que eu poderia imaginar - estou acostumada a me esconder atrás de uma fachada.

O aperto no meu ombro ficou mais forte, levantei a mão, entrelaçando meus dedos nos de Danny e puxando ele para mais perto, não me importava que as pessoas tivessem a ideia errada. Descemos as escadas, Mickey olhou desconfiado, mas não impediu a nossa saída.

Era quase quatro da tarde, ou seja, a maioria dos alunos estava em suas atividades extras e alguns poucos estudavam na biblioteca. Do lado de fora do castelo, nos caminhos que levavam até os ginásios e campos, haviam baixando as telas, impedindo o frio e mantendo o calor ali dentro. Apesar disso, nossa respiração virava fumaça e o vento passava por algumas brechas, nos fazendo tremer.

Alcançamos o ponto do desenho, como eu esperava, não era possível ver a van. O aperto no meu ombro relaxou e Danny parecia muito mais aliviado.

–Estava errado – o garoto suspirou e começou a rir – o desenho estava errado.

Ele me girou, provavelmente esquecendo que eu estava com um copo de café na mão. O liquido preto voou direto no peito de Danny, deixando marrom a camisa branca. O garoto se contraiu, o café ainda estava em uma temperatura alta o suficiente para queimar. Danny agiu rapidamente, desabotoando alguns botões da camisa e a afastando da pele.

–É melhor limparmos isso - apontei para o peito de Danny, o garoto não corria riscos de queimaduras, mas mais algum tempo e a camisa estaria além de qualquer salvação - vamos ver se achamos Gwen.

Danny assentiu, tomando as devidas precauções antes de passar o braço pelo meu ombro. Voltamos para dentro do castelo, estávamos na metade do segundo andar e ainda não havíamos encontrado nenhum funcionário. Eu estranhei a situação, mas talvez tivesse relação com o bolo chegando ou a arrumação das mesas para a cerimônia que aconteceria no dia seguinte.

Demos de ombros e continuamos subindo as escadas, rumando para o terceiro andar. Chegando no topo, constatamos que o piso também estava vazio. Danny estava com a testa franzida, a presença de funcionários era quase constante apesar deles normalmente se manterem fora do nosso caminho. Paramos na frente da porta do quarto, Dan puxou a chave do bolso e girou a fechadura. Esperei do lado de fora enquanto ele se trocava, ainda sem nenhum sinal dos inspetores.

O garoto saiu do quarto, usando a camiseta das aulas de educação física, cinza com o brasão do colégio, ele mal tinha acabado de fechar a porta quando um barulho de motor ecoou pelo castelo.

Olhei para Danny que estava com os olhos arregalados e as mãos na testa. Ele agarrou um dos meus braços e me puxou em direção à escada.

–Eles devem estar indo embora – eu estava tentando nos acalmar, era perfeitamente possível que eles já houvessem terminado de descarregar. Danny não reduziu a velocidade mas girou o pulso e checou o horário em um relógio prateado.

–Eles normalmente ficam até mais tarde, eu posso estar errado, mas não quero arriscar – dito isso, Dan passou a correr ainda mais rápido, apertando meu braço a ponto de machucar.

Eu reduzi a velocidade, forçando o garoto a parar, puxei minha mão com violência e ele olhou espantado para mim.

–Olha, eu sei que você quer salvar ela, mas se realmente for para ser, não há nada que possamos fazer e eu não quero chegar lá na hora errada – levei um dedo aos lábios, pedindo silêncio, o motor parou subitamente – a van não foi embora, eles só mudaram o lugar e eu disposta a apostar a minha vida que eles foram exatamente para onde a van está no desenho.

–NÓS PODEMOS IMPEDIR, NÓS PODEMOS SALVAR UMA VIDA – Danny gritou, colocando as mãos nos meus ombros e me chacoalhando.

Usei meus poderes para afastar Dan de mim, ele parou a pouco mais de um metro e tentou novamente mas parou como se tivesse batido em uma parede.

–Nós não podemos, eu não posso, não creio que você possa compreender isso, mas mudar isso pode colocar tudo a perder, arrisca a vida de todos nós.

–Ela é sua amiga – Danny levou as mãos à cabeça, jogando o cabelo para trás e cobrindo a boca com os dedos – você devia salvar ela.

–Sim, ela é minha amiga, eu gosto dela, mas eu não amo ninguém mais do que eu amo a mim mesma, sinto muito, mas isso não vai mudar – Danny olhou para mim com um sorriso metade sarcástico e metade dolorido.

–Espere até você se apaixonar.

–Já fui e já fiz.

–Não realmente – ele levantou os braços em sinal de rendição – pelo menos vamos até o jardim.

Dei de ombros, não havia nada que pudéssemos fazer. Na metade do primeiro andar, ouvimos um barulho muito alto de algo caindo, seguido por um grito e depois silêncio. Como a portaria estava vazia, não havia mais ninguém pela região, então apenas olhei para Danny e nós começamos a correr.

Chegamos no jardim, derrapamos na curva do castelo devido à água que começava a se acumular e paramos ao ver a cena que ocorria na nossa frente.

Uma telha vermelha caída na grama, assim como uma forma distorcida no chão. Estávamos longe, quase vinte metros, então os detalhes não eram precisos, mas também não era necessário, mesmo nessa distância podia ver o sangue vermelho escorrendo e chegando nas imaculadas calçadas cinzas. Virei meu rosto, apoiando a cabeça no peito de Danny e relaxando quando senti os braços dele me envolvendo.

–Vamos sair daqui – Dan me puxou para trás da igreja, não muito longe de onde estávamos.

O garoto se sentou no chão, com as costas apoiadas contra a parede e puxou minha cabeça para os ombros dele.

–Teve um tempo que eu duvidei dos desenhos, isso não deveria ter acontecido, eu devia ter saído dessa escola assim que recebi os poderes, não deveria ter vindo para cá, se eu não estivesse aqui, nada disso teria acontecido – Danny começou a passar a mão pelo meu cabelo, ainda sem dizer nada – foi minha culpa, eu não deveria ter duvidado.

–Não foi sua culpa, como você disse, não havia nada que pudéssemos ter feito.

–Tinha, eu poderia ter salvo ela, eu podia impedir isso que aconteceu...

–Charlie, você mesma disse que não podia, pois algo pior iria acontecer.

–Você não entendeu, eu não tinha como saber se isso era verdade – Danny levantou, me deixando meio deitada no chão – eu te disse isso por que não queria me expor, estava com medo do que poderia acontecer, medo que isso pudesse ser uma ameaça para mim.

–Você deixou ela morrer para te proteger? – o garoto falou entre dentes – a morte dela é sua culpa.

–Você acha que eu não sei disso? Eu vou ter que viver com isso.

–Você não merece o que tem – dito isso, Danny virou as costas e foi embora, me deixando sozinha.

Perdi a noção de quanto tempo passei sentada no chão, mas levantei quando ouvi pessoas correndo em direção ao corpo. Caminhei lentamente até o local, o Diretor, padre Damon e dois funcionários que eu não conhecia estavam cercando o cadáver, todo o sangue havia sido limpo e a telha não estava no mesmo lugar.

Me aproximei devagar, os quatro discutiam alguma coisa, mas pararam quando me viram chegar, pela expressão deles, podia ver que estavam discutindo sobre algo importante.

–O que aconteceu? – perguntei na minha voz mais inocente.

–Ataque do coração – um dos funcionários respondeu, puxando um cigarro e tragando profundamente – aparentemente, ela não era muito saudável.

Padre Damon soltou uma exclamação e o Diretor olhou desaprovador para o rapaz, que apenas deu de ombros.

–Na verdade, ela fazia parte do time de vôlei – o outro funcionário tentou consertar – se eu tivesse que chutar, diria que foi excesso de exercício.

O corpo estava coberto por um lençol azul, então não podia ver a expressão no rosto, apesar de que isso não seria necessário, qualquer coisa que pudesse estar ali havia sido apagado, junto com a memória do que realmente aconteceu.

~~~~~~~~~~~~~

–E por último, mas não menos importante, aos alunos que ajudaram a transformar e manter St. Reeve’s na incrível escola que ela é – o Diretor levantou o copo, sendo imitado apenas pelos professores.

Ele pareceu notar o gesto, pois abaixou a taça e limpou os lábios.

–Alguns de vocês devem saber das mortes estranhas acontecendo nos arredores da escola, é com muito pesar que anuncio que a aluna Freya Malvik morreu ontem, ataque do coração – um murmúrio correu pelos alunos, todos sabiam que a garota era extremamente saudável – e à partir de agora, quero proibir toda e qualquer manifestação sobre as mortes ocorridas no castelo e em suas dependências.

Olhei para Danny, o garoto se sentava em uma mesa diferente da minha e nós não havíamos nos falado desde nossa conversa do dia anterior. Mas assim que o Diretor terminou de falar, Danny levantou os olhos, olhando diretamente para mim. Eu assenti, demonstrando que sabia o que havia acontecido.

–Ao Diretor – Sirén levantou a taça de vinho, batendo na de Fleróvio e tomando um grande gole, os outros professores seguiram, dessa vez sem muito entusiasmo e alguns até se recusaram a beber, o Diretor agradeceu com um gesto de cabeça e voltou a se sentar.

Olhei para Danny novamente, o garoto balançou a cabeça e depois sorriu para mim, naquele momento, percebi que não éramos mais amigos e sim pessoas unidas pelas terríveis situações na vida. Como se fossemos um, viramos nossos copos descartáveis e eu baixei a cabeça, observando o suco de uva escorrer pela toalha branca como sangue em um pavimento.


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Notas finais do capítulo

~Nymeria
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