O Mistério de St. Reeve's escrita por sora aye, Charlie Mills


Capítulo 19
Cold Hugs


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem.
musicas:
http://www.youtube.com/watch?v=mBjwMSIC7ik (highway to hell) - para o começo.
http://www.youtube.com/watch?v=3yxST5nN5y8 (away in the sky) - para as estatuas.



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A mulher levanta as mãos lentamente e derruba dois cubos de açúcar dentro do copo de chá. Assisto ela mexer o líquido preto e acrescentar alguns salpicos de leite.

– Perguntas não pronunciadas podem tornarem-se grandes pesos na consciência Ren.

– Desculpe-me? – pergunto, minha voz falhando levemente. Mesmo que isso fosse um sonho, não deixava de ficar envergonhada quando demonstrava leves dicas de sotaque japonês na frente do, perfeito, sotaque britânico dela.

– Se tem algo para perguntar-me, não precisa se conter.

Abaixo a cabeça e levo a xícara de chá aos lábios, esperando que isso faça o assunto ir embora. Não é que estivesse sem curiosidade, mas gostava desse lugar e a calma que ele me trazia. Parecia errado destruir isso com perguntas desnecessárias.

Assisto ela baixar a xícara e encarar o vazio atentamente, como se a visão do horizonte fosse a melhor coisa para acalmar o coração. Sabia que ela estava esperando a minha pergunta, então, reunindo toda a coragem que tinha abro a boca.

– Thomas – sussurro e o nome faz seu rosto virar, imediatamente, na minha direção. Ela me encara e seus olhos demonstram dor por um segundo – O que ele estava fazendo lá?

A mulher sorri para mim e ergue a xícara novamente, levando-a aos lábios e falando por trás da porcelana.

– Ren Kouhen... é um belo nome – ela murmura, desviando o assunto.

– Obrigada, eu elogiaria o seu, mas você nunca me disse.

Seus olhos se fecham por um instante e seus cílios compridos batem nas bochechas pálidas.

– Você tem toda a razão. E parece-me pouco justo que isso continue assim.

Ela pousa a xícara no prato e vira-se para mim, abrindo um sorriso. Sorrio também, não sabendo exatamente como responder a súbita explosão de gratidão emanada dela.

– Ren Kouhen, é um prazer conhece-la. Meu nome é Elizabeth.

– Elizabeth – respondo, o nome soando finalmente certo e compatível com os olhos gentis da mulher na minha frente – muito prazer.

Meus olhos se abrem de supetão e com o susto levanto da cama, quase me desequilibrando e rolando beliche abaixo. Espio o relógio, 3:47, suspiro e deito no travesseiro novamente tentando relembrar do sonho.

Lembrava de ter perguntado a ela sobre Thomas e dela ter mudado de assunto. Lembrava do nome dela, “Elizabeth”, penso, mas não lembrava mais nada depois. Tento repassar o sonho na minha cabeça, mas aos poucos ele começa a desaparecer, rolo na cama e concentro toda a minha energia na parte final do sonho, mas não adianta, ele escapa por entre meus dedos como se estivesse tentando pegar água com uma peneira.

Soco o lado da cama e contenho um pequeno ataque de raiva. Isso nunca tinha acontecido antes, eu sempre lembrava completamente dos sonhos com Elizabeth. E justo agora que as coisas estavam ficando mais complicadas e eu estava começando a acreditar que talvez esses sonhos não fossem apenas sonhos.

Virando de barriga para baixo, fecho os olhos e tento voltar a dormir, esperando voltar a falar com ela.

°_°_°_°

Pouso a xícara novamente na mesa e estico minha língua queimada para fora da boca. “estupido chá quente”, reclamo mentalmente, isso nunca teria acontecido no sonho.

– Ren – Peter reclama pousando uma torrada de volta no prato, para que sua mão livre possa apertar minha bochechas – nunca te ensinaram a não tentar colocar coisas quentes na boca.

– Sim mamãe – tiro a mão dele da minha cara – prometo que irei tomar mais cuidado da próxima vez.

– É melhor que tome mesmo! – ele exclama – não quero ter que trazer o seu pai para essa conversa mocinha.

Seu tom maternal me faz soltar uma breve gargalhada.

– Sim senhora, senhora! Não quero que você tenha que chamar o papai – bato continência e em seguida me aproximo do rosto do garoto – mas só de curiosidade, quem é meu pai? – sussurro.

Peter morde os lábios, nervosamente e cora profundamente.

– Nós discutimos isso mais tarde – ele levanta subitamente, abandonando metade do seu café na bandeja – ah, olha como está tarde. Eu vou me arrumar, lembre de nos encontrar na entrada da escola daqui a 20 minutos – ele sua frio.

Abro a minha boca para responder, mas quando olho de novo, Peter já havia ido embora. “Porque será que ele ficou tão nervoso de repente?”, penso. Levanto também e dou um jeito de organizar todo o lixo em cima de uma travessa só e, habilidosamente, descarto todo o conteúdo na lixeira mais próximo.

Espio o horário no meu relógio de pulso. Ainda tinha 17 minutos para encontrar os meninos, então decido voltar lentamente até o dormitório, afinal hoje era sábado e ninguém estava com pressa para fazer nada.

Alcanço as escadas que levam para o andar do dormitório masculino mais rápido do que imaginava, mas também, era só atravessar meio corredor, não era muito longe. Suspiro e começo a interminável jornada até o terceiro andar. Realmente odiava escadas.

Chego na porta do quarto exausta e rapidamente vasculho os meus bolsos a procura da chave. Abro a porta e deslizo para dentro rapidamente, fechando-a logo em seguida. Percebo a presença de mais alguém dentro do quarto, então caminho na ponta dos pés até meu beliche, pulando e segurando a borda da cama com as mãos, em seguida me puxando para cima e passando as pernas para dentro do colchão. Estico meus braços até as gavetas acopladas na cama e tiro meu telefone celular de dentro, passando os dedos pelo aparelho. Abro-o e checo as horas, ainda tinha 12 minutos.

Procuro dentro da gaveta um casaco e logo puxo um moletom preto com duas pequenas nuvens vermelhas com contornos brancos espalhadas pelo tecido. Uma perto do meu coração e outra na barra direita. Sorrio e coloco a blusa sentindo a maciez do tecido.

Um murmuro me assusta e viro-me subitamente para ver de onde ele vinha, deparo-me com Katherina dormindo na cama dela e uma montanha de cabelos ruivos do seu lado. Franzo as sobrancelhas e decido chegar mais perto, pulo do beliche, ignorando o leve ganido que meus tênis fazem ao atingirem o chão. Subo até o beliche de Katherina pelas escadas, mordendo meu lábio inferior quando meu joelho bate em um dos degraus, e é por isso que eu odiava escadas.

Estico a cabeça por cima das duas meninas e reconheço a ruiva dormindo ao lado de Katherina, era Victoria, aquela garota que foi com ela no baile de boas vindas. Desvio do cotovelo de Katherina por pouco quando ela passa por mim e se aconchega ao lado de Victoria, enterrando o rosto nos cabelos encaracolados dela.

A cena me faz sorrir, mas logo me lembro que tinha que encontrar Peter e Jaime e pulo para fora das escadas, recusando-me a utilizar novamente aqueles objetos de tortura.

Saio do quarto com pressa, tendo certeza de tranca-lo atrás de mim e disparo pelos corredores até chegar nas escadas. Quando termino de descer até o andar do refeitório esbarro em Charlie, que anda despreocupadamente lendo um livro.

– Ren! – exclama a menina – cuidado por onde anda, quase me fez derrubar meu livro.

– Ah, desculpe. É que eu estou com um pouco de pressa.

– Atrasada de novo? – Charlie pergunta, com uma voz provocadora.

– Um pouco. E por isso não posso falar – desvio da menina e saio andando – até mais Charlie, e não vá para o quarto agora, porque a Katherina e a Victoria estão dormindo okay?

Saio correndo antes de escutar a resposta de Charlie e dirijo-me para as penúltimas escadas do dia. As que levam para o primeiro andar. Tinha demorado muito no meu quarto encarando Katehrina dormindo com Victoria e agora estava atrasada.

Meus pés param de repente, uma multidão de pessoas começa a subir as escadas, as mesmas patricinhas com quem eu havia comprado briga na primeira semana de aula. Mas já haviam se passado quase 2 meses, elas definitivamente não lembrariam se mim.

Minha teoria é destroçada no segundo que uma das meninas loiras se vira para mim e lança um olhar mortal. Ela lembrava. Sorrio nervosamente e começo a descer as escadas mais rápido, mas não consigo e sou emboscada por dois caras enormes.

Um deles tinha um queixo protuberante e um pedaço de barba não feito logo abaixo ao lábio inferior, ele devia achar demais, mas agora olhando bem, era ridículo. O outro era loiro e tão musculoso quanto o primeiro, o que não é bom quando você tem 1,57 e está sendo emboscada por eles.

Tento virar e desviar das duas paredes humanas emanando arrogância, mas falho miseravelmente, dando de cara com o bando de meninas patricinhas de antes. Penso em me agachar e tentar fugir por entre as pernas delas, mas logo descarto a ideia.

– Ah, olha onde está o anão – Uma delas fala, não sei bem qual. Para mim elas eram quase todas iguais, garotas genéricas.

– Olha – começo – eu realmente estou atrasada hoje, então se vocês quiserem fazer isso pode, por favor, ser mais tarde?

Tento empurra-las para longe a abrir caminho entre a massa de corpos, mas falho.

– Olha aqui! Se é que eu me lembro você nos envergonhou. E eu não deixo barato insultos de pessoas abaixo de mim.

– Okay. Vamos fazer assim menina genérica numero 1, eu não ligo para o que você falou, já que você é claramente inferior a mim, e nós ficamos de boa.

Vejo as bochechas da menina esquentarem de raiva, mas realmente não tinha tempo para isso agora. Ela começa a gritar baboseiras sobre como o pai dela ia me tirar do internato e outras coisas, mas não me digno a prestar atenção, estava muito ocupada tentando achar um jeito de escapar.

Tento dar mais um passo, mas o cara musculoso numero 1 agarra meu braço.

– Você não vai sair até a Taylor terminar de falar – ele ameaça.

Então esse era o nome da morena com o batom rosa bebê ridículo.

– Isso é para ser uma ameaça? – pergunto chacoalhando meu braço e me livrando do mão do moreno.

– Você está prestes a descobrir – ele se aproxima e levanta a cabeça, mostrando como era muito mais alto que eu.

Fico reta e encaro ele de volta. “Por favor, não seja ridículo”, penso, já tinha enfrentado pessoas bem maiores que ele. Preparo-me para chutar sua cabeça e assistir enquanto ele rola escada abaixo, mas sinto duas mãos me pegarem pela cintura e me erguerem por cima do corrimão e puxarem meu corpo para fora da escada pela lateral.

– O que?!? – exclamo, agarrando as duas mãos na minha cintura com força.

– Calma ai garota – escuto uma voz grossa falar – Hey crianças! Se eu fosse vocês pegaria alguém do seu tamanho.

Viro a cabeça para ver quem tinha me sequestrado e dou de cara com o professor Joe. Olho de volta para a gangue ainda nas escadas e vejo as caras assustadas dos meninos enquanto começam a andar para longe. Também, com 1,96 e puros músculos, Joe não era exatamente uma pessoa com quem você gostaria de comprar briga.

– Ahm... Valeu por ter me salvado, mas você acha que talvez possa me colocar no chão? – pergunto, ainda me agarrando as enormes mãos na minha cintura.

– Ah, Opa. Nem tinha percebido que ainda estava segurando você – ele me coloca no chão e volto a bater no meio do peito do homem – você é muito leve – ele reclama.

– Okay... Desculpe por ser tão leve, eu tento engordar.... E crescer.

O homem solta uma leve risada e bate de leve na minha cabeça.

– Tudo bem pequena, foi um prazer te salvar – Joe abaixa a cabeça até ficar quase na minha altura e sorri – mas você também é impressionante! Tão pequena e ainda assim provoca esportistas como eles – aponta para onde os populares antes estavam.

– Tamanho não é documento. Nunca te ensinaram isso?

Joe levanta um sobrancelha.

– Nunca precisaram – ele responde.

– Deveriam te ensinar que ser grande não significa ser poderoso também.

– Eu sou todo poderoso. Quem acabou de te salvar? Quem? – ele pergunta orgulhosamente.

– Não é como se eu precisasse – retruco. Sabia que deveria estar agradecida, mas não ia deixar ele pensar que só por causa do meu tamanho não podia tomar conta de mim mesma.

– Você não parecia estar se dando bem ali no meio.

– Já viu um soldado tranquilo no meio do campo de batalha?

– Não sei se já vi um soldado no campo de batalha... Então, não. Tente essa com o Jaime – responde.

– Porque eles não existem, o que não quer dizer que ele vai perder.

– E você ganharia? – ele põe a mão alguns centímetros acima da minha cabeça – com toda essa sua incrível massa e altura?

– Eu ganharia! Posso não ser grande, mas sei como lutar! – exclamo.

– Ah! Você sabe lutar, ta ai uma coisa que eu gostaria de ver – Joe começa a me provocar.

Sinto minhas bochechas esquentarem levemente. Ele estava me desafiando?

– Tenho 100% de certeza que derrotaria você em uma luta! – lanço a provocação.

– Oh... – os olhos do homem se tornam interessados – você? Ganhar de mim? Não nessa vida, pequena.

– Não acredita em poder compactado? Ou acha que seu tamanho pode ganhar qualquer coisa? – viro de costas para o professor. Sinto um desafio vindo, “Você não consegue ficar longe de problemas mesmo Ren”, penso.

– Pode ganhar de você isso eu tenho certeza!

– Prove.

– Você quer mesmo lutar? Só pode estar brincando.

Dou de ombros com o insulto.

– Okay. Eu aceito seu desafio Ren, está combinado – Viro-me para encarar Joe e vejo que ele está estendendo uma mão para mim.

Sorrio e aperto a mão dele, sentindo ela ser levemente esmagada pelos músculos que haviam, até, na mão do homem.

– Sábado que vem. No ginásio. Te vejo lá baixinha – bate mais uma vez na minha cabeça a sorri convencidamente, antes de sair andando.

Sorrio de volta e saio correndo em direção a entrada de St. Reeve’s, onde Peter e Jaime estavam, provavelmente, já cansados de tanto esperar.

°_°_°_°

– E o Joe te salvou?! – Peter grita pela sétima vez, ainda rindo – fala serio deve ter sido hilário, porque tipo... Ren – ele coloca a mão perto da cintura – e Joe – ele sobe a outra mão até o topo da cabeça.

– Sim eu sei – reclamo – eu estava lá e vi a diferença de altura. Acredite não é legal!

– Não é para você, para mim é hilário – ele ri mais um pouco – Hey Jaime você ouviu essa?

– Só nas primeiras sete vezes que você falou Peter – Jaime caminha alguns passos na nossa frente, com as duas mãos dentro dos bolsos da calça jeans.

Peter franze as sobrancelhas e dá um leve corrida até o homem.

– Qual é James! Vai me dizer que não é hilário! – Peter chacoalha os ombros dele, tentando fazer o homem reagir.

– Peter, duas coisas. A primeira: sim é hilário – ele fala, ainda mantendo a voz calma – segunda: se você repetir isso mais uma vez eu juro que te mato!! – ruge o homem puxando Peter, para baixo, pela gola da camisa e forçando-o a ficar da sua altura.

– Okay meninos! – exclamo, jogando uma mão no peito de cada um deles e empurrando-os para longe – chega de brigas, eu já tenho uma semana que vem e não quero mais uma antes.

– O que? – Peter exclama – como assim uma briga? No que você se meteu agora Ren?

– Nada! – reasseguro ele, antes que comece a me provocar por ter puxado briga com Joe.

– Ren... – ele demora no meu nome, enfatizando que queria saber – Que briga?

– Ah sabe... Eu sem querer arrumei uma luta com o Joe semana que vem no ginásio – assisto as feições de Peter caírem e sua pele ficar alguns tons mais branca do que já era.

– COMO É QUE É?!?! – ele grita – você comprou uma briga com o Joe? Você!?!

Aceno que sim com a cabeça e incho minha bochechas, em sinal de desaprovação.

– Você é idiota ou o que? – pergunta cerrando os punhos e colocando um de cada lado da minha cabeça, esfregando-a até que eu fique tonta.

– Pa...ha...ha...re! – gaguejo tentando tirar as mãos dele da minha cabeça.

– Se você não consegue se livrar nem disso como espera ganhar do Joe? Do Joe!!!

Respiro fundo e me acalmo, vou mostrar como eu posso ganhar. Levanto minha perna e desço com tudo no pé de Peter, que imediatamente abandona a minha cabeça e levanta o pé machucado do chão. Aproveitando-me desse desequilíbrio, viro e agarro um de seus braços, dando um joelhada na barriga do garoto que se curva para frente e leva a mão livre ao estômago. Nessa hora viro o braço que estava segurando e pulo para trás do corpo dele imobilizando um de seus braços nas costas.

Peter solta um gemido de indignação, mas bato com o joelho na parte de trás do joelho dele, fazendo com que desmorone no chão e eu possa subir em suas costas, o imobilizando por completo.

– Ainda acha que eu não posso ganhar do Joe? – pergunto presunçosamente.

– Ganfar de mhim é umfa cossa – ele tenta falar.

Saio de cima de Peter e ajudo-o a levantar, antes que ele continue com o grego.

– Como eu estava dizendo – ajeita a camisa xadrez – ganhar de mim é uma coisa, ganhar do Joe é muito diferente. Aquele cara luta desde que tinha 7 anos.

– É, eu também. Então estamos empatados.

– Ren... olha, Joe tem uma vantagem tática que você não tem...

– Se você disser tamanho eu te imobilizo de novo – ameaço.

Peter fecha a boca imediatamente, com medo de continuar a frase.

– Não – gagueja – eu ia dizer... uhm... sabe...? Idade!, sim idade!

Franzo as sobrancelhas e dou um passo na direção dele, ao que o menino responde dando um pulo e correndo para trás de Jaime.

– Okay crianças – Jaime começa, impedindo-me de chegar até Peter – ótima luta. Excelente técnica Ren, só tome cuidado com a passagem para as costas do inimigo, porque se fosse eu poderia ter te impedido ali. E pare de incomodar a garota Peter, senão vamos chegar no estacionamento na hora de voltar para o internato.

– Falando nisso, você nunca me disseram onde estávamos indo – falo.

– Você vai ver – Jaime pega minha mão gentilmente e aperta o passo, guiando-me.

Sigo o homem durante mais alguns minutos em que ficamos no mais completo silencio, tirando as ocasionais reclamações de Peter sobre as costelas que ele achava que eu tinha quebrado.

°_°_°_°

Entro dentro do enorme galpão já de boca aberta e quase perco a mandíbula inferior quando vejo o que tem dentro. Carros, motos, lambretas, era maior do que um museu de automóveis!

Dou uma volta nos meus pés, esse lugar era enorme, se bobear tinha um jatinho também. Ando um pouco pelo galpão e percebo que todos os carros parecem estar meio zoados. Vejo uma lambreta rosa com adesivos obscenos grudados na lateral e graxa no assento. Um pouco mais adiante vejo um carro esportivo e preto, com uma grande pompom rosa grudado no capô.

– O que é isso? – pergunto.

– Pegadinhas dos professores. Como você pode ver, aqui é onde todos os veículos dos professores de St. Reeve’s ficam e nem sempre nós respeitamos uns aos outros. Aqui – Jaime pega minha mão e guia-me até uma moto azul bebê – essa é a marca do Jim – aponta para uma caixa azul de policia escrita “police public call box” – essa é a Simonia – aponta para o pompom rosa – todos tem uma marca.

– E qual a sua?

– Ah, segredo minha jovem aprendiz, mas tente adivinhar qual o meu carro.

– Eu não sei – reclamo – como vou saber, devem der dezenas de carros aqui dentro.

Jaime sorri para mim, como se já tivesse dado a primeira pista e se apoia em uma pilar.

– Nós temos o dia inteiro, pode adivinhar qual o meu carro. E não, não vale chutar todos. Você tem uma chance.

Olho desapontada para o homem e começo a passar os olhos por todos os veículos, tentando julgar qual teria mais cara de “Jaime”, de repente meus olhos pousam em um carro diferente de todos os outro. Não pelo fato que era claramente mais velho e vermelho sangue, mas pelo fato de não ter nenhum adesivo, nenhum pompom, nenhuma mancha de graxa. Nada.

– Mas é claro – suspiro, andando até o carro – esse é o seu! – aponto para o carro.

Aproximo-me para examina-lo. Era um modelo de carro antigo, baixo e meio quadrado, como não fazia ideia dos modelos de carro existentes, não sei precisamente qual era.

– Oh! – Jaime se aproxima – até que você é esperta. Mas agora me diga o motivo.

– Não é obvio? Todos os carros estão zoados menos esse.

– E...?

– Porque eles iriam zoar o carro de um cara que tem acesso a uma sala repleta de armas?

O homem sorri para mim e tira as chaves do bolso, destravando o carro e entrando.

– Muito bem chibi.

Sorrio, ignorando o apelido e entro no carro, sendo seguida de perto de Peter.

– Um chevy impala 64 – Peter vira a cabeça para mim e fala – o objeto de metal mais adorado de Jaime, e olha que ele tem muitos – faz menção a todas as armas.

– Um chevy impala 64? – pergunto – esse é o nome do carro?

– Bom, na verdade essa é a marca do carro, o nome mesmo é... – Peter para de falar e fica alguns tons mais vermelho, como se estivesse com vergonha do nome que Jaime havia dado ao carro.

– Sexy! – Jaime exclama – essa é a Sexy!

°_°_°_°

Pressiono as mãos nos meu ouvido tentando evitar a enorme comoção por causa da abertura do concurso. Leio mais uma vez o cartaz do lado da entrada de uma loja de cosméticos “concurso de maquiagem sem as mãos. Premio: 1.000 reais em produtos”. Assisto enquanto as meninas e mulheres correm de uma lado para outro tentando arrumar parceiros para a competição.

Estou a ponto de desviar da multidão e ir para o outro lado quando o mão de Peter agarra meu braço. Oh não...

– Ren! Vamos? – ele soa mais empolgado do que deveria estar.

– Nós? Tipo eu e você? E quem vai fazer a maquiagem? – pergunto, não queria soar pessimista, mas nunca havia nem tocado em um estojo de maquiagem.

– Você obvio, você é a menina!

– Peter, duas coisas. Primeira: eu nunca toquei em maquiagem. Segunda: porque você quer o prêmio?

– Segunda: para vender de novo e faturar uma grana. Primeiro: tenho certeza que sua menina interior vai emergir na hora e nós vamos poder ganhar.

– Menina interior? Isso não existe.

– Claro que existe! Não tem aquele negocio de instinto maquigenal?

– Maternal.

– Isso! Quase a mesma coisa. E ai o que me diz?

– Que você é louco – pauso para pensar um pouco – mas tudo bem, podemos tentar.

– Essa é a minha garota! – exclama e segura meu braço, puxando-me para o meio de pessoas que competiriam.

Olho em volta. Todas as meninas eram garotas ou mulheres com caras completas de maquiagem que emanavam conhecimento de como pintar a monalisa na cara de um ser humano. Suspiro, no que eu havia me metido?

Os jurados se sentam em uma mesa comprida e uma mulher passe distribuindo camisas GG para que as pessoas que teriam as caras maquiadas colocarem. Peter coloca ela por cima da camisa xadrez, mas deixa os braços fora das mangas e grudados no corpo, logo em seguida enfio meus braços finos pelas mangas e grudo nas costas do garoto.

– Agora que eu me toquei, isso vai ser muito mais difícil considerando que eu tenho braços muito pequenos.

– Devia ter pensado nisso antes Ren – Peter exclama – agora já estamos na competição.

Ele definitivamente soa mais animado do que deveria. Tento me ajeitar melhor enquanto um dos juízes fala que iriamos ter que fazer as maquiagens sem olhar nada do que estávamos fazendo. Ótimo! Eu não faço nem olhando, imagine não olhando!

Quando ele termina de falar um alarme apita e minhas mãos começam a procurar na mesa o que segurar. Acho um pote de alguma coisa e abro-o sentindo um buraco e um liquido gelado. “O que em nome de Thor é isso!!!” penso derrubando um pouco na minha mão e seguindo para o rosto de Peter.

Sinto as maças do rosto salientes do garoto enquanto passo o estranho líquido no seu rosto. Movo minha mão para o queixo dele, nunca havia percebido isso antes, mas Peter tinha um rosto muito fino e esquelético. A maioria da massa estava concentrada nas maças do rosto do garoto e seu maxilar era muito pouco definido.

Passo a mão por cima do nariz dele, era fino e longo, o exato oposto do meu que, como todo bom japonês, era maior e achatado. Logo em seguida passo o líquido na testa do menino, que era bem pequena comparada ao resto do rosto.

Finalmente sinto que cobri tudo e parto para a próxima coisa, que devo admitir, não fazia a menor ideia do que seria.

°_°_°_°

O apito soa novamente, indicando o fim da competição. Solto um grunhido e retiro meus braços da camisa de Peter, me preparando psicologicamente para a revelação do mostro que eu havia criado.

Quando Peter vira para mim vejo um borrão de cores por um instante, mas logo ele some e começo a distinguir o que havia feito com o pobre rosto do meu amigo. Seguro minhas risadas do melhor jeito possível, mas fica muito claro que eu sou um desastre em maquiagem.

Olho para Peter que agora se encara no espelho e tenta retirar o pigmento azul das bochechas, o que só faz os riscos pretos e grossos abaixo dos olhos dele borrarem e tornarem-se um enorme desastre.

O juiz levanta-se de seu assento e pede para todos os competidores irem lavar os rostos nos banheiros atrás da loja, enquanto isso ele leva um envelope lacrado até o apresentador e volta a se sentar na mesa. Saio de cima do palco e me junto a Jaime na plateia, esperando pelo resultado.

Um nome aleatório é mencionado e uma menina qualquer sobe no palco, quase chorando de alegria, ela recebe o vale de 1.000 reais e volta para a plateia.

– E então, se divertiu? – Jaime pergunta, puxando-me para fora da loja e de toda a multidão.

– Estranhamente, sim.

– Que bom, porque eu tenho certeza que Peter só fez isso porque achou que você iria se divertir – ele põe a mão no bolso e me puxa para trás da loja, um lugar isolado.

– Você acha?

– Tenho certeza. E só para não passar em branco, aqui este é o seu prêmio de consolação – Jaime vira minha mão com a palma para cima e tira a mão do bolso, colocando uma pistola beretta M92 Niquel – para o seu coldre não ficar mais vazio.Aperto a arma entre as minha mãos e seguro as lágrimas, ninguém nunca havia me dado nenhum presente, principalmente algo assim tão... tão... tão eu.– O... Obrigada – murmuro, encaixando a arma no coldre e pressionando-a contra o meu corpo por baixo do tecido da blusa.O súbito frio que sinto emanar do pedaço de metal me faz sentir mais segura do que nunca. Abraço meu corpo e pela primeira vez desde que deixei o Japão, me sinto completa novamente.– Jaime – sussurro de novo – obrigada.– De nada chibi, sei o que é só se sentir seguro tendo uma dessas por perto – levanta a ponta da camiseta preta e vejo um pedaço de um coldre.Rio suavemente, sabendo que eu não era a única com problemas por aqui.– Mas é melhor eu ir procurar o Peter – falo – ele nem deve saber que estamos aqui.– Boa ideia – exclama – você vai por ali e eu vou por aqui – aponta para os lados opostos a loja – nos encontramos no carro okay?– Okay! – exclamo e saio correndo na direção oposta a Jaime procurando por Peter. °_°_°_°

Meus pés começam a reclamar por estarem andando por muito tempo, mas ignoro eles e continuo a minha procura por Jaime, ou Peter, ou o carro, ou um lugar em que o telefone tenha sinal.

Suspiro pesadamente, havia me perdido completamente. Não sabia onde estava, ou para onde deveria ir, ou onde o carro havia sido estacionado. Perambulo pelas ruas repetidamente tentando achar um lugar para descansar meus pés machucados.

Sou atraída para uma fonte no meio, do que parecia ser a praça central da vila. Sento na beira da fonte de água e passo minha mãos pela superfície, interrompendo os círculos contínuos e formando novas ondas. Ergo meus olhos e encaro a estátua de pedra parada no meio da piscina de água. Era um homem com as feições cansadas que se apoiava em uma lança meio quebrada e quase caída no chão.

Não era nada parecida com a que tínhamos na minha cidade natal, mas mesmo assim me lembrava da enorme pedra que ocupava grande parte da praça central em Kyoto. Era uma bela estátua, toda vez que fechava meus olhos podia vê-la. Podia ver um homem, mais alto do que o normal para um japonês segurando uma bandeira enorme que batia no chão, ele olha para cima e levemente para a direita.

Atrás de seu corpo está uma mulher, sua cabeça termina logo acima do queixo do homem e ela também olha para cima e levemente para a direita, como se estivesse cuidando do lado que o homem não podia olhar. Ela segura uma arma, frouxamente, com a mão esquerda e seus olhos estão tão belamente esculpidos que parecem transmitir real tristeza.

Meu coração parece diminuir por um segundo e ser comprimido por uma força desconhecida. Aperto meus olhos juntos e seguro uma lágrima que teima em tentar aparecer no meu rosto, “damn it, lágrimas, vocês ainda não se tocaram que eu não choro”, penso engolindo o choro e passando as pernas para cima do muro e abraçando-as, ainda encarando a estátua.

Meu coração vai aos poucos ficando mais apertado e minhas memórias começam a retornarem, eu acho que não vai ser tão fácil enterrar essas memórias como das últimas vezes. Fecho os olhos e permito-me olhar para o rosto da minha mãe e do meu pai. Permito-me sentir essa dor só por alguns segundos, porque eles eram heróis, porque eles mereciam.

Afinal que tipo de pessoa vira um herói, salva o mundo e não tem o direito de não sumir da memória da própria filha? Inspiro fundo, sentindo o ar entrar na minha garganta e fazer seu caminho até meus pulmões se acomodando lá agradavelmente.

Meus pais haviam feito algo proibido. Mas não algo impuro ou feio, eles se apaixonaram. Amar a sua tenente ou o seu capitão é assim tão ruim? Tão ruim que eles tem que esconder toda uma família do mundo? Tão ruim, tão inapropriado, tão proibido, que uma família inteira tem que ser destruída?

Solto minas pernas e cruzo-as, apoiando os cotovelos nos joelhos. Sim, eles se casaram mesmo que fossem os dois do exército, sim eles se casaram mesmo que minha mãe fosse a tenente do meu pai e sim eles tiveram uma filha. O que tem de tão errado nisso?

Damn you frat laws – sussurro.

Respiro fundo e me levanto começando a andar para longe da fonte e da estátua, parecia tão nostálgico, mesmo que fosse outra escultura. Eu já havia feito isso uma vez, andado para longe de uma rocha com essa sensação no peito. Sufocante, dolorosa, agonizante.

Porque não importa o quanto meus pais tenham virado heróis e não importa quantas estátuas deles sejam feitas, nenhuma delas nunca vai voltar do trabalho e te pegar no colo, nenhuma estátua vai cantar para você de noite ou brigar com você por não ter escovado os dentes ou feito a lição de casa.

Porque estatua não podem te amar, não podem ser amadas e por mais eternas que sejam, seus abraços sempre serão, cold hugs.


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Notas finais do capítulo

damn it – maldição.
cold hugs – abraços gelados.
Damn you frat laws – malditas sejam você leis da fraternidade.

#Ghost...



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