O Herói do Mundo Ninja escrita por Dracule Mihawk


Capítulo 116
Soberania, livre-arbítrio e livre agência


Notas iniciais do capítulo

Boa tarde, meus queridos! Como vão? Eu espero que estejam todos bem!

Um aviso rápido: reorganizei nosso cronograma. Faremos assim, a partir de agora: os capítulso serão postados sempre às sextas-feiras de forma quinzenal (semana sim, semana não). Na prática, vai funcionar como vinha sendo antes. Assim ninguém se perde e eu ganho um tempinho razoável para escrever. Ok?

Feitos os esclarecimentos, vamos direto para a leitura de hoje. De uma maneira muito particular, ele é bastante especial para mim em vários sentidos. Eu gostei MUITO de escrevê-lo. E acho que os fãs da Hinata vão gostar dele também.

Bom, é isso. Nos vemos nas notas finais o/



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Ficar sentado muito tempo na mesma posição torta fazia as costas de Shikamaru doerem, mas se ajeitar na cadeira era trabalhoso demais. Além disso, ele estava ocupado com assuntos mais importantes. Por essas razões, simplesmente murmurou uma coisa ou outra e aceitou aquela dor problemática.

Por mais que quisesse largar tudo e dormir um pouco, havia muito o que fazer. Muito a se pensar. Estivera acordado desde às 04h da manhã, quando recebera uma mensagem de Naruto. Antes de deixar a Vila Oculta da Chuva e continuar a viagem, o amigo lhe havia informado a respeito da morte de Taka Kazekiri; e contar com um Yuurei a menos era sempre uma boa notícia.

A parte perturbadora, em contrapartida, foi quando Naruto contou sobre Mira Uzumaki. De alguma forma, a vice-líder Yuurei tinha passe-livre na Vila da Folha e os espiava — Naruto principalmente — há pelo menos dois anos.

Ainda sonolento, Shikamaru bebericou o café na xícara, já gelado. Parte da estratégia que havia desenvolvido passava por Mira Uzumaki, mas encurralar aquela Yuurei em específico era, realmente, uma tarefa estressante. E se já não fosse complicado destrinchá-la, ainda restava o homem — ou a criatura — acima de Mira na hierarquia dos Yuurei: Iori Kuroshini. Conforme as informações obtidas por Naruto, ele havia conseguido assimilar o Rinnegan de Nagato Uzumaki após recuperar os poderes outrora selados.

“Mas quem restringiu os poderes dele?”, era a pergunta que Shikamaru Nara queria responder. “Considerando a ordem cronológica dos fatos, só consigo pensar em uma possibilidade. Mas isso não explica como ele sobreviveu tanto tempo sem poder algum.”

Shikamaru ergueu os olhos para o rosto pensativo de Shizune, do outro lado da mesa. Sabia que, assim como ele, ela estava parada no mesmo dilema.

— Eu não entendo — disse Shizune, após reler as próprias anotações diversas vezes. — Se o Meiton foi liberado naquela época, e Iori Kuroshini conseguiu o poder de Nagato, por que ele não agiu? Ele já estava de posse do Rinnegan; por que Iori se manteve no anonimato todos esses anos?

Era uma boa pergunta.

— Porque, aparentemente, ele não conseguiu o que queria com o Rinnegan do Nagato, seja lá o que for. Ou talvez o Rinnegan, sozinho, não fosse o suficiente para o líder dos Yuurei — deduziu Shikamaru Nara. — De qualquer forma, Iori Kuroshini parece ser o tipo de cara que não gosta de aparecer nos holofotes.

Shizune assentiu.

— Concordo. Se pararmos para pensar, Mira Uzumaki serve como um escudo para ele em todos os sentidos.

E, novamente, estavam em Mira Uzumaki. Era como se todos os caminhos os levassem a ela. Como o braço direito de Iori Kuroshini, Mira era a peça fundamental para que a Folha conseguisse destrinchar, de uma vez por todas, o líder dos Yuurei e seu elemento Escuridão, o que tornava a missão de Naruto no País do Redemoinho ainda mais importante, e a captura de Mira uma questão de prioridade máxima.

Por mais que Shikamaru Nara há muito tivesse chegado àquela conclusão, lá no fundo, fizera de tudo para que Naruto não enfrentasse a vice-líder dos Yuurei. Em uma análise estritamente fria e racional, Shikamaru havia concluído que o encaixe técnico era simplesmente desastroso para o Herói do Mundo Ninja.

Não que o amigo não tivesse chance nenhuma — em se tratando de Naruto Uzumaki, era estupidez pensar algo assim —, mas que, levando em conta os estilos de luta dos dois; que Naruto Uzumaki estava limitado e era exatamente Mira quem lhe impusera a limitação; que ela o havia espionado e estudado por tempo suficiente para montar um plano de batalha vencedor; que Naruto lutaria no País do Redemoinho, onde a vantagem territorial estaria toda ao lado da Yuurei; e que, ainda por cima, Mira Uzumaki tinha o mesmo rosto da mãe de Naruto, o que poderia fazê-lo hesitar mesmo que por um segundo, a conclusão óbvia era que Naruto Uzumaki era um tremendo azarão naquela luta.

Mas talvez fosse exatamente por isso, por aquele duelo estar tão favorável para Mira, que Shikamaru acreditava que Naruto poderia surpreendê-la e vencer. E não seria a primeira vez que Naruto Uzumaki iria chocar o mundo, arrancando uma vitória de onde parecia ser impossível.

“Claro, isso é muito subjetivo”, pensou Shikamaru, considerando todo o retrospecto de Naruto em batalhas, bem como o que Mira havia apresentado durante a invasão, “para começo de conversa, o Naruto precisa estar em um dia ótimo; e se ele conseguir tirá-la da preparação e envolvê-la no caos que somente ele sabe criar, é possível que o Naruto vença. Por mais estudiosa que seja a adversária, quando se trata de Naruto Uzumaki, é impossível estar totalmente preparado. Ele é um cara imprevisível; não importa o quanto você o observe, Naruto ainda consegue te surpreender.”

Absorto em seus pensamentos, Shikamaru só voltou à realidade quando escutou uma voz estridente gritando seu nome. Um tanto alienado, Shikamaru Nara ergueu o rosto para frente.

— Ah... — coçou os olhos e bocejou — perdoe-me, Tsunade-sama.

A Quinta Hokage, que havia entrado há pouco tempo na sala, estava parada em pé ao lado de Shizune — e não tinha o melhor dos rostos. Do seu lado direito, um Sai recém-chegado da viagem pelo País do Fogo; e do lado esquerdo, Sasuke Uchiha. “O que foi agora?”, queixou-se Shikamaru, “para dois integrantes do Time Sete estarem aqui, coisa boa não é.”

Antes que Shikamaru pudesse dizer alguma outra coisa, Tsunade levantou a voz:

— Parece que não há candidatos a Yuurei no País do Fogo; todos os criminosos de Rank A e S que estavam presos foram mortos — apesar da boa notícia, Tsunade demonstrava certa impaciência.

— Isso é bom, não? — Shikamaru tinha os olhos em Sasuke e Sai, imaginando o que os fazia estar ali.

— É... — Tsunade fechou os olhos, irritada. — Mas que história é essa de Mira Uzumaki entrar na vila sem que nós soubéssemos?

“Ah, então era isso”, minimizou Shikamaru.

— Parece que ela vem estudando o Naruto há bastante tempo — respondeu o líder do clã Nara. — É uma Yuurei bem problemática, essa tal de Mira.

Tsunade suspirou, impaciente.

— Não me refiro a isso — a Hokage tinha um envelope alaranjado das mãos, e lançou-o na mesa, fazendo-o deslizar até Shikamaru, do outro lado —, mas sim ao fato de Mira Uzumaki ter estado aqui na sexta-feira passada.

Um nó se formou na garganta de Shikamaru. “Ela veio aqui durante a cerimônia fúnebre?”

— Como ela passou, Tsunade-sama?! — perguntou Shizune, igualmente espantada. — Isso deveria ser impossível!

Entrementes, Shikamaru havia aberto o envelope entregue por Tsunade. Dentro, havia o original de um arquivo de registro civil — como de muitos outros feitos para as pessoas não residentes na Vila Oculta da Folha, e que a visitariam em determinado momento; no caso, a cerimônia fúnebre. De acordo com os protocolos de segurança adotados, o cadastro era feito previamente e todas as informações pessoais coletadas.

A ficha nas mãos de Shikamaru Nara era de uma mulher ruiva de olhos azuis chamada Guren. Era residente na vila Honoka, situada nos arredores da Vila da Folha. Ainda de acordo com as informações catalogadas, Guren era uma mulher solteira, de vinte e quatro anos, que não tinha família. Ela trabalhava com música e não possuía níveis de chakra suficientes para ser considerada combatente; seu tipo sanguíneo era B+.

O rosto fotografado, no entanto, era claramente o de Mira Uzumaki.

— Até entendo ela ser capaz de ocultar o próprio chakra — analisou Shikamaru, intrigado —, mas todo ninja responsável pela segurança conhece o rosto de Mira Uzumaki e dos demais Yuurei já identificados. E se ela utilizou alguma técnica, a barreira ao redor da vila teria detectado o uso de chakra na hora e a ANBU seria alertada.

Tsunade assentiu.

— O mesmo vale para caso ela tivesse tentado se teletransportar para dentro da vila — concordou a Hokage. — A mínima centelha de chakra estranho teria sido captada pela Barreira de Detecção. Seria impossível para ela entrar aqui, mas Mira conseguiu mesmo assim... e saiu sem ser descoberta.

— Então como a senhora soube? — perguntou Shikamaru.

— Porque eu me deparei com ela — Sai informou consternado. — Estive bem perto dela e... bom, na verdade, eu conversei com ela, Shikamaru-kun.

— Como assim “conversou”? — Shikamaru estreitou os olhos.

Sai, então, relatou tudo a respeito do encontro com a mulher ruiva em frente ao Memorial de Pedra. Contou que a visitante, ao seu lado, mostrou-se afoita para deixar o local e, na pressa, deixara uma flauta de bambu que levava consigo cair. Foi quando Sai a deteve e lhe devolveu o instrumento. Mas quando tentou conversar, a mulher já havia esgueirado por entre a multidão. Mesmo assim, e apesar do rosto parcialmente encoberto pelo enorme chapéu, Sai tivera um bom vislumbre da visitante misteriosa; os contornos faciais dela eram muito similares aos da vice-líder dos Yuurei — com a qual o próprio Sai e a ANBU haviam estado frente a frente durante a invasão à Folha.

— Eu não informei antes porque não estava certo se era mesmo ela, e não queria causar um alarde no meio da cerimônia — disse Sai envergonhado. — Mas quando a Hokage-sama contou sobre as últimas informações enviadas pelo Naruto-kun, em que Mira Uzumaki tem visitado nossa vila... então tive certeza.

— Todo esse tempo... e o inimigo esteve bem debaixo dos nossos olhos. — Sasuke fechou o semblante.

— É inacreditável — comentou Shizune. — Mesmo com a Ino do lado do Sai-kun, Mira Uzumaki ainda saiu sem ser detectada! O que é essa mulher?

Descobrir que a vice-líder dos Yuurei chegara tão perto da Hokage e dos demais sem ser percebida já era algo bastante perturbador, ainda mais se levassem em conta que Ino Yamanaka, a melhor ninja sensorial da Folha, sequer havia notado a presença da invasora, mesmo estando a cerca de um metro de distância. E não somente Ino: Karin Uzumaki possuía habilidades sensoriais de altíssimo nível; Yuugao Uzuki, capitã da ANBU, também; e tantos outros dos clãs Yamanaka, Inuzuka e Hyuuga. Todos estavam ali e ninguém, entretanto, notou Mira Uzumaki dentro da Folha.

A parte mais assustadora, porém, era o fato de a Yuurei ter entrado pelo portão principal da vila. Quaisquer que tivessem sido os seguranças, tinham visto o rosto de Mira — que já era conhecido entre as Cinco Grandes Nações — e, portanto, deveriam ter soado o alerta.

— Como ela fez? — questionou Shikamaru, olhando de esguelha para Sasuke Uchiha. — Não foi Genjutsu, foi?

— Quase isso — respondeu Sasuke. — Vê o registro dela?

— O que tem?

— Olhe com atenção.

Shikamaru encolheu os ombros e analisou meticulosamente a folha de papel que tinha nas mãos. Era um cadastro como qualquer outro, sem nada de especial.

— Eu não estou vendo nada.

— É, exatamente — disse Sasuke, e ativou o Sharingan. — Essa tal de Mira Uzumaki, ela é bem cuidadosa.

— Fale logo — resmungou Shikamaru. — O que você descobriu?

— Há uma marca d’água no original da ficha dela. Uma fórmula invisível ao olho humano. Considerando os detalhes, não há dúvidas de que seja Fuuinjutsu — respondeu Sasuke, indicando o papel. — Ela deve ter tido acesso às folhas originais e ocultado essa coisa. E aí, quando copiamos o original...

—... também copiamos a fórmula oculta do selamento para ela — completou Shikamaru. — Mas o que isso faz exatamente?

— Libera um Genjutsu que estava selado dentro da fórmula — esclareceu Tsunade. — Eu já vi algo assim ser usado na Segunda Guerra Ninja. Mas para que seja efetivo, é preciso que o alvo também seja marcado com o mesmo Fuuinjutsu. Dessa forma, quando ele entrar em contato com o selamento, a técnica é liberada automaticamente. É muito sutil.

Shikamaru suspirou desanimado.

— Deixe-me adivinhar: vocês encontraram as mesmas marcas do Fuuinjutsu no pessoal escalado para fazer a checagem nos portões no dia da cerimônia fúnebre. — Shikamaru fez uma careta desgostosa. — Desta forma, no instante em que olharam para o arquivo dessa falsa Guren, o Genjutsu foi liberado sobre a equipe no portão e eles não puderam reconhecer Mira Uzumaki.

Sasuke assentiu com a feição sombria.

— Isso quer dizer que ela conhece nossos protocolos de segurança... — Shizune estremeceu. — E as escalas também! Então, a vila toda...

Shikamaru desviou os olhos para a expressão tensa de Tsunade. Ninguém ousava comentar, mas todos ali consideravam a chance de o pior acontecer, uma vez que o inimigo tinha posse de uma informação tão valiosa quanto aquela.

Mal haviam se recuperado de um ataque Yuurei e já teriam que lidar com a possibilidade de haver outro.

— Ontem à noite, eu mandei ofícios para todos os líderes de clã — informou Tsunade, usando de certo tom crítico para falar com Shikamaru, líder do clã Nara. Considerando o amontoado de trabalho que ele tinha em mãos, a probabilidade de Shikamaru sequer ter aberto o e-mail da Hokage era alta. — Os Hyuuga foram os primeiros a prestarem relatório. De acordo com a resposta de Hinata, nenhuma fórmula de Fuuinjutsu foi encontrada dentro da vila ou nos arredores.

“Bom, isso já é alguma coisa”, pensou Shikamaru, “se nenhum batedor Hyuuga encontrou nada de suspeito dentro dos muros, então, provavelmente, não há mesmo nada a se procurar.”

— É no mínimo estranho — refletiu Shizune. — Mira Uzumaki esteve aqui todo esse tempo e não implantou nenhum selo explosivo, de invocação, de teletransporte, nada. Além disso, ela já sabe que o Naruto-kun não está na vila. Por que ela viria aqui, se não para lutar?

— Provavelmente assassinar a Hokage — deduziu Sasuke Uchiha. — Mas não deve ter conseguido uma abertura, uma vez que a Quinta nunca está a sós.

— É uma possibilidade, mas... — Tsunade olhou rapidamente para Shikamaru — pelo que o Naruto nos informou, Mira não vinha aqui apenas por ele; e o fato de Mira ter sido encontrada por Sai junto ao Memorial de Pedra nos diz o que ela veio fazer aqui.

Outra vez, Shikamaru baixou os olhos para o arquivo em mãos e observou atentamente o retrato de Mira Uzumaki. Era uma mulher de rosto delicado, ligeiramente redondo; o nariz era pequeno e os lábios, finos; Mira possuía belos olhos azul-safira — muito parecidos com os de Naruto.

— Shizune-san... — Shikamaru, intrigado, sequer desviou o rosto do papel. — Traga-me todas as informações que tivermos a respeito de Kushina Uzumaki e sua transferência do País do Redemoinho para a Folha. Encaminhe-as para o meu e-mail ainda hoje ou, se for material físico, pode deixar a papelada no meu escritório.

— No que está pensando, Shikamaru? — indagou a Hokage, apreensiva.

— Não sei exatamente, Tsunade-sama — respondeu o jovem Conselheiro, ainda com os olhos na foto de Mira —, mas estou com um pressentimento muito ruim.

 

 

                                                                            ***

 

 

Aquele dia havia sido bastante cansativo para a líder do clã Hyuuga. O treinamento intensivo de Taijutsu Gouken com Rock Lee ia de 4h30min às 8h, quando o café da manhã era servido. Apesar de ter começado devagar, respeitando a deficiência visual da aluna, Lee agora se mostrava um professor bem exigente e obstinado; e sempre a levava ao limite. Não foram poucas as vezes em que Hinata caíra exausta após as sessões de treino, à beira do desmaio.

Por outro lado, à medida que evoluía nos treinos do Punho Forte, Hinata Hyuuga se sentia muito mais rápida do que era antes. Graças a Lee, sua movimentação ganhou dinamismo e instintividade — os outros sentidos trabalhavam em seu corpo com perfeita sincronia para suprir a falta da visão. Por último, Hinata ganhou versatilidade e potência; e soltava golpes mais pesados. Tudo isso reverberava em seu Taijutsu Juuken.

Depois do desjejum, Hinata fazia uma hora de sparring com a irmã mais nova, Hanabi; de modo que as duas se ajudavam na prática do Punho Suave. Embora Hinata já fosse reconhecida como mestra no Juuken, e Hanabi a segunda melhor artista marcial do clã Hyuuga — ainda que fosse uma adolescente de catorze anos —, sempre havia algo que poderiam aprender uma com a outra. Além disso, as irmãs Hyuuga tomavam essa hora como um momento só para elas. Desde que irmão mais velha havia assumido a liderança do clã, o tempo que Hanabi dispunha com Hinata se resumiu a acompanhá-la para mantê-la segura. Lá no fundo, Hanabi Hyuuga ainda temia que a perda da visão de Hinata estivesse, de alguma forma, ligada aos Yuurei; e pela irmã pouco falar a respeito, tudo se tornava ainda mais obscuro.

Após todos os treinos, Hinata Hyuuga tomava banho, trocava de roupa, almoçava com Hanabi e depois se dirigia ao escritório do pai (agora dela), onde resolvia as questões administrativas do clã com o auxílio do secretário e protetor, Tokuma Hyuuga. Em geral, Hanabi também a acompanhava ali, servindo-lhe de guarda-costas — pois costumava dizer que Tokuma, apesar de ser um veterano de guerra, não era o mais indicado para a função. “Fala sério, Tokuma!”, dissera-lhe Hanabi uma vez, “você tem o dobro da minha idade e eu ainda te venço. Nada pessoal, mas fique com a parte chata do trabalho e deixe a segurança da Nee-sama comigo.”

No entanto, naquele dia Hanabi havia saído para um passeio com Konohamaru Sarutobi. Ver que a irmã mais nova estava feliz e descobria o amor alegrava o coração de Hinata. “Eles se entenderam mais rápido do que o Naruto-kun e eu”, pensou Hinata Hyuuga para, quase imediatamente, corar de vergonha e ativar todos os instintos protetores que já existiam dentro de si.

Mas Hinata já havia se antecipado a tudo. Como irmã mais velha e a pessoa que mais se aproximava de uma mãe para Hanabi, a líder dos Hyuuga havia enviado, secretamente, um membro da Família Secundária para que acompanhasse os passos do jovem casal. Por precaução. Mesmo que fosse apenas um passeio pela vila, e Konohamaru um rapaz no qual Hinata confiava ao ponto de deixá-lo estar a sós com Hanabi, existiam limites que não deveriam ser ultrapassados. Os dois eram jovens demais.

Todas as preocupações com a pureza da irmã mais nova, porém, deram lugar para uma pontada aguda na fronte e Hinata, grunhindo de dor, levou a mão ao rosto. Aquelas pulsações nos olhos se tornavam cada vez mais frequentes, atrapalhando-a nos treinos, no trabalho e até mesmo na hora de dormir. Conquanto Hinata quisesse mantê-las em segredo, era impossível enganar alguém tão esperta quanto Hanabi, que há muito vinha desconfiando de seu comportamento.

Quando a irmã caçula a questionava sobre o assunto, Hinata não sabia o que responder; e não tivera qualquer outra visão de Hamura Ootsutsuki ou de Noite-sem-fim. Tudo que ouviu do fantasma de Hamura, na primeira e única vez em que estivera com ele, foi o ancestral tê-la chamado de Princesa do Byakugan e dito que Hinata precisaria despertar. Mas Hamura não explicou o significado daquelas palavras.

Decidida a não desperdiçar o tempo com mistérios dos quais não tinha pista alguma, Hinata ignorou a queimação nos olhos e se concentrou naquilo que tinha de mais concreto naquela hora: o trabalho.

— Tokuma-san, pule para o próximo, por favor.

O secretário de Hinata, um homem alto de cabelos castanhos bem trançados, era um dos membros mais prestigiados da Família Secundária. Inteligente e organizado, Tokuma Hyuuga possuía a confiança tanto da atual líder do clã quanto de seu predecessor, Hiashi; e até de Hanabi, que embora o provocasse vez ou outra, reconhecia-o como um dos mais hábeis dentre os remanescentes do clã Hyuuga. E Hinata gostou de tê-lo escolhido para o secretariado. Tokuma era mais do que um assistente eficaz; era um amigo, e preenchia o vazio deixado pela morte de Kou Hyuuga, o antigo guarda-costas que cuidou de Hinata desde a infância.

— Como quiser, Hinata-sama. — O assistente riscou o item na tela do iPad e abriu o próximo e-mail na caixa de entrada. Mas ao ler o nome do remetente e o selo amarelo e preto no corpo da mensagem, Tokuma Hyuuga estreitou os olhos. — Há uma mensagem do Senhor Feudal do País do Relâmpago para a senhora, Hinata-sama. Ele pede...

— Eu sei — a líder dos Hyuuga falou com frieza —, mas não estou interessada.

Aquele era o oitavo pedido de casamento endereçado a ela somente naquele mês. Sendo a recém-empossada líder do clã mais nobre da Vila Oculta da Folha, Hinata Hyuuga era a escolha preferida de senhores feudais, líderes de clãs e governantes estrangeiros. Pois além da riqueza, um casamento com a herdeira dos Hyuuga garantiria forte influência dentro da política interna da Vila da Folha e, claro, o Byakugan da Família Principal. Ademais, Hinata Hyuuga era uma mulher bastante jovem — com dezenove anos — e encantadora, cuja beleza era conhecida dentro e fora da vila. Não era de se admirar que o Senhor Feudal de uma das Cinco Grandes Nações a quisesse como esposa.

Por outro lado, com a crescente ameaça dos Yuurei, os cortejos foram praticamente abolidos e quase todos os pedidos de casamento endereçados à líder dos Hyuuga vinha por carta ou e-mail. Fosse pelo risco de serem sequestrados ou mortos, ou por se considerarem importantes demais ao ponto de não precisarem enviar uma comitiva oficial, os pretendentes de Hinata Hyuuga sequer se atreviam a conhecê-la pessoalmente.

“Assim como muitos outros, o Senhor Feudal do País do Relâmpago já é um homem casado”, lembrou-se Hinata com desgosto. Nenhum de seus pretendentes a enxergava como pessoa, mas como um item raro a ser adquirido para uma coleção; e disputavam-na, oferecendo propostas e mais propostas como se ela fosse um objeto exposto em leilão. Cobiçavam-na, mas não por seu amor ou suas qualidades. A herança e o sobrenome Hyuuga, filhos com o Byakugan, e a proximidade política com a Hokage e com outras lideranças dentro e fora da Folha, estes eram os verdadeiros prêmios que lhes interessavam. Quanto à Hinata Hyuuga ser uma mulher virtuosa, gentil e atraente, apenas um bônus.

Tokuma respeitosamente assentiu.

— Eu entendo. Quer que eu mesmo redija a resposta? — perguntou o secretário.

— Não. Pensarei em uma resposta eu mesma, quando ouvir a mensagem do Senhor Feudal por completo — respondeu Hinata. — Apesar do ultraje, não quero soar desrespeitosa.

— Eu entendo, Hinata-sama.

Tokuma desmarcou a mensagem como importante e passou para a seguinte. Mas Hinata não escutou nada da leitura que o secretário fazia; seus pensamentos estavam para além daquelas quatro paredes. Ela se pegou pensando nele, no único homem que sempre tivera seu coração — e o único para quem se entregaria sem ressalvas, com todo o seu ser.

Hinata se lembrava muito bem do sorriso que Naruto lhe dera antes de partir. “Eu senti sua falta. Senti tanto a sua falta”, ele lhe dissera à entrada do Distrito Hyuuga. Foi logo após ela confessar seu amor, e que a despeito de como o havia tratado — por influência do pai, Hiashi Hyuuga —, os sentimentos de Hinata não haviam mudado.

Contudo, apesar de reconciliados, Hinata ainda se enxergava como a única culpada pelo término do relacionamento. No fundo, ela sempre quis contar a verdade para Naruto ao invés de tratá-lo de forma tão áspera e afastá-lo de sua vida. Ele não merecia aquilo. Portanto, Hinata não se via merecedora do sorriso, muito menos do abraço de Naruto Uzumaki.

Mas os queria mesmo assim. Ali, naquela hora. Sentia-se desesperada por eles.

Hinata não queria ser desposada por mais ninguém. Tampouco desejava que nenhum homem estranho a tocasse e conhecesse seu corpo. Tão somente queria o amor de Naruto Uzumaki, e lhe dar todo o amor que ela poderia oferecer.

A amiga Sakura Haruno uma vez lhe perguntou se ela já pensava em casamento e filhos. Embora tivesse sido sincera em sua resposta e posto o dever como líder do clã à frente da própria felicidade, Hinata Hyuuga, no fundo de seu coração, nutria esperanças para o futuro: ela sonhava em casar, ter dois filhos — um casal, se possível, sendo o menino o mais velho, para que pudesse cuidar da irmã —, e depois que se aposentasse como líder de clã e Naruto nomeasse o Oitavo Hokage, com os filhos já educados, crescidos e bem encaminhados, Hinata gostaria de envelhecer numa casinha simples ao lado do marido.

Seria uma boa vida.

No entanto, tudo parecia tão distante. Um devaneio.

— Tokuma-san... — a voz de Hinata fraquejou. — Desculpe-me. Vamos continuar amanhã. Estou cansada e já não consigo me concentrar.

Tokuma, que conhecia bem o ritmo de trabalho da nova líder do clã, estranhou a decisão. Geralmente, Hinata Hyuuga trabalharia até a hora de jantar. “Talvez os treinos de Taijutsu e essas dores oculares estejam cobrando seu preço”, pensava o secretário, que perguntou:

— A senhora quer que já preparemos seu jantar, Hinata-sama? Ou prefere aguardar a Hanabi-sama retornar?

Mas a líder do clã Hyuuga apenas meneou a cabeça.

— Vou tentar dormir um pouco — Hinata se pôs de pé. — Quando minha irmã chegar, diga a ela que peço desculpas. Hanabi, provavelmente, descobriu o Hoheto-san a seguindo e não deve ter ficado nada satisfeita.

 

 

                                                                            ***

 

 

Em seu sonho, Hinata Hyuuga tinha cinco anos de idade outra vez e estava de volta ao seu antigo quarto. Ela se lembrava muito bem dos papéis de parede cor-de-rosa com desenhos de lírios brancos, bem como das lanternas penduradas no teto. As cortinas azul-marinho eram sopradas pelo vento que entrava pela janela.

A pequena Hinata, como uma boa menina, já havia dado “boa noite” ao pai, escovado os dentes e, devidamente vestida com seu pijama, estava deitada e pronta para dormir; mas não o faria antes de ouvir sua história favorita: a canção da Byakugan no Hime, cantada na bela voz de sua mãe, Himori Hyuuga.

Mamãe, pode cantar outra vez? — pediu Hinata.

Himori alisou os cabelos da franja da filha com delicadeza. A matriarca da Família Principal tinha um ar suave e cortês, o qual Hinata havia herdado, e calorosos olhos perolados que pareciam não saber dizer “não” à filha primogênita. Himori não perguntou o porquê; apenas sorriu gentilmente e aprumou o peito para cantar.

A voz afinada da mãe aquecia o coração da pequena Hinata Hyuuga. Era como escutar um anjo:

 

Quando a noite fria chegar

Com seus terrores e assombrações

Pequeno botão, você deve lembrar

Entre as estrelas, ela está lá.

 

Vinda de longe, da imensidão;

Dentre as miríades celestiais.

A princesa veio com uma missão:

Trazer-nos a luz, aos homens mortais.

 

Um olhar tão belo, tão puro, sem par

Nem mesmo a noite pode ofuscar.

Mesmo em denso e longo negror

Sempre a princesa irá enxergar.

 

Fortes são as trevas; grande, o mal.

A noite dos homens é cheia de rancor.

A missão, solene, o sacrifício final;

Seus olhos se abrem com grande esplendor.

 

Pequeno botão, por que estás a chorar?

Entre as estrelas, ela está lá.

Mesmo em denso e longo negror

Sempre a princesa irá enxergar.

 

Ao final da canção, Hinata olhou para as lanternas no teto do quarto e suspirou, sonhadora e pensativa. Aquela história sempre mexia com ela.

Mamãe, por que a Byakugan no Hime teve que morrer? — perguntou a garota.

Não havia outro jeito, filha. Ela fez isso para salvar as pessoas — respondeu Himori pacientemente. Ao contrário de muitos ali, até mesmo do próprio marido, Hiashi Hyuuga, sua filha era uma menina meiga e gentil. Hinata ainda não conhecia a maldade do mundo ninja ou mesmo a obscuridade por trás das tradições do clã Hyuuga. Como mãe, Himori ansiava por protegê-la de toda a sujeira ao redor, mas sabia ser isto uma tarefa impossível. Cedo ou tarde, Hinata seria iniciada como Kunoichi e educada para suceder o pai na liderança do clã.

Mas por quê? — insistiu Hinata. — Não era o povo dela; e por que ela veio de tão longe?

Bom... a Byakugan no Hime se identificou com as pessoas da Terra, ainda que ela morasse nas estrelas. E quando se quer proteger alguém querido, não importa se faz parte da sua família ou não, ou mesmo de onde se veio — explicou Himori. — Você simplesmente faz.

Como o papai faz conosco? — perguntou Hinata com um sorriso infantil.

Himori deu um sorriso fraco. Hiashi Hyuuga definitivamente amava a família, mas era péssimo em demonstrar afeto, e pecava ao pôr as responsabilidades do clã à frente dos deveres paternos. Hinata precisaria dele, e não seria a única.

Antes que a mãe pudesse responder, Hinata pôs a mão sobre a barriga da mãe e fechou os olhos, imaginando que, muito em breve, sua irmãzinha finalmente iria nascer. Foi Hinata quem sugerira o nome e a ideia lhe ocorreu durante o último festival de Ano Novo da vila: “Hanabi”, cujo significado era “fogos-de-artifício”.

Quando crescer, eu quero ser assim: forte como o papai e gentil como você, mamãe; e ser como a Byakugan no Hime — disse Hinata com os olhos brilhando. — Assim, posso proteger a Hanabi também.

Uma lágrima solitária escorreu pelo rosto de Himori, enquanto ela se mantinha firme e sorridente. Como gostaria de poder ver as filhas crescendo juntas, mas sabia que não teria muito mais tempo. Os médicos lhe haviam dito que, apesar de tudo, Himori teria forças para dar à luz, mas que, por se tratar de uma gravidez de altíssimo risco, somente uma das duas, mãe ou filha, sobreviveria ao procedimento de parto.

A doença de Himori Hyuuga fora descoberta tarde demais para que fosse tratada. Felizmente, Hanabi não a herdaria. E já antecipando o fim de seus dias, Himori se via grata pela vida que tivera; era mais do que ela poderia imaginar. Tinha uma filha maravilhosa e outra que viria em poucas semanas. Seu único arrependimento era não poder estar lá com elas.

Em um gesto afetuoso, Himori afagou os cabelos curtos da filha e a beijou na testa.

Você é e sempre será a minha Princesa do Byakugan, Hinata — A mãe sorriu para a menina. — Sei que me dará muito orgulho. Por favor, cuide da sua irmã.

Hinata fechou os olhos e balançou a cabeça.

Eu prometo, mamãe.

A lembrança era bem vívida na memória de Hinata Hyuuga, cada ínfimo detalhe; e uma parte de si queria continuar ali, naquele quarto, ouvindo a saudosa voz da mãe.

Foi quando a pulsação final veio e uma dor indescritível, muito pior que todas as anteriores, explodiu nos olhos de Hinata. Quando deu por si, já não estava mais em seu antigo quarto e era uma jovem adulta novamente. Ela flutuava em meio ao vazio escuro e infinito — um lugar do qual se lembrava muito bem.

“Noite-sem-fim”, Hinata logo reconheceu a escuridão que a cercava.

A diferença desta para a última vez em que estivera presente ali era que, agora, ele já a estava esperando. De alguma forma que nem mesmo Hinata sabia explicar, a presença de Hamura Ootsutsuki não lhe causava qualquer surpresa ou assombro; era como se ela também já o tivesse antecipado. E quando o olhou nos olhos, teve certeza de que era exatamente isso.

Hamura Ootsutsuki era uma figura alta e imponente, mas não parecia tão ameaçador como quando ela o vira pela primeira vez.

— A Princesa do Byakugan — Hamura falou, chamando-a pelo título lendário novamente. — Hinata Hyuuga, a filha primogênita de Hiashi Hyuuga e Himori Hyuuga, da Família Principal.

Embora o chakra de Hamura não estivesse pesando contra ambiente nem os olhos dele estivessem a escrutinando, aquelas poucas palavras fizeram-na estremecer. Hinata tinha tantas perguntas e não sabia como pôr os pensamentos em ordem.

— Por que eu? — ela sussurrou, tímida; e rapidamente se corrigiu, elevando um pouco a voz e repetindo a pergunta. — Por que sou a Princesa do Byakugan?

A resposta de Hamura Ootsutsuki foi simples e objetiva.

— Porque eu a escolhi.

— Você... me escolheu? — Hinata balbuciou confusa. — Por quê?

Sob o olhar espantado e desconfiado de Hinata, Hamura se limitou a sorrir compreensivo; já estava ciente de todas aquelas dúvidas.

— Eu a escolhi para iluminar o clã Hyuuga, para carregar a minha vontade e levá-la adiante; e o que desejo é o fim da noite que pairou sobre os Hyuuga e subsiste até hoje — Hamura estreitou os olhos. — Entende o que eu quero dizer, não é?

Hinata assentiu pesadamente.

— A maldição sobre a Casa Secundária, de onde Kioto Hyuuga surgiu — respondeu ela.

— O jovem Kioto figura a destruição de todos os Hyuuga. Em seu coração corrompido, ele não vai parar; não pode parar — falou Hamura. — E só você, Princesa do Byakugan, deve detê-lo.

Hinata encurvou a cabeça, pensativa. “Princesa do Byakugan”, Hamura a havia chamado assim outra vez. Aquele título parecia persegui-la, não só após ela abrir o verdadeiro Pergaminho Hyuuga no escritório do pai, mas indiretamente durante toda a vida. Era como um chamado, uma vocação; um caminho ao qual ela estivesse predestinada a trilhar. Ao mesmo tempo, Kioto Hyuuga era seu oposto, seu negativo; ele era a Noite-sem-fim em sua canção. Mas Hinata já sabia disso: se Kioto não fosse parado, o clã Hyuuga inteiro seria extinto, e com ele a linhagem de Hamura.

— Eu ainda não entendo... — Hinata encolheu os ombros. — Se sou mesmo a Princesa do Byakugan, então por que fiquei cega? Meu pai disse que outras filhas da Casa Principal tentaram e também perderam a visão; e que somente a legítima herdeira de Hamura Ootsutsuki poderia liberar o selo.

Hamura a olhou firmemente, bem no fundo dos olhos.

— Seu pai disse a verdade: somente a Princesa do Byakugan poderia desfazer o selamento e acessar o meu poder — disse o Ootsutsuki. — Quanto à sua visão, você não está cega aqui, está?

Hinata Hyuuga estremeceu.

— Eu a escolhi não por seus méritos, Hinata — prosseguiu Hamura. — Não é porque você é boa, forte ou mesmo porque nasceu na Casa Principal. Não há nada em você que tenha me levado a escolhê-la. Pelo contrário, eu a separei antes mesmo de você existir. Muito antes de seus pais, avós... antes da Era Ninja começar, eu a conheci, a amei e te fiz a minha herdeira, Hinata Hyuuga. No tempo certo, você nasceu; e no período determinado, seu poder despertou. Nem antes nem depois.

Aquilo era simplesmente espantoso; Hinata se via tão pequena.

— Meu... meu poder? — gaguejou ela.

— O mais puro Byakugan, que rompe as barreiras do tempo e do espaço; os mesmos olhos que herdei da minha mãe, agora, são seus, Princesa do Byakugan — explicou Hamura. — O meu chakra também flui dentro de você. E quando o chakra Ootsutsuki se unir ao Byakugan, um novo Doujutsu surgirá.

Hinata franziu a testa.

— Um novo Doujutsu? — estranhou. — Existe algo além do Byakugan?

Hamura Ootsutsuki fez que sim.

— Assim como o Sharingan se torna Rinnegan, após a combinação do chakra de Indra e de Ashura Ootsutsuki, o Byakugan também possui um transcendente, quando se funde ao chakra Ootsutsuki. — Hamura ergueu o rosto para contemplar o infinito. — Este é o poder cantado na canção da Byakugan no Hime, o poder para dissipar a escuridão.

— Mas há um custo — deduziu Hinata, firme. — A Byakugan no Hime dá a vida para vencer a Noite-sem-fim, tornando-se a Lua. Esses olhos...

Hamura assentiu, taciturno.

— Sim, Hinata Hyuuga — falou com a voz sombria. — Ao despertá-lo, o Olho da Reencarnação consumirá o seu tempo de vida gradativamente. É o preço a se pagar.

Hinata assentiu cabisbaixa. Não estava com medo de morrer, só não imaginava que as coisas seriam daquele jeito. Por um instante, lembrou-se da expressão no rosto da mãe, Himori; e finalmente compreendeu o que os olhos dela queriam dizer: Himori Hyuuga gostaria de ter tido mais tempo; mas, de bom grado, Himori prosseguiu com uma gravidez de altíssimo risco, a despeito de sua frágil saúde, e se sacrificou para que a filha Hanabi tivesse a chance de viver.

Agora, era sua vez; e não somente Hanabi, mas o clã inteiro precisava dela. Hinata Hyuuga estava pronta para cumprir seu papel de parar o Yuurei Kioto Hyuuga. E para proteger a todos, sem qualquer hesitação e se preciso fosse, Hinata morreria — pois herdara o espírito altruísta e sacrificial de sua mãe.

Porém, sentindo-se um pouco egoísta, deixou-se pensar brevemente naquele futuro dos sonhos que havia planejado — o seu devaneio distante. Imaginou o marido voltando para casa depois de um dia cansativo de trabalho, e as crianças correndo até a porta ao ouvirem sua voz; o filho mais velho, que seria tão parecido e teimoso quanto o pai, brigando com Naruto por qualquer motivo, e Hinata lhes dando bronca por fazerem tanto barulho; a filha mais nova, que puxaria mais seus traços delicados e a personalidade gentil, sendo acompanhada nos primeiros dias de Academia...

Estava tudo ali, tão fresco em sua mente. Cada ínfimo detalhe, cada momento. Eram memórias, só que vindas do futuro, e de um que Hinata Hyuuga apenas sonhava experimentar.

Ao ver sua família tão feliz, Hinata sorriu.

“Ele é um Uzumaki, de qualquer forma”, lembrou-se ela, para se conformar com a realidade, “o Naruto-kun ainda vai viver muitos anos depois que eu me for. Ele encontrará outra pessoa capaz de fazê-lo feliz, alguém melhor do que eu.”

— Entendo — Hinata encurvou a cabeça em sinal de reverência a Hamura Ootsutsuki. — Eu sou a Princesa do Byakugan; eu não tenho escolha.

Mas Hamura fez que não.

— Você tem escolhas, Hinata — retrucou ele —, mas não confunda livre agência com livre-arbítrio.

— O que quer dizer? — Hinata arqueou a sobrancelha.

— Você está predestinada a isso, pois eu a escolhi. Mas isso não afasta o seu poder de tomar decisões por si mesma — explicou Hamura. — Cada escolha que fez, cada decisão moral que tomou ao longo de sua vida foi você, Hinata. Você não é um autômato que eu programei, e eu não decidi no seu lugar. Como ser pensante, você agiu livremente, Hinata Hyuuga. Mas, por trás de tudo isso, ainda há a minha decisão eletiva de tê-la feito a minha herdeira.

Hinata assentiu, compreendendo.

— Uma sinergia de duas vontades, totalmente independentes e, ao mesmo tempo, trabalhando juntas para um único propósito — concluiu ela. — Como dois trilhos de trem que seguem paralelos e parecem se encontrar no horizonte.

Hamura Ootsutsuki sorriu satisfeito.

— Excelente raciocínio.

— Mas se já estava determinado que eu seria a Princesa do Byakugan e despertasse durante a época dos Yuurei, então, no fim das contas, eu não tive livre-arbítrio?

Hamura respondeu rápida e simplesmente:

— Não. O livre-arbítrio não é um dom dado ao ser humano. Não há ninguém que o tenha.

— Como assim? — perguntou Hinata.

— Não há ninguém que possua uma vontade totalmente livre, pois a vontade humana sempre é condicionada por algo — explicou Hamura. — Amor, alegria, necessidade, tristeza, raiva; tudo isso são elementos que influenciam o arbítrio humano, e suas ações decorrem de sua própria natureza. Portanto, não há livre-arbítrio. Este é um conceito errado por si só. O que existe é uma vontade do homem que é condicionada e influenciada por seus sentimentos, por seu intelecto e pelas circunstâncias que o cercam. Por outro lado, como seres racionais e sensitivos, os seres humanos têm liberdade para pensar e agir por conta própria, sem a necessidade de que sejam programados, como máquinas; e a isso, chamamos de livre agência.

Hinata ficou em silêncio.

— Você tomou cada decisão em sua vida, com base nos seus valores morais, Hinata Hyuuga — prosseguiu Hamura. — Não foram escolhas desprovidas de influências. Todavia, foi você e somente você quem as tomou; e por trás delas...

—... a sua decisão soberana de me eleger como Princesa do Byakugan, e me guiar até aqui — completou Hinata.

O ancestral Ootsutsuki assentiu solenemente.

— Está correto — disse ele.

— Mas e depois? — questionou Hinata. — Se vou herdar os seus olhos e o seu chakra, o que acontecerá com você, Hamura-sama?

Com os olhos fechados, Hamura inspirou devagar, enquanto elevava o rosto para o vazio escuro de Noite-sem-fim.

— Eu seguirei em frente, como deve ser — respondeu Hamura —, mas não é como se fosse o meu fim. A Princesa do Byakugan é a minha filha perdida no curso do tempo. Ainda que não me veja mais, nunca a deixarei só.

Para Hinata Hyuuga, aquele diálogo foi bastante expressivo e profundo em todos os aspectos possíveis. Não só por estar diante do lendário antecessor do clã Hyuuga, mas também o dela, em particular. De acordo com a lenda, a Princesa do Byakugan era a herdeira direta do próprio Hamura Ootsutsuki.

Além disso, a verdade relevada pelo pai, Hiashi, sustentada pelos amigos — em especial Sakura Haruno —, e ratificada por Hamura em pessoa, fazia-a sentir com um propósito muito maior do que viver para si mesma. Saber que havia sido escolhida sem qualquer mérito próprio, antes mesmo de haver nascido, fez Hinata esboçar um sorriso alegre — pois era amada incondicionalmente, sem que, para isso, tivesse feito algo que comprasse ou justificasse a escolha de seu ancestral.

E, por conhecer toda a trajetória de sua herdeira, cada parte de seu minúsculo ser, Hamura Ootsutsuki declarou com voz calorosa:

— Você não é um erro nem um acidente, Hinata Hyuuga; e não fracassou ao abrir pergaminho e desfazer o selo — Hinata ergueu o rosto, estremecendo. — Você é a herdeira do meu poder, a legítima e única Princesa do Byakugan.

Foram anos até que Hinata Hyuuga superasse os traumas na infância, e outros tantos para que desenvolvesse confiança em si mesma. Agora, porém, Hinata estava sustentada em algo muito mais firme do que ela própria — o fim ao qual ela havia sido designada: o seu propósito.

— Muito obrigada, Hamura-sama.

O Ootsutsuki se aproximou; e uma penumbra arroxeada cintilava e crescia ao redor de sua silhueta até se transformar em uma fonte poderosa de luz roxa, cujos feixes riscavam a escuridão à volta deles. “O chakra de Hamura Ootsutsuki”, reconheceu Hinata.

Desta vez, ao sentir aquele chakra interagindo com o seu, como que por ressonância, Hinata não teve medo.

— Você irá até o fim, Hinata Hyuuga? Mesmo que isso lhe custe tudo, até mesmo a vida que você sonha viver ao lado de Naruto Uzumaki? — perguntou Hamura.

Hinata fitou aquele par de olhos Byakugan.

— Por que pergunta a mim, Hamura-sama? O senhor já sabe o que vou fazer, no fim das contas.

— Tem razão, eu já sei — respondeu o Ootsutsuki —, mas é você quem precisa ouvir de si mesma; e ter a certeza, de uma vez por todas, que está pronta.

Hinata suspirou e, cerrando os punhos, ergueu novamente o rosto.

— Eu estou pronta — falou a Princesa do Byakugan, confiante —, e não voltar atrás com a minha palavra também é o meu Jeito Ninja.

Ao ouvir aquela declaração, Hamura Ootsutsuki sorriu, dando-se por satisfeito.

— Neste caso, desperte, Princesa do Byakugan — ordenou Hamura, enquanto desaparecia gradativamente. — Você já dormiu por tempo demais.

 

 

A voz de Hamura ainda tilintava em seus ouvidos quando ela acordou. Não se tratava de outra visão ou lembrança; Hinata estava de volta ao seu quarto, depois de ter se retirado sem jantar. O estômago reclamou — e já era madrugada.

Ela abriu os olhos, sonolenta.

E, tão imediata quanto nitidamente, Hinata Hyuuga enxergou cada detalhe, cor e forma existentes no quarto.


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Notas finais do capítulo

Muito bem, tiramos o foco de Naruto e voltamos para a Vila Oculta da Folha.

Na primeira cena, para tirar todas as dúvidas (espero), foi revelado como Mira conseguiu driblar a segurança da Folha e entrar na vila durante a cerimônia fúnebre. E agora que Tsunade e os outros sabem o motivo, o que levou Shikamaru Nara a ter um pressentimento ruim?

A partir da segunda cena, o foco vai para Hinata Hyuuga, com uma breve apresentação de como vem sendo sua rotina como líder de clã. Ainda que não seja uma informação das mais relevantes, me agrada a ideia de Hinata sendo pleiteada uma vez que assumiu a liderança dos Hyuuga, o mais importante dos quatro clãs nobres da Folha. Acho que faz sentido e agrega à história.

Na terceira cena, uma memória da Hinatinha com a mãe, Himori; e a canção da Byakugan no Hime. O que acharam da composição? Quanto à mãe da Hinata, há quase nenhuma informação canônica sobre ela (inclusive, tive que inventar o nome pra personagem, hehe). Embora não saibamos muito sobre Himori Hyuuga, no episódio 166 de Naruto Shippuden ("Confissão"), a pequena Hinata disse querer se tornar alguém "forte como o papai e gentil como a mamãe". Alegra-me apresentá-la como alguém que chegou lá. :')

A penúltima -- e a mais importante -- cena, o reencontro com Hamura Ootsutsuki. Muita coisa foi dita e resumir tudo fica complicado xD O que acharam da conversa entre eles? Concordam com o que foi dito? Discordam? E o que esperar de Hinata a partir de agora? "Olho da Reencarnação"? Hmm...

E, sim, tivemos referências a Boruto! Eu sei que muita gente aqui gosta. ^^

E, na última cena, nossa Princesa do Byakugan despertou! "Desperte, Princesa do Byakugan. Você já dormiu por tempo demais." Ah cara!


Já vou avisando que não é minha intenção fazer da Hinata uma destruidora de planetas (desculpem fãs de Dragon Ball Z), até porque isso não combina com a personagem. Tirando um caso ou outro, eu prefiro personagens mais "pé no chão", sabem? Talvez por isso eu preferia mangá e não tenha muita paciência com Marvel e DC (nos quadrinhos, a penca de personagens que beiram à onipotência não cabe no gibi).


Como mencionado nas Notas da História, qualquer informação canônica posterior ao capítulo 680 do mangá poderá ou não ser introduzida aqui -- e não necessariamente seguirá à risca de como foi apresentada na obra original, ok? Então, se alguém sonhou com Hinata com manto de chakra, Gudou Dama e atacando os Yuurei com um raio capaz de dividir a lua à la Toneri Ootsutsuki, desculpa, não vai rolar.

Maaaaaaas, por outro lado, Hinata Hyuuga é a Princesa do Byakugan. Como vocês já sabem, eu sempre achei no mínimo injusto o Sharingan ter sido tão explorado no mangá/anime enquanto o Byakugan (que foi apresentado lá no clássico como um Doujutsu superior ao Sharingan) ter sido negligenciado e, por que não dizer, sucateado.

Então, eu pretendo trabalhar a Kekkei Genkai dos Hyuuga por meio da Hinata, a Princesa do Byakugan, e do Terceiro Oficial dos Yuurei, Kioto. Eles têm assuntos inacabados, né?

Quanto aos novos poderes da Hinata, isso é um mistério que quero descortinar com vocês. Nada de nível planetário, mas, ainda assim, digno da Byakugan no Hime. :)


Parece que a balança começa a querer mudar para o lado dos mocinhos. Devo estar ficando com problemas. "Tão deixando a gente sonhar." (GAÚCHO, Ronaldinho).


***


Próximo capítulo: Musashi Yamamoto


Data da publicação: 03/06/2022


***


É isso, pessoal! Quem puder dar aquela força nos comentários, tamo junto! Comentem livremente e vamos manter a boa prosa!

Até o próximo capítulo o/