Aquele Que Veio do Mar escrita por Ri Naldo


Capítulo 32
Impotente


Notas iniciais do capítulo

Vamos animar as coisas por aqui, vamos colocar sangue, dor e personagem novo no meio



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Eu pensava que não tinha mais esperanças. O sangue escorregava pela minha pele como se estivesse sendo expulso do meu corpo. Eu sentia dor em cada músculo, que mal obedeciam quando eu os ordenava que continuassem a andar, buscar uma saída, um caminho pra fora desse inferno. Eu sabia o que eu era, sim: um semideus. Coisas horríveis acontecem para quem é como nós, e digo isso por experiência própria. Meu pé, descalço, cheio de lama e sangrando, parecia estar derretendo e cedendo ao chão. Eu não queria mais andar, eu só queria deitar ali e esperar pela minha morte, mas eu tinha que continuar andando. Em algum lugar, por mais longe que estivesse, eu sabia que existia uma saída. Minha visão estava turva, eu mal enxergava as àrvores que me cercavam, e o ferimento que o monstro horrível tinha me deixado não parava de sangrar. Será que ninguém viria me salvar? Estamos mesmo sozinhos nesse mundo? Eu iria ter uma resposta para essa pergunta, mais cedo ou mais tarde. Mas agora eu tinha que me focar. Focar no borrão que eu via à minha frente, outro garoto, de cabelos muito pretos, levando uma espada consigo. Levei todas as forças que tinha, mas eu consegui emitir um som agudo parecido com um rato sendo esmagado, e ele me viu. Ele correu para chamar os outros. Sim, tinham outros, mais quatro garotos. Eu não vi mais nada, eu só desabei no chão e desmaiei.

______

Eu queria muito, mas não posso dizer quem narrou o trecho ali em cima. Dylan diz que eu não devo dar spoilers para os leitores, mas, enfim, tanto faz. Já vou avisando que não tenho nada demais pra falar aqui. Foi tudo muito calmo, aliás. Bom, pelo menos até uma certa parte. O mesmo bla bla bla de sempre, eu caí sozinha na cidade na qual eu nasci, mas o que tem demais nisso? Nada. A parte interessante foi que eu não caí à toa em uma praça por aí. Eu caí em um lugar específico, o que só aumentou minhas suspeitas de que isso tinha sido uma sabotagem. Eu estava na área de serviço, aquela sala onde eu passei um terço da minha vida até agora. Estava do mesmo jeito desde quando eu saí do internato com Colin. Empurrei a porta, mas, como de costume, ela estava trancada. Esse internato ainda funcionava? Do jeito que estava, a vigilância sanitária devia tê-lo fechado à uns dois anos. Por exemplo, se você passasse um dedo no chão, você instantaneamente virava o homem-areia. Dava até nojo de fica sentada ali. Então eu me levantei e dei um chute na porta, que cedeu tão facilmente que só precisava de um empurrão para que ela caísse. O movimento estava como sempre: pirralhos andavam para lá e para cá, uns correndo atrás dos outros e outros mais preocupados em estudar do que se divertir. Mas nada que você pudesse fazer iria te alegrar ali. Era um inferno puro, e digo isso por experiência própria.

Pensei em sair dali, mas antes que eu pudesse sequer dar um passo, a velhota — vulgo diretora do internato — apareceu bem na minha frente, do nada. Sempre odiei aquela mulher, ela era chata e caduca. Vivia reclamando de mim.

— Louise? O que você faz aqui? Pensei que tinha ido embora há anos.

— E eu fui, não é como eu quisesse estar aqui — tentei empurrá-la gentilmente para fora do meu caminho, mas ela não cedeu.

— E por que está, então?

— Não faço a mínima ideia, se você me deixar passar, eu vou embora e você nunca mais vai me ver na sua vida, o que é o que nós duas queremos, não?

— Como pode pensar uma coisa dessas? — ela deu um sorriso cínico. — Você é minha melhor aluna, sempre foi — ela abriu os braços para um abraço. Mas eu desviei.

— Você me enoja.

— Grosseira, como sempre, Louise.

— Saia da minha frente!

— Por que não tenta me obrigar?

Minha paciência já tinha acabado com aquele projeto de diretora com verrugas por toda a cara. Eu e Colin costumávamos chamá-la de uva passa.

— Não me faça bater em você.

— Acha que consegue?

Já era o bastante, levantei o pulso e tentei dar-lhe um soco bem no meio da cara, mas ela desviou com uma velocidade alucinante. Tinha algo errado ali, muito errado. Tentei dar um chute, mas ela segurou minha perna, muito rápido e firme para alguém que deveria ter no mínimo uns setenta anos. Me deixei cair de costas, obrigando-a a soltar meu pé. Me levantei, desviei dela e corri, procurando a saída. Eu dobrei a esquina de um corredor, e olhei pra trás pra ver se ela ainda me seguia, mas, antes que eu pudesse ver, bati de cara com uma parede, e quando recobrei meus sentidos, vi que estava no mesmo lugar do qual eu havia fugido alguns segundos antes. Era como se alguma força tivesse me puxado de volta pra lá. Eu não sabia o que tava acontecendo, mas isso era loucura, não podia ser real… Eu saí de lá de novo, mas a velha não estava lá, os pirralhos tinham ido embora, o corredor estava vazio, exceto por um grupo de meninos conversando encostados na parede. Os reconheci no mesmo momento: eram os garotos que eu mais batia quando vivia aqui.

— Olhe só quem está aqui… — eles estavam bem maior que eu agora, de algum jeito, e pareciam ter perdido o medo de mim. Eles começaram a andar em minha direção.

— Vão embora. Não tô com saco pra bater em vocês hoje.

— Acha que consegue? — eles, em uníssono, imitaram a voz da diretora perfeitamente, o que foi particularmente muito estranho.

Eu dei um soco em um deles, e dessa vez acertei, mas não pareceu fazer o mínimo efeito, era como se eu nem tivesse batido neles. Não podia ser verdade, eu estava… fraca? Um dos meus maiores medos tinha se realizado. Eles me cercaram, mas, ao invés de baterem em mim, fizeram uma coisa que ninguém tinha conseguido fazer antes: ele começaram a me tocar, em todas as partes. Eu me senti totalmente exposta. Isso não estava acontecendo… Eu me debatia, tentando me livrar das mãos deles, mas quanto mais eu resistia, mais mãos apareciam, e eu não estou brincando. Mais meninos surgiam do nada, me prensando na parede e me derrubando no chão, como um cubo de açúcar para um formigueiro. Ao longe, eu ouvi outra voz, fria e apática. “Como é, Louise? Como é se sentir fraca? Exposta? Como é?”. Eu não queria ouvir mais nada. Fechei os meus olhos e gritei com toda a força que podia. Quando abri de novo, não havia mãos, não havia garotos. Só havia um policial me arrastando para fora do internato, dizendo que eu não podia entrar lá porque o prédio estava fechado há anos. Mas também havia o anúncio da chegada de um metrô na tela de LED no outro lado da rua.

Los Angeles — saída em cinco minutos.


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