Aquele Que Veio do Mar escrita por Ri Naldo
Uma mulher de cabelos negros ondulados entrou no quarto que eu estava. Ela e a casa tinham uma aparência pobre, então deduzi que eu tinha ido parar muito, muito longe do meu destino. Parecia ter uns vinte anos, e vestia roupas rasgadas e sujas.
— Q-quem… quem é você? — perguntei, ainda com a cabeça doendo da queda.
— Ah, meu nome é Skyler. Engraçado, não é? Meu nome significar “céu” e eu viver em um inferno desses… — ela fez um movimento amplo na casa, enquanto sentava e tirava o pano molhado da minha testa. Ela tinha a voz doce, como um pedaço do céu.
— Como eu vim parar aqui? — eu estava massageando meu braço, que quase quebrei no impacto. No mínimo eu o havia torcido.
— Eu fui buscar água do rio, então vi você caído no meio da terra, claro que eu não ia te deixar lá, não é? E, aliás, como você foi parar ali? — ela falava e molhava o pano novamente, colocando-o na minha testa outra vez.
— Se eu contasse você não ia acreditar.
Ela deu de ombros.
— Onde eu tô?
— Como assim?
— Qual estado?
— Califórnia, se não mudaram os limites ainda…
Fiquei aliviado por estar na Califórnia, pelo menos eu não tinha pulado tanto no mapa assim.
— Qual cidade?
— Los Angeles — ela me olhou como de eu fosse louco.
Levantei tão de súbito que o pano voou da minha testa e foi parar na cara de Skyler.
— Mas, desse jeito?
— Ah, claro. É uma surpresa pra você, não é? Geralmente ninguém conhece essa parte da cidade, já que o que só mostra na televisão são os cassinos, hotéis e essas partes de luxo… Venha comigo, eu vou lhe mostrar.
Ela saiu do casebre, e eu a segui. Quando cheguei lá fora, a visão foi uma verdadeira surpresa pra mim. Dezenas de casebres se espalhavam na beira de uma estrada. Crianças brincavam com a terra, e mulheres mais velhas carregavam trouxas de roupa, enquanto outras carregavam água nos ombros. Homens aravam a terra, onde havia uma pequena plantação de frutas e verduras quase podres. Do outro lado de tudo, lá no horizonte, eu podia ver a Los Angeles que eu via na televisão: prédios gigantes e luzes sempre ligadas. Parecia até um sonho.
— Onde fica o rio onde vocês pegam água? — perguntei para Skyler.
— Logo ali depois das pedras, mas…
— Vocês tem algum espelho aí?
— Só pedaços, mas…
— Perfeito. Pode pegar pra mim, por favor? E minha mochila também, se puder...
— Certo — ela entrou em outro casebre, e saiu momentos depois com lascas de um espelho antigo e minha mochila. Os fones do mp3 pendiam de um bolso. Se eu os perdesse não sei o que faria. Provavelmente eles apareceriam de novo, mas não vale a pena arriscar.
— Pode vir comigo? Preciso de você por um instante.
— Claro — ela sorriu. Provavelmente ninguém precisava dela ali.
Fomos até as pedras, atravessando suas intercessões com imensa dificuldade, qualquer movimento em falso e você podia se cortar ali. Na outra margem do rio mais casebres se espalhavam. Quase dava pra formar uma vila com as pessoas que moravam aí. A maioria delas estava pegando água do rio. Segui a corrente até um lugar onde eu tive certeza de que ninguém podeira nos ver.
— O que você vai ver agora fica entre nós dois, ok?
Ela assentiu. Pedi pra ela segurar o espelho de modo que ele refletisse a luz do sol na água do rio, formando um arco-íris. Peguei um dracma da minha mochila e joguei na água.
— Íris, deusa do arco-íris, mostre-me Louise, onde quer que ela esteja.
Skyler me olhou como se eu fosse louco novamente, mas quando a imagem na frente dela tremulou e uma televisão de ar apareceu, mostrando a silhueta carrancuda de Louise, ficou boquiaberta.
— Ah, finalmente. Tava tentando te contatar, mas nada aparecia.
— Eu estava, hum… dormindo.
— Dormindo, sei. Quem é essa aí?
— Ah, ela me ajudou, quando eu, hum… caí.
— Você certamente caiu e dormiu ali mesmo, não é?
— Esqueça isso. Eu quero saber o que aconteceu.
— A Sra. O’Leary aconteceu. Ela fez isso com todos nós. E eu nem sei onde ela tá, só falei com o Colin até agora, ele tá bem, em San Diego. Ele nasceu lá. O que é bem estranho.
— E onde é que você tá? — perguntei pra ela.
— Eu tô em San Francisco.
— Mas…
— Sim, eu nasci aqui também. E onde você tá?
— Deuses. Los Angeles.
— Isso aí não parece Los Angeles.
— Acredite. Não parece mas é, longa história.
— Tenho todo o tempo do mundo.
— Na verdade, não. Só temos mais um dia e duas ou três horas até o prazo acabar. E estamos sem a Sra. O’Leary.
— Estamos perdidos.
— Não. Eu tive um sonho. Meu pai apareceu. Bem, ele disse que essa viagem seria a última, de algum jeito. Então algum de nós quatro tá no lugar certo.
— Deve ser isso aí mesmo, mas como vamos saber quem tá no lugar certo?
— Eu vou falar com a Julieta. Depois eu volto com você.
— Certo.
E a imagem sumiu.
— O que… foi… isso? — perguntou Skyler, estupefata.
— É tipo celular, só que com imagem.
— É uma nova tecnologia?
— Quase isso.
Joguei outro dracma na água.
— Íris, deusa do arco-íris, mostre-me Julieta, onde quer que ela esteja.
A imagem tremulou novamente, e os cabelos loiros de Julieta apareceram na tela.
— Dylan, é você?
— Sim, sou eu. Onde você foi parar?
— Sacramento. Mas como isso aconteceu?
— Ninguém sabe. Isso nunca aconteceu antes… A Sra. O’Leary deve ter se desconcentrado durante a viagem, e fomos todos parar em lugares diferentes.
— Deuses… e agora? Não temos muito tempo.
— Você disse Sacramento? Você nasceu aí, não foi?
— Sim…
— Eu sabia. É uma sequência lógica.
— Sequência lógica? Desde quando você faz isso?
— Ué, não é tão difícil… Vocês três estão em cidades nas quais nasceram. Eu não. Então, provavelmente, eu tô no lugar.
— No lugar? Como assim?
— Nosso objetivo final, o esconderijo do “ciclope”.
— Mas como você pode ter certeza?
— Eu tive um sonho. Bem, Poseidon me disse nele.
— Mas os deuses não deveriam…
— Realmente, mas ele foi nossa esperança…
Algumas pessoas dos casebres se aproximaram de onde estávamos, e o número de pessoas foi aumentando. Me apressei em terminar a conversa.
— Julieta…
— Sim?
Agora eu estava cercado de pessoas. Naturalmente, não eram pessoas, todas começaram a se transformar em algo assustador. Me afastei de Skyler, que também tinha começado a se transformar.
— Avise todo mundo. Mande-os vir para Los Angeles. É aqui. Não tenho mais tempo — e Julieta despareceu do ar.
— Você não pensa que vamos deixá-lo ir, não é? — disse Skyler, agora sua voz parecia um pedaço do inferno.
— Não, mas nós pensamos.
Uma flecha atingiu Skyler bem no meio da cabeça, e ela se desfez em pó dourado. Duas sombras passaram por mim, deixando um rastro de pó que momentos antes eram monstros horrendos, e eu sabia que só três pessoas no mundo possuíam essa sagacidade.
Olhei com uma mistura de felicidade e perplexidade para eles.
— Que foi, cara? — disse Ed.
— Não achou que a gente ia deixar você sozinho, não é? — disse Garn.
— Com vocês, dois idiotas, acho que ele achou sim — disse Anastasius.
Os três sorriram para mim.
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