Xadrez escrita por Senhorita Ellie


Capítulo 9
9 - Em Lados Opostos, Em Lados Iguais


Notas iniciais do capítulo

I'M HEEEEERE, BABIESSS
Demorei, mas chegay!
Já estamos no nove, isso traz lembranças... Realmente achei que não chegaria tão longe. Contudo, deixarei a nostalgia para o capítulo 10, onde falarei horrores na cabecinha de vocês sobre mil coisas... :v
Enjoy, queridos!



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Segunda-feira, 11 de agosto de 2014, Vespasiano

— Docinhos! — chamou Marina, no exato momento em que entrou na sala, o cumprimento soando da maneira habitualmente carinhosa com que ela o proferia; algo como “dooocínhos”. — Eu não gosto muito de dar fundamentos para vocês, mas vou abrir uma exceção hoje... Achei que seria sacanagem deixar os veteranos se formarem sem dar pelo menos uma aula temática sobre empates.

Ela caminhou até um pequeno quadro negro no canto da sala e tirou uma caneta do bolso, escrevendo na pequena superfície com sua caligrafia horrível. Era notável como Marina era hiperativa demais para fazer qualquer coisa, menos jogar xadrez: ela escrevia como se isso fosse uma total perda de tempo, usando o giz quase que como uma arma, o que fez alguns meninos rirem baixo. Davi e Matheus, entretanto, apenas se entreolharam de forma cúmplice — de empates eles entendiam muito bem.

— Olhem aqui. — Marina se virou para eles depois de alguns minutos e apontou para o quadro, onde suas anotações desajeitadas estavam escritas. — Aqui estão escritos todos os modos pelos quais vocês podem conseguir um empate no xadrez. O exercício é simples: escolham um parceiro e joguem com ele de modo a conseguir um empate. O jogo deve ser conduzido a esse resultado; não quero vitórias hoje. — Ela caminhou pelo cômodo, encarando cada um com seu característico olhar competitivo. — Vocês podem estar pensando que é fácil, mas é muito mais simples vencer no xadrez do que empatar! Todos os modos são complicados e demandam imenso controle de ambos os jogadores sobre a partida. — Um curto silêncio ansioso se instalou na sala. — Por que estão olhando para mim com essa cara, seus panacas? Hora de jogar! Andem, andem!

Todos obedeceram à ordem apressadamente, os parceiros de praxe se sentando nas mesas para jogar. Geralmente, Davi disputava suas partidas contra Marcelo, mas ele não estava ali no momento — tinha, inclusive, ligado para avisar que não estava se sentindo muito bem e que ficaria no quarto o dia todo — e, por isso, o terceiranista sentou-se sozinho, esperando um dos garotos excluídos aparecer.

— Ué — Matheus exclamou, se sentando na cadeira à sua frente sem pedir permissão. — Cadê o Marcelo? Não é com ele que você geralmente joga?

— Marcelo acordou com problemas intestinais inomináveis, também conhecidos como diarréia — explicou Davi, observando o colega organizar as peças. — Você não deveria estar aqui. Sabe disso?

— Por que não? Sou um oponente tão bom quanto seu Marcelo e empates são a praga que nos acomete. É só a gente jogar como sempre e pronto. — Ele terminou de organizar o tabuleiro e o virou cuidadosamente, de modo que as peças brancas ficassem de frente para Davi. — Como cortesia do meu desafio, você pode começar.

— Pelo menos isso — resmungou o terceiranista. — Você não pede permissão para nada.

— Eu sou muito bom para pedir permissão para qualquer coisa — replicou Matheus de modo caricatamente presunçoso. — E não revire esses olhinhos pretos para mim, Davi! Comece logo esse jogo ou a Marina vai matar a gente.

Davi estreitou os olhos para Matheus, mas reconheceu a verdade nas palavras do menino; fez o primeiro movimento. A rigor, os jogos de xadrez deviam ser silenciosos (para não atrapalhar a concentração de vocês, segundo Marina) e assim eles o eram, mas aquele dia estava anormal — havia um burburinho suave no ar, os parceiros conversando baixinho entre si, e Davi se viu livre para fazer o mesmo. Apontou para a bochecha machucada Matheus com a cabeça.

— O que você está aprontando para esconder esse hematoma?

O garoto lançou-lhe um olhar irritado.

— Não interessa o que eu estou fazendo porque, obviamente, não está funcionando. Pare de me lembrar que ele existe, ou eu vou sair contando para todo mundo que você me deu um soco e vou inventar circunstâncias horríveis sobre isso.

— Ai, desculpa, estresse-em-pessoa. — Davi ergueu os braços em uma forma de rendição. — Não pergunto mais. Tomara que desça sangue até o seu pé, também.

— Além de ser chato, resolveu arriscar como macumbeiro também, Davi? — suspirou Matheus, parecendo cansado. — A Irene me explicou um truque com umas tintas, se você quer tanto saber, mas não fique perguntando. Alguém vai acabar ouvindo e eu vou matar você se isso acontecer.

— Nossa, que medo.

— Você sabe que eu poderia.

— Sei bem. Mas você não pode me culpar pela curiosidade. — Davi mexeu um bispo. — Entenda, eu já levei uns quinhentos socos na minha vida e eu não tive uma Irene e um “truque com umas tintas” para me salvar. Geralmente, o que eu tinha era um Caldarias e uma detenção. Geralmente, eu tinha o Guilherme comigo, também.

Matheus o encarou com humor sádico.

— Tadinho. Olhe nos meus olhos e veja as lágrimas de pena escorrendo. Ah, é, não tem nenhuma. — Ele deu um sorriso diabólico. — Enfim, vamos falar de assuntos mais legais do que meu rosto inchado... Comecei a ler O Guarani ontem à noite, e... Como você conseguiu ler aquilo? Que livro chato, meu Deus, não vou conseguir chegar à página cem.

— Ah, tadinho. Olhe nos meus olhos e veja as lágrimas de pena escorrendo. Ah, é, não tem nenhuma — disse Davi ironicamente, observando com satisfação o rosto de Matheus se contorcer ao ter suas próprias palavras jogadas contra ele. — Eu gosto de ler e quando disse a mim mesmo que leria o livro, eu simplesmente o peguei e li. Tudo bem, sofri um bocado, mas cheguei ao final.

— Achei que o Hugo fosse um professor bonzinho que amasse seus alunos.

— Ele me ama. Peguei Dom Casmurro para fazer esse trabalho e o entreguei na primeira semana — disse Davi com satisfação. — Já você, com certeza há doidos que te amam, a Tábata sendo um exemplo, mas o Hugo não é um deles. Pegou O Guarani e agora é a sua hora de se ferrar com ele, não é problema meu.

Matheus abaixou a cabeça, observando o tabuleiro, os lábios crispados enquanto ele mexia um cavalo. Parecia pensativo.

— É problema seu sim — disse ele, resoluto. — Você vai me ajudar a colar para esse trabalho.

— Claro que não! Não foi você quem disse que... — Davi mudou a voz para uma imitação em falsete da voz de Matheus. — Colas? Isso é errado!

— Infernizar uma pessoa por dois meses também é errado e eu fiz isso.

— Colas são imorais — replicou o terceiranista, com falsa doçura. Matheus acabara de pressioná-lo, pela primeira vez no jogo, e Davi recuou sem armar nenhum contra-ataque; não faria nada que atrapalhasse o empate de que precisava. — Então, não. Vou manter sua pureza intacta.

— Quem foi que socou a minha cara mesmo?

Davi encarou Matheus com olhos glaciais. Como ele tem a coragem...

— Vou socá-la de novo se você continuar pretendendo me chantagear com isso.

— Ah, por favor. É só me ajudar a escrever uma dissertação de trinta linhas sobre O Guarani e pronto!

— Não.

— Davi...

— Não. — Ele moveu a dama três casas para a direita e encarou Matheus com frigidez. — E xeque.

— Vamos empatar hoje, então, vou recuar suavemente... — Matheus lhe avisou, mudando o próprio rei de lugar. — E se você está achando que, só porque você está bancando o vilão, eu não vou encher o seu saco, está enganado. Você é possivelmente a única pessoa neste colégio que leu O Guarani por prazer, de quem mais eu colaria?

— De um dispositivo chamado internet?

— Que só está disponível para o computador do Caldarias?

— Você tem um celular chique e nenhum plano de internet nele?

— Como você acha que eu jogo xadrez virtual com você? — Matheus fez um movimento, e Davi cometeu o pecado de não prestar muita atenção. — Mas minha internet é lenta... E ela não me ajuda a escrever dissertações, enquanto você sim; então fico com você, obrigado.

— Não me lembro de dizer que ajudaria você a escrever dissertação nenhuma; na verdade, eu acho que meu “não” foi bem inequívoco... — Davi observou o tabuleiro, à procura de um movimento, e percebeu com surpresa e exasperação que Matheus acabara de cercá-lo completamente. Xeque-mate. — Ei! Não era suposto haver um maldito empate aqui?

Matheus sorriu amarelo.

— Não sei jogar sem ser para ganhar, lamento.

— A Marina vai matar a gente! — Davi sibilou para ele, olhando em volta, preocupado com que a professora escutasse algo. — Reorganize essas peças para que elas pareçam um empate já! Você quer morrer hoje?

Já era — se Matheus queria realmente morrer, levando Davi com ele, tinha procedido direitinho. Marina acabara de parar ao lado deles, observando o tabuleiro com um olhar severo, dando um peteleco no rei de Davi assim que notou o resultado do jogo, fazendo-o cair e rolar em volta do próprio eixo de uma maneira estranhamente melancólica.

— Eu — ela disse — me lembro de ter dito que queria empates, hoje.

— Sim, mas... — Matheus argumentou, a voz fininha, ignorando o pesado olhar de censura que Davi lhe lançava de esguelha. — Eu não consigo, Nina. Você sabe que não.

Marina ficou parada por um instante, fuzilando-os com seu olhar severo. Aquela era a hora em que a sentença era decidida, a hora em que ela passaria um sermão na frente de todo mundo, como ela adorava fazer...

— E é por isso que eu fiquei feliz quando você foi o sorteado para nos representar no campeonato. — Ela piscou e os dois garotos suspiraram baixinho de alívio. É algum milagre? — Você não perde para ninguém, nem mesmo para mim, mas... — Marina deu-lhe um tapa de leve na cabeça. — Eu esperava que você, sua mente neandertal, conseguisse lidar com um maldito empate!

Hã? Davi se sentiu boiar na conversa. Como assim, não perde para ninguém?

— Desculpa, Marina, eu só sei ganhar! — Ele sorriu, dessa vez de modo rígido, enquanto mandava um olhar de repreensão para Davi. Fique quieto. — Talvez o Davi devesse jogar com outra pessoa. Eu posso ficar observando...?

Marina colocou as mãos na cintura, suspirando com resignação.

— Não, não — acabou dizendo, inesperadamente calma, enquanto balançava os cabelos crespos. — Vocês estão liberados por hoje. — Ela passou uma mão carinhosa na cabeça de cada um. — E da próxima vez que eu dar uma ordem, obedeçam, seus malditos!

Ela saiu andando, irritada, para acompanhar o progresso dos outros alunos, e Davi se virou para Matheus com uma expressão levemente desconfiada.

— Há alguma coisa que você precisa explicar para mim, Matheus?

— Em algum dia? — Ele sorriu de forma tranquila. — É claro que sim! Mas hoje, não.

E não disse mais nada, permitindo que Davi refletisse em cima do silêncio.

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Terça-feira, 12 de agosto de 2014, Vespasiano

— Nossa, cara. — Marcelo se aproximou de Davi, analisando o amigo com atenção. Os dois estavam caminhando, juntamente com toda a turma, em direção ao complexo esportivo do colégio, a fim de sofrer em uma longa e cansativa aula de educação física. — É impressão minha ou você está um caco completo hoje?

Davi afastou um cacho dos olhos com um sopro; ele se sentia um caco. Matheus havia aparecido em seu quarto à meia-noite do dia anterior com cadernos, lápis, O Guarani debaixo do braço e muita chatice guardada, importunando-o até que o terceiranista o ajudasse a terminar a redação de literatura, o que demorou várias horas; quando finalmente Davi conseguiu chutar Matheus porta a fora, já eram quase quatro e meia da manhã e ele se sentia exausto. Mal se lembrava do momento em que finalmente se deitou na cama para dormir, mas conseguia recordar perfeitamente o desespero que sentiu ao acordar, ao meio-dia, percebendo que tinha perdido todas as atividades do clube, que Marina provavelmente o estrangularia e que estava em cima da hora para as aulas da tarde.

Resultado: aqui estou eu, com fome, já que não deu tempo de ir para o maldito refeitório, cansado, querendo matar o Matheus, além do fato de que estou com a ligeira impressão de que vesti minha bermuda ao contrário. Ele olhou para baixo por um momento. Não é só impressão. Não que eu me importe... E para coroar, terei de fazer educação física, aula que eu odeio com todas as minhas forças! Que dia feliz!

— Acho que é só impressão sua — respondeu ele, sorrindo de esguelha para Marcelo. — “Estar um caco” é eufemismo para o meu estado atual.

— Você faltou às aulas do clube hoje — observou o amigo. — Acordou quase um cadáver e estava querendo acelerar a sua morte, foi isso?

— Será? — Davi tremeu com o escárnio da própria voz; maus humores como aquele não costumavam acontecer com muita freqüência. — A Marina me ameaçou muito? Disse que ia transformar meu pescoço em um canudinho de refrigerante?

— Ela te ameaçou com essas exatas palavras! Como você sabe? — exclamou Marcelo, e os dois riram juntos por um instante. Tinham três anos de experiência no clube e as ameaças de Marina já não eram nenhuma surpresa, embora todos soubessem que ela podia muito bem colocá-las em prática se quisesse. — O Matheus disse que não era culpa dele, o que me faz pensar que era, mas não vão falar nada sobre Matheus com você porque já desisti de tentar entender como vocês dois funcionam. Como estão atualmente? Amigos? Inimigos?

Davi se lembrou de Matheus em seu quarto, pulando em sua cama igual um menino de cinco anos, dizendo “me ajuda com a minha redação, me ajuda com a minha redação, me ajuda, me ajuda, me, me, me...”

— Inimigos. Definitivamente inimigos. — Eles passaram pelo pequeno portão que determinava o início do complexo esportivo. — Nesse momento, eu poderia transformar o pescoço dele em um canudinho. Maldito moleque. Me deixar dormir que é bom, nada. Morrer que é bom, também...

Marcelo riu, parando, e Davi, reparando que a sala inteira fazia o mesmo, o imitou. Estavam em frente à entrada do complexo, no exato ponto entre as quadras de vôlei, futsal e futebol; as piscinas ficavam mais ao fundo. Davi as adorava, porque natação era o único esporte que ele gostava de praticar, mas no momento em que viu Sandro entrando, com aproximadamente quarenta alunos em seu encalço, percebeu que não haveria piscinas para ele naquele dia. O homem trazia uma bolsa de lona, que ele sabia estar cheia de bolas, e tinha uma expressão severa no rosto.

Davi o detestava. Talvez em face da matéria que lecionava ou simplesmente porque Sandro era o professor mais antipático com que já havia tido aula, Davi sentia vontade de bater nele, e havia se surpreendido com o bom trabalho que havia feito em se controlar nos seis meses anteriores.

— Alunos — o professor os cumprimentou, com uma mesura. — Como podem ver, há quarenta alunos atrás de mim, correspondentes à turma seis do segundo ano. O professor de educação física do segundo ano, senhor Gabriel, fez uma cirurgia, está passando por problemas familiares, minhas condolências... — ele não parecia condolente, nem um pouco. — E durante as próximas duas semanas, eu vou administrar as aulas de educação física de ambas as séries: terceiro e segundo. Haverá uma reformulação básica dos horários para os segundanistas, de modo que vocês possam fazer suas aulas junto com as minhas turmas, mas isso será discutido depois. Alguma pergunta?

Sandro encarou a todos com seu olhar penetrante, dando um pequeno esgar ao receber o silêncio como resposta.

— Ótimo — continuou. — As atividades de hoje serão jogos de handebol, futebol e vôlei. Estou me sentindo piedoso hoje, então para os insuportáveis que detestam praticar esportes de grupo... — Era impressão de Davi, ou o professor o tinha encarado ao dizer isso? Continue provocando, seu desgraçado, continue... — Trouxe as raquetes de tênis e badminton, também. No máximo duplas, sejam bonzinhos ou eu zero seus bimestres. E... — Ele aumentou o tom de voz consideravelmente, fazendo todos se calarem. — Eu conheço vocês. São de turmas diferentes e vão jogar de forma polarizada, o que não é o que eu quero, então, para hoje, é obrigatório que os times sejam formados por números iguais de alunos de terceiro e segundo ano. Não me encham a paciência, só me chamem se alguém tiver alguma fratura exposta, até o sinal.

Houve um muxoxo coletivo, já que todos já tinham os times de praxe montados e ninguém parecia a fim de socializar com garotos de outra turma. Não que houvesse muita opção, claro; Sandro tinha dado a questão como encerrada e caminhava calmamente para o canto do complexo, com um sorriso que podia ser descrito como nada menos que diabólico.

Davi suspirou. Não havia nada para ele ali, uma vez que o garoto não participava das aulas que não envolvessem natação, preferindo fazer as recuperações no final do bimestre — Sandro o odiava por isso, um ódio recíproco, mas Davi não pretendia começar a participar de esportes que detestava apenas para ganhar pontos. Sem pressa, ele deu as costas para o resto de seus colegas, que decidiam quem ia jogar em cada quadra, e caminhou despreocupadamente para fora do complexo; iria matar a aula na biblioteca. Estava terminando de ler A Cidadela, mas como o livro estava muito velho, o bibliotecário o proibira de sair com ele do prédio, o que obrigava o garoto a ir para a biblioteca todas as vezes em que queria lê-lo. Davi já estava até imaginando a cara “simpática”do bibliotecário no momento em que ele aparecesse, quando deu de frente com uma cara mais simpática ainda: Matheus, que o encarava com um sorriso brilhante.

Há dez turmas de segundo ano à tarde. Qual é a possibilidade de eu dar o maldito azar de pegar logo a do Matheus para dividir o horário de educação física comigo?

— Aonde você pensa que vai? — ele disse, ainda com o maldito sorriso no rosto. — O Sandro está te encarando com uma expressão assassina, cara.

Davi voltou seus olhos rapidamente para o professor. Era verdade. Não que fosse algo muito importante, claro.

— É mesmo — concordou, em um tom desinteressado. — Deixe-o encarar. Até onde eu sei, olhares não matam. O que você quer, Matheus? Eu me lembro de ter dito para você não chegar perto de mim por um tempo, pelo menos até eu esquecer a raiva que você me fez passar hoje de madrugada.

— Davi... Eu precisava daquela redação! Entreguei o trabalho hoje, com uma semana de antecedência, e o Hugo aplaudiu minha competência como aluno. — O sorriso de Matheus se tornou ainda mais brilhante, de um jeito um pouco sádico. — Obrigado, cara! Mas eu não vim falar disso. O Marcelo e o irmão dele, o Victor, me chamaram para jogar tênis e nós pensamos em você para completar os quatro jogadores necessários.

Se ele se lembrou de mim, com certeza há uma armadilha envolvida. Será que ele colocou explosivos na bola?

— Não.

— Por que não?

— Não sou bom esportista. Na verdade, sou uma negação em qualquer coisa que não seja natação.

— Nós compensamos você — ele disse, e diante do olhar de estranheza de Davi, ergueu as mãos em rendição. — Ok, eu não, mas o Marcelo e o Victor são bonzinhos, você pode confiar neles.

— Não sei as regras do tênis.

— A gente te ensina — Matheus pareceu se irritar quando Davi ergueu as sobrancelhas, como quem diz é sério? — O que é que você pensa da minha pessoa? Estou tentando te convencer aqui, e para convencer alguém, é preciso fazer certos sacrifícios.

— As regras do tênis são um saco.

— Não foi você que acabou de dizer que não sabia as regras? — Matheus exclamou, rindo da careta que Davi fez ao ser pego na própria contradição. — Mas não tem problema, porque não pretendemos jogar com as regras. Não todas elas, digo.

— Eu... — Davi estava começando a ficar sem argumentos. — Detesto tênis.

— Davi... Você socou a minha cara. Você me deve.

Talvez ele não tenha colocado explosivos na bola... Davi se sentiu ranger os dentes com a raiva. Mas eu bem que queria alguns explosivos aqui agora.

— Moleque, você apareceu no meu quarto meia-noite, me encheu a paciência até quatro horas da manhã, eu ajudei você a escrever a maldita da sua dissertação, acordei ao meio-dia, a Marina vai me matar por sua causa e você ainda tem a coragem de dizer que eu te devo? E não era você quem não queria falar sobre isso?

Matheus deu um sorriso descontraído.

— Minha lista negra de assuntos muda conforme meu interesse. Você me deve até o machucado sarar.

— Ah, pelo amor de Deus! — Davi começou a caminhar furiosamente até a quadra de tênis, ignorando completamente os passos do colega atrás dele. — Eu salvei você e é assim que você me agradece?

Houve um silêncio tenso.

— Você não me salvou merda nenhuma — a voz do segundanista soou surpreendentemente amarga, tanto que Davi parou para encará-lo. O rosto de Matheus estava neutro, mas seus olhos queimavam. — Você me impediu de fazer uma besteira, admito, mas nada mudou.

Os dois se encararam por um instante e voltaram a caminhar, lado a lado, embora parecessem estar a quilômetros de distância um do outro. Ninguém disse nada até que os dois chegassem à quadra de tênis, situada no fundo do complexo. Injustamente, a quadra era praticamente ignorada pelos alunos, pois o tênis não era um esporte particularmente popular e os alunos tinham uma esmagadora preferência por vôlei, futebol e handebol. Entretanto, aquela quadra não perdia em nada para a dos esportes mais conhecidos: era grande, de dimensões oficiais, e tinha marcações perfeitas. Davi quase sentiu dó por estragá-la antes de perceber que deveria sentir pena de si mesmo.

— Você conseguiu trazê-lo? — Marcelo perguntou, ofegante. Estava jogando contra um garoto muito parecido com ele, os mesmos cabelos castanhos queimados de sol e pele morena, possivelmente o seu irmão. — Que droga, eu tinha acabado de apostar com o Victor que você não conseguia!

— Perdeu dinheiro, otário — disse Matheus de forma convencida. — Não tem nada que eu não consiga fazer, jovem. E o Davi é fácil de manobrar, é só chantagear ele um pouquinho... Você deveria saber.

— Ei! — Davi protestou. — Eu ainda estou aqui, sabia?

Marcelo e Matheus riram.

— Veja pelo lado bom, eu apostei em você. — Victor se aproximou, estendendo a mão para cumprimentar o terceiranista. Tinha o mesmo sotaque carioca carregado do irmão e um sorriso simpático. — Tudo bem, eu só fiz isso porque tem graça ir contra meu irmão, mas não é importante, não é? Cheguem aqui, vocês dois. — Ele fez um sinal para os outros garotos. — Vamos definir agora quem faz dupla com quem. Já aviso que quem fizer dupla com meu irmão está ferrado, acho que a única coisa na qual ele é bom é o tênis.

Marcelo deu um peteleco na cabeça do irmão, rindo, mas não discordou e logo se pôs também a pensar em como aconteceria a divisão das duplas; depois de alguma discussão, ficou decidido que elas seriam decididas na base do dois-ou-um. Era um modo bastante infantil, mas como ninguém teve uma ideia melhor, os quatro se reuniram em círculo, conseguindo vários empates consecutivos até Marcelo finalmente vencer.

— Maneiro! — ele comemorou, rindo. — E pela autoridade a mim concedida pelo meu dois solitário, eu escolho o meu irmão para fazer dupla comigo, porque, além de ele ser o melhor jogador além de mim aqui, vai ser interessante ver vocês jogarem juntos, inimigos. — O garoto lançou um sorriso maléfico para Davi, que estreitou os olhos em resposta. Pra que inimigos, não é mesmo? — E claro, ver vocês perderem.

— Isso é o que você pensa — disse Matheus com um sorriso aberto e Davi deu-lhe o crédito de parecer mais confiante do que provavelmente estava se sentindo; o terceiranista realmente não mentira ao dizer que era uma negação em qualquer esporte e Matheus devia saber disso. — Eu só jogo para vencer, meu caro.

Marcelo pegou a raquete e a bola, quicando-a languidamente no chão enquanto esperava Matheus e Davi chegarem à sua metade do campo; havia raquetes esperando por eles lá, assim como munhequeiras. O segundanista pegou seu equipamento com segurança, fazendo um movimento vigoroso com a raquete no ar enquanto sorria de forma alegre, mas Davi pesou o instrumento com certa dúvida; não confiava que fosse conseguir fazer grande coisa com ele.

— Então... — Marcelo disse, assim que percebeu que seus oponentes estavam preparados, lançando um olhar provocador para Matheus. — Me vença.

E jogou a bolinha para o ar, acertando-a com toda a força no meio da trajetória de volta com a raquete. Estava começada a partida.

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Quando Victor disse que Marcelo era bom no tênis, ele não estava mentindo; Matheus e Davi tiveram várias chances de comprovar isso nos momentos que se seguiram. Marcelo tinha movimentos implacáveis de alguém que conhecia o jogo e o dominava, aparecendo como um raio onde quer que a bola estivesse e a rebatendo com movimentos vigorosos, rindo como um idiota todas as vezes que fazia um ponto. Quando o jogo completou dez minutos, os irmãos já tinham dez pontos de vantagem em cima de Davi e Matheus, que crispava os lábios de forma concentrada, embora os olhos parecessem divertidos.

Davi sabia que não estava ajudando. Matheus era um bom esportista, seu corpo esguio se movendo com agilidade pela quadra, em harmonia com os movimentos fluidos da raquete, que atualmente não estavam tão fluidos assim — Davi tentava caminhar pela quadra e não atrapalhar, mas sempre terminava exatamente onde Matheus ia rebater e os dois se esbarravam. Era ao mesmo tempo engraçado e irritante.

— Davi — sibilou Matheus, quando a diferença de pontos chegou à casa dos vinte, os olhos entretidos contrastando de forma interessante com sua voz áspera. — Você compreende que está, literalmente, acabando com tudo?

Davi se abaixou quando a bola veio em sua direção, a raquete de Matheus passando a centímetros da sua cabeça.

— Eu avisei que não sabia jogar merda nenhuma!Merda nenhuma mesmo.

— Ah, pelo amor de Deus, você sabe as regras! — xingou Matheus quando eles se esbarraram novamente, rindo logo depois quando alcançou uma bola particularmente difícil no canto. — Quer dizer, nós nem estamos jogando com regras!

Davi não respondeu, reflexionando os braços para rebater uma bola, mas ela bateu na rede e Matheus o encarou de forma assassina; parecia prestes a dizer alguma coisa particularmente ofensiva quando Marcelo balançou a raquete do outro lado da quadra, chamando a atenção da dupla.

— Ei! — ele chamou. Parecia exultante. — Eu sei que está bom perder de forma acachapante, mas eu preciso parar para atender ao telefone. Minha irmã está me ligando.

— Ué — Victor exclamou, embora não parecesse muito surpreso. — Achei que fosse proibido usar telefone. Tanto aqui quanto no Madalena.

— Ah... — Marcelo sorriu para o irmão enquanto se afastava. — É mesmo?

E atendeu ao telefone. Falava baixo e depressa, e parecendo sentir que a pausa no jogo não ia demorar muito, Matheus se virou para Davi, os olhos comprimidos em fendas. Estava suado e respirando depressa, a voz soando ofegante quando ele falou.

— Nós precisamos arranjar um jeito de fazer isso dar certo — cobrou ele, falando depressa. — Você não para de esbarrar em mim e eu quase matei você três vezes com raquetadas. Você sabe as malditas regras. E eu sei como a sua cabeça funciona. Então por que isso está dando tão errado?

— Estamos acostumados a jogar um contra o outro — rebateu Davi, como se fosse óbvio, as palavras recheadas de um mau humor que ele não pôde controlar. — Não no mesmo time. Sabemos como o outro pensa quando estamos em lados opostos, mas nunca jogamos juntos. Obviamente, ia dar merda. Você só quer ganhar e eu não me importo nem um pouco com isso. Não ligo se vamos ganhar ou perder, porque é só uma partida, afinal de contas. Porém, você não pensa assim e eu não vou me esforçar para um jogo de tênis não-oficial de cinquenta minutos do meu colégio. Não vou dar ao Sandro o gostinho de arranjar uma lesão para mim.

Matheus ergueu as sobrancelhas, parecendo surpreso, e Davi pensou, com certa alegria sádica, que não era só a si mesmo que seu próprio humor azedo estava surpreendendo naquele dia.

— Olha aqui — disse o segundanista, sua voz se suavizando um pouco. — Eu quero ganhar tudo e sempre; é meu jeito e se você quiser chorar, pode procurar o colo do meu pai, embora eu desconfie que ele não vá receber você muito bem lá. Contudo, eu nem sequer me importaria de perder se você começasse a jogar para valer; você está com uma má vontade absurda e se posicionando exatamente onde vou rebater.

— Não de propósito — Davi resmungou, cruzando os braços. — E eu estou com raiva de você pelas horas de sono que me roubou, então não tenho exatamente por que colaborar com você, sabe?

— Ah, pelo amor de Deus... — Matheus passou a mão nos cabelos, aparentemente sem nem notar, suspirando exasperadamente. — Fiz sua vida um inferno por dois meses e você vai estressar por causa de uma noite de sono?

— Meu sono é sagrado.

— Tão sagrado que eu prometo fazer orações por ele pelo resto do ano se você parar de má vontade. Eu não perco no xadrez e estou acostumado com isso; contudo, é sempre bom ganhar em outras coisas também. Principalmente se for em cima do Marcelo.

— Não quero suas orações, quero um pedido de desculpas. De preferência, de joelhos.

Matheus lançou-lhe um sorriso maléfico.

— Só se a gente ganhar.

Eles se encararam por um segundo, cerrando cada vez mais as pálpebras, sem piscar, até que Davi finalmente cedeu, revirando os olhos amplamente enquanto suspirava. Eu sempre perco, é irritante.

— Você. Não. Presta — disse ele pausadamente enquanto pegava a raqueta e a girava na mão, revirando novamente os olhos ao ver Matheus sorrir de forma vitoriosa. — Tá, eu paro de atrapalhar. Mas Matheus... Você perde no xadrez, sim.

O garoto deu de ombros.

— Se você diz... É verdade. Eu perco — ele se voltou para a rede, flexionando levemente os joelhos. Marcelo acabara de retornar à quadra e já pegava novamente a raquete, sorrindo para o irmão. — Preste atenção; ele voltou e vai sacar.

E era verdade. Marcelo os encarava com olhos grandes, um sorriso provocador nos lábios e, em um gesto infantil, Matheus lhe mostrou a língua.

— Ah, vai ser assim? — disse o colega em tom de rixa. — Então tá. Mostre a língua o quanto quiser. — Ele jogou a bola para cima, rebatendo-a com uma pancada robusta da raquete. — Duvido que ela vá conseguir rebater essa bola, mesmo.

A língua, de fato, não rebateu bola nenhuma, mas a raquete de Matheus sim: ele voou pela quadra, com um sorriso enorme no rosto, e a rebateu com uma girada rápida do corpo, observando, quase surpreso, quando o objeto passou a centímetros da raquete de Victor. Ponto. Matheus lançou um olhar animado para Davi enquanto se preparava para sacar e, pela primeira vez, o terceiranista pensou que uma dupla formada pelos dois podia funcionar. Ele só tinha que começar a colaborar.

Pelos minutos que se seguiram, o jogo se equilibrou; Matheus e Davi começaram a fazer pontos, diminuindo a vantagem dos irmãos. Davi não começou a necessariamente ajudar, mas descobriu que havia pontos onde era mais útil e passou a se posicionar neles, sem ficar zanzando pela quadra, o que ajudou Matheus a se movimentar sem nenhum impedimento. Parecia claro que uma vitória era quase impossível, mas eles estavam dispostos a dar trabalho e o estavam dando, realmente; Marcelo aparentava tensão, os olhos em fendas, enquanto Victor parecia rir da concentração do irmão.

Parecidos só na aparência, hein?

— Faltam dez minutos para a aula acabar! — gritou Sandro, algum tempo depois, chegando à lateral da quadra. O professor observou com olhos descrentes o estado de Davi e, contra sua própria vontade, o garoto sentiu que encarava o professor desafiadoramente em resposta. O que foi? Perdeu alguma coisa aqui? — Terminem a partida aí, moleques.

— E qual é o placar atual? — Victor exibiu um gesto obsceno para as costas de Sandro enquanto ele se afastava, fazendo os garotos rirem. — Eu perdi a conta quando chegou a 30 a 22.

— Nós combinamos 40, não combinamos? Está 37 a 35. Vocês dois, hein? Achei que colocá-los juntos ia me ajudar a vencer, mas não, vocês simplesmente desceram um espírito impossível no corpo. Que infernos.

Uai — disse Matheus de forma jocosa. — Me desculpe.

Marcelo sorriu enquanto sacava novamente, mas não respondeu; mandou a bola com força moderada e Matheus a rebateu facilmente, dando sequência ao jogo.

Davi e Matheus se moveram na sincronia que tinham adquirido durante os últimos minutos, o primeiro cobrindo os espaços nos quais tinha melhor desempenho e o segundo voando pela quadra, a raquete zumbindo em todas as vezes que ele a movimentava pelo ar. Davi tinha pensado que eles não iam ganhar, mas aquilo parecia possível agora e Matheus sorria de orelha a orelha, confiante e provocador, soltando comentários que faziam Marcelo ranger os dentes, Victor dando risadas ao seu lado.

— Empatamos! — gritou Matheus, erguendo os braços e olhando para Davi com animação. — Cara, a gente estava vinte pontos atrás e agora empatamos! Somos fodas! Chupa, Marcelo! Vai falar o quê agora, hein? Hein? Hein? Hein?

Davi franziu as sobrancelhas, na dúvida entre rir e sair correndo; estava muito acostumado com a competitividade fria de Matheus no xadrez para não se chocar com o modo como ele xingava quando perdia uma oportunidade, comemorava quando fazia um ponto e provocava Marcelo abertamente, como um menino de dez anos.

Eu achei que ele tinha colocado explosivos na bola, mas o caso é pior. Acho que colocaram alguma coisa no Matheus.

— Quem te vê na aula de xadrez, aquele cubo de gelo, não fala que você é esse mala, seu otário — retrucou Marcelo, rindo. — E você não venceu ainda, bestão. 39 a 39! Quem fizer o próximo ponto vence! O que te faz pensar que vai ser você?

— E o que te faz pensar que vai ser você?

Marcelo sorriu para ele, estufando o peito com confiança, o que Matheus respondeu com uma sacada violenta de bola. Ela voou quase como um foguete para a quadra vizinha, sendo rebatida por Victor e logo após por Matheus, novamente por Victor, por Matheus, e então Marcelo teve a esperteza de direcionar o golpe da raquete para Davi.

Futuramente, o terceiranista afirmaria, com todas as forças, que ele tentou, o que ele de fato fez, mas a verdade é que a bola veio e Davi mal a enxergou aparecendo; estava distraído prestando atenção nos movimentos de Matheus. Quando ele finalmente percebeu que era sua vez de rebater a bola, Davi correu como um condenado para o canto da quadra e esticou a raquete, esperando que fosse o suficiente, mas não foi: a bola passou direto. Ponto para os adversários.

Eita saco. Perdi. Prevejo o Matheus enchendo o saco em três...

— Rá! Rá! Rá! Quem vai chupar mesmo? Quem? Quem? Quem? — Marcelo gritou, largando a raquete e fazendo uma dança ridícula. — Ninguém me vence no tênis, seus idiotas, ninguém! We are the champions, my friends...

And we keep a fighting ‘till the end, eu sei, todo mundo sabe — disse Victor com impaciência. — Agora vamos trocar de roupa porque eu tenho aula de química e eu gostaria de chegar lá apresentável o suficiente. — Ele se virou para Matheus e Davi. — Boa partida. Não acreditem quando ele diz que ninguém o vence no tênis, eu mesmo já fiz isso algumas vezes... Enfim, tchau!

E os dois saíram caminhando, Marcelo aparentemente reclamando com o irmão por ele ter “cortado seu barato” e Victor balançando a cabeça com bastante sobriedade, como quem diz “você faz ideia da vergonha que está me passando?”.

— Gosto dele — disse Matheus, observando Victor. — Quer dizer, não desse jeito que você está pensando! Mas o jeito que ele lida com o Marcelo é engraçado. A Carina tenta fazer isso comigo, mas eu não deixo.

— Não pensei em nada. — Davi apoiou as mãos nos joelhos, respirando fundo. — Enfim, se vier encher o saco, vai apanhar, eu tentei ganhar essa droga, entendeu? Eu tentei mesmo. Corri feito um condenado atrás da bola.

Matheus riu.

— Isso é só tênis, cara, fica zen. Além do mais, foi você quem se ferrou, não dormiu à noite e vai ficar sem seu pedido de desculpas. Claro, espero que você pense em alternativas melhores para ganhar a vida do que jogar tênis profissionalmente, senão eu creio que, provavelmente, vou encontrar você pedindo esmola em alguma esquina... — ele parou, erguendo as mãos para o alto. — Ei, não me culpe, você é ruim! Eu sabia que você não estava mentindo quando disse que era mau esportista, mas também não pensei que você estava usando isso como um eufemismo.

— Eu sou péssimo — concordou Davi, mais relaxado. — Mas não precisa jogar na cara, já tive todos os meus coleguinhas, Marcelo incluso, para jogar isso na minha cara.

— Deve ter sido por isso que ele sugeriu seu nome. — Matheus começou a caminhar e o terceiranista o acompanhou, ambos andando a passos lentos. — Ele só não sabia que o nome dele ia sair na base do sorteio... Imagina se ele sobra para você? Terrível, terrível.

— Isso magoa, obrigado.

— Eu não me importo, duplo obrigado. — O garoto sorriu. — Enfim, nas próximas vezes em que jogarmos, tente segurar a raquete com mais firmeza, você a deixa meio frouxa na mão... E fique na terra. Vi você voando algumas vezes enquanto jogávamos, pensando em qualquer coisa não relevante para o momento do jogo. Se você não acompanhar a bola... Temos a derrota de hoje.

— Foi só por um ponto!

— Um ponto por causa da sua distração.

— Te ajudei a ficar bem com o Hugo com aquele trabalho, não vejo você no direito de ficar me exigindo coisas agora.

Eles chegaram à entrada do complexo, onde Sandro, com certa impaciência, dividia os alunos de terceiro e segundo anos em duas filas paralelas para, segundo ele, “facilitar para eu anotar seus nomes”. Ao vê-los, o professor fez um gesto impaciente para que Matheus e Davi se unissem às suas turmas, e o segundanista se virou para Davi com um suspiro.

— Olha só, você não me ajudou, eu meio que coagi você a isso. Então sim, eu estou no direito de exigir coisas, principalmente porque eu sou eu, e eu sou superior, saca? — Matheus disse, rindo ao ver a careta do colega. — Mas ok, obrigado por ter gentilmente cedido à coação, salvou meu bimestre, blá-blá-blá. Hoje é dia de xadrez. Onde vamos treinar? Vai haver uma reunião do corpo docente hoje à noite, e eles vão usar aquela linda mesa comprida da biblioteca para discutirem assuntos chatos.

— Como você sabe disso?

— A Marina contou. Ela também contou os modos como cortaria seu pescoço quando te visse novamente, mas não vem ao caso. — O segundanista deu de ombros. — Meu quarto não é bom, pois o Carlos dorme cedo. O refeitório é trancado depois das nove da noite para impedir lanchinhos noturnos. A sala de reuniões fica trancada, eles não vão usá-la desta vez porque é pequena e teremos gente de fora aqui... Onde podemos jogar?

— Sempre há o meu quarto.

Matheus empalideceu um pouco.

— Não, não vamos incomodar o Tiago. — Ele pareceu meio nauseado ao pronunciar o nome. — Não mesmo.

— Você não estava com medo de encontrar o Tiago ontem, não é, seu maldito? — Davi provocou acidamente, satisfeito ao ver a careta do colega. — Enfim, ele nunca está lá. Sai para se encontrar com a namorada. Se você chegar depois das oito da noite e sair antes das seis, as chances de encontrá-lo lá são de zero por cento. Vai ser no meu quarto e pronto. Leve o tabuleiro. O Sandro está chamando. Como eu odeio esse cara, Deus... Tchau, Matheus. Até mais tarde!

Ele acenou com falsa doçura, uma espécie de alegria maldosa se apoderando dele ao ver o desespero de Matheus. Durou pouco; ele logo se lembrou do motivo daquele desespero, forçou suas feições a adquirem certa sobriedade enquanto ocupava o último lugar da fila do terceiro ano. Enquanto esperava Sandro conduzi-los para fora, arriscou uma olhada para Matheus, no último lugar da fila do segundo ano; o garoto tinha uma expressão distante, os olhos vagos.

Davi sabia que Matheus tinha problemas; ele mesmo conhecia um deles. Sabia que provavelmente havia alguma amargura ali, assim como medo e rejeição, porque eram sentimentos normais, que Davi mesmo sentira quando era mais jovem e lutara para superar. Mas aquela foi a primeira vez que o terceiranista pensou que, apesar da fachada controlada de Matheus, toda espinhos e sarcasmo, ele era uma pessoa triste.

O pensamento o deixou intrigado por um momento e Davi abriu a boca para falar algo, mas Sandro puxou a fila do terceiro ano e as palavras se perderam.


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Notas finais do capítulo

Eu adoro esse capítulo por N motivos, mas principalmente porque ele é um capítulo de transição. Vocês sabem o que isso significa? Não?

Muito obrigada à senhorita Moon And Stars por ser uma fofa, me ajudar com esse capítulo, que precisou de algumas reescritas, e por ter uma voz fofa. (Minha beta canta Mad World para mim; com isso, eu só posso me sentir o máximo! :v )

Até o próximo capítulo! o/