Da varanda da casa consigo ouvi a voz meio rouca de Laura e também seus passos duros. Abro a porta e lá está ela falando no telefone enquanto anda de um lado para o outro da sala. E quando me vê ela larga o telefone e me prende no abraço mais apertado de todos os tempos. De início não entendo, mas logo me lembro de como eu sai do hospital e sumir por quase... o dia todo. Eu deixei Laura preocupada comigo, na verdade eu nem pensei nela, o egoísmo me consumiu naquele momento eu não pensei em ninguém além de mim.

Sussurro o pedido de desculpa mais doce que consigo e Laura me aperta mais forte. Quando eu já quase não consigo respirar ela me solta. Vejo nos seus olhos vermelhos e inchados que ela chorou o dia todo. Eu já causei tanta dor a minha irmã, tudo o que ela não merece passar. E é nesse momento que prometo a mim mesma não deixar que minha irmã sofra assim de novo, nunca mais.

Depois de um milhão de desculpas e perguntas de onde eu estava Laura esquece aquilo e volta a ser a pessoa tranquila e doce de sempre.

Subo para tomar um banho e depois de me arrumar entro no meu quarto, sinto que de dentro da gaveta o diário me chama. O medo da descoberta me arrepia e eu quase volto atrás da minha promessa. Mas junto coragem e vou até ele, mais uma vez o pego nas mãos. Eu quero e preciso conhecer a mim mesma, só assim poderei seguir em frente.

Procuro pelo quarto alguma coisa para me ajudar a abrir o cadeado, porém não encontro nada útil. Desço e começo a procurar em todos os cômodos.

–O que você está fazendo Delly? –Laura pergunta atrás de mim me fazendo pular de susto.

–Estou procurando alguma coisa que para abrir aquele diário. –Respondo.

–Já era hora né. –Ela solta uma risada e começa a me ajudar. –Acho que tem uma mala de ferramentas do papai lá na garagem.

Laura sai e volta com um grande alicate.

–Acho que isso será perfeito. –Ela diz com um grande sorriso no rosto.

Nós duas subimos correndo para o quarto, pego o diário em cima da cama e com a ajuda do grande alicate conseguimos tirar o cadeado. Confesso que danificamos um pouco, mas nada que incomode.

–Agora é a hora. –Digo com minhas mãos tremulas. O medo me consome quase por completo.

–Você consegue. –Laura me dá forças.

Então finalmente abro o diário, Laura se levanta da cama e sorri.

–Acho que você deve ler isso sozinha, afinal é o seu diário. Mas eu estou logo ali do lado caso precise de mim.

Confirmo com a cabeça ao mesmo tempo em que vejo ela sair do quarto.

Volto-me novamente ao livrinho rosa em minhas mãos, viro sua primeira página e começo a ler.

Ali eu descrevi tudo o que me aconteceu dês do início do ano. Li várias coisas sobre meus pais, como eles eram atenciosos e divertidos ou como suas brigas silenciosas eram estranhas e engraçadas e o quanto eu amava eles dois. Também tinha coisas sobre Laura, eu realmente sentia muita falta dela e invejava as aventuras que ela vivia na faculdade. Bea, Serena, Alex, Amanda e James também estavam sempre presentes, mas essa parte não me deixou feliz. Descrevia-os como sendo colegas, companhias para o almoço e até mesmo indicava os defeitos deles, como Serana era irritante quando começava a falar descontroladamente sobre si mesma, que Alex dava em cima de todas as garotas do colégio, de como erra chato ver James e Amanda colados um no outro como se fossem siameses e até mesmo de Bea que concordava com tudo que diziam. Ler isso me incomodou bastante, eles não são perfeitos, mas também não são pessoas tão ruins como eu descrevera ali.

Mas o que mais me deixava intrigada era quando lia sobre David, eu escrevera um milhão de defeitos dele com se eu fosse perfeita. Entristeceu-me totalmente descobrir que eu na verdade nunca amara ele, a verdade por dentro eu o detestava as vezes.

Isso me fazia querer vomitar. Como eu poderia ser uma pessoa tão egoísta, mesquinha, invejosa, falsa e frigida? Comecei a sentir vergonha de mim mesma. Fechei o diário com raiva e peguei meu celular para ver as horas, quase 8 da noite.

Pisando duro desci em busca de algo para comer, preparei um sanduiche simples e peguei um copo de suco de laranja. Devorei tudo rapidamente e subi novamente. Fui direto para o quarto de Laura, bati na porta e ela me mandou entrar. Joguei-me na cama ao seu lado e a abracei repentinamente, percebi as lágrimas que haviam no meu rosto. Eu precisava de consolo e só minha irmã poderia me dar.

–O que aconteceu? –Ela perguntou enquanto afagava meu cabelo, não consigo responder. Então ela apenas continua me fazendo carinho até que eu me acalmasse o que me fez cair no sono ali mesmo.

***

Acordei assustada com o pesadelo que acabara de ter, era tão ruim que não queria nem me lembrar. Olhei para o lado e vi Laura dormindo serenamente, não queria acordada então fiquei no mesmo lugar. Alguns minutos depois vi que ela se movimentava mais, até que abiu os olhos e começou a me fitar.

–Essa sua aura negativa não está me deixando dormi. –Ela diz meio sonolenta.

–Desculpa. –Respondo me encolhendo.

Então ela se levanta parecendo confusa e me puxa para o seu colo.

–Você precisa me contar porque está assim. –Sua voz agora parece mais dura. –Foi alguma coisa que você leu no diário?

Apenas confirmo com a cabeça e me controlo para não cair no choro novamente.

–Você sabe que pode me contar tudo.

–Eu estou com medo que você me odeie se eu contar. –Minha voz quase não sai.

–Como eu poderia te odiar Delly?

–Eu me odeio!- Quase grito. Levanto-me do seu colo e começo a chorar novamente.

–Me conta, por favor. –Ela implora.

–Eu sou uma pessoa horrível Laura, a pior pessoa do mundo. –Digo aos gritos.

Saio correndo em direção ao meu quarto com Laura me seguindo assustada, pego o diário e entrego a ela.

–Leia isso! –Mostro um trecho e ela lê rapidamente.

–Você não é assim. –Laura diz me encarando confusa.

–Sou sim! Está tudo escrito ai. Olha isso aqui. –Mostro vários outros trechos e vejo a cada vez Laura mais confusa.

–Essa não é a minha irmã, essa não é você. –Vejo lágrimas surgirem em seus olhos. Ela solta o diário e me abraça o mais forte que consegue. –Você não precisa ser assim Delly. Você tem a chance de começar tudo de novo, seja você mesma desta vez.