A Espiã escrita por MandyCillo


Capítulo 8
Capítulo VIII




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A lista com os nomes dos especialistas em ações chegou no dia seguinte bem cedo, acompanhada de um enorme buquê de rosas que terminou perfumando todo o apartamento. Na hora do almoço, Molly foi se encontrar com Charles Magnussen num restaurante discreto ao norte de Londres, bem distante dos lugares por onde Sherlock costumava circular.

— Você trabalhou muito bem — elogiou Magnussen, depois de ouvir um relato da noite anterior. — Vai ser interessante saber quem são os amigos dele, com quem faz negócios. Esta lista também irá ajudar muito! O gravador funcionou direito?

— Sim. O som ficou um pouco abafado, mas dá para distinguir bem a conversa.

— Tudo bem. Aqui está uma relação das ações que você supostamente recebeu como herança da sua tia. Ligue para dois nomes quaisquer dessa lista e cite as companhias, pedindo uma opinião por escrito. E não se esqueça de mencionar o nome de Sherlock.

— Eles não vão querer ver as ações?

— É muito pouco provável. Ninguém guarda ações em casa. Ficam num banco ou com um advogado.

— Entendo. — Ela percebeu que não tinha a mínima ideia de como os ricos lidavam com dinheiro. — E para quem você acha que devo ligar?

Magnussen estudou a lista novamente.

— Vejamos… este… e este aqui. Será interessante saber o que eles vão aconselhar. Os dois estão envolvidos com uma das subsidiárias de Holmes. Muito bem. — Estendeu-lhe a mão. — Agora vamos falar de contas.

Ela lhe passou os recibos de compras e aluguel de roupas, bem como as notas das suas despesas domésticas. Charles somou tudo e fez um cheque, acrescentando mais cinquenta libras, “uns trocados” como ele mesmo disse. Desde o início tinham combinado que o apartamento ficaria no nome de Molly e que ela deveria pagar pessoalmente tudo para não despertar qualquer tipo de suspeitas em Sherlock. Uma medida de segurança, aliás, muito sensata.

Discutiram outros detalhes daquela situação e Charles concordou com a ideia de ela continuar saindo com Lestrade por mais algum tempo, só para manter as aparências.

Na noite seguinte, ela e Lestrade foram ao teatro, apreciando bastante o trabalho de seus colegas. Era uma comédia divertidíssima e eles continuaram comentando a peça quando foram jantar, entrando nos mínimos detalhes. Lestrade a acompanhou de volta ao apartamento e acabou ficando para um último drinque. Molly lhe indicou o barzinho e foi fechar as cortinas. Nesse instante, algo despertou a atenção dela. Olhando para baixo, percebeu que no lugar onde os moradores do prédio estacionavam seus carros havia uma Ferrari vermelha. O veículo era novo ali e só então ela constatou que havia alguém dentro, observando-a enquanto fumava um cigarro.

— Quanto tempo você vai ficar aqui? — perguntou Lestrade. Fechando as cortinas, ela respondeu:

— Não sei. Isso depende de muitas coisas.

— Deve ser bom morar num lugar como este. Nem se compara com o meu apartamento, se é que aquele buraco merece esse nome.

Sentando-se ao lado do amigo no sofá, Molly tirou os sapatos e esticou as pernas.

— O que há de errado no seu apartamento?

— Baratas…

— Que horror! Coitado de você, Lestrade! — ela comentou, fingindo estar completamente desolada.

— E sou mesmo. Você deveria sentir pena de mim. Deixe-me descrever o lugar.

Passando-lhe o braço pelas costas, Lestrade a trouxe mais para perto e logo ela estava caindo na gargalhada com a história do incrível apartamento exageradamente cheio de defeitos.

— Mas apesar de tudo, ele tem uma vantagem. Ninguém consegue engordar demais morando lá, porque cada vez que passa um trem, tudo treme e o lugar acaba funcionando como uma dessas máquinas vibratórias que derretem a gordura.

— Seu bobo! Sei muito bem que a zeladora adora você! - Lestrade fez uma pausa e depois a encarou com ar mais sério.

— Sabe, Molly, nós nos damos muito bem. Você é uma ótima companhia, me alegra os olhos e o espírito. — Inclinando-se, beijou-a longamente. — Vai me obrigar a dormir com todas aquelas baratas ou será que poderíamos nos conhecer melhor? — E beijou-a delicadamente.

Ela correspondeu ao beijo. Eram agradáveis aquelas sensações que o amigo lhe despertava. Gostava dele, achava-o simpático, começava a sentir-se confortável naqueles braços, confortável até demais! Afastou-o delicadamente. Era uma mulher de ideias modernas, consciente da própria sexualidade e do fato de ser livre para decidir quando queria fazer amor com alguém. E apesar de Lestrade ter todas as qualidades que uma mulher poderia desejar num homem, no momento Molly preferia dormir sozinha.

Lestrade ergueu uma sobrancelha.

— Você não quer?

— Não.

— Certo. Então é melhor eu ir embora. De volta às baratas.

— Pode ser que encontre uma fada madrinha à sua espera — ela sorriu.

— Para transformar aquele buraco em algo parecido com este palácio? Duvido.

Pela janela viu o amigo tomar um táxi e notou que o homem na Ferrari vermelha continuava no mesmo lugar.

Ela o viu de novo algumas noites depois, quando saiu com Lestrade e ele veio trazê-la de volta, ficando para um café. Lestrade não lhe fez mais propostas e também não deixou qualquer desapontamento estragar a amizade que os unia, continuando tudo tão natural como antes.

Nesses dias, Molly entrou em contato com os dois peritos em finanças, que ficaram de lhe mandar uma opinião por escrito assim que fosse possível. De início, pensando que ela fosse uma cliente comum, tinham se recusado a atendê-la pessoalmente, indicando um funcionário menos graduado. Mas o nome de Sherlock agiu como um passe de mágica e em pouco tempo, ela estava falando a respeito de ações diretamente com a chefia. Isso lhe dava uma amostra do poder daquele homem.

Sherlock havia parado de telefonar e também não mandava mais flores, o que a princípio Molly achou intrigante, para depois começar a preocupá-la. E se ele tivesse desistido? Charles teria gasto uma pequena fortuna por nada.

Tentando manter a calma, visitava galerias, museus e lojas durante o dia e passava a noite lendo, vendo tv ou indo ao cinema. Enfim fazia tudo o que tinha deixado de lado ao escolher a carreira de atriz.

Depois de uma semana sem notícias, já começava a achar que o plano tinha ido por água abaixo. Chegou a pensar que estava participando de mais uma representação condenada ao fracasso.

Uma noite, quando tudo já lhe parecia definitivamente perdido, ouviu a campainha tocar e para seu espanto foi encontrar Sherlock parado no corredor. Vestia um terno simples e estava com as mãos nos bolsos. Ficou olhando para ele, sem conseguir falar.

— Oi Molly.

— O que… o que você quer? — perguntou nervosa por não entender aquela situação. Sherlock se mantinha impassível.

— Isto. — Ele entrou rapidamente, fechou a porta e a beijou com violência.

Não havia ternura naquele gesto, que mais parecia uma demonstração de possessividade. De início, pega de surpresa, não resistiu, mas quando tentou se afastar, sentiu que estava presa. Sherlock lhe segurava o braço com firmeza, fazendo questão de ficar bem próximo a ela. Então foi vencida pela urgência daquela boca exigente. Molly nunca havia experimentado um beijo tão perturbador e se abandonou àquela força sensual, confusa com as próprias emoções e tomada de um estranho encantamento. Seus sentimentos mais íntimos pareciam encorajá-la a entreabrir os lábios e a corresponder aos anseios daquele corpo másculo. Gemeu baixinho, queimando de desejo.

Então, tão inesperadamente como havia começado Sherlock a soltou e deu um passo atrás, deixando-a com uma terrível sensação de desolamento.

— Tive vontade de fazer isso desde o dia em que nos conhecemos — disse ele, respirando com alguma dificuldade.

Molly engoliu em seco, tentando se recompor.

— Acho que preciso… tomar alguma coisa… — gaguejou.

— Sem dúvida nós dois precisamos! — Sherlock riu. Caminhou até o barzinho e ela sentindo as pernas tremerem, foi sentar-se no sofá.

Mudou de ideia rapidamente e se acomodou numa poltrona, onde estaria muito mais segura.

“Será que ele sempre beija desse jeito”? Pensou ainda perturbada.

Não era de admirar que Sarah Magnussen tivesse perdido o juízo por causa daquele homem. Lembrando-se do que havia acontecido a ela, Molly conseguiu colocar os pensamentos em ordem, voltando assim a assumir seu papel naquela farsa. Precisaria redobrar os cuidados para que não houvesse mais esquecimentos. A alguns momentos, durante o beijo, tivera uma reação fora do personagem que interpretava, correspondendo ao gesto possessivo com a mais absoluta naturalidade. Onde estava sua segurança de atriz que sabia conduzir as cenas até o fim?

Sherlock ficou parado à sua frente, encarando-a com um sorriso irônico.

— Desculpe… acho que peguei você de surpresa.

— Sem dúvida. — Ela pegou a bebida e tentou se acalmar.

— Eu estive viajando — disse ele e começou a andar pela sala, como se estivesse aflito. Depois colocou bruscamente o copo sobre uma mesinha e parou diante de Molly. — Não consigo deixar de pensar em você. Quero que desista de Greg Lestrade. Vai fazer isso?

Aquela atitude arrogante o tornava parecido com uma ave de rapina, pronto para cair sobre a vítima. Ela se levantou e foi até a janela, tentando conter a agitação que tomava conta de seus pensamentos. Estava perto de atingir a meta que havia combinado com Charles Magnussen, a pesca realmente mordera a isca. Entretanto, por mais incrível que pudesse parecer, sentia-se relutante em aceitar o pedido de Sherlock. Uma espécie de sexto sentido lhe dizia para desistir de tudo e nunca mais ver aquele homem.

Ele voltou a repetir:

— E então… vai desistir de Lestrade? - Molly respondeu lentamente:

— Sim, está bem.

Sherlock caminhou na direção dela, que prendeu a respiração, com medo de ser beijada de novo. Ele simplesmente lhe tomou as mãos, levando-as aos lábios. Parecia preocupado. — Por favor, não fique assim.

— Assim… como?

— Com esse ar assustado. Não diga que está com medo de mim.

— Não. Claro que não… — Ela tentou sorrir, mas esse era um gesto forçado. — É que você me tira a respiração!

Ele riu baixinho.

— Sabe, quando quero uma coisa, costumo me empenhar bastante, até conseguir. Às vezes chego a exagerar.

Molly estremeceu ao pensar em quais seriam as consequências se tivesse dito não Estava claro que ele não era do tipo de aceitar negativas.

Levando-a para perto do sofá, Sherlock a fez sentar ao seu lado e enquanto falava, começou a brincar com a mão dela.

— Amanhã é sábado. Quer passar o dia comigo? Há uma feira de antiguidades fora de Londres e acho que você vai gostar de conhecer.

— Sim, seria bom.

— Ótimo. Poderíamos jantar em algum hotel.

“E depois”? Molly se perguntou. “Será que ele vai querer me levar para a cama e eu vou ter que aceitar?” Então sentiu as mãos tremerem e Sherlock a encarou.

— Você está tremendo. Será que a assustei tanto assim?

— Talvez, um pouquinho. Você falou de um jeito…

— Não costumo dividir as minhas mulheres. — Seu rosto exprimia um ar severo.

Os olhos de Molly brilharam de raiva.

— Não sou sua mulher!

Não sabia que reação esperar depois daquilo, mas certamente não contava com o sorriso autoconfiante que surgiu nos lábios de Sherlock.

— Claro que não. — ele disse, segurando-lhe o queixo para poder beijá-la.

Molly se levantou rapidamente, fugindo daquele contato perturbador.

— Estou muito cansada — disse ainda nervosa. — Gostaria que você fosse embora agora, por favor.

Sherlock lhe dirigiu um olhar surpreso, mas para alívio dela, resolveu aceitar aquela sugestão.

— Claro. Eu deveria ter percebido que já é muito tarde. A que horas posso vir buscá-la amanhã.

— Que tal às nove e meia? Será que dá tempo?

— Ótimo. Então, até amanhã. — Ela que esperava uma reação mais calorosa, mal conseguiu acreditar quando Sherlock só lhe beijou a testa levemente. Depois brincou um pouco com os cabelos avermelhados de Molly fazendo os fios sedosos escorregarem por entre os dedos. — Seus cabelos são maravilhosos. Que cor! Só uma vez encontrei algo parecido.

— É mesmo? — Ela tentou manter a voz normal. — Alguma amiga sua?

No mesmo instante o rosto de Sherlock se tornou sombrio e ele fez questão de cortar o assunto imediatamente.

— Já faz tanto tempo que nem me lembro. Boa noite. Não precisa me acompanhar até a porta.

— Boa noite.

A tensão só começou a diminuir depois que ela ouviu a porta se fechar e o som abafado do elevador lá fora. Era como se tivesse representado algo muito difícil. Indo para o banheiro, lavou o rosto com água fria e voltou para a sala, deixando-se cair pesadamente numa poltrona. Precisaria tomar muito cuidado e manter o distanciamento preciso para o papel que estava desempenhando e não se deixar envolver por ele, senão facilmente teria um colapso nervoso.

Recostando-se na poltrona, repassou os acontecimentos, vendo se conseguia tirar deles alguma conclusão que fosse útil para o futuro. A primeira e mais importante era o fato de Sherlock ser devastador em termos sexuais. A lembrança daquele beijo ainda a arrepiava, deixando-a confusa, coisa que não lhe ocorria há muito tempo. Seus relacionamentos com homens costumavam ter certa frieza, para não haver grandes mágoas na hora da separação. Mas se um único beijo de Sherlock era capaz de lhe causar aquele efeito… Tudo indicava que o jogo ia ser duro.

Mais uma vez, pensou no que ele iria querer. Certo, não tinha reclamado quando lhe pedira para ir embora, mas isso não significava que pudesse mantê-lo à distância indefinidamente. Lembrou-se do modo autoritário como ele havia dito que não compartilhava suas mulheres e principalmente, do sorriso irônico de Sherlock ao ouvir protestos sobre essa opinião. Agora estava explicado! O tom de sarcasmo demonstrava que tinha ficado evidente o estado de excitação de Molly, já no primeiro beijo. A energia máscula, a forma decidida e calorosa de se aproximar ultrapassaram os próprios limites da representação, trazendo à cena toda uma carga real de emoção e sensualidade. Bastaria que se beijassem de novo para ficar provado o domínio daquele homem sobre ela.

Com um gesto furioso, Molly se levantou determinada a permanecer distante dele. Não admitiria aquela prepotência. Se chegasse a vacilar em sua força de vontade, teria apenas que se lembrar da figura de Sarah Magnussen, livrando-se assim do charme perturbador de Sherlock. Decidida, foi telefonar para Charles Magnussen, queria muito lhe contar as boas novas.


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