A Espiã escrita por MandyCillo


Capítulo 7
Capítulo VII




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Sherlock não aceitou a sugestão de um encontro no teatro, fazendo questão de ir buscar sua acompanhante em casa. Com isso, ela se viu praticamente obrigada a convidá-lo para um drinque, antes de saírem.

A noite estava fria e chuvosa. Ele entrou e depois de entregar seu sobretudo para ser guardado, olhou à sua volta examinando a decoração do ambiente. Havia alguns móveis de estilo, quadros de pintores famosos e objetos de arte, criando um clima perfeito para o desempenho de Molly.

Ela esperou que Sherlock a cumprimentasse pelo bom gosto, mas em lugar disso ele falou:

— Esta sala combina com a sua personalidade.

— Verdade? Como?

— É moderna e elegante, mas tem certa nostalgia, um jeito clássico. Mas hoje em dia isso está meio fora de moda, dizem que é antiquado.

— O que quer beber? — ela perguntou, rindo um pouco.

— Gim-tônica, por favor. — Ele a acompanhou até o barzinho e ficou muito perto de Molly enquanto ela preparava os drinques. — Você achou a minha opinião engraçada?

Censurando-se por ter demonstrado que achava graça no fato de sua personalidade ser relacionada com aquele lugar, já que ali nada lhe pertencia, ela procurou responder da forma mais despreocupada possível. — É que nos conhecemos há muito pouco tempo. Como pode saber tantas coisas a meu respeito?

— Quer dizer então que eu estou enganado?

Molly lhe deu um copo e foi sentar-se. Usava um vestido preto e tinha prendido os cabelos num coque. Isso lhe realçava as linhas do rosto, além de deixar o colo mais à mostra, suavizando assim a severidade da roupa escura. Sabia que o efeito era fantástico, havia trabalhado bastante na construção de uma imagem cheia de feminilidade, delicada e ao mesmo tempo muito segura. Aliás, conhecer e explorar os traços mais expressivos fazia parte da profissão de atriz, a técnica ajudando a dar consistência aos personagens.

— Gostaria de deixar claro que não sou uma mulher antiquada — disse, com certa frieza.

Sherlock sorriu.

— Desculpe. Eu devia saber que chamar alguém de antiquado atualmente é quase um insulto. Digamos então que você saiba valorizar o passado. Fica melhor assim? — Ele sentou-se em frente a ela e cruzou as pernas. Parecia muito à vontade.

— Como quiser, mas você continua enganado. Quando aluguei este apartamento ele já estava mobiliado, de modo que não escolhi a decoração. Os quadros e os outros objetos eu recebi de herança, portanto este lugar não tem nada a ver com a minha personalidade.

Pela primeira vez Molly percebeu um brilho de divertimento naqueles olhos azuis e teve certeza de que havia ganhado o duelo de palavras, quando Sherlock exclamou com um sorriso irônico:

Touchél

Era estranho, porém, o fato de aquele comentário não estar nos seus planos. Desde o início ela havia pensado em fazer um gênero sofisticado. Pretendia afirmar que tinha decidido pessoalmente a decoração do apartamento. Mas a atitude de Sherlock ao entrar ali, tão seguro e à vontade, a forma arrogante de abordá-la naqueles últimos dias, tudo isso terminou provocando um desejo incontrolável de mostrar a ele que não era tão esperto quanto imaginava.

Ao ver a expressão de sarcasmo naquele rosto aristocrático, ela ficou em dúvida quanto à vitória de alguns minutos atrás. Talvez aquilo não tivesse passado de desculpa para descobrir mais detalhes a seu respeito. Seria preciso tomar muito cuidado dali por diante.

As consequências de subestimar o adversário poderiam ser graves. O jogo e o homem em questão eram perigosos.

— E por que você alugou um apartamento mobiliado?

— Faz pouco tempo que estou morando em Londres, cheguei há algumas semanas.

— Nunca esteve aqui antes?

— Oh, sim, muitas vezes. Mas nunca morei aqui.

— Então precisa conhecer melhor a cidade. Eu gostaria de lhe apresentar umas pessoas bem interessantes.

— Obrigada. — Tomou um gole da bebida e sorriu, fazendo charme. — Mas Lestrade já me faz companhia.

— Ah, sim, o Sr. Greg Lestrade, o bonitão que não gosta de óperas. — Sherlock olhou para o relógio.

— Se não fosse por isso, hoje eu não estaria saindo com o Sr. Holmes, um bonitão que gosta de óperas.

Novamente um brilho divertido surgiu naqueles olhos azuis. Ele se aproximou e pegando as mãos de Molly, fez com que ela se levantasse.

— Me chame de Sherlock — ele corrigiu, mantendo-a bem perto de si.

— Sherlock — repetiu Molly, com o coração acelerado. Sherlock a olhava de um modo enigmático, estudando-lhe o rosto. E se tentasse beijá-la?

Mas ele apenas deu um leve suspiro e disse:

— Você é linda. — Depois sorriu, acrescentando: — Mas já sabe disso, claro.

— Sei?

— Sem dúvida! Mulheres que nem piscam quando recebem um elogio estão perfeitamente conscientes da beleza que tem. — Afastou-se dela e olhou à sua volta. — Bem, vamos indo?

Ele a ajudou com o casaco de peles e depois de vestir o sobretudo, abriu a porta para saírem.

Chovia muito quando chegaram à portaria do prédio, mas o motorista de Sherlock já os esperava com um guarda-chuva.

Molly nunca havia entrado numa limusine e precisou se esforçar para não demonstrar isso, contendo a vontade quase infantil de acariciar a pelica do estofamento, conferir o que havia no bar em miniatura e brincar com os botões, ligando a tv, o rádio e o ar-condicionado.

Nesta noite acompanhou A Flauta Mágica com facilidade porque tinha pesquisado a respeito dessa obra em casa. Ouvira várias gravações até se familiarizar com a música. Mas ficava difícil concentrar-se na história por causa do homem que estava ao seu lado. De certo modo, era até melhor assim. Se ficasse muito à vontade suas defesas poderiam cair, o que seria perigoso. Apesar de Sherlock não ter motivos para suspeitar dela, era inteligente demais para não notar uma falha.

O programa do espetáculo lhe escapou dos dedos e ela fez um movimento rápido para impedi-lo de cair no chão. Sherlock também tentou pegá-lo e eles terminaram esbarrando as mãos. Tomada de surpresa, Molly não conseguiu controlar o tremor que lhe passou pelo corpo. Levantou a cabeça e então seus olhos se encontraram. Por um instante foi como se tudo tivesse desaparecido, ficando só a música a envolvê-los. Sherlock fez questão de segurar a mão dela por alguns instantes, mas depois soltou-a e todo o clima de magia se desfez.

No intervalo, foram para o bar do teatro, onde ele já havia reservado uma mesa. Mantiveram uma conversa comum, sem grandes assuntos. Mas depois da ópera, quando foram jantar em um restaurante, o clima entre eles se tornou mais informal.

— Onde você morava antes de vir para Londres? — ele perguntou, enquanto tomavam drinks.

— Ah, isso é bem variado… — respondeu Molly, com displicência. — Eu morava com uma tia que adorava viajar, ela estava sempre alugando ou comprando casas nos lugares mais diferentes. Ficávamos nelas até titia enjoar, tinha um temperamento muito agitado.

— Tinha? Você usou o tempo passado.

— Sim, ela morreu no começo do ano, quando estávamos nas ilhas Canárias.

— Então você se viu livre para morar em Londres? — Ele parecia estar insinuando alguma coisa.

— Não foi uma questão de me ver livre — ela respondeu, com orgulho. — Se eu quisesse, poderia ter vindo para cá há muito tempo. Mas o fato é que gostava de minha tia. Ela era uma mulher incrível! Nós nos divertíamos muito juntas. — Estava representando muito bem. Quase podia ver a tia que havia inventado para sua história.

— E por que você escolheu morar em Londres depois que ela morreu?

Molly não respondeu de imediato. Pensou um pouco e depois falou num tom de voz meio perdido, que atraiu ainda mais a atenção dele.

— Não tinha outro lugar para ir. — Sherlock ia dizer alguma coisa, mas para alívio dela, o garçom veio tomar o pedido e foi possível mudar de assunto quando ele se afastou: — E você, mora aqui mesmo na cidade?

— Sim, tenho um apartamento perto de Hyde Park.

— E também trabalha aqui? — Ela abriu a bolsa e enquanto fingia procurar um lenço, ligou o gravador que Magnussen lhe dera. Não esperava conseguir muitas informações tão cedo, mas seria bom verificar o funcionamento do aparelho. — Porque você trabalha, certo?

— Sim, claro. — Ele sorriu. — Tenho um escritório na área comercial da cidade.

— Oh, um escritório na área comercial! Isso pode significar muitas coisas, talvez até esconder grandes pecados, não?

— Pecados? — Sherlock usou um tom cauteloso.

— Foi só um modo de dizer. — Molly sorriu com um ar inocente. — Ocupações, então.

— Sim. Sou executivo de um conglomerado de empresas.

— Um executivo! Parece muito importante. Diga-me, o que faz um executivo? Executa pessoas?

Molly deu uma risada.

— Acho que às vezes sim. — lnclinou-se e aprisionou a mão dela. — Está querendo brincar comigo, Molly?

Para sua irritação, a mão tremeu um pouco. Tentando disfarçar, ela disse num tom de zombaria.

— Por quê? Não gosta que brinquem com você? É do tipo sério?

— Longe disso. Estou sempre disposto a rir com alguém. Mas gostaria de saber por que você me acha divertido.

— Você está enganado. — Ela puxou a mão, com medo de que ela tremesse de novo, não gostando nem um pouco do rumo que a conversa começava a tomar.

Por sorte, Sherlock sorriu e deixou o assunto morrer. Começou a contar sobre o festival na cidade austríaca de Salzburgo, terra natal de Mozart, e os espetáculos que havia visto por lá.

Conversaram despreocupadamente até o fim do jantar. Depois ele a convidou para ir até a pista de dança, um espaço pequeno, como de habito nos clubes noturnos. Os casais acompanhavam a música, bem juntos, os movimentos leves e compassados criando um clima romântico.

Os braços de Sherlock, Molly admitiu para si mesma, transmitiam uma grande sensação de segurança. Impossível negar a vibração, a energia daquele corpo másculo. Estava habituada a dançar com homens altos, Lestrade por exemplo, portanto não houve problemas e logo os dois se entregavam ao ritmo delicado da música.

Ela rapidamente constatou o fato de que Sherlock Holmes a impressionava, não sabia exatamente por quê. Talvez fosse aquele jeito autoconfiante de tocá-la, a atitude de orgulho ao conduzir a parceira, como se sempre pudesse ser bem-sucedido em tudo.

Enquanto dançavam, Molly ficou pensando no que Magnussen tinha contado sobre as atividades ilegais do seu adversário. Ele havia sido um tanto vago a respeito desse assunto, mencionando por alto alguns subornos para conseguir grandes contratos e especulações desonestas no mercado de ações. Olhando disfarçadamente para o seu par, ela se perguntava se Sherlock seria mesmo capaz de descer tão baixo para atingir seus objetivos. A expressão do rosto dele estava fria e distante, a boca um pouco contraída, carregando as feições. Aquele homem parecia não medir consequências ou meios para conseguir o que queria. Exemplo disso era o estado em que se encontrava Sarah Magnussen. Molly estremeceu ao pensar na temeridade da tarefa que tinha pela frente. Precisaria tomar muito cuidado. Se ele descobrisse alguma coisa… Então Sherlock a encarou e um sorriso lhe suavizava o rosto. Ele a puxou mais para perto.

— Quando vai sair de novo comigo?

Ela voltou a representar o seu papel de mulher sofisticada e lhe dirigiu um sorriso indiferente.

— Eu só aceitei sair hoje por causa da ópera, está lembrado?

— E você não pensa em mais nada, senão em ópera? — perguntou baixinho, abraçando-a com mais força.

Molly recuou um pouco.

— Estou namorando Lestrade. Você sabe disso.

— Então se livre dele.

Ela perdeu a respiração ao perceber a facilidade de Sherlock dar ordens.

— Por que eu faria uma coisa dessas?

— Ele não é o homem certo para você.

— E você é suponho! — falou Molly, irritada.

— Talvez. Tenho certeza de que posso lhe dar muito mais do que ele.

Então ela respondeu quase descontrolada:

— Quando me interesso por um homem, não penso no que ele pode me dar, mas no que ele é. E gostaria de ir embora agora, por favor.

Tentou se afastar, mas Sherlock continuava a segurá-la com força, obrigando-a a seguir a música.

— Seus olhos brilham quando você fica zangada. Diga que vai jantar comigo amanhã.

— Não!

— Almoçamos juntos, então?

— Já lhe disse, não. E… não quero vê-lo de novo.

— Oh, sim, é claro que você quer. Pare de fingir, Molly. — O coração dela quase parou de susto.

— O que está querendo dizer? — ela conseguiu perguntar, num fio de voz.

— Que você não é tão fria como quer demonstrar. Essa sua fachada não me engana.

O alívio que sentiu fez com que logo voltasse a representar o seu papel.

— E por que você diz isso?

Sherlock acompanhou a linha do pescoço dela levemente com a ponta dos dedos.

— Porque você treme quando é tocada, minha cara — disse suavemente.

A música parou, mas Molly mal deu por isso. Ficou olhando para ele com os lábios entreabertos, tentando estudar aquele rosto impenetrável. Mas Sherlock, sorrindo, lhe passou o braço pela cintura, conduzindo-a de volta à mesa.

Lá sentados, ela tentou descobrir um meio de continuar lidando com aquela situação, desejando muito estabelecer um roteiro determinado para seguir. Nada estava saindo exatamente como havia planejado. Pretendia manter Sherlock a distância por muito mais tempo, mas ele assumira o controle do jogo. Ficava apreensiva por ter sido acusada de estar representando.

Olhou para ele de soslaio. Sherlock havia dito que ela tremia sempre que era tocada. Podia ser verdade, mas tudo não passava de um misto de tensão e repulsa. Afinal, sabia o que ele tinha feito a Sarah Magnussen e precisaria se lembrar disso constantemente. Assim seria possível manter a frieza necessária para que o plano continuasse a funcionar. Bem mais calma, disse:

— Você falou que é executivo de um conglomerado de empresas. Por acaso isso significa que mexe com ações e com o mercado de capitais?

— Também. Por quê? — Sherlock acendeu um cigarro.

— Titia me deixou algumas ações e o advogado dela me aconselhou a procurar um especialista. Ele acha que seria uma boa ideia eu reinvestir. Será que você conhece alguém capaz de me orientar?

— Conheço muitas pessoas. Eu lhe darei alguns nomes e você poderá escolher dois ao seu gosto.

— Dois?

— Sempre é bom se ter uma segunda opinião quando se trata de finanças ou saúde. Não concorda comigo?

— Nunca pensei nisso, mas me parece uma boa ideia. É o que costuma fazer?

Sherlock balançou a cabeça com um sorriso frio.

— Não. Tomo as minhas próprias decisões. E quando cometo algum erro, a responsabilidade é só minha.

— Mas você não deve cometer muitos erros — ela disse, em tom de zombaria.

— Isso é verdade. Nunca no mercado de ações ou… com mulheres — ele acrescentou deliberadamente.

Deixaram o restaurante logo em seguida e Sherlock insistiu em acompanhá-la até a porta do apartamento. Pediu-lhe a chave e enquanto destrancava a fechadura, Molly ficou imaginando o que ele iria fazer em seguida. Havia muitas opções: tentaria persuadi-la a fazer amor, lhe daria um beijo apaixonado, faria um novo convite para saírem juntos, ou quem sabe tudo acabasse com um simples aperto de mão…

Mas não aconteceu nada disso. Ele simplesmente falou:

— Vou mandar aquela lista de nomes para você. Boa noite. — Sherlock acompanhou o contorno dos lábios dela com as pontas dos dedos. — Você é linda. Tão parecida… — Interrompeu-se bruscamente. — Esta foi uma noite muito especial para mim. — Depois de observá-la por um bom tempo, deu meia-volta e entrou no elevador.


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