Unbroken escrita por Angel


Capítulo 63
Nobody's Home




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— Eu vou atrás dela! — Regina saiu andando mas Belle a impediu

— É melhor não! — Belle disse

— Quem você pensa que é? Eu vou falar com ela, ela é minha filha! — Regina puxou o braço, irritada

— Sim, ela é sua filha. E sim, vocês duas são muito parecidas. Exatamente por essa razão eu acho que você deveria saber que ela não vai se abrir com você facilmente. Pela reação dela deve ser algo muito forte! — Belle elucidou

— Ela tem razão, meu amor. — David afirmou, segurando a mão da esposa — para ela ter escondido algo de nós deve ser muito grave. Ela não vai querer se abrir conosco assim...

— Então o que fazemos? — Regina questionou — Ficamos aqui de braços cruzados enquanto vemos nossa filha sofrer?

— Eu vou falar com ela! — Belle afirmou

— E porque acha que você conseguiria tirar algo dela? — Regina indagou, ainda nervosa — eu sou a mãe dela.

— Regina, entenda. Há certas coisas que talvez ela não se sinta agradável em compartilhar com você, de primeiro instante. Ela é minha melhor amiga, e dependendo do grau de gravidade, eu acredito que seja a pessoa mais fácil pra quem ela sentiria mais confortável e menos receosa em se abrir! — explicou — ela vai se abrir com você, mas não agora. — finalizou

Ela assentiu então, convencida.

— Eu vou atrás dela e conversar. Depois encontramos vocês! — Belle afirmou — sei exatamente onde encontra-lá...

Pouco depois, no pier...

Marissa estava sentada de frente para o mar, sentindo o vento bater nos seus longos cabelos negros enquanto derramava silenciosas lágrimas. Mesmo anos depois aquilo ainda lhe doía mais do que tudo. Sentiu alguém sentar perto de si e observar o céu, assim como ela. Não virou o rosto e nem disse nada. Sabia exatamente quem era. Abraçou-a, enquanto continuava a chorar. Ficou assim por vários instantes. Era incrível a segurança que Belle lhe transmitia, mesmo sem dizer nada. Sentia como se fosse sua irmã.

— Eu não quero ser fraca, não posso ser fraca... — ela sussurrou para a amiga, quebrando o silêncio

— Você não é fraca, e sabe disso. É uma das pessoas mais fortes que conheço, e o fato de ter algo que a machuque não muda isso. — Belle afirmou

Marissa então enxugou as lágrimas, respirando fundo.

— Não imagina o quanto eu queria apagar isso da minha mente, deixar de lado. E ao mesmo tempo, continua sendo um lembrete. Um lembrete de saber bem até onde minha "bondade" deve ir... de não confiar e não poupar ninguém. — falou

— Eu sei que deve ser forte, pelo jeito que você está agindo. Se não quiser contar, não precisa. Mas talvez ajude, se quiser desabafar. Sabe que pode confiar em mim! — afirmou

— Eu não gosto de lembrar, mas isso me atormenta todas as noites, antes de dormir — ela falou, enxugando uma lágrima que voltava a cair — talvez seja a hora de colocar pra fora... ou não... eu não sei...

— O que aconteceu? — Belle questionou

— Se lembra que eu disse que fui adotada aos 9 anos? — indagou

— Sim, e que era maltratada por eles, eu lembro. — assentiu

— Eles me jogaram em um colégio interno, mas quando acabava o período letivo, eu tinha de voltar pra casa. Pra casa deles. Eu já disse o quanto fui humilhada quando ficava por lá, mas não foi só isso... — ela contou

— O que teve a mais?

— Eu tinha acabado de completar doze anos, eu me lembro bem. Eu tranquei a porta do meu quarto, como era de costume. Deitei e comecei a cochilar... até sentir alguém em cima de mim... abri os olhos, ainda sonolenta. Demorei um pouco pra assimilar, mas quando finalmente acordei por completo, vi que o homem que havia me adotado, estava arrancando a minha roupa e me segurando ao mesmo tempo. Me debati, tentando escapar mas foi inútil. Ele me bateu, e depois de conseguir imobilizar o desgraçado me.... — ela pausou deixando as lágrimas rolarem — ele me estuprou, Belle. — revelou, deixando a amiga chocada — e me ameaçou se eu contasse alguma coisa. Ele tinha uma cópia da chave do meu quarto, eu descobri depois. É claro que eu não o obedeci, e contei pra esposa dele. Mas em quem você acha que ela acreditou? No tão amado homem dela ou na marginal? — ela derramou mais lágrimas — e isso se repetiu uma, duas vezes... eu me sentia suja, usada, humilhada. Eu dizia que estava me machucando, mas ele ria, me batia... — soluçava — pensei em acabar com a minha vida, afinal, o que eu estava vivendo? Era uma órfã, que apanhava e sofria humilhações da família adotiva, sofria bullying no colégio, na minha cabeça meus pais biológicos me rejeitaram e tentaram me matar, e agora aquilo... não passava de uma infeliz. Até que acabei tendo uma reação contrária... uma noite, eu peguei uma faca na cozinha e escondi dentro da minha roupa. Tranquei a porta do meu quarto, o que era inútil, e fiquei esperando ele chegar. E o desgraçado veio... não perdi a oportunidade e apunhalei ele. Tudo o que eu queria era mata-lo. Mas ele foi mais rápido, me trancou no quarto e saiu correndo. Não decidiu contar nada pras autoridades, porque isso seria um escândalo que envolveria a família. Eles apenas resolveram me afastar ainda mais. Quando não ficava no internato, vivia trancada, porque ele sabia que assim que me visse solta ia arranjar um jeito de acabar com ele. Foi a partir daí que não tive mais piedade de nada e ninguém... com doze anos me tornei uma assassina fria. Perdi as contas de quantos matei ou pelo menos deixei uma boa marca caso cruzasse meu caminho... as crianças que tiravam sarro de mim na escola pararam, pois tinham medo. Matei pelo menos metade de uma classe e machuquei uma boa parte deles. Ninguém me acusava ou contava nada, pois sabia que ia amanhecer numa poça de sangue. Eu era boa... não deixava pistas do que fazia, e sabia "queimar arquivos" muito bem. Decidi que ao invés de acabar com a minha vida, deveria acabar com a vida daqueles que cruzassem meu caminho. As vezes que tentava fugir deixava uma devastação por onde passava, e claro, acabava sendo pega pela polícia e os "senhores" davam um jeito de apaziguar a situação pra não se tornar escândalo. Quando conseguia, roubava pra ir á baladas, beber e tentar esquecer o que vivia. Mas nunca adiantou... minha vida realmente mudou depois que consegui roubar aquele carro e chegar aqui. Foi quando eu senti a esperança, que perdi há muitos anos voltar á mim novamente. E eu sou grata, Belle. Grata á todos vocês por isso. Me fizeram acreditar que era capaz... que podia mudar, e que algum dia eu seria feliz. Mesmo que essa marca nunca seja apagada... mesmo que eu sempre tenha vivo o lembrete de nunca mais confiar em ninguém, de não poupar aqueles que me machucarem. Mesmo que eu nunca vá ter minha inocência de volta... se é que algum dia eu fui inocente nessa vida... — desabafou — eu sei que não importa o que aconteça, ou quanto tempo passe... isso sempre vai me atormentar antes de dormir. Eu sempre vou ter pesadelos e me perguntar se alguém vai abrir a porta e entrar no meu quarto no meio da noite. É como o monstro de baixo da cama... mas diferentemente da maioria das crianças, o meu sempre vai estar lá... e eu sempre vou ter medo que ele saia pra me assustar! — finalizou, enxugando as lágrimas

— Eu sinto muito, Marissa. Eu jamais poderia imaginar... eu não sei nem o que dizer... — Belle se viu estática, sem saber como agir.

— Não tem problema, não há o que dizer... — deu de ombros — é por isso que eu sou tão apaixonada pela música. Sempre foi a única forma de fugir do meu mundo... eu simplesmente colocava numa canção tudo que eu queria dizer, ou meus sonhos, como queria que fosse... tudo... — ela disse, fazendo um pequeno caderno aparecer em suas mãos — eu sempre escrevi todas as minhas músicas aqui. Era como se fosse meu diário. — falou, foleando as páginas

— Você é muito talentosa, inteligente, e por mais que acredite que não, tem um grande coração. Você pode deixar tudo isso de lado, e seguir em frente. Nós podemos te ajudar, você pode ter uma vida boa. Sem monstros, pesadelos... pode deixar seu passado de lado! — Belle afirmou, tentado anima-la

— Eu sei que não... — Marissa negou com a cabeça — isso vai me seguir até eu morrer. Mas sabe qual é a parte boa? Eu não vou precisar contar mais isso a ninguém! — ela forçou um sorriso, dando de ombros

— Como assim? — ela não entendeu

— Vamos lá, até parece que agora não está todo mundo reunido na loja do vovô vendo a nossa conversa através da bola de cristal dele... — Marissa disse

E de fato, na loja de Gold, Regina encontrava-se em prantos. Jamais imaginou que aquilo teria acontecido a sua filha, sua pequena garotinha. David estava em uma mistura de fúria e tristeza, mas se controlava e tentava acalmar a esposa. Os outros permaneciam calados, em choque.

— Hey pessoal... — Marissa adentrou a loja, com Belle. Regina correu até a filha e a abraçou, como nunca havia abraçado, nem mesmo quando descobriu que ela era sua filha. — está tudo bem, mãe. Eu estou bem! — ela falou, abraçada a mãe

— Não está... eu deveria estar ao seu lado, eu não pude te proteger. Não pude evitar! — ela falou

— Está tudo bem, não foi sua culpa. Aliás, não cabe agora ficar culpando ninguém. Pessoas se machucam, inclusive nós mesmos. E muitas vezes não podemos impedir, só podemos apoiar e ajudar a se levantar. A vida é assim. Não se culpe, está tudo bem, mãe. Já passou! — Marissa afirmou

— Você é muito forte, foi muito inteligente escrever músicas como forma de desabafo. Você é uma menina muito profunda, talvez isso que a torne tão talentosa! — Emma afirmou

— Belle... a minha guitarra ainda está ai? — Marissa questionou, vendo a mesma assentir e em seguida adentrou a loja e procurando seu instrumento, o pegou e sentou-se na cama de descanso que havia no fundo da loja — eu escrevi essa música com quase treze anos de idade... é a música mais pessoal que já escrevi. Eu nunca cantei ou toquei pra ninguém justamente por isso. Pois é definitivamente, a minha história. Mas acho que, chegou a hora de finalmente canta-lá! — afirmou, vendo todos se acomodarem, preparando-se para ouvi-lá. Ela então, começou a tocar alguns acordes em sua guitarra, e em seguida, começou a soar junto ao instrumento, como não fazia há mais de três anos.

música

Eu não poderia te dizer, porque ela se sentia assim

Ela se sentia assim todos os dias

Eu não pude ajuda-lá

Apenas assisti, ela cometer os mesmos erros novamente

Tentou conter as lágrimas, devido as dolorosas lembranças que lhe invadiam

O que, o que está errado agora?

Muitos, muitos problemas

Não sabe aonde ela pertence

aonde ela pertence

Parou por um instante, vendo todos atentos á ela

Ela quer ir pra casa

Mas ninguém esta em casa

é onde ela se encontra

machucada por dentro

Sem ter onde ir, sem ter onde ir

Secar suas lágrimas

Quebrada por dentro

Regina também tentava conter o choro, ela sentia o coração doer e quase que por um instante, sentiu exatamente o que Marissa estava sentindo.

Abra seus olhos

E olhe em volta, para encontrar as razões

Você foi rejeitada

E agora não consegue encontrar o que deixou pra trás

Era apenas a voz dela no ambiente, a forma como ela cantava, cada palavra, as notas... todos podiam ver e sentir um pouco da dor dela, do que ela havia passado.

Seus sentimentos ela esconde

Seus sonhos não consegue encontrar

Ela está perdendo a cabeça

Está caindo do alto

Ela não consegue encontrar seu lugar

está perdendo sua fé

Ela caiu em desgraça

Ela está longe da realidade

Qualquer um teria desafinado naquela parte, mas ela não. Sua voz emitia cada nota perfeitamente bem. A obedecia como uma criança obedece a mãe quando está com medo. Não emitia apenas as notas, mas transparecia tudo o que ela sentia.

Ela quer ir pra casa

Mas ninguém está em casa

é onde ela se encontra,

Machucada por dentro

Sem ter onde ir, sem ter onde ir

Secar suas lágrimas

Machucada por dentro

Ela está perdida por dentro, perdida por dentro...

Ela está perdida por dentro, perdida por dentro...

Finalizou, deixando um rangido ecoar de sua guitarra, sumindo aos poucos. Não chorou, nem emitiu nenhuma emoção. Tudo o que ela havia de mostrar ou dizer, já havia sido feito.


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