Coletando estrelas cadentes. escrita por mending4


Capítulo 6
Capitulo 4 - a verdade seja dita finalmente


Notas iniciais do capítulo

Eu sou Cassie Armistead, tenho dezesseis anos e acabei de sair de um hospital psiquiátrico, onde fiquei internada durante seis meses. Após a minha saída do hospital, eu esperava me estabilizar e recomeçar a minha vida. No entanto, recebi a pior notícia que eu poderia receber: Minha família e eu estávamos de mudança para a Inglaterra. Que droga! Eu esperava recomeçar a minha vida na América e não partir, subitamente, para outro continente. Agora terei que me adaptar a um lugar frio, uma casa pequena e a pessoas tão frias quanto o próprio ambiente. Sorte que eles tem um sotaque maravilhoso! Mas isso não muda o fato de que vai ser difícil me adaptar, fazer amigos e principalmente, ser normal. Eu não sou muito boa nisso.



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— E então, como foi o seu primeiro dia? — minha mãe perguntou no momento em que pisei meus pés dentro de casa — Conte-me tudo! Eu quero saber de tudo. Como se sentiu ao voltar à escola? As pessoas foram legais com você?

Não havia muito o quê falar. Além do fato de eu, surpreendentemente, ter socializado com algumas pessoas. Porém, eu não sabia se eu me tornaria amiga daquelas pessoas ou colega, ou talvez apenas uma conhecida.

— Foi normal — eu disse, sem muito entusiasmo.

— Como assim normal? — ela franziu o cenho — Você não frequenta a escola há seis meses. Conte-me como foi voltar à sua antiga vida!

— Foi normal, mãe! — esbravejei — Foi normal…

Eu estava com sono e um pouco cansada, e eu só queria tomar outro banho. Eu gostaria de ter a chance de tirar uma soneca da tarde, no entanto, era óbvio que a minha mãe me faria ajuda-la a limpar até o teto da casa.

— Certo, hm… Vá tomar um banho. Eu comprei comida congelada, se você estiver com fome pode comer. Daqui a pouco quero que me ajude a terminar de limpar a casa. Eu estou limpando o primeiro andar, quero que você comece o segundo andar.

— Onde está o Bob? — eu perguntei enquanto subia as escadas para o segundo andar.

— Está na escola — ela respondeu — Ele chegará em alguns minutos…

Pouco antes de eu colocar a mão na maçaneta da porta do meu quarto, minha mãe gritou do primeiro andar.

— Ah, e… Hoje Anthony vem jantar com a gente!

Anthony? O vizinho? O vizinho gato? Sério?!

Eles fizeram sexo. Tudo bem. Mas, por que ele está vindo jantar em nossa casa? É algum tipo de agradecimento ao bolo que ele nos trouxe no outro dia, ou um agradecimento pós-sexo? Isso é tão típico da minha mãe. Desde que ela percebeu que talvez jamais se casasse outra vez e que não teria mais sorte no amor, ela enlouqueceu.

Há um tempo ela começou a sair com vários homens em uma mesma semana. Se ela conhecia um cara em um bar esta noite, nesta mesma noite ela iria para a cama com ele. Lembrando que: Não importa a idade. Eles podem ser vinte anos mais velhos do que ela. Ou eles podem ser vinte anos mais jovens do que ela. “Seu pai fez isso! Por que não posso fazer?”, ela costuma dizer.

Meu pai fugiu para a Austrália com uma modelo catorze anos mais jovem do que ele. Ele a conheceu em um ensaio fotográfico — meu pai é fotógrafo — e, subitamente, se apaixonou por ela. Naquela época o casamento dos meus pais já estava em crise, então quando meu pai viu a oportunidade de fugir para a Austrália com uma jovem bela e magra, ele fugiu. Desde então ele me manda um postal de três em três meses… Ou três em três anos. Nem se quer telefona!

— Por quê?! — gritei do pé da escada.

— Porque eu o convidei para jantar conosco — ela disse.

Minha mãe já fez isso outras vezes. Quero dizer, jantares sem nenhuma razão aparente. No final, ela provavelmente dará um pé na bunda desse Anthony e partirá para outra paquera. A única coisa que ela quer é se divertir, e seu conceito de diversão não inclui entrar em um relacionamento sério.

Eu não iria questiona-la mais sobre o assunto. Na verdade, eu estava pouco me lixando sobre qualquer coisa que ela fosse fazer. Entrei no banheiro e me despi. Tomei um banho quente, quase fervendo. Isso queimava minha pele como o fogo do inferno, mas apesar da dor e do ardor, isso me agradava um pouco.

A minha história em relação a dores é bastante complexa. Na verdade, é isso o que me torna uma pessoa louca de acordo com o meu guia de internação e meu diagnostico médico. Automutilação. Quando tentei me suicidar, a primeira coisa que veio em minha cabeça foi: cortar os pulsos. No entanto, antes da minha tentativa de suicídio eu já havia passado por outros episódios de automutilação.

Eu comecei a me mutilar aos treze anos de idade, pois foi a partir daí que senti que havia algo diferente em mim. Eu não me sentia normal. Eu sentia que algo estava faltando. Eu só não sabia o que era. Passei a me sentir triste o tempo todo, mas a pior parte era que, eu não sabia por que estava triste. Eu simplesmente estava triste.

Era como ter um vazio dentro de mim que era incapaz de ser preenchido. Um vazio profundo, como um buraco oco e escuro sem fim. Nada era capaz de preencher aquele vazio. E foi então que descobri alguns “métodos” para preenchê-lo. Esse vazio que eu costumava sentir me proporcionava uma dor lancinante indescritível. A única maneira que encontrei de acabar com essa dor, foi criando outra dor. Eu precisava substituir a dor emocional com a dor física. Era uma forma de cobrir, temporariamente, o vazio dentro de mim. Destampando um buraco para cobrir outro.

Uma vez que você começa a se automutilar, isso meio que se torna um vício. Quando a dor emocional volta, você quer mata-la e recorre à dor física. Você só precisa vencer o mais forte, mas o mais forte parece ser invencível. No entanto, você não desiste de tentar vencê-lo constantemente.

Quando fui para o hospital psiquiátrico, tive uma crise de abstinência de automutilação. Havia dias em que eu estava muito mal e tudo o que eu queria era me cortar. Mas, obviamente, eu não podia. Às vezes eles tinham que me dopar para poder me controlar. Porém, passados alguns meses, eu aprendi a lidar com a minha dor de outra forma. Através de algumas terapias de expressão que fazíamos na clínica, e através dos medicamentos.

— Há dores pior do que essa — murmurei a mim mesma enquanto a água quente queimava minhas costas. Eu estava sentada no piso do banheiro desejando que a água que caía em minha cabeça lavasse tudo, incluindo os meus problemas e preocupações, e escorresse tudo isso pelo ralo.

Olhei brevemente para os meus pulsos. Havia um tempo que eu não fazia isso. Eu costumava cobri-los com uma blusa de manga cumprida ou pulseiras. Era difícil olhar para aquilo depois de tudo o que aconteceu. Duas cicatrizes horrendas ocupavam os meus pulsos. Cada vez que eu olhava para elas a lembrança de tudo o que me aconteceu vinha à tona à frente de meus olhos como um filme.

— Eu preciso fazer xixi! — ouvi alguém gritar e socar a porta. Bob.

Ele me despertou de meus devaneios. Saí do chuveiro e enrolei mais um pouco, só para provoca-lo.

— Mãe! Eu preciso fazer xixi! — ele gritou. Como sempre ele recorreu à sua protetora, a mamãe.

Abri a porta e quase caí quando Bob entrou em disparada no banheiro. Bob estava vestindo um uniforme extremamente feio. Será esse o uniforme de seu novo colégio? Camisa social branca. Calça social vermelho-escura. Terno social da mesma cor da calça e sapato social preto. Que merda!

— Você está horrível! — comecei a rir ao vê-lo vestido naquela coisa ridiculamente engraçada.

— Cala a boca! — ele bateu a porta do banheiro a minhas costas.

Fui para o quarto e vesti uma roupa quente de moletom. Tomei meus medicamentos antes de comer alguma coisa, e em seguida comecei a ajudar minha mãe a limpar a casa. Ela me fez passar os aspirador nos quartos e no corredor, arrumar as camas, espanar os móveis dos quartos e lavar o banheiro. Quando eu finalmente terminei, depois de quase três horas, eu estava acabada.

Durante o tempo em que eu fazia tudo isso, minha mãe foi ao supermercado comprar algo para cozinhar no jantar. Obviamente, só porque Anthony jantaria conosco. Mas se fosse um jantar habitual, ela pediria pizza novamente.

— Cassie, eu preciso da sua ajuda para preparar o jantar! — ela gritou da cozinha quando chegou com as compras.

— Peça para Bob! — gritei de volta.

Bob estava no sofá, assistindo ao programa do Bob Esponja. Ele nem se quer me ajudou a esvaziar o aspirador de pó quando terminei minhas tarefas. Estava na hora de ele fazer algo.

— Não, eu quero que você me ajude!

— Não, mãe! — retruquei — Eu tenho coisas a fazer. Hoje foi o meu primeiro dia de aula, mas há lições de casa a serem feitas! Meu cronograma escolar está atrasado.

E depois disso fui para o quarto. Eu não tinha muitas lições de casa para fazer, mas eu também não queria ajudar minha mãe a preparar o jantar. Por que eu tenho que fazer tudo quando Bob não faz absolutamente nada além de assistir a desenhos animados? Isso não é justo.

***

Já eram seis horas da tarde. Hora do jantar.

— Cassie, desça! — minha mãe gritou do primeiro andar — O jantar está pronto!

Eu estava no quarto. Eu já havia feito minhas lições e estava esparramada em minha cama, pensando. Eu passava boa parte do meu tempo pensando, imaginando, fantasiando, devaneando e me iludindo. Eu até gostava disso. Por mais que tudo o que eu imaginasse não passasse de pura imaginação e ilusão, mas bem no fundo parecia ser real.

Meus devaneios geralmente eram sobre garotos. Garotos que jamais se quer olhariam para mim, mas em meu pensamento: Eles eram meus namorados e me amavam incondicionalmente. Nós tirávamos aquelas fotos bonitas de casais iguais as que vemos na internet. Eu era uma garota normal, bonita e “apaixonável”. Tudo era lindo e perfeito!

Pena que tudo isso só se passava dentro da minha cabeça…

Minha mãe havia me dito para vestir uma roupa legal já que receberíamos um convidado para o jantar. No entanto, não fiz a mínima questão de trocar de roupas. Fui jantar de moletom e cabelos amarrados num coque. Eu estava parecendo uma mendiga, mas dane-se.

— Suba agora e troque de roupa — minha mãe ordenou no momento em que pisei na cozinha.

— Se eu subir vai ser para dormir — eu disse para desafiá-la — Ou eu fico com esta roupa, ou eu não janto com vocês hoje.

A veia de sua testa saltava sempre que ela estava prestes a sentir que queria me matar. Quando isso acontecia, ela contava mentalmente até dez para se acalmar e “conseguir dar um bom futuro ao Bob”. Porque se ela ficasse nervosa, ela me mataria. Então ela seria presa por assassinato e Bob iria para um orfanato ou viraria um garoto de rua. Ou seja, um garoto sem futuro. Quando a ocasião era outra — ela estava nervosa com Bob e não comigo — ela mudava seu argumento. Ela se acalmava, pois queria dar um futuro bom a mim. Estranho, não é?

Anthony chegou às 06h35. Minha mãe vestia uma calça jeans justa e uma camiseta regata preta. Para ela, isto era estar chique e na moda. Quando Anthony entrou na cozinha, eu esperava que ele estivesse vestindo um terno e segurando um buquê de flores na mão. Porém, ele estava vestido normalmente. Isso significa que: a “relação” entre Anthony e minha mãe, não duraria. Ambos não querem um relacionamento sério um com o outro.

Eu já conheço o modo como funcionam as coisas entre minha mãe e seus homens. Ela conhece um homem, ela faz sexo com ele — não importa a idade, altura, classe social etc. Ele só precisa ter um pênis —, mantém contato com ele (às vezes, no máximo, durante duas semanas) e o chama para jantar em sua casa. Se o homem aparece vestido formalmente e com um buquê de flores, é porque ele quer algo sério com ela. Se ele aparece de mãos atadas… Bom, isso quase nunca acontece com minha mãe. Mas geralmente significa que ele só queria transar com ela e nada mais!

Isso para minha mãe é um alívio, porque a ultima coisa que ela quer é um relacionamento.

— Boa Noite — Anthony nos cumprimentou. Depois de vê-lo fazendo sexo com a minha mãe, de repente, todo o seu charme evaporou. Ele não parecia mais tão bonito e gostoso quanto antes, apesar de ser. E seu sotaque parecia tão… Falso.

Eu não respondi a seu cumprimento. Ele se sentou a nossa mesa redonda de cinco cadeiras. Infelizmente ele se sentou em minha frente. Eu preferia fingir que ele não estava lá.

Minha mãe serviu o jantar.

— Que droga é esta? — Bob mexia na comida com o garfo e fazia careta.

Eu estava fazendo exatamente a mesma coisa. Ela nunca havia preparado aquela comida que estava em nosso prato antes. Tinha uma carne assada com uma espécie de calda por cima. Era nojento!

— Isto não é droga! — minha mãe o repreendeu — Isto se chama Sunday Roast com pudim Yorkshire. É bem popular aqui em Londres…

Ah, claro! Estamos em Londres então ela tem que preparar um jantar londrino! Isso é tão idiota. Eu queria ligar para a pizzaria e pedir uma pizza grande e gordurosa naquele exato momento. Mas minha mãe não me deixaria fazer isso. Então Bob e eu tínhamos que comer aquilo.

— Então, Tony — minha mãe começou a puxar assunto de jantar — Como anda seus estudos de arquitetura?

— Muito bem, obrigado — ele respondeu — Eu terminei a faculdade há alguns meses, mas continuo estudando.

Houve silêncio por alguns segundos.

— Mãe, você não disse que Anthony arrumaria a nossa cozinha? — eu falei — Quero dizer, por causa dessa coisa de arquitetura… Você mesma disse que ele faria isso por nós.

Eu fiz isso só para provoca-la. Eu sabia que Anthony não faria droga nenhuma em nossa cozinha.

— Eu… Hm — minha mãe pigarreou — Eu achei melhor deixar do modo que está por enquanto. Nós acabamos de nos mudar, mas, mais para frente… Quem sabe!

— E o seu quarto, ele vai reformar? — eu perguntei, de repente.

Ops! Não foi a minha intenção… Na verdade, foi sim! Eu queria falar, eu só não deveria ter falado nada. Daqui a pouco a veia em sua testa vai pulsar loucamente.

— O que você quer dizer com isso? — ela apertou os olhos.

Já que comecei a falar agora tenho que terminar.

— Nada demais… — dei de ombros como quem não queria nada — É só que, um dia desses vi vocês dois testando alguns móveis e apreciando a arquitetura de certo quarto.

Ela soltou o garfo que estava segurando e ele tilintou no prato. Droga! Eu realmente não deveria ter dito nada. Minha mãe me observou por longos segundos e de repente ninguém mais estava comendo. Bob parecia não entender nada, e aproveitou a oportunidade para soltar seu garfo também e parar de comer a comida horrível a que fomos submetidos a engolir.

— Cassie — ela pronunciou meu nome cautelosamente. Ela estava contando até dez mentalmente… Prepare-se! — Eu ainda não estou entendendo o que você está querendo dizer.

É claro que estava! Ela só queria poupar os ouvidos de Anthony e Bob para uma futura discussão que poderia acontecer ou naquele momento ou em um futuro próximo — quando Tony fosse embora e Bob estivesse dormindo.

— Não está entendendo? Eu não fui clara? Eu estou apenas dizendo que, um dia depois da nossa mudança, eu a vi com Anthony. Eu não entendi muito bem o que vocês estavam fazendo… Testando… Ou será que era transando?

A gota d’água. A cadeira rangeu no chão quando minha mãe se levantou de antemão da mesa. Seu rosto estava ficando vermelho e ela contraiu os lábios. Contar até dez não funcionou. Eu tinha que correr? Talvez. Olhei para Bob. Ele estava boquiaberto. Pobre Bob, ele não fazia ideia nem da metade das aventuras da nossa mãe! Olhei para Anthony. Ele estava tão vermelho quanto a minha mãe, mas de vergonha, não de raiva.

— Vá para o seu quarto agora! — ela esbravejou.

— Eu não terminei de comer…

— Agora! — ela gritou muito alto, sem se importar se os vizinhos ouvissem e achassem que éramos loucos.

Sem pestanejar, fui para o quarto. Nunca foi a minha intenção estragar o jantar. Quero dizer, não era minha intenção estragar o jantar antes de eu saber que Anthony jantaria conosco. Quando soube, eu já tinha ideia do que eu queria fazer, apesar de saber que eu não deveria fazer. Eu estava cansada dos joguinhos da minha mãe. Ela brincava com os homens, toda semana nos apresentava um homem diferente e, para ela, isso era normal e certo.

Passei um longo tempo deitada em minha cama ouvindo musica. Eu não vi a hora em que Anthony foi embora ou a hora em que as louças começaram a ser lavadas porque o jantar já havia terminado. Quando a porta do quarto abriu, pensei que fosse Bob. Porém, a porta foi aberta abruptamente e percebi que era a minha mãe.

— Por que disse aquilo?! — ela gritou.

Eu ainda estava com os fones de ouvido, mas não havia musica tocando. No entanto, fingi que estava ouvindo musica. Comecei a mexer os lábios como se estivesse cantando. Minha mãe pulou encima de mim e arrancou os fones do meu ouvido sem dó nem piedade arranhando meu rosto.

— Eu estou falando com você, Cassandra!

Permaneci em silêncio.

— Certo. Certo. Certo… — ela segurou em seus próprios cabelos. Esse gesto significava que ela ainda estava tentando se controlar — Por que você não me disse que havia visto aquilo?

Franzi o cenho. Ela estava mesmo me fazendo essa pergunta? Sério?!

— Por quê?! — ri debochadamente — Por quê?! Ah, se eu tivesse dito, faria alguma diferença? Se eu tivesse dito, você pararia de vê-lo? O que você faria, mãe? Você pediria desculpas?! — a este posto eu já estava gritando — Você sempre faz isso! Sempre! Eu nunca havia dito nada, mas, é nojento! Eu estou cansada!

E agora eu estava de pé, em sua frente, gritando em sua face.

— Isso é nojento! Você não tem ideia de quão vergonhoso é ter uma mãe que faz esse tipo de coisa! Eu fiquei longe de casa durante seis meses e, esperançosamente, achei que quando eu voltasse algo tivesse mudado! Quantos anos esse Anthony tem? Vinte? E quantos anos você tem? Quase quarenta anos! Você deveria respeitar a si mesma e nos respeitar!

Enquanto eu falava, eu me surpreendi com algo. Minha mãe não retrucava, ela estava em silêncio. Seus olhos estavam brilhando, pois estavam úmidos. Ela estava prestes a chorar…

— Você deveria parar de sair com tantos homens, especialmente aqueles que têm idade para ser seu filho! Você é velha e você está acabada. Não é à toa que o papai fugiu com alguém muito melhor do que você, porque ele sabia que você viraria isso!

E no próximo segundo senti minha bochecha esquerda arder. Sim, ela havia me dado uma bofetada na cara. Por que este tipo de coisas sempre acontece quando você está discutindo com sua mãe? É igual nos filmes. Por que elas se acham no direito de bater em nossa cara só por que nós lhe dissemos a verdade? Em seguida elas sempre pedem desculpa. Mas aí já é tarde…

— Cassie, me perdoe — ela estava chorando. Viu? Choro… Desculpas… Não vai rolar, mamãe. — Por favor, me desculpe. Eu não… Eu não quis bater em sua cara. Não era minha intenção!

Eu tenho que admitir, a bofetada doeu um pouco. Eu não sabia que o ardor e o formigamento de pós-bofetada durasse tanto tempo. Minha mãe se aproximou mais de mim e envolveu seus braços em volta de mim, mas eu a afastei.

— Não. Encoste. Em. Mim. — eu falei cada palavra pausadamente para que ela compreendesse direitinho. Mas ela continuou pedindo desculpas em meio a soluços e mais choro. Pelo que ela estava se desculpando? Pela bofetada? Por ter transado com o vizinho um dia depois da nossa mudança a um novo continente? Por ter transado com vários outros homens e fazer-nos acreditar que eles seriam o nosso novo papai? Por ser a pior mãe do mundo?

Bom, eu não a desculpo. Por nada.

— Sai! — eu gritei — Tire as mãos de mim! — e me afastei dela — É difícil ouvir a verdade, não é?! E a verdade é que você é uma vagabunda! Você nunca será amada, mãe! Nunca!

E corri para o banheiro.

Um dia, um dos meus médicos no hospital psiquiátrico disse que os meus medicamentos são uma espécie de mãe e pai para mim. Pelo menos, foi como ele disse que eu deveria interpretar. Ele disse que minha mente é uma criança e que os medicamentos são os meus pais.

Os meus pais (os medicamentos) colocam a criança (minha mente) no lugar certo. Eles dizem onde minha mente deve ficar e dizem que ela não deve sair dali. Se eu não tomo os meus medicamentos é como se meus pais soltassem minha mão no supermercado, e eu me perdesse. No caso, sem os medicamentos minha mente se perde. E eu perco o controle.

Para mim nunca foi fácil recuperar o controle. Às vezes os remédios não são suficientes para controlar a minha mente. Meus pais não são autoritários o suficiente para manter a minha criança controlada. Eu sempre começava a chorar desesperadamente e ficava ansiosa, e no final acabava fazendo alguma besteira. Requeria aos meus antigos métodos de matar a dor me manter “controlada”.

“Eu não quero me cortar… Eu não quero me cortar… Eu não quero me cortar”, eu repetia a mim mesma sempre que esses pensamentos inundavam minha mente como uma onda abundante e sinuosa. “Controle-se”, eu respirei fundo.

Ouvi batidas violentas na porta do banheiro. Alguém socava a porta.

— Cassie, abra a porta! — era a minha mãe — Abra a porta agora!

Minha história com banheiros e portas trancadas não era muito boa. Sempre que eu me trancava em algum cômodo algo ruim sempre acontecia. Principalmente depois que enlouqueci. E loucura, ansiedade mais nervosismo não dão muito certo. Então, sim, minha mãe deveria ficar preocupada. Eu poderia muito bem tentar me matar de novo.

Mas eu não estava tentando me matar dessa vez. A vontade de me machucar voltou outra vez. Mas se eu fizesse isso, havia chances de eu voltar a ser internada. Não no mesmo hospital nos Estados Unidos, obviamente, mas em qualquer outro hospital. E eu não queria voltar… O plano era recomeçar.

Eu quero recomeçar… Mas essas vozes dentro da minha cabeça me enlouquecem. Não há medicamento que silencie essas vozes. Elas me dizem para me machucar… “Tudo vai ficar bem se você fizer isso”, elas dizem. Será que estou enlouquecendo outra vez? Eu não quero enlouquecer… Eu não posso enlouquecer…

“Grite, Cassie! Grite mais alto do que essas vozes!”, minha terapeuta de expressão me incentivava. “Não deixe que essas vozes a intimidem! Você pode gritar mais alto do que elas… Você pode silencia-las e mandá-las embora!”.

E foi o que fiz. Gritei. Gritei muito alto. Gritei até silenciar todas as vozes. As vozes dentro da minha cabeça e a voz da minha mãe do outro lado da porta gritando algo que eu não pude compreender, pois estava ocupada demais tentando silenciar as vozes que me atormentavam mais.


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