Cinzas escrita por Ludi


Capítulo 42
Fênix


Notas iniciais do capítulo

eis que estou de volta com as notinhas no início do capítulo! Ieeei! Como vocês poderão notar, Cinzas NÃO acabou. Embora estejamos bem perto, ainda não é o momento, queridas. ;)

Capítulo dedicado a linda, diva e maravilhosa Rose, que me inspira e me ameaça em iguais proporções :P



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Setembro 2006

Com passos decididos, Harry dobrou a esquina de um corredor limpo e bem iluminado, hesitando na frente de uma porta por um milésimo de segundo. Ele tirou o pomo que Dumbledore havia dado para ele num presente final, um amuleto de sorte a quem ele havia recorrido muito nos últimos tempos. Firmando suas resoluções, ele deu duas batidas leves e, sem esperar, abriu a porta, espreitando para dentro de um quarto tão bem iluminado quanto o corredor.

Gina estava sentada numa cadeira próxima à janela, com os longos cabelos ruivos soltos e desalinhados, com a expressão distraída e distante. Ela vestia um casaco bem maior que seu tamanho – que pelo tom e estado de conservação, visivelmente pertencia a Rony. Provavelmente ele colocara sobre os ombros da irmã da última vez que estivera ali fazendo companhia para ela, muito embora Rony evitasse aquele ambiente o máximo que podia.

Parece que Gina sempre faz as pessoas à sua volta vencerem seus maiores medos e obstáculos, Harry pensou enquanto fechava a porta atrás de si.

Quando percebeu que ele havia entrado, Gina sorriu tristemente num sinal que reconhecia sua presença, mas não falou mais nada, exatamente como já havia acontecido frequentemente naquele último mês.

O luto não te cai nada bem, Gina, Harry pensou pela milésima vez desde o fim da derradeira batalha de Hogwarts. Queria poder tirar essa mancha negra do seu coração. De todos os nossos corações.

Distraído com seus próprios pensamentos, Harry se acomodou num pequeno sofá ao canto do quarto e permaneceu em silêncio. Aquele estava se tornando um pequeno ritual dos dois desde o fim da batalha e ele se agarrava ao conforto que a presença de Gina lhe trazia, mesmo naquelas condições.

Com a morte do Sr. Weasley e...

Não, não pensaria em Malfoy.

Uma onda de culpa percorreu seu corpo e Harry se negou a deixá-la transparecer. Ele não se arrependia do que tinha feito para vencer Voldemort e teria feito a mesma coisa mil vezes se mil oportunidades se apresentassem, mas isso não significava que ele tinha gostado – ou mesmo desejado – que Draco Malfoy tivesse se colocado no caminho da espada de Grodrico Grifinória.

Gina também não o culpava, mesmo que eles nunca tivessem tocado diretamente no assunto.

Ela não o rejeitava, não o insultava ou sequer exigia distância, apesar do que ele tinha sido obrigado a fazer. E Harry não conseguia parar de se surpreender com a grandeza de espírito daquela mulher, mesmo com o luto, mesmo com as cobranças que o mundo pós-guerra colocava sobre ela.

E a cada dia que eles repetiam aquela rotina, Harry se dava conta de como Gina era uma pessoa maravilhosa e com a qual ele desejava fervorosamente passar o resto da sua vida.

Mas o convívio silencioso também trouxera outros resultados. Gina estava definhando dia após dia, como se a cada hora que se passasse ela se distanciasse um pouco mais de tudo, e Harry sabia que ela estava se concentrando unicamente no que tinha vivido naqueles meses ao lado do Malfoy e no que tinha deixado de viver ao lado do seu pai, todos aqueles anos.

Para amenizar a dor, Harry havia até mesmo tentado incorporar James naqueles momentos entre os dois para fazer com que ela voltasse a ser a Gina de antes de alguma forma, mas, apesar de todo o carinho e atenção para com o filho, Gina sabia que James estava seguro e esse conhecimento, como era de se esperar, dava a ela a oportunidade perfeita para ficar de luto pelo que tinha vivido.

"Não vale a pena viver sonhando e se esquecer de viver" Harry suspirou e rompeu o calmo silêncio que já se estendia por um hora entre os dois.

"Perdão?" Gina perguntou distraidamente, mais por educação do que por curiosidade.

"Nada." Harry fez um aceno dissuasivo com a mão enquanto brincava com seu pomo de ouro. "Só estou lembrando de uma coisa que Dumbledore me disse uma vez e que só agora entendo completamente. "

Gina pareceu ponderar sobre o assunto por um segundo. "Imagino que Dumbledore tinha mesmo o poder de dizer coisas que estavam longe do nosso entendimento. "

"O poder de ser irritante, você quer dizer?" Harry perguntou sorrindo; sua frase não tinha saído com a esperada falta de gentileza. Como se ele estivesse apenas falando das travessuras de um antigo amigo.

"Acho que podemos mesmo colocar a coisa nesses termos." Gina retribuiu o sorriso para então voltar para dentro de si mesma, aparentemente encerrando aquele tópico.

Harry, contudo, não se deu por vencido. Agora que ela estava mais alerta não perderia a chance de falar com ela tudo que havia planejado.

"É engraçado isso de viver sonhando, como eu vivi..." Harry falou não sabendo se sorria ou se se deixava dominar pela tristeza. "O problema de se ficar muito tempo fora é que você embrulha mentalmente as pessoas que conhecia num pacote bem fechado e as guarda em alguma caixa dentro da sua cabeça." Ele cutucou a têmpora com o dedo indicador para salientar o ponto. "Aí você espera que, quando a hora de voltar finalmente chegar, elas estejam exatamente como você as deixou."

"O mundo não funciona assim." Gina o olhou com um misto de piedade e carinho. "As pessoas simplesmente seguem em frente, sem você. A vida evolui, é forçada a mudar e reage às condições que são impostas a ela. Eu sou um exemplo vivo disso."

Aquilo não tinha sido dito com crueldade e foi exatamente sem crueldade que Harry encarou as palavras de Gina.

"Acho que tenho que me readaptar a esse novo mundo, então."

Gina concordou com a cabeça, antes de morder a parte interna da bochecha. Harry sorriu ao se dar conta de que ela estava debatendo internamente se deveria falar alguma coisa ou não. A batalha foi vencida pela curiosidade e ele não esperaria nada menos de Gina Weasley. Harry ampliou seu sorriso diante daquele pequeno vislumbre da sua Gina.

"O que vai acontecer agora, Harry?" Ela murmurou com certa dose de apreensão, torcendo levemente a barra do casaco de Rony.

Raras foram as vezes em que Gina falou de livre e espontânea vontade naqueles dias. E, por mais que Harry tivesse desejado que ela se manifestasse sobre uma infinidade de outros assuntos, ele temia aquela pergunta em específico porque sabia exatamente a que ela se referia. E, por outro lado, não sabia como deveria reagir.

Pela primeira vez desde que entrara no quarto, ele desviou os olhos de Gina para pousá-los a esquerda dela, onde um corpo jazia sobre a cama iluminado pelas grandes janelas do St. Mungus.

Todos os dias seguindo aquele ritual: acordar, dar entrevistas e ir para o Ministério ajudar na sua reestruturação pela manhã, para então se encaminhar para o hospital e passar a tarde inteira numa companhia muda para Gina – e, de alguma forma, também para Malfoy.

Ele sempre tinha dificuldades de olhar diretamente para Draco, inerte sobre a cama. Se era pela lembrança dos atos do sonserino desde a adolescência, se era pelo conhecimento de que ele tinha de algum modo enfeitiçado Gina ou se era simplesmente pela culpa de tê-lo colocado entre a vida e a morte, Harry não saberia dizer.

Ele se virou diretamente para Draco, observando-o sem reservas dessa vez. Malfoy parecia... morto. Não havia outra palavra para descrever sua aparência. Mesmo fechados, os olhos estavam visivelmente fundos e envoltos em duas manchas roxas como se alguém tivesse acertado dois bons socos no rosto aristocrático. Harry então fez uma nota mental para se certificar que Hermione não tinha passado por ali nos últimos dias, só para garantir.

Desviando os pensamentos da amiga, Harry voltou a mirar o homem cuja vida sempre tinha sido estranha e involuntariamente interligada à sua, desde que tinha 11 anos. Se Draco já era considerado pálido em condições normais, depois de ter sido atingido pela espada estava a um passo de ter a tonalidade do Pirraça, com veias verdes visíveis por todo o pescoço e peito descoberto.

Acho que esse tom de verde nem mesmo você gostaria de ver, Malfoy, Harry pensou consigo mesmo.

Ele estava enfaixado na cintura, na região onde a espada tinha penetrando-o, e completamente imóvel. O braço direito também já tinha visto dias melhores, com uma mancha quase negra cobrindo grande parte do seu antebraço e Harry considerou que Draco tinha muita sorte por ter conseguido mantê-lo. A única coisa que indicava que havia alguém vivo ali era o leve balançar dos longos fios platinados com o vento que entrava pela janela e o fraquíssimo subir e descer do peito dele.

"Como ele está?" Harry perguntou deliberadamente evitando a pergunta de Gina.

Gina, por sua vez, não pareceu se ofender com o fato de que Harry tinha passado por lá todos os dias durante um mês, mas nunca tinha feito aquela pergunta antes. Definitivamente, havia muitas cicatrizes entre os dois homens que não permitiam que a relação entre Draco e Harry desfrutasse daquilo que era socialmente aceito.

"Lutando." Foi sua resposta simples e finalmente Harry viu um brilho feroz nos olhos castanhos, como se a própria Gina fosse a responsável por vencer aquela batalha e não Draco. "Ele perdeu um rim por causa do golpe da espada. Teve incontáveis hemorragias e acabou perdendo muito sangue por causa do feitiço das trevas que o atingiu no braço. "

Diante da descrição, Harry não conseguiu evitar um arrepio que subiu da base da espinha até sua nuca. Tudo aquilo por minha causa, ele pensou enquanto passava a mão pelo rosto.

"Pelo lado bom, conseguimos remendar todas as costelas quebradas antes que perfurassem os pulmões. " Gina continuou. "Controle de danos e tudo mais. " Ela tentou sorrir para tirar o peso da situação, mas não obteve o sucesso desejado.

Harry estremeceu visivelmente. "Sinto muito, Gina."

"Nada disso foi culpa sua, Harry." Gina o consolou, entendendo sua dor de nunca ter pedido para ser envolvido em profecias, em ser o herói. No mundo, talvez somente Hermione também conseguisse compreendê-lo como Gina o fazia. "Nunca foi. "

"E, ainda assim, aqui estamos. " Harry comentou amargamente e fez um gesto vago com a mão em direção a Malfoy.

"Você fez o que precisava ser feito, como eu mesma já fiz várias vezes. Jamais poderia te condenar por escolher a vida de todos ali em detrimento de uma só. " Gina suspirou tristemente e pegou na mão pálida e sem vida de Draco. "Mesmo que essa vida significasse tanto para mim. "

Embaraçado, Harry desviou o olhar do gesto de Gina e mudou de assunto. "As lágrimas da Fawkes ajudaram então?"

"Elas o salvaram, na verdade. Se não fosse por elas, não conseguiríamos ter estancado a hemorragia na tórax e trazido Draco a tempo para cá." Gina esclareceu um, pouco mais animada. "Bom, não poderemos nunca reclamar das horas que a Fawkes resolve aparecer, não é?" Ela sorriu e Harry automaticamente se lembrou da Câmara Secreta tantos anos atrás quando a ave de Dumbledore havia salvado a vida dos dois.

"Absolutamente." Harry concordou pensativo. "Garantiu a nós a chance de sobreviver tantos anos atrás e agora fez o mesmo por Malfoy. De certa forma, não deixa de ser irônico o fato de que foi a fênix de Dumbledore que salvou Draco."

"Renascer das cinzas combina com ele." Gina deu um sorriso fraco quando seu olhar se desviou mais uma vez para o marido inerte, antes que sua expressão se tornasse sombria. Então ela repetiu a pergunta que estava atormentando-a. "O que vai acontecer, Harry?"

Ah, de novo esse ponto, Harry pensou e conteve um suspiro.

"Eu sinceramente não sei, Gin." Harry deu de ombros de forma cansada e não evitou mais a verdade. "Provavelmente, se Draco se recuperar-"

"Quando Draco se recuperar." Gina corrigiu de forma feroz. "Não se. Quando."

"Quando Draco estiver em condições. " Harry concedeu sem hesitação. "Ele será julgado pela Suprema Corte dos Bruxos, eu suponho. Kingsley está se empenhando pessoalmente em desmantelar e colocar todos os comensais sob julgamento. "

"Mas vocês sabem que Draco não é simplesmente um comensal!" Gina exclamou no tom de voz mais alto que ela usara em todo aquele mês. "Se não fosse por ele, jamais teríamos derrotado Voldemort!"

"É nem recuperado nosso filho, eu sei!" Harry se defendeu levantando as mãos num gesto de rendição exasperada. "Mas não sou eu quem manda, Gin. Nunca fui. Kingsley será anunciado como o novo Ministro da Magia... Thicknesse já escreveu sua carta de renúncia. Não há muito que eu possa fazer."

"Tem que haver algo." Gina bateu com o punho fechado na mão aberta e Harry não soube se ficava radiante por aquela demonstração de reação ou profundamente triste, sabendo o que acarretou aquilo. "Você pode falar o que sabe para ajudar, tudo que Draco fez por nós."

"Eu posso tentar, Gin." Harry suspirou vencido. "Mas é meu dever te alertar que todos já têm consciência do que Draco fez para ajudar." Quando Gina ameaçou dar um sorriso satisfeito, Harry levantou sacudiu a cabeça como se pedisse mais paciência a ela. "Mas isso não apaga da cabeça de ninguém o que ele fez antes disso, Gina. Não é justo puni-lo como um comensal comum, mas tampouco é justo deixá-lo livre de punição por todo mal que ele já causou. Ele ajudou a construir esse regime e por muito tempo foi quem comandava a maioria das ações contra a Resistência. Ele matou pessoas."

"Assim como fizeram inúmeras outras pessoas da Resistência. " Gina contrapôs acidamente.

"Não, Gina." Harry a interrompeu. "Não siga essa linha de raciocínio que vai manchar a imagem que eu tenho de você e, pior, que você tem de si mesma. Não há desculpa para isso."

Gina jogou a cabeça para trás no apoio da poltrona e observou o teto branco num gesto que era um misto de exasperação, indignação e derrota. "Não posso acreditar que chegamos tão longe para nada."

"Sinto muito." Harry tentou consolar a mãe do seu filho. "Mas além de torcer para Malfoy se recuperar, vai ter que torcer para ele ser julgado com justiça."

"Justiça," Gina rebateu amargamente, sentindo o gosto pesado da palavra em sua boca. "O que Draco tem agora é apenas a esperança de justiça?'

Dessa vez, Harry não teve misericórdia com os sentimentos de Gina. "É muito mais do que ele ofereceu aos nossos amigos e familia, em muitas e muitas ocasiões."

Cedendo ao ponto, Gina voltou à sua expressão exausta. Passando a mão cansadamente pelos cabelos longos, ela se dirigiu a Harry mais uma vez. "Eu sei. Eu também não esquecerei o que Draco fez com algumas pessoas que amo e também com várias outras cujas as histórias eu jamais chegarei a conhecer. E eu sofro por todas elas."

"Então por que, Gina?" Harry buscou os olhos dela com os seus, procurando neles as respostas para todas as perguntas que ele evitava fazer em voz alta. "Por quê?"

"Porque o perdão é a única condição necessária para o recomeço." Gina disse sem desviar o olhar. "E não há nada que nós todos precisamos mais agora do que um recomeço."

Foi a vez de Harry se apoiar no encosto da poltrona num gesto de derrota. Eles ficaram em silêncio por mais eternos minutos.

"Tem algo que você queira me dizer exatamente, Harry?" Depois de uns minutos, Gina perguntou gentilmente, num incentivo sutil. "Você vem aqui há dias simplesmente para me fazer companhia? "

A primeira reação de Harry foi contar uma verdade parcial, dizer que só estava ali porque se preocupava com Draco, por tudo que tinha feito causado ao sonserino, mas mudou de ideia antes de abrir a boca.

Eu sou melhor do que isso, Harry pensou, não sou um mentiroso como Malfoy.

Harry expirou profundamente e liberou todo o ar dos seus pulmões como se estivesse angariando toda sua coragem – que, definitivamente, não era pouca. "Sim, tem algo que eu quero te dizer."

Gina permaneceu em silêncio esperando que Harry se pronunciasse, mas quando o momento se estendeu por tempo demais, ela recorreu à jovialidade – que, definitivamente, não era pouca - para incentivar Harry a falar. "Sem querer causar inveja em Jorge, tenho duas orelhas e elas estão prontas para receber qualquer coisa que você tenha a dizer." Ela sorriu e apontou os indicadores para as duas orelhas cobertas por uma cascata de cabelos vermelhos.

Harry reteve a risada que brotou na sua garganta. Era por essas e outras que nunca haveria uma substituta para Gina Weasley em sua vida.

Entretanto, por mais que ele desejasse que eles pudessem ficar para sempre naquele momento, ele sabia que as coisas não seriam daquela forma. Era o momento da verdade.

"Eu te amo, Gina." Harry disse num só fôlego. "Você sabe disso."

"Harry..." Gina começou a falar, mas foi interrompida num gesto sutil de Harry, que pediu para continuar. Ela aguardou com paciência.

"E eu sei que você me ama também, mesmo que não exatamente... como ele." Harry não pôde deixar de colocar uma dose considerável de amargura na voz, dando uma olhada discreta para Draco respirando fracamente sobre a cama.

"Você sempre vai ser uma parte especial e insubstituível na minha vida, Harry." Gina disse com sinceridade. "Você me deu James. Só por isso, eu irei te amar até o fim dos meus dias."

"Da mesma forma que ama o Ron e o Jorge. Me ama como se fosse da sua família..." Harry afirmou tristemente e quando o silêncio de Gina foi a resposta para todas as suas indagações internas, ele se levantou lentamente, batendo a mão na calça para espanar uma poeira invisível. "Bem, acho que isso é mais do que eu sonhava, tantos anos atrás quando era apenas um menino trancado num armário debaixo da escada: ter uma família. Obrigada Gina."

"Harry, me perdoe." Ela pediu, mesmo sabendo que não tinha culpa. Ninguém tinha.

"Não há o que perdoar." Harry disse com um sorriso melancólico enquanto se encaminhava na porta. "Mas nem mesmo eu sou estúpido o suficiente para perseguir alguém que está apaixonada por outra pessoa. Não importa o quanto eu a ame. "

E com um aceno de despedida, Harry saiu pela porta decretando sua derrota.

xxx

Gina apressou o passo em direção ao quarto de Draco quando uma sensação incômoda e desconfortável a atingiu como um vento frio entrando por uma janela aberta. Ela repassou mentalmente tudo que tinha feito naquela manhã para se certificar que nada de anormal havia acontecido.

Havia amamentado Aries e passado um tempo considerável com ele? Sim.

Havia tomado café da manhã com James e escutado atentamente suas opiniões sobre os assuntos mais variados? Sim.

Havia se inteirado sobre a série de julgamentos e condenações que o mundo bruxo enfrentaria em breve? Tinha lido tudo a respeito das movimentações politicas? Sim e Sim.

Havia delegado corretamente a Dave todas as tarefas do dia e os clientes com os quais ele teria que lidar na reabertura da sua loja de poções? Sim.

Tinha oferecido seu ombro e dividido um silêncio companheiro com sua mãe num ritual que as duas vinham desenvolvido desde... o fim da batalha em Hogwarts? Sim (e esse pensamento a fez engolir em seco porque a morte de seu pai ainda doía tanto que Gina achou que não poderia respirar toda vez que se lembrava dos acontecimentos daquela noite).

Havia mandado uma coruja para Narcissa para se certificar que ela estava bem em sua estadia no Caldeirão Furado enquanto não recuperavam a Mansão Malfoy – se a recuperassem um dia, para começo de conversa? Tinha tentado convencê-la (sem sucesso mais uma vez) a ficar n'A Toca com ela e com os meninos enquanto isso não acontecia? Tinha falado para sua mãe e irmãos que não conseguiria convencer sua sogra enquanto a reforma para recuperação da antiga residência dos Weasley não ficasse minimamente organizada (e sim, ela tinha consciência de que Weasley reunidos e organização não fazia sentido algum)? Sim, sim e sim.

Está tudo certo, ela pensou enquanto dobrava o corredor bem iluminado onde finalmente poderia se encontrar com Draco e acompanhá-lo até que fosse a hora de voltar para sua mãe e seus meninos.

Bem, quase tudo certo, a julgar pela porta aberta do quarto onde Draco deveria estar. Porta que estivera fechada todo santo dia em que ela chegava no hospital.

Gina se apressou ainda mais. Praticamente correndo, ela deslizou pela entrada do quarto quando se forçou a frear sobre o chão absolutamente liso. Ela se apoiou no batente da porta e olhou para dentro.

A primeira coisa que ela notou foi que a cama de Draco estava completamente arrumada e dolorosamente vazia. A segunda coisa foi um auror desconhecido - todos eles eram desconhecidos para ela agora, antigos subordinados de Draco e Voldemort sendo devidamente substituídos por pessoas ligadas à Resistência - parado junto a janela, contemplando o lado de fora do hospital. Ao notar que não estava mais sozinho, ele se virou para ela com expressão neutra.

"Sra. Malfoy, bom dia-"

"Onde está Draco?"

"Senhora, me perdoe-" Ele tentou mais uma vez e Gina não perdeu tempo ao sacar sua varinha. Com três passos rápidos ela ficou frente a frente com auror, que não teve tempo de reagir.

"Onde diabos está Draco Malfoy?" Ela apontou a varinha para o pescoço do auror que deu um passo para trás e a olhou com um ar exasperado. "Não me obrigue a perguntar mais uma vez."

"Eu – eu-."

"Sra. Malfoy." Uma voz poderosa atrás dela reverberou por todo o quarto vazio. "Eu sei que você passou e está passando por muitas coisas dolorosas e desgastantes nos últimos tempos, mas, por favor, abaixe sua varinha."

O tom de voz emanava uma autoridade a qual não encontrou resistência na alma cansada de Gina. Então esquecendo o auror, ela se virou lentamente para Kingsley Shacklebolt, cuja imponente figura quase que ocupava toda a entrada do quarto. Gina abaixou a varinha e o auror se afastou rapidamente dela a olhando como se tivesse crescido uma outra cabeça sobre o ombro de Gina.

"Está tudo bem, Aidan. Eu assumo daqui." Kisgley disse gentilmente e após um último aceno do Ministro, ele saiu do quarto para esperar do lado de fora ainda visivelmente desconfiado de Gina.

A que ponto eu cheguei, huh? Passando por não confiável diante de amigos da minha família, Gina pensou amargamente.

"Olá Sr. Ministro." Ela respondeu friamente. "Veio fazer uma visita a Draco? Se sim, imagino que as intenções de nós dois foram frustradas essa manhã."

Kingsley ignorou o tom levemente sarcástico de Gina e adotou uma postura menos profissional com uma mulher que ele tinha conhecido desde menina. "O Sr. Malfoy recobrou sua consciência essa madrugada, Gina."

Gina sentiu seus joelhos fraquejaram e discretamente pôs uma mão sobre uma das cômodas do quarto. Vivo e consciente, vivo e consciente, vivo e consciente. "Graças a Merlin."

"Diria que é mais provável que seja graças a você." Kingsley afirmou gentilmente. "São amplamente conhecidos o esforço e a entrega com a qual você veio cuidando do Sr. Malfoy. Ele deve sua vida a você."

E eu devo a minha a ele, muitas e muitas vezes mais, Gina pensou sentindo seu peito se aquecer diante da notícia.

Alheio a seus pensamentos, Kingsley continuou falando. "A propósito, esse jovem auror que você acaba de assustar profundamente foi deixado aqui para me avisar quando você chegasse e não para reter informações de você. Eu queria lhe dar a notícia pessoalmente." Gina teve a decência de ruborizar um pouco diante do seu comportamento anterior, mas manteve a postura rígida. "Os Curandeiros mandaram chamar a mim para que a transferência fosse feita."

"Chamar você?" Gina perguntou com a incredulidade de quem tinha passado o último mês naquele quarto e sido praticamente a última a saber quando Draco finalmente acordou. E então a outra implicação da afirmação de Kingsley caiu como uma bomba sobre ela."Transferência para onde?"

Kingsley a olhou com um misto de piedade e firmeza. "Para Azkaban, até seu julgamento definitivo."

Racionalmente Gina já esperava por aquilo. Era quase inevitável. Mas a concretização da possibilidade não a fez se sentir mais preparada para receber a noticia. Pela segunda vez em poucos minutos, Gina teve que buscar apoio para manter seu equilíbrio, dessa vez por diferentes razões.

"Eu-" Gina engoliu em seco antes de prosseguir, sem saber ao certo o que deveria fazer ou dizer. "Eu quero vê-lo. Me certificar que ele vai ficar bem naquele lugar horrível."

Kingsley pareceu se abater um pouco com aquilo, mas sustentou o olhar de Gina com firmeza. "Sinto muito, Gina, mas isso não será possível. Ainda estamos reestruturando Azkaban, eliminando toda a influência dos dementadores e magia das trevas do local, mas ainda não temos condições de oferecer proteção para os prisioneiros e para civis que estiverem por lá. É mandatório que isso seja feito porque necessitamos de uma prisão, não de uma câmara de tortura. Azkaban, da forma que foi concebida anteriormente, mesmo antes da chegada de Voldemort ao poder, era um símbolo de tudo que não queremos mais como sociedade."

"Então porque vai mandar pessoas para lá, antes de ser totalmente ideal?"

"Responda uma pergunta, Gina." Kingsley falou depois de um momento em que ponderou sobre a questão dela. "Usando de absoluta sinceridade, você acha que pessoas como Draco Malfoy - que agiram como ele nos últimos anos- não necessitam ficar sob custódia até seu julgamento definitivo? Mesmo também tendo sido responsáveis por atos honestos e heroicos nesse intervalo de tempo?"

Gina ficou imóvel e um silêncio avassalador foi a resposta à pergunta de Kingsley.

"Foi o que eu imaginei." Kingsley balançou a cabeça num gesto de simpatia. "Mesmo precisando prender essas pessoas, não podemos simplesmente mandá-las para Glastonbury ou para qualquer outra prisão de Voldemort. Precisamos iniciar uma nova era, Gina. A verdade é que não podemos tirar Malfoy de Azkaban, tampouco podemos permitir que civis inocentes e despreparados adentrem o local. Contudo, posso dar a você a minha palavra - como Ministro da Magia e como cidadão - que sua saúde física e mental será tratada com extrema atenção e cuidado."

"Quando poderei vê-lo?" Só restava a Gina as perguntas mais básicas.

"Quando ele finalmente sair de Azkaban, para seu julgamento."

"Que será...?"

"O mais breve possível."

"Essa é a imagem que vocês querem para o Ministério, com uma postura que envolve isolamento e falta de informação?" Gina interpôs sem hesitar.

"Você poderá se comunicar com Draco através de corujas semanais e conseguirá vê-lo depois que a Suprema Corte determinar sua sentença."

"E depois?" Ela cruzou os braços sobre o peito como se estivesse criando um escudo contra a resposta do Ministro. "Se ele for condenado?"

Pela primeira vez, o Ministro pareceu cansado."Sra. Malfoy, estamos fazendo o nosso melhor – eu estou tentando o meu melhor. Sinto muito se isso te causa decepção, mas estamos passando por um momento que exige muita delicadeza e cuidado." Diante da postura incrédula de Gina, ele continuou explicando. "Não impediremos sua comunicação com Sr. Malfoy em nenhum momento, antes ou depois do julgamento. Só com algumas... condições."

Nesse momento, o auror – Aidan, Gina se lembrou – colocou a cabeça para dentro do quarto de uma maneira um tanto atabalhoada. "Sr. Ministro, está sendo chamado no Ministério com urgência. Anteciparam o encontro com o Ministro da Inglaterra."

"Bom, não se pode dizer que contamos com o direito de protestar diante de mudanças abruptas na agenda. Depois da diplomacia que Voldemort aderiu nos últimos anos..." Kingsley endireitou sua postura e Gina percebeu o quanto ele havia baixado sua guarda da presença dela. "Creio que é chegada a minha hora, Sra. Malfoy. Com sua licença."

Quando ele já estava se encaminhando em direção ao auror, Gina perguntou suavemente:

"O que tem mais peso, Sr. Ministro?"

"Perdão?" O Ministro se virou completamente para ela mais uma vez.

"O que tem mais relevância?" Gina repetiu pacientemente, olhando o novo Ministro da Magia de forma penetrante. "Aquilo que fazemos de ruim – mesmo não tendo outra opção - e prejudicando muitas pessoas? Ou aquilo que fazemos de bom, salvando outras tantas? Permitindo que elas tenham uma vida melhor?"

Kingsley pareceu surpreso com a pergunta e pesou suas palavras com cuidado. "Suponho que somente a Suprema Corte dos Bruxos poderá responder essa pergunta com justiça e imparcialidade." Ele afirmou gravemente antes de uma centelha de curiosidade cruzar suas feições. "E o que você pensa a respeito?"

"Sou uma otimista, Sr. Ministro." Gina disse simplesmente e deu de ombros. "Creio que o que fazemos de bom sempre deixa as maiores marcas."

"Eu não pensaria menos de você, Sra. Malfoy." O fantasma de um sorriso cruzou os lábios de Kingsley.

Gina retribuiu o sorriso, mas com um toque de animosidade nele. "Então já tem absoluta certeza de que vou mover céus e terras – talvez alguns espaços do inferno também- para fazer com que todos vejam da forma que eu vejo."

Depois de um instante, Kingsley deu um aceno rígido com a cabeça, reconhecendo que Gina jamais se daria por vencida até conseguir uma nova chance para Draco Malfoy. Com isso, Gina se despediu formalmente e saiu em direção ao corredor. Primeiro que o Ministro da Magia.

Iria preparar a defesa de Draco.

xxx

Novembro 2006

"Terencio Boot?" Gina perguntou distraidamente enquanto balançava o berço encantado de Aries, que dormia ao seu lado. Estava confortavelmente sentada na poltrona que costumava ser de seu pai, (não passou despercebido a ela o fato de que tinha procurado e guardado para si a maioria das coisas que eram do seu pai, numa tentativa de mantê-lo por perto sempre que possível) na sala recém reformada d'A Toca, no único cômodo completamente reparado desde que ela, sua mãe, Jorge e Percy haviam voltado para a casa. "Não era um dos seus amigos na Corvinal?"

"Hmm," Luna Lovegood respondeu da poltrona oposta com seu tom melodioso e sonhador, distraidamente mastigando a ponta de uma pena e olhando para a lista que as duas já haviam repassado algumas vezes. "Ele nunca foi muito efusivo ao questionar minhas escolhas de vestuário, nem escondeu minhas coisas pelo castelo, acho que é um bom começo para a amizade. Talvez eu possa tentar convencê-lo a espalhar uma ou outra palavra de apoio ao Draco. A família dele nunca foi perseguida pelos comensais e conseguiram até uma relativa prosperidade nesse período." Ela raciocinou e escreveu o nome de Terencio na lista, colocando um ponto de interrogação ao lado dele.

"Perfeito!" Gina exclamou e se deixou escorregar na poltrona, colocando os joelhos sobre o braço do objeto. O berço de Aries magicamente se desviou dos seus pés que agora balançavam livremente. "E Lilá Brown? A paixão absurda dela por Rony durante a escola pode contar ao meu favor se eu pedir a ajuda dela para me apoiar na defesa de Draco. Pelos velhos tempos e aquela coisa toda."

Luna a olhou com penetrantes olhos azuis dos quais não escapavam nada. "Considerando o jeito que o namoro deles terminou, acredito que ela não esteja no seu melhor espírito, ainda mais para tentar dar algum crédito a Draco Malfoy."

"Ouch," Gina gemeu diante da sinceridade de Luna enquanto a amiga riscava o nome de Lilá da lista. "Eu amo você, Luna, mas as vezes sua sinceridade é mais letal do que um Feitiço da Morte." Diante da expressão confusa de Luna diante da analogia, Gina prosseguiu. "E Susana Bones? Alguém com espírito da Lufa-lufa pode fazer o jogo virar ao nosso favor! Além disso, a tia dela foi chefe do Departamento de Execuções das Leis Mágicas durante muito tempo, não? Com certeza ela tem influência com pessoas que podem ajudar Draco."

"Dois tios mortos por comensais" Luna comentou serenamente sem levantar os olhos da lista. "Inclusive a citada tia, no momento em que Voldemort se preparava para subir ao poder pela segunda vez."

"Ohh," Gina cobriu os olhos com um antebraço. "Por que tudo tem que ser tão difícil?"

"Porque se não for difícil, não se trata de Gina Weasley e Draco Malfoy." Luna constatou como se falar do relacionamento de duas pessoas daquela forma fosse a coisa mais natural do mundo. "E complicado. E inesperado. E estranho também, eu acho. Depois de um tempo você se acostuma com a ideia, contudo."

"Obrigada, Luna." Gina respondeu cansada. "Só para constar, tinha sido uma pergunta retórica."

"Toda e qualquer pergunta merece resposta. Como diria meu pai, é preciso ter a cabeça aberta." Luna sorriu e bateu levemente a pena na lateral da testa. "De qualquer forma, não se desanime, Gina. Há pessoas do seu lado." Luna sorriu gentilmente para a amiga.

"Mesmo que seja só você, Narcissa e alguns membros da minha família." Gina disse tristemente e descobriu os olhos. "Estou profundamente agradecida por ter todas essas pessoas em minha vida, inclusive você, Luna. Não tenho como começar a agradecer seu apoio em todos os momentos complicados da minha vida."

"Isso é para que são feitos os amigos." Luna sorriu mais uma vez. "Além do mais, sempre podemos usar zonzóbulos para confundir a cabeça dos bruxos da Suprema Corte e garantir uma sentença favorável a Draco."

Gina sorriu para amiga, mas não teve tempo de responder porque uma voz – constante, monocórdica, aveludada- se manifestou da entrada da sala.

"Por que será que jamais pensei em fazer isso antes?" Blaise Zabini perguntou sarcasticamente. "Teria me poupado tantos esforços em convencer as pessoas."

"Blaise!" Gina se sentou praticamente num pulo, feliz por ver Blaise mais uma vez. Não era a primeira vez que eles se encontravam desde o fim da guerra, mas vê-lo era sempre um lembrete de que tudo havia acabado e que era seguro sair de esconderijos e levar uma vida relativamente normal. "Vou desconsiderar o fato de que você continua com o hábito de entrar na minha casa sem se anunciar – mesmo eu tendo trocado de casa – e ficar muito feliz em te ver."

"Tem alguma vez que você não fica feliz em me ver?" Blaise perguntou, ainda parado à porta da sala

"Não faça perguntas se não vai gostar da resposta." Gina piscou jovialmente para ele, mas apesar do aparente clima descontraído, não escapou a ela a estranheza de Blaise, como se ele não estivesse confortável com alguma coisa. E não era preciso ser nenhum gênio para saber o que era.

"Olá, Blaise Zabini," Luna o cumprimentou jovialmente como se os dois fossem bons amigos há anos. "Teria o maior prazer em te explicar como capturamos zonzóbulos, mas não me sinto segura ao pensar em como você usaria o poder deles para manipular as pessoas."

A sinceridade doce dos pensamentos de Luna sobre as atividades de Blaise o atingiu como um raio e por um momento único, ele simplesmente ficou sem palavras enquanto Gina ria e balançava o berço de Aries que pareceu acordar ao ouvir a voz de Blaise.

"Luna, você acaba de deixar Blaise Zabini sem reação." Gina pegar ao pegava Aries no colo, enquanto o bebê bocejava silenciosamente.

"Notável," Luna respondeu distraidamente e sem prestar atenção no que Gina tinha dito, com a cabeça claramente nos zonzóbulos enquanto guardava seus papéis e pena num compartimento interno da capa. "Mas por mais que eu deseje ficar para falar mais sobre o comportamento de criaturas mágicas, eu prometi a Jorge que iria ajudá-lo a escolher um espaço no Beco Diagonal para a loja que ele pretende abrir." Ela completou em tom de desculpa.

"Não tem problema, Luna." Gina afirmou gentilmente. "Diga a Jorge que da próxima eu irei e levarei James para ajudar também."

Luna simplesmente assentiu, já totalmente imersa nos seus próprios pensamentos e, quando ela saiu da sala quase saltitando, Gina não pôde evitar sorrir. Blaise, por sua vez, balançou a cabeça negativamente e se sentou na poltrona que a Corvinal ocupara momentos antes. Não sem antes se certificar que não havia nenhuma criatura estranha ali esperando para abocanhar uma das partes que ele considerava mais favorecias da sua anatomia.

"Já conheci homens e mulheres muito diferentes, conheci os segredos e medos de grande parte deles, até me diverti com isso." Blaise disse pensativamente olhando para o lugar que Luna tinha desaparecido. "Mas, definitivamente, nenhum me intrigou como essa mulher. É bem desagradável, se me permite acrescentar. "

"Está com medo de Luna, Blaise?" O tom de Gina era de absoluta zombaria.

"Medo não é a palavra correta, falando com a propriedade de quem já pisou no calo de Voldemort." Blaise fez uma careta de desgosto. "Está mais para aversão. Não gosto do que não consigo entender."

"Bem vindo ao maravilhoso mundo do convívio com Luna Lovegood." Gina comentou alegremente enquanto embalava Aries. "É fascinante."

"Fascinante e Di-lua combinam tanto numa frase quanto Draco e modéstia." Ele disse sem pensar e, ao notar como o semblante de Gina havia ficado carregado ao falar de Malfoy, ele tentou se retratar. "Péssima escolha de exemplos, huh? "

"Não falar dele não vai tornar a situação mais fácil." Gina deu de ombros resignada. "E, no fim das contas, você veio aqui para isso não é?"

"Você me subestima, Ruiva. " Blaise fingiu irritação. "Vim aqui para ver meu afilhado. Olha Aries, trouxe para você. " Ele retirou da capa um pacote de feijãozinho de todos os sabores e ofereceu em direção a Aries, que olhou o padrinho com grandes olhos cinzas curiosos. "Você quer?"

Gina se sobressaltou. "Blaise Zabini, você está mesmo oferecendo doces para meu filho de dez meses!?"

"Não é o papel dos padrinhos?" Blaise perguntou com interesse educado, como se ser padrinho fosse um campo do conhecimento nunca antes explorado e demandasse um estudo aprofundado da parte dele.

"Não!"

"Ah, tenho dificuldades com presentes." Blaise pareceu levemente decepcionado ao lidar com algo onde ele não excedesse expectativas. "Fica mais difícil enquanto não posso simplesmente dar dinheiro a ele."

Gina rolou os olhos e desistiu de discutir com Blaise. "Além do mais, não espere que Aries balbucie alguma coisa em resposta. Parece estar se recusando a falar qualquer coisa que seja, mesmo os sons mais típicos dos bebês." Gina olhou o bebê com expressão preocupada. "James, na idade dele, já era um tagarela de gabarito, mas Aries se recusa sequer a tentar."

"Tem a quem puxar, suponho." Blaise disse pensativo enquanto voltava a guardar os doces na capa sob o olhar atento de Aries. "Vai falar quando for a hora, não é, garoto?" Ele voltou a se dirigir ao bebê. "Nessa vida, quanto menos falamos e mais ouvimos, melhor nos saímos."

"O pai dele parece ter entendido essa lição com maestria." Gina alfinetou amargamente. "Não respondeu nenhuma das minhas cartas e Kingsley parece estar irredutível sobre a permissão para vê-lo antes do julgamento. "

"Você teve progresso tentando conseguir apoio?" Blaise perguntou fazendo um gesto vago em direção a porta por onde Luna havia saído.

"Consegui algumas promessas de que iriam falar a favor dele, se necessário." Gina respondeu desanimada com as evasivas. "E não posso culpar essas pessoas ou exigir mais, mas ainda é muito pouco."

"Lembre-se Ruiva, o que importa é a qualidade, não a quantidade." Blaise fez um som de tsk com a língua ao avaliar a situação. Gina aprendeu a associar aquilo como um sinal de mau presságio; Zabini quase nunca demonstrava o que pensava das situações através de gestos automáticos e, quando o fazia, havia algo o preocupando. "Consiga alguém de peso e será melhor do que uma dúzia de pessoas sem expressão. "

"Jeito meio cínico de ver as coisas." Gina concedeu pensativa. Blaise sempre havia achado aquela particular busca infrutífera, mas o que ela poderia fazer além de ficar em casa e esperar pelo julgamento?

"Na verdade, depois de tudo que você passou, ainda não entendo como você pode encarar o mundo de forma diferente. "

Gina deu de ombros. Nesse ponto Blaise e ela – e também Draco e ela, pensando bem – jamais iriam concordar. Ela era uma otimista por natureza.

"E você, tem alguma novidade sobre o caso dele? Já se passaram dois meses e sequer temos previsão sobre o julgamento. "

"Nada de útil." Blaise estava claramente desanimado agora. "É tão difícil corromper essas pessoas em busca de informação, Merlin! São tão tediosas. "

"Blaise! " Gina exclamou horrorizada e Aries deu um pulo de susto no seu colo. "Desculpe, meu amor." Ela disse para o bebê e se dirigiu a Blaise na sequência. "Já falei que não quero tentativa de subornos no Ministério!"

"Certo, certo." Blaise levantou as duas mãos num gesto de rendição. "A verdade é que não precisamos de grandes confirmações para saber que o julgamento de Draco vem sido deixado por último, seja por uma questão de inabilidade de lidar com o assunto –seu envolvimento no caso, para ser mais explícito - ou por eventuais pressões que a imensa fortuna dos Malfoy possa exercer. O poder de barganha dos Malfoy é muito grande, talvez isso conte ao nosso favor."

"E o que Draco pode obter com esse suposto poder de barganha?" Gina se arrastou para a ponta da poltrona tamanha expectativa.

"Draco?" Blaise perguntou em tom de incredulidade. "Praticamente nada."

Gina teve que firmar o queixo no lugar para que ele não parasse no seu colo. "Se importa de explicar?"

"Eu achei que o Gringotes já tinha enviado toda a documentação para vocês..." Blaise pensou consigo mesmo antes de concentrar sua atenção em Gina mais uma vez. "Draco abriu mão de toda a sua fortuna."

"O quê!?" Se não estivesse sentada, ela com certeza teria caído para trás. Daquela vez ela não teve a consciência de pedir desculpas a Aries pelo rompante, que por sua vez se limitou a olhar a mãe com o máximo de repreensão que é possível para um menino de quase um ano.

Ela até cogitou em limpar a orelha para garantir que tinha ouvido direito. Tinha vivido para ver o dia em que um Malfoy abria mão do seu dinheiro?

"Metade dos galeões do cofre dos Malfoy foi mandado para o cofre da sua mãe - uma Black de nascimento." Blaise explicou com sua voz inalterável. "Ele já tinha feito algo parecido há um ano atrás, quando mandou todo o ouro dele para o cofre da sua mãe para que você não tivesse acesso a ele, como deve se lembrar."

"Acho que jamais vou esquecer daquilo. " Gina comentou com acidez diante da lembrança das manipulações de Draco. "Então depois de um tempo ele trouxe o dinheiro de volta ao cofre dos Malfoy?"

"É o que a lógica nos diz. Talvez ele tenha mudado de ideia no momento em que passou a confiar em você, sabe-se lá quando foi." Blaise deu de ombros sem resposta para aquela pergunta. "De qualquer forma, pobres duendes, huh? Carregando todo aquele ouro de um cofre para outro como se não houvesse amanhã."

Preocupada demais para exercer sua solidariedade aos duendes que sofreram com as extravagâncias de Draco, Gina foi direto ao ponto. "E a outra metade?"

"A outra metade foi destinada ao cofre de Gina Weasley, para usufruto de Aries e, incrivelmente, de James Potter."

"Mas- mas-" Gina não tinha palavras para expressar a estranheza daquela situação. "Por quê?"

"Bom, esse é o momento que adentramos mais no terreno das possibilidades." Blaise apoiou o queixo na mão enquanto desenvolvia seu raciocínio. "Eu não tenho a pretensão de entender por completo aquilo que Draco faz ou deixa de fazer, mas quando conhecemos alguém há mais de vinte anos, as pessoas ficam mais previsíveis."

"Sou toda ouvidos, Blaise." Gina incentivou Zabini. Absolutamente qualquer pedaço de informação que ela pudesse usar para entender Draco era bem-vinda.

Blaise assentiu distraidamente e continuou a falar. "O Ministério precisa de dinheiro para se reerguer, isso é fato. A primeira coisa que eles farão - se ainda não o fizeram - é virar seus olhos famintos e pedintes para as grandes fortunas dos comensais para, através de vias legais - nunca suborno ou algo assim, imagine se eles seriam capazes disso-, tentar bloquear de alguma forma os bens dos Malfoy. E dos Black, em última instância."

"Se esse raciocínio está correto e sabendo que metade da fortuna ainda está no cofre dos Black-" Gina ponderou tentando manter a calma. "Por que Draco mandaria uma parte considerável do seu dinheiro para um lugar onde ele ainda corre riscos de ser confiscado? "

"Aí está!" Blaise continuou com a mesma expressão de um gato que acaba de comer um rato bem gordo. "Eles não têm nada contra Narcissa, muito pelo contrário. Ela é reconhecidamente alguém que ajudou Potter na luta contra Voldemort desde a Primeira Batalha de Hogwarts. Podemos agradecer sua família nesse ponto, já que foram eles que espalharam a história."

Gina assentiu com o pensamento distante. "E resta a mim e meus filhos..."

"Exato." Blaise concordou. "O Ministério jamais poderia atacar um bebê ou uma filha tão proeminente da Resistência, mãe do filho de Harry Potter, única irmã de Ron, Jorge e Gui Weasley, etc etc." Ele disse e abanou a mão num gesto de desdém. "O poder está nas suasmãos. O Ministério não pode coagir Draco a liberar seu dinheiro em troca de penas mais brandas porque, afinal, Draco não tem nada com o que barganhar. Você, por outro lado, não pode ser coagida porque ser quem é. E tem tudo que o Ministério quer sob o seu poder."

"Não posso oferecer dinheiro para o Ministério." Gina lamentou desanimada. "Não é correto."

"Mas pode oferecer ajuda." Blaise afirmou categoricamente."É a mesma coisa, só que com outro nome."

"Eu sequer sei por onde começar, Blaise."

Blaise suspirou com impaciência. "Pare de mendigar informações e ajuda. Vá direto à fonte, mostre que você tem muito interesse e pouca paciência para toda essa baboseira deles."

"Quem vai ouvir Gina Weasley? " Ela pensou em voz alta.

"Todas as pessoas que jamais deixariam de ouvir Ginevra Malfoy." Blaise estava subitamente mais sério. "Fique tranquila, Ruiva. Eu vou estar do seu lado. Não vai ser tão fácil trancafiar Draco em Azkaban e jogar a chave fora."

"Obrigada, Blaise." Gina sorriu para o seu mais querido amigo. "Parece que estou sempre agradecendo a você e ao Draco."

Blaise deu de ombros como se ouvir agradecimentos fosse sua especialidade – e talvez fosse mesmo. "Contudo, essa é uma das raras ocasiões em que Draco merece mais do que eu. Ele deu um xeque-mate no Ministério. Ao passar o dinheiro para vocês, ele conseguiu três coisas: aumentou seu poder de barganha com o Ministério em nome de uma punição mais branda para ele, deixou sua mãe e único herdeiro com o futuro garantido e libertou você."

"Libertou a mim?" Gina exclamou em dúvida.

Blaise a olhou em silêncio durante eternos segundos, ponderando com cuidado o que ele deveria dizer. " Ele garantiu a você a estabilidade – poder e dinheiro - para recomeçar longe dele. Essa é a maior declaração de amor que Draco poderia lhe dar, Ruiva."

Gina não soube como reagir, então optou por um terreno mais seguro. "Eu já me contentaria com flores e um jantar romântico, nem precisava de milhões de galeões e poder sobre o Ministério."

"Por esse preço, estou quase tentado a seduzir Draco também. " Zabini sorriu esplendidamente para ela e Gina balançou a cabeça para afastar uma estranha imagem que se formou na sua mente envolvendo Blaise e Draco.

"Eu daria toda a minha fortuna recém adquirida para ver você tentar." Gina riu.

"Não nessa existência," Blaise disse e o sorriso que ele deu foi o mais próximo de um sorriso tímido que Gina já tinha visto se formar naqueles lábios. "Não tenho mais espaço para esse tipo de tentativa na minha vida."

"Blaise-" Gina engoliu em seco.

"Vamos, Ruiva." Blaise se levantou com determinação e a interrompeu, esticando uma mão em direção a ela. Em retribuição, Aries levantou sua mão rechonchuda e pálida em direção a Blaise, como se quisesse que Zabini o levasse também.

"Para onde?" Gina perguntou animada diante das novas perspectivas se abrindo para ela.

"Para o Ministério, obviamente." Blaise respondeu com paciência. "Com nossa nova carta na manga, eles não vão demorar muito para marcar o julgamento de Draco. Eles não tem a menor chance contra nós dois juntos."


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