Regis um menino no espaço escrita por Celso Innocente


Capítulo 2
Uma longa viagem.


Notas iniciais do capítulo

O n. [1} significa notas de rodapé e está apresentado no final do capítulo.



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Levantei-me, após ter dormido por algumas horas. Ao me aproximar da porta, ela se abriu sozinha. Olhei admirado, depois saí e segui para a cabine dos... astronautas, ou sei lá como se chamam os alienígenas humanos.

Chegando à porta, ela se abriu; entrei e ela tornou a se fechar. Rud manejava a máquina. Tony não se encontrava. Assim que entrei, Rud me olhou, me cumprimentando:

— Olá garoto! Sente-se.

Em silêncio, sentei-me na cadeira ao seu lado, a qual seria a de Tony e fiquei admirando os muitos botões daquele estranho disco voador. À nossa frente víamos o espaço sideral, por um grande, digamos pára-brisa de vidro ou acrílico transparente.

A velocidade daquela máquina era tanta, que mal dava para distinguir o que se aproximava. Muitas vezes, um pontinho que surgia a muito longe, aumentava tão rápido e logo já era ultrapassado por nós.

— Você dormiu? — Perguntou-me Rud, cortando o silêncio.

— Um pouco... — Respondi. — Que horas são?

— Depende de onde você quer saber!

— Da Terra! Onde mais?

— No estado de São Paulo, agora são vinte e uma horas.

— Como? — Estranhei. — Eu não dormi tanto assim!

— Aqui dentro desta nave, devido a alta velocidade em que estamos, parece que o tempo passa devagar, por isso você dormiu bastante e lhe parece pouco.

Fiquei triste e calado. Rud percebeu e me perguntou:

— Por que você está triste?

— Papai e mamãe devem estar preocupados comigo!

— Não se preocupe com eles!

— Como não! — Comecei a chorar. — Eu os amo e sei que eles me amam também!

— Eles têm outros filhos! Você não fará falta!

Foi aí é que chorei mais.

— Como não farei falta? Quer dizer que sou qualquer coisa, que não se querendo mais, se joga no lixo?

— Não quis dizer assim! Pare de chorar!

— Eu não quero ir pro seu planeta! Quero ficar na minha casa!

— Deixe de ser bobinho! Você gostará de viver em Suster!

A porta se abriu e entrou Tony com uma bandeja cheia de alimentos. A porta tornou a se fechar e ele, após colocar a bandeja em uma pequena coluna no lado esquerdo da cabine, afirmou rindo:

— Você é muito esperto garoto! Pensei que jamais teria coragem de sair de seus aposentos!

— Estava com medo de ficar lá sozinho!

— Medo de que? — Caçoou Rud.

— Sei lá! — Neguei, ainda com lágrimas. — Tenho medo!

— Ouça Regis: — Pediu Tony. — Não precisa temer nada! Aqui só estamos nós três! A nave é completamente lacrada e nada entrará nela! Eu e Rud te amamos muito! Por isto, nada de mal lhe faremos.

— Isso mesmo! — Confirmou o senhor Rud. — Vamos comer um pouco?

— Por que você está com lágrimas? — Perguntou-me Tony.

— Quero ir pra minha casa!

— Tudo vai ficar bem! Coma alguma coisa!

— Não quero!

— Aproveite, por que a próxima alimentação só daqui a pelo menos cinco dias. — Insistiu Tony.

— Por quê? — Espantei.

— Na verdade! — Continuou Tony. — Em uma viagem espacial, a gente não consome muita energia e dorme bastante. Com isto, quase não precisa se alimentar. Também quase não precisa ir ao banheiro!

— Na nave tem banheiro?

— Claro! — Riu o senhor Rud. — Onde você faria xixi? Ou...

A comida eram frutos iguais à batata, só que de sabor incomum e agradável; outros iguais a cenoura, também com sabor diferente e um refresco azul, com gosto de suco de amora.

Após aquela refeição, Rud se levantou, entregando o comando da nave para Tony e se retirou, levando a bandeja e alegando ir dormir um pouco para descansar.

Permaneci sentado, até que Tony olhasse sério para mim. Então me levantei dizendo:

— Já sei! Não posso ficar aqui!

— Muito pelo contrário! — Riu ele. — Se quiser ficar será um prazer!

— Então posso ficar?

— Se você preferir!

— A viagem até seu planeta é longa! Como o combustível é suficiente?

— Ora! Porque nós criamos o combustível, enquanto viajamos!

— Como assim?

— Vou lhe explicar: nossa nave não queima gasolina! O combustível dela é formado por gás carbônico!

— Gás carbônico?

— Isso mesmo! Em seu planeta, o homem aspira oxigênio e expira o gás carbônico. Não é isso?

Acenei que sim com a cabeça.

— Com as plantas, acontece o contrário. Não é mesmo?

— As plantas aspiram ao gás carbônico e eliminam o oxigênio. O que é bom pra nós humanos!

— Aqui dentro da nave, acontece o mesmo processo terráqueo!

— Isso quer dizer que quanto mais pessoas viajarem aqui dentro, melhor será?

— Teoricamente sim!

— Esta nave funciona como se fosse um... Bicho?!

— É! — Riu Tony. — Parece ter vida!

— Onde ficam os pulmões?

— E o coração?... E o cérebro?... É como uma planta! Mas realmente tem seus pulmões, coração, cérebro, artérias...

— E como a pressão do espaço não danifica a nave?

— Como assim? No espaço sideral não há atrito!

— Não sei o que é isso! — Franzi o nariz e a boca.

— Me diga como seus aviões viajam pelo seu espaço aéreo, sem sofrer qualquer dano?

Balancei os ombros sem saber respostas de adultos.

— Antes das suas aeronaves saírem do solo elas passam por um processo de descompressão, sendo assim, elas podem viajar em segurança pelo espaço.

Me olhou sério por um instante, depois perguntou:

— Entendeu?

— Nadinha! — Neguei balançando os ombros.

Pensei um pouco e continuei:

— E em seu planeta?

— Nosso planeta é praticamente igual ao seu! É formado por dezoito por cento de oxigênio, um de gás carbônico, setenta e oito de nitrogênio, dois por cento de vapor d’ água e um por cento de outros: Carbono por exemplo.

— Se a gente ex... exp...

— Expira! Elimina...

— Se a gente elimina gás carbônico, quer dizer que se eu soprar em um papel ele ficará preto?

— Não! — Estranhou ele. — De onde você tirou isso?

— O carbono é preto!

— De onde você tirou isso?

— Do papel carbono!

— Nada a ver! — Riu o homem. — Papel carbono é feito de tinta! Gás carbônico é o que seu pulmão elimina no ar! Um gás invisível!

— Unh! — Fiz careta.

— Não entendeu nada! Não é?

Dei de ombros.

— Em nosso organismo o que cria o gás carbônico é a solidificação dos alimentos que consumimos, misturados ao oxigênio. Essas coisas são muito complexas pra sua idade. Vou exemplificar sem que você se apegue muito: Gás carbônico na verdade é dióxido de carbono. Por quê? Sabe o que é CO2?

— Gás carbônico! — Dei de ombros.

— Por quê?

Dei de ombros.

— Uma partícula de Carbono e duas de...

— Oxigênio?!... — Insinuei confiante.

— É isso! Vamos parar por aqui?

— E o solo de seu planeta? Estudei essas coisas!

— É quase igual ao seu! Pode acreditar!

Voltando a olhar para o espaço sideral, que se deslumbrava pela visão no visor daquela nave, comecei a não entender como que aqueles homens poderiam conhecer um caminho tão distante, o qual era a ligação entre um planeta chamado Suster e nossa querida Terra. Então resolvi continuar perguntando:

— Tony como você e o Rud, pode conseguir pilotar esta nave e saber o caminho correto, que os levam da Terra até seu planeta?

— Ótima pergunta Regis! Na verdade, esta nave nem é muito... pilotada por nós. A gente simplesmente a acompanha. Ela é dirigida automaticamente por um poderoso computador de bordo e mesmo para ele, seria muito difícil, saber o caminho exato entre nossos mundos!

— Um computador guia esta nave?

— Sim! O mais poderoso já criado por um ser humano!

— E mesmo ele não pode saber o caminho exato?

— Isso mesmo! Antes de nossa viagem, a rota foi cuidadosamente calculada por cientistas, com auxílio desse computador. Só assim, nos foi possível chegar até você.

— É muito difícil entender como isto seja possível!

— É fácil entender Regis! Com este cálculo complicado, é como se estendêssemos uma linha, ou estrada invisível, ligando seu planeta ao nosso e a nave só pode seguir por esta estrada! Imagine um trem de ferro! Já andou num?

Acenei que sim e perguntei:

— Ela jamais desvia de sua rota? — Perguntei.

— Claro que sim! — Exclamou Tony. — Embora a gente não perceba, a nave se desvia da rota a todo o momento, mas já no momento seguinte, o próprio computador de bordo, corrige esta rota! Nós, os astronautas, como você nos chamaria, nem percebemos que isto ocorreu.

— Por que isto ocorre? Algum defeito?

— Não! A nave e o computador são perfeitos! O que acontece é que somos constantemente bombardeados por meteoritos, que vagam perdidos pelo Universo! Quando estes meteoritos são muito pequenos, não nos causa nenhum mal, pois a nave alem de muito resistente a estas pancadas, funciona como um repelente, tirando-os do nosso caminho. Você já viu um imã com dois pólos iguais?

Balancei os ombros em dúvida.

— Se a gente tentar aproximar dois imãs com os mesmos polos, eles se afastarão.

— Ãh, me lembrei! — Interrompi-o com a voz forte. — Eu já fiz isso! Ele cria uma força que não deixa grudar!

— Assim é a nave, em relação aos meteoritos pequenos. Mas acontece que existem meteoritos do tamanho de sua cidade e estes destruiriam com certeza nossa nave e aí nem mesmo seres imortais como nós conseguiríamos sobreviver.

— Nesse caso a nave é que desvia deles?

— Com certeza! Corrigindo a rota logo em seguida!

— Fazendo ziguezague no espaço! — Ironizei rindo.

— Sei que você é pequeno pra entender muito sobre essas coisas, mas sua Terra também tem um processo semelhante à nossa nave!

— Tem!? — Me admirei. — Como assim?

— No centro de sua Terra, bem lá no meio, no núcleo, existe algo como uma grande bola completamente de ferro, que gira a uma velocidade incrível. Então existe outra camada, circulando essa tal bola, em sentido oposto, feita de ferro líquido, que cria um tal campo magnético que protege sua Terra contra os poderosos ventos solares...

Não estava entendendo muito, mas prestava atenção.

— Não está entendendo nada! — Desconfiou ele. — Não é Regis?

— Mais ou menos! — Fiz gesto com as mãos. — Mas estou gostando.

— O campo magnético protege a atmosfera terrestre, evitando assim que a água do planeta se evapore. — Continuou ele.

— É? — Admirei.

— Se isso não existisse, a Terra acabaria sendo como Marte, um local ermo, sem vida, como um grande deserto.

— Marte deveria ser igual à Terra? — Perguntei-lhe surpreso.

— Marte é igual à Terra! Mesmo tipo de solo! Só que como os ventos solares destruíram sua atmosfera, fazendo com que toda a água se evaporasse, acabou morto.

— Como o senhor sabe tudo isso sobre a Terra? O senhor mora do outro lado do... Universo!

— Primeiro: Eu sei tudo isso, porque meu planeta é igual ao seu! E lá é assim! Depois, eu não moro do outro lado do Universo! Sou seu vizinho!

— Vizinho!? — Admirei. — O tanto que já viajamos e ainda falta pra chegar, você... o senhor... fala, vizinho?

— Regis! Meu planeta fica na mesma galáxia que sua Terra! Essa galáxia é formada por trezentos bilhões de estrelas! O Universo possui milhões de galáxias! Só na Via Láctea existem cem bilhões de planetas.

— Ufa! — Passei a mão na cabeça.

— Se quisermos comparar a distância entre Suster e a Terra em relação apenas à Via Láctea, basta imaginarmos a distância que fica sua casa e a casa de sua namoradinha!

— Elizabeth!? — Insinuei forte. — Ela não é minha namorada! É apenas amiga de escola!

Durante muitas horas, viajei ali, sentado ao lado de Tony e embora muito triste e preocupado, estava gostando muito daquela viagem. Por eles conversarem muito, acabaram realmente me cativando e com isto, me tornei amigo dos dois e sabia que eles realmente me amavam muito. Durante a viagem, os dois me ensinavam a pilotar aquele estranho aparelho, que, mesmo meus singelos nove anos de idade, me deixavam acreditar, que cortava o espaço, a uma velocidade de milhões de quilômetros por minuto... Quer dizer... Por segundo!

Eles me falavam muito sobre a nave e seu planeta; mas nunca tudo o que eu realmente gostaria de saber. Eles julgavam minha pouca idade, incapaz de compreender a complexidade do Universo, com estrelas da morte, buracos negros, poeiras e raios cósmicos...

Durante toda aquela viagem interplanetária, eu fôra[1] muito bem tratado e já começava a me sentir muito bem. Afinal, estava me tornando uma criança muito mimada. Mas mesmo assim, chorava praticamente todos os dias, principal-mente quando estava sozinho, pois, sem ter o que fazer, começava a pensar em meus pais, irmãos, escola e amigos.

Muitas vezes, em meu leito, começava a pensar: o que será que papai e mamãe estão pensando que aconteceu comigo? Será que a polícia está me procurando? Naquele dia, acho que a mamãe foi me procurar na casa da Beth. Tadinha! Bem que ela, não queria passar pelo aeroporto... Ela achava que eu queria fazer alguma brincadeira errada com ela. É bobinha! Eu gosto muito dela, como amigo! Ela é tão bonita que até parece uma princesa! Jamais faria alguma coisa que não devesse... Não sou doido! Chegando de tarde, mamãe deve ter me procurado na casa do senhor Luciano! Ele é muito bom pra mim! Me quer como se eu fosse seu filho! Mas seu filho verdadeiro vai nascer logo! Espero que ele não deixe de gostar de mim! Nem ele e nem dona Sara!

* *

E foi assim, durante muitos dias de viagem pelo desconhecido, onde a maior parte do tempo passava na cabine, quase nunca ficando em meus aposentos, o qual, considerava muito solitário.

— Senhor Tony, nos filmes que vejo dos astronautas indo pra lua, eles flutuam dentro da nave. Aqui dentro de sua nave nós permanecemos normais. Por quê?

— Isso tem a ver com a força gravitacional dos planetas. Quando os astronautas deixam a Terra, eles acabam entrando em uma ilusão de gravidade zero. É como se eles pesassem o mesmo que uma mecha de algodão, por isso flutuam.

— E como com a gente... Ainda mais eu, que peso bem menos do que um homem, não acontece igual a eles, nesta nave?

— Você é muito observador, menino! — Riu o senhor Tony. — Já que você é observador, você percebeu o formato de nossa nave?

— Como formato? — Gesticulei.

— Como ela se parece? É igual seus foguetes espaciais?

— Não! Ela se parece mais com uma bolacha redonda!

— Pois é! Embora a gente não perceba, alem de nossa nave se deslocar a uma grande velocidade, no sentido curvo do espaço, durante alguns minutos por hora, ela gira em torno de si própria, criando o tal efeito de gravidade, diferente de zero. Por isso a gente não flutua.

— Ela gira!? — Fiz careta. — Igual um ventilador!?

— Pra você ver! — Riu o homem.

— Por isso que estou mais tonto do que sempre fui! — Exclamei com sarcasmo.

— A gente nem percebe isso! E nem fica mais tonto do que sempre foi! Se não ficaríamos enjoados, igual quando se está em um barco balançando no mar.

— Pra que precisa disso? — Abri os braços, fazendo gesto de uma grande ave de rapina. — Até que seria legal, sairmos flutuando dentro da nave!

— O objetivo de criarmos este efeito centrífugo, não é para evitar que flutuemos. O motivo é muito mais importante do que isto. Imagine seu corpo, ossos, organismo, sangue, temperatura... acostumados a uma grande força gravitacional, passar trinta dias preso a uma gravidade zero!

— O que tem?

— Você simplesmente morreria!

E era assim, apesar de triste, muito curioso, durante todo o tempo.

Acabava muitas vezes até dormindo ali, ao lado de quem tivesse no comando da nave e com isto, devido o desconforto da poltrona, ele acabava me levando para meu quarto, onde, uma vez no conforto da cama, acabava dormindo por mais de doze horas seguidas, embora, aparentemente não parecia mais do que uma ou duas.

Estava me acostumando aos segredos de uma viagem aeroespacial, que realmente é muito complexa e teríamos que estudar durante muitos anos para poder compreendê-lo melhor.

[1] Na Língua Portuguesa não se acentua o verbo ir no singular do Pretérito Mais-Que-Perfeito, mas para que não seja confundida com o advérbio ou preposição fóra, que também não é acentuada, neste livro, preferi adotar o tal acento circunflexo em fora.


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Notas finais do capítulo

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