Tudo se Ajeita, menos a Morte escrita por Kam_ted


Capítulo 4
Capítulo 4




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/50192/chapter/4

Uma semana e a vida continuava na mesma agitação.

Brigara com os pais e sem avisar saiu de casa. Não uma briga séria, só as de costumes que, se não houvesse, não estaria normal sua vida diária. Resolveu então voltar à casa de Ipanema onde morou e só saiu para ir a Boston.

- Cazuza, meu filho, você não arrumará melhor enfermeira que sua mãe - reclamava Lucinha ao saber da mudança do filho.

Lucinha temia por sua saúde. Mãe coruja como era, colocava em ordem todos remédios e alimentação que seu filho não regulamentava.

- Mãe, vou me cuidar... Quero estar sozinho. Estou sentindo um tipo de coisa que... Não sei. Estou tendo idéias. Preciso escrever. Um novo CD está vindo aí...

Falava em tal empolgação que sua mãe não se intrometeu. Sabia, assim como Cazuza, que esta estaria presente no seu dia-a-dia, acompanhando tudo.

Andou pela casa olhando os cantos, arrastava as pontas dos dedos nos móveis. A luz do dia refletia nos sofás brancos e em sua roupa branca dando um sensação de paz. Eram 10:00 da manhã. O sol banhava as folhas verdes das plantas que estavam em sua varanda. O mar se estendia à frente.

Uma doce solidão, pensou. Uma solidão necessária, amigável. O som era do mar.

Parou em frente à porta de vidro da varanda e seus cachos esvoaçaram na brisa repentina que se fez.

Mexeu na pilha de papéis que chegara durante todo o tempo em que estava fora.

Encontrou uma encomenda de dois meses atrás. Uma novela: Pela Noite. Separou dos demais papéis.

Dispensou tudo e todos. Queria escrever. Tinha idéias para novas composições.

Serviu-se de uma taça de vinho e sentou na cadeira em frente da máquina de escrever, levando a garrafa.

Olhou em frente, o céu estrelado se adensava, se expandia na noite.

Posicionou os dedos sobre os teclados. A mente esvaziou-se. Branco repentino na mente.

Levantou, andou.

Olhou a mesinha, o livro.

Não se interessou em ler quem o mandou ou de quem era o romance. Queria ler.

A cada trecho se envolvia mais no texto. O autor colocava nas letras o que ele tateava em pensamento.

É preciso aprender a se movimentar dentro do silêncio e do tempo.

Mergulhava mais e mais na história.

Oi-tudo-bem-e-aí-tô-ligando-pra-saber-se-você-vai-fazer-alguma-coisa-hoje-à-noite. Como se a gente tivesse obrigação de fazer alguma coisa toda noite. Só porque é sábado. Essa obsessão urbanóide de aliviar a neurose a qualquer preço nos fins de semana, pode? Tenho vontade de dizer: nada, não vou fazer absolutamente nada. Só talvez, mais tarde, se estiver de saco muito cheio, tentar o suicídio com uma dose excessiva de barbitúricos, uma navalha, um bom bujão de gás ou algo assim. Se você quiser me salvar, esteja a gosto, coração. God! Um dia acabo mesmo dizendo, porra. Acendeu outro cigarro.

Ora se sentia o Pérsio, outra, Santiago.

 

E o amor, o amor, cara. O que eu faço com isso?

Eu não amo ninguém, parece incrível.

Qualquer lugar onde a gente pudesse viver uma coisa mais inteira. Não nesta cidade, não neste país.

 

Olhou no relógio: 03:49

Encheu sua taça com o resto de vinho tinto que havia. O vinho era suave, não estava embriagado.

04:11. Sorriu quase satisfeito ao ler as últimas linhas do romance:

- Eu também não me chamo Pérsio. Portanto não nos conhecemos. O que é que você quer? Ele sorriu. Estendeu as mãos, tocou-o também. Vontade de pedir silêncio. Porque não seria necessária mais nenhuma palavra um segundo antes ou depois de dizerem ao mesmo tempo: - Quero ficar com você. Provaram um do outro no colo da manhã. E viram que isso era bom.

Virou rapidamente a capa para conhecer o autor de quem se tornara admirador.

Caio Fernando Abreu.

O coração inesperadamente cursou outras batidas diferentes.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Tudo se Ajeita, menos a Morte" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.