Te amar não estava nos meus planos escrita por Ana Bobbio


Capítulo 32
O que você quer para você?




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Eduardo

Assim que Antônia desligou a chamada, sem se despedir, vi à minha frente aquela bomba aparecer e a ouvi ecoar em minha cabeça, como se a ficha tivesse aos poucos caindo.

Como se o baque fosse grosseiro, como se, mesmo que eu tentasse insistir em não acreditar nisso, a verdade continuava intacta.

A dor maior, aliás, era ouvir tudo isso com a voz de Antônia. Voz que me acalmava, voz que descansava o meu coração, o qual se mantém cicatrizado quando ela estava ao meu lado.

Pensar em algo concreto e ilusório me fez perceber como fui ingênuo a ponto de não perceber o que estava na minha cara esse tempo. Pois sei que por mais que elas fossem diferentes de personalidade, entre outras coisas, a aparência não enganava.

Dores do passado foram liberadas instantaneamente como se eu estivesse revivendo tudo isso, como se, de fato, a sua volta trouxesse à tona uma visão que eu não queria enxergar.

O problema é que não se tratava apenas de visões, e sim uma sequência de episódios que vivenciei há algum tempo. Os quais venho tentando afastar, os quais, por muito tempo, tomaram conta dos meus dias, destruindo qualquer pedaço de esperança ou paz.

Andando por todo o quarto, agitado com a montanha de descobertas e obstáculos que o destino colocava em meu caminho, vi minha porta sendo aberta. Era o meu pai.

— Estou indo ao supermercado. Vai querer que eu pegue algo para você? — Avisou. Levantei a cabeça, fitando-o, e automaticamente ele percebeu a minha aflição. — Aconteceu algo? Você está bem, filho?

— Estou. — Sussurrei com certa dificuldade, sem nem me preocupar em parecer convincente.

— Eduardo, quer saber? Estou cansado dessa sua bipolaridade! Uma hora você está bem, outra hora não está. Você tem que confiar em mim. Eu sou o seu pai, caramba. Talvez não seja o mais presente, ou o melhor. Mas você só tem a mim. Eu sei que tenho algo te incomodando, e talvez se você desabafar, eu consiga te ajudar. — Edgar Evans, abandonando totalmente sua expressão autoritária e intocável de grande empresário bem sucedido, aproximou-se gentilmente de mim. Continuei atônito, imergindo numa realidade distinta da qual vivemos.

Meu pai, pela primeira vez em anos, estava com a aparência que mantinha enquanto era casado com a minha mãe. Os olhos doces que pronunciavam um ''Ei, eu me importo com você ainda, filho. '' Cuja expressão só aparecia quando estava orgulhoso de mim, que foram poucas vezes, uma quando meu time de futebol venceu uma competição durante o colegial, eu tinha uns 13 anos. Outra vez quando eu consegui andar pela primeira vez de bicicleta, eu era menor que a Antônia, então, dá pra perceber que fazia muito tempo.

Ao mesmo tempo em que eu me fechei, Edgar fez o mesmo. Só que no seu caso, foi no mundo dos negócios, que é para ele como as rachas e as brigas são para mim, como uma escapatória. Como uma base, um alicerce que não conseguiu segurar a construção por muito tempo.

E agora, finalmente, depois de tanto tempo, a muralha que construiu estava desabando.

Permitindo que eu visse novamente o meu pai, e não o grande Edgar.

— Eu não quero ser inconveniente, Edu, mas eu quero saber o que está acontecendo com você. Deixe que o seu velho participe da sua vida, talvez fosse melhor a gente... Recomeçar. — Edgar disse com certa dificuldade, mais do que ninguém, eu sabia o quanto essa atitude era difícil para ele. Para meu pai, não era como decidir entre duas ideias para divulgar algum produto, era muito mais do isso. Era um problema que ele não sabia ao certo como lidar, porque mexia com o seu sentimental, e não com o racional.

— Eu... Eu sei que parece loucura, fora da realidade, mas Margareth está de volta. O problema... O problema entre todos os problemas, é que, saber que ela está mais uma vez na minha vida, não me fez... — Proferi ainda confuso com as palavras que saiam na minha boca. Meu pai sorriu, chegando mais perto de mim.

— Não sente mais nada por ela, é isso? — Ele afirmou mais do que perguntou. Porque a resposta estava escrita na cara, e pronta para ser lida por qualquer pessoa que fosse. Então, sentindo meu coração se aliviar depois de tanto tempo, olhei bem nos olhos dele e expliquei tudo o que estava acontecendo.

Surpreendentemente, meu pai sorriu como se a resposta fosse simples.

— Tudo o que essa moça precisa para ficar em paz, meu filho, é o seu perdão. Eu sei que pode parecer bobagem acreditar que não só ela teve direito a uma segunda chance, como você também. Mas é o que eu acho. — Ainda agitado, tentei entender o que ele estava querendo dizer, como se estivesse transparente para todos, menos para mim. — Confesso que me sinto receoso quanto a ela, porque fui testemunha do quanto você sofreu. Mas talvez esteja na hora de não haver mais nenhuma cicatriz, de vocês dois seguirem em frente. O passado não mudará, ele continuará sendo o que é. Porque, controlar o tempo, é algo que não está em nossas mãos. Tudo o que está em suas mãos agora, Eduardo, é o seu futuro. Então, o que você quer para você?

Eu tentei inutilmente responder, só que não consegui. Meu pai, dizendo que estava na hora de ir ao supermercado, saiu deixando-me sozinho mais uma vez.

Impressionantemente, pensar em Antônia não me fez mal. Porque ela jamais havia me feito mal. Muito pelo contrário. Ela era responsável apenas pelos bons momentos que tive, graças a ela, pude finalmente experimentar viver de novo.

Continuar pensando que elas não eram a mesma pessoa poderia ser coisa da minha cabeça. Porque obviamente, eram. Porém, separá-las era algo que eu deveria fazer. Pois eu não queria nenhum passado, nenhuma Margareth.

Eu queria Antônia.

Apenas ela.

Só enxergava um futuro para mim, ao lado dela.

Antônia

— Para com isso, menina. — Bianca murmurou, erguendo meu rosto com o seu polegar. — Você pode ter sido essa pessoa horrível que você contou, mas pra mim, nada mudou. Esquece isso e bola para frente. — Continuou, forçando-me a fingir que tudo estava bem.

Acho que fingi bem, porque ninguém notou que eu não estava.

Quando as aulas terminaram, eu pude voltar para casa. Mas é claro que ela não me deixou ir sozinha, e ficou comigo a tarde inteira. Só para se certificar que eu não ia cometer nenhum ato de loucura ou insanidade.

A noite chegou, e depois de jantar na companhia dos meus pais, fui para o meu quarto. Vi minha cama arrumada, minha estante bagunçada de acessórios e produtos para a beleza. Aproximei-me do espelho, e me encarei firmemente.

Puxei meu cabelo para frente, como se eu estivesse fazendo uma franjinha, e me imaginei usando lentes de contato mais escuras, e me surpreendi com a semelhança. Provando mais uma vez que sim, éramos a mesma pessoa.

Tentei me vestir a caráter de Margareth Johnson, até peguei escondido os sapatos de salto da minha mãe, passei um pouco de batom nos lábios e um pouco de lápis preto nos olhos que, infelizmente, não deu muito certo. Um lado parecia que eu tinha ganhado um soco, e outro, bem, o outro parecia que alguma criança tentou desenhar uma linha reta, sem sucesso.

— Não, babaca. Não era eu. É claro que eu não me importo com isso, onde já se viu? Eu, Margareth do pezão, indo para a escola sem maquiagem e agindo feito nerd? Ganhando até elogios de um professor de física carancudo? Você além de burro, é lunático! — Fingi murmurar, engrossando um pouco a voz para tentar soar como ela. O que, de uma maneira estranha, não surtiu tanto efeito. Franzi o cenho, esforçando para parecer brava.

Eu parecia uma pateta, e esse era o modo de pensar positivo. Pois se eu pensasse pelo modo negativo, eu diria, obviamente, uma retardada que não tem senso do ridículo.

Joguei-me na cama, desistindo da atuação, desistindo de ser alguém que eu não sou mais.

Alguém que eu não sou mais.

Uau!, isso soou surpreendente.

Talvez estivesse na hora de eu descobrir quem eu sou de verdade. Por isso, limpei meu rosto da maquiagem no banheiro, joguei os saltos para escanteio e deixei meus cabelos voltassem ao normal.

No dia seguinte, procurei me desfazer de alguns fantasmas. Tentando me acostumar com a ausência de uma certa pessoa, o porém é que meu cérebro sempre dava um jeito de inventar ou arquitetar alguma coisa que não fazia parte do plano de sobrevivência. Normalmente, quando estou sentada no colégio, vejo a imagem perfeita de Eduardo vindo em minha direção. É claro que sou imediatamente abduzida para aquele lugar, sendo controlada pelos meus pés que me forçam a ir até ele, e de repente, sua imagem desaparece da minha vista como fumaça.

E tudo o que eu vejo, é a escola vazia, mesmo com centenas de alunos andando de um lado para o outro. E eu me sinto sozinha, mesmo Bianca abraçando-me quando percebe que estou viajando. E eu tento não chorar, sabendo que minha escolha era a melhor para ele. E que viver ao lado de um fantasma de seu passado, não era uma opção muito boa.

— O que você acha de irmos naquela lanchonete da esquina? — Perguntou assim que passamos pelo portão indo embora do colégio.

— Não sei, tô querendo ir para casa e me jogar na cama, acordar só a noite. — Disse, entortando a boca, sabendo que viria bronca ai. Mas, tudo o que Bianca fez foi sorrir e negar com a cabeça. Pegou minha mão forçando-me a ir ao outro lado, o da lanchonete. E não o da minha casa. Totalmente sem forças para contrariá-la, forcei meus pés para conseguir acompanhá-la.

Chegamos à lanchonete, ela era bem simples, mas os lanches eram espetaculares. Antes que minha vida virasse essa bagunça toda, tinha costume de vir com a Bia para nos fartamos de gordura e açúcar. As coxinhas daqui eram perfeitas, principalmente o salgado de queijo e presunto.

Nos sentamos em uma das mesas vagas e esperamos que a garçonete viesse nos atender.

Assim que a garçonete, usando seu típico uniforme — uma blusa vermelha com o nome da lanchonete no canto esquerdo — chegou à nossa mesa, com o sorriso educado e prestativo de sempre, esperou que fizéssemos o nosso pedido.

— Vou querer um pastel de queijo e presunto e uma latinha de coca cola. — Bia disse para a mulher, que rapidamente anotou na comanda. — O que você vai querer, Antônia? — Me olhou, enquanto eu tentava pensar em algo.

Mas eu não tinha fome. Aliás, nem no intervalo havia comido. Tudo o que eu fiz, foi comer umas migalhinhas do bolo que comprei, mais beliscando do que comendo, deixando-o quase inteiro para trás quando voltei para a sala.

— Hm... Eu acho que vou querer o mesmo pastel da Bianca. — A mulher assentiu, anotando o meu pedido também. Depois que nos deixou sozinhas, soltei um suspiro longo.

— Então, Maggie... — Bianca começou, a interrompi no mesmo segundo, fazendo uma careta. Tinha uma aversão a essa mulher. Mesmo que ela fizesse isso para implicar, totalmente na inocência, relembrar disso ainda mexia comigo. E deixava-me num estado horrível, então, tudo o que eu queria era esquecer. Só isso. — Desculpa. Enfim, Antônia. Você sabe que é a minha melhor amiga, não sabe? — Assenti, querendo saber onde ela queria chegar. — Então... O que eu vou te dizer, espero que você guarde porque ainda é muito arriscado. Você conhece a minha história, você conhece os meus pais. Apesar do meu pai ter morrido, minha mãe está entrando no mesmo mundo que o matou. Eu venho tentando, inutilmente, ajudá-la. Mas, estou cansada! Cansada, porque eu sei que não tem nada mais a ser feito! — Bianca deu uma pausa, abaixando a cabeça, enfraquecendo o sorriso que mantinha aberto e tentando disfarçar sua tristeza.

— Eu sei, Bia. Desculpa não te ajudar também, eu sei que deveria fazer algo quanto a isso... — Ela me cortou, revirando os olhos.

— Você já tem os seus problemas, então, fique quieta, Tônia. Só de estar comigo me apoiando você me ajuda, sabe disso, não é? — Sorrimos em uníssono. — Gabriel e eu estávamos conversando que a cada dia a situação lá em casa se aproxima de um inferno... — Ela mordeu os lábios, pensando se deveria continuar. Por conhecê-la, sabia que vinha bomba. — Estamos pensando em morar juntos, dividir as despesas. Essas coisas, sabe? Ele moraria sozinho de qualquer jeito, porque o pai dele ofereceu um apartamento a ele por conta das diversas viagens que faz e sempre o deixa sozinho. Então seria uma boa vivermos juntos. Eu voltaria a ter tranquilidade nos meus dias, e de quebra, ele não ficaria tão sozinho.

— Bianca... Isso... Eu não sei o que dizer... — Entreabri a boca, totalmente surpresa. Bia olhou-me com os olhinhos meigos, coisa que raramente faz, só quando quer alguma coisa de mim. E dessa vez eu sabia o que queria, e como sempre, teria que apoiá-la. Relaxei os ombros, rendendo-me. — Eu sei que ele gosta de você, e que em relação a ele, eu não tenho o que me preocupar. E também sei que ele é meu amigo, então eu tenho direito de dar um soco nele caso venha te decepcionar de alguma forma. Você também é a minha melhor amiga, então é claro que eu vou te apoiar. — Rimos juntas, nos abraçando meio sem jeito por conta da mesa que nos separava.

Segundos depois, nossos pedidos chegaram. Junto ao meu pedido, veio um suco de manga, arqueei uma sobrancelha, não entendendo o que aquele suco fazia ali. Não havia pedido nenhuma bebida, pra ser específica.

— Moça, acho que há algum engano. Eu não pedi nenhum suco... — Ela sorriu totalmente distraída do que eu disse. O que de alguma maneira, deixou-me com uma pulga atrás da orelha.

— Uma pessoa me mandou te entregar isso, talvez devesse aceitar. — Aconselhou, sorrindo para mim.

— Que pessoa exatamente mandou que me entregasse esse suco...? — Perguntei de forma pausada, fitando intensamente o copo à minha frente.

— É o seu preferido, Tônia. Também acho que deveria aceitar, tenho certeza que esse suco nem chegou às mãos do sujeito. Então, obviamente, não está envenenado. Se não quiser, eu quero. Pode deixar ai, moça. — A garçonete assentiu, nos deixando sozinhas mais uma vez.

— Isso é estranho. — Sussurrei, tentando me afastar das diversas possibilidades que rondavam minha mente. Tentando me fazer acreditar que qualquer um sabia disso, que esse suco era o meu preferido. E que no máximo, era alguém tentando ser gentil.

As próximas conversas que tive com Bianca foram tranquilas e calmas. Conversávamos sobre coisas bobas, aleatórias, conversas que faziam muita falta. Vendo que eu estava bastante conturbada, ela deixou de lado o fato de eu estar tomando o meu suco preferido pago por alguém nem tão desconhecido, pois estava a par das minhas preferências.

Saímos juntas, nos despedindo na esquina de sua casa. Pois o meu caminho era contrário. Com passos meios lerdos andei pela calçada, sem me preocupar em demorar. Porque eu queria respirar um pouco de ar puro, eu queria usar esse tempo para pensar em coisas ocasionais, coisas sem muita importância, como o novo corte de cabelo da minha mãe e o fato do meu pai continuar com o costume de ir aos domingos naquele restaurante em frente à casa de Bruno.
O mesmo que matou Margareth, de certa forma.

Por estar viajando em meus pensamentos, não reparei quando à minha frente uma garotinha de cabelos lisos até a cintura, de olhos pretos e sorriso doce me estendeu um buquê de flores lilás.

Lilás não era qualquer flor. Então, de certo, isso me instigou a deduzir o que já estava claro.

Mas eu não podia deduzir isso, claro que não. Então apenas peguei o buquê, agradecendo-a pelas flores e continuei a caminhar. Forcei-me a nem olhar para as flores, fechando os olhos e suplicando que fosse coisa apenas da minha cabeça. Não porque eu não quisesse que fosse verdade, só que, não podia ser verdade.

Meu coração acelerou, todavia continuei a fingir para mim mesma que ele batia de modo normal.

O problema é que como sempre minhas mãos não seguiram minhas ordens, e lá estava eu, procurando alguma coisa dentro do buquê. E encontrei um bilhete com letras conhecidas, que já havia visto há algum tempo.

'' Garota da blusa manchada,

Você é linda. E desde hoje cedo, não consigo tirar meus olhos de você. Acho que é por causa dessa blusa de uniforme que você está usando, apesar de ser desproporcional para o seu corpo, te deixa excepcionalmente sexy. Confesso que quando eu te vi pela primeira vez assim, tive que pensar nos meus avós acasalando. Para ser sincero, a cena não foi a melhor da minha vida. ''


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Notas finais do capítulo

Acho que está bastante claro quem está fazendo essas surpresinhas, não é? haushuas X:
Desculpem a demora, mesmo! E até o próximo (:
bjão!! ♥♥