In Purple Eyes escrita por Caramelkitty


Capítulo 5
Companhia um tanto quanto indesejada


Notas iniciais do capítulo

Olá gente, tiveram saudades minhas?
Este capítulo é menos trágico que os anteriores, ele tem muita vertente cômica e é super envolvente começar uma relação e ver quanto podemos desenvolve-la. Tantas possibilidades sem fugir à personalidade. Vamos assistir agora ao encontro de Endy com os gêmeos TNT. (capítulo narrado pelo Endy)
Eu pessoalmente gostei bastante de escrever este capítulo. Como eu já mencionei adoro escrever sobre o comecinho das relações e, no final, ver quanto elas evoluíram.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/501752/chapter/5

A monotonia desta existência está a deixar-me louco. Espero conseguir vingar a morte dos meus pais bem depressa, para assim poder acabar de vez com tudo isto. O que é a minha vida, afinal? Matar, roubar, matar,...

Estava eu nestas cogitações, empoleirado num ramo de uma árvore frondosa, quando ouço vozes metros abaixo da minha posição. Essa é uma das vantagens das árvores. Oferecem um abrigo seguro, escondendo-nos dos olhos mais perspicazes, acolhendo-nos no interior das suas folhas como um fruto que ainda não amadureceu. E, aqui em cima, sinto-me como se fosse o detentor de todo o saber do mundo. As conversas que se ouvem daqui são deveras interessantes. Apurei o ouvido e diminui o vigor da minha respiração para um ritmo praticamente inaudível, esperando receber notícias da capital para a qual eu me dirigia. Um grupo de cinco mineiros formava um círculo entre eles, conversando, não em sussurros, mas em resmungos que não tinham como objetivo segurar um segredo, mas mostrar uma irritação profunda. Fosse o que fosse, não era algo muito sigiloso. Mais alguns segundos de escuta e logo percebi o tema de conversa. Creepers tinham atacado as instalações destes mineiros e devorado grande parte das reservas de carvão. E estavam, nada mais, nada menos, do que a planearem a vingança contra as criaturas. Vingança por algo tão material e insignificante como isso parece-me absurdo. Ainda se fosse um cubo de diamantes, mas agora um punhado de carvão? Que humanos mais imbecis, querem mesmo é arranjar motivo para uma boa briga com mobs. Não admira que haja esta guerra, a intolerância dos seres humanos é inaceitável e uma importante acha na fogueira. É que, para eles, nem importa os motivos dos creepers, eles podiam estar famintos, provavelmente estavam. Pelo que ouvi, eram apenas dois pequenos creepers, que lamentavelmente, de um jeito ou de outro morreriam de miséria. Provavelmente ovelhas de rebanho perdidas.

Os mineiros acenderam mais archotes e seguiram todos juntos por um caminho devidamente calculado. O que estava mais próximo da árvore aonde eu repousava, mastigou a ponta de um cigarro já usado e atirou-o de seguida para o chão. As luzes dos archotes perderam-se no horizonte e eu pude finalmente relaxar um pouco. Apesar da monotonia, tenho de admitir que a paz me agrada e tranquiliza. O que faria eu sem ela?

Mal dei pelo nascer do dia. Quando tomei plena consciência da Natureza ao meu redor já o sol brilhava timidamente por entre as nuvens da madrugada e os pássaros começaram a planar ao meu redor, disputando o ramo que era ocupado pela minha pessoa. Teletransportei-me para o chão e comecei a caminhar de novo para Norte. Uns gritos assustados chamaram a minha atenção, mas mesmo assim não levantei os olhos do chão nem diminui a velocidade da marcha. Não era nada comigo, de qualquer maneira. Pouco depois, dois creepers crianças passaram a correr por mim, com rostos apavorados logo seguidos de um dos mineiros que eu vira a conversar na noite anterior. Ignoraria a presença destes novos elementos e seguiria a minha vida tal como planeava se não tivesse reparado num pormenor. O homem usava óculos escuros. Era algo típico de mineiros, pois claro, afinal, tinham de proteger os olhos das poeiras e detritos. Eu sempre ambicionara um par de lentes escuras para poder esconder os meus terríficos e malditos olhos. Então, nem hesitei. Usei o meu golpe preferido. Preguei uma rasteira ao homem que caiu por terra e logo lhe quebrei o pescoço causando-lhe uma morte instantânea e sem dor. Virei o cadáver e tirei o acessório do seu rosto. Os olhos arregalados de espanto indicavam a morte de surpresa que ele tivera. Coloquei os óculos escuros e olhei em redor. Merda, embaciam muito a visão. Mas talvez eu consiga habituar-me a usá-los. Quase me senti tentando a tirar os óculos quando senti duas presenças atrás de mim. Afinal, com aquilo no rosto o meu sentido de visão era bastante limitado. Não quis dar parte de fraco, pelo que me virei, enfrentando sem sobressalto quem quer que fosse o ser que surgira.

Deparei-me com dois creepers que me olhavam com expectativa. Eram os dois aproximadamente da mesma idade e sem dúvida do mesmo parentesco pois tinham os dois cabelos loiros mel e olhos do mesmo tom dourado. A creeper fêmea era um pouco mais alta que o creeper macho. E depois, para meu enorme espanto, os dois falaram em uníssono.

– Obrigado por nos ter salvo, senhor!

Pensei em tentar explicar-lhes que fora um acidente qualquer consequência originada pela morte do homem mas decidi não gastar o meu vocabulário com eles. Como devo ter dito anteriormente, sou de poucas palavras.

Virei-me e segui para Norte uma vez mais, agora com os meus novos óculos escuros... e dois creepers na minha cola. Sim, não demorei um milionésimo de segundo a perceber que os dois me seguiam com passos curtinhos e leves. Olhei discretamente para trás, algo que não parecesse muito brusco, mas que transmitisse bem a mensagem: «Eu não vos quero a seguir-me!».

Eles nem sequer pareceram reparar no meu comportamento que tinha como objetivo admoestá-los pelo atrevimento. Qual creeper, em perfeito juízo, seguiria um Enderman? Podíamos não ser inimigos mortais como os Endermans e os esqueletos, mas que eu me lembre, também não éramos grupos aliados. Conversavam entre si:

– Laura, este tipo é alto e parece poderoso. Se ficarmos junto dele, ninguém nos atacará! Viste só como ele matou aquele humano que nos perseguia? Eu quero ser igualzinho a ele quando crescer!

A creepergirl revirou os olhos ante a infantilidade do outro.

– A sério, Brian? Pois vais ter que comer muita sopa de petróleo para atingires a altura dele! – Depois, aproximou-se mais do parceiro e sussurrou, como se eu não pudesse ouvi-la. – Não achas que ele será perigoso? Quero dizer, ele pode acabar conosco num piscar de olhos.

Esperei que o outro desse ouvidos ao conselho super acertado da miúda, mas claro, os meus desejos não foram atendidos e logo este replicou.

– Eu gostei dele! Parece um super herói daqueles super fixes que simplesmente andam por aí a salvar os frascos e comprimidos, sempre sem perder aquele ar de indiferença tão cool.

– Fracos e oprimidos, Brian! – Corrigiu. – A sério, às vezes tenho vergonha de ser tua irmã!

Ficaram a mostrar a língua um ao outro durante um tempo indeterminado, provavelmente até sentirem as suas línguas secas.

– Ei, ainda não nos apresentamos! É uma falta de educação estarmos a seguir este indivíduo sem ao menos sabermos o nome dele e sem ele saber o nosso. – Pareceu lembrar-se a creeper. Interpôs-se no meu caminho e eu parei de andar, simplesmente aterrado com esta nova demonstração de atrevimento por parte destes tolinhos sem noção. Ela agitou os longos cabelos loiros, abandonando o capuz verde, que atirou para o irmão. – Eu sou a Laura e este é o meu irmão Brian. Eu aproveito para dizer o quanto nós estamos gratos pela sua bondade e generosidade em salvar-nos a vida. E, devo acrescentar que foi incrível a forma como derrotou o malvado humano. – Depois começou a piscar incessantemente os olhos. – E esse seu jeito misterioso me cativa sobremaneira.

Por favor, só podem estar a brincar! Uma pirralha creeper que não tem mais de 8 anos está a tentar seduzir-me? O que eu fiz para merecer passar por esta humilhação? Está certo que quebrei alguns pescoços, devorei algumas almas, mas nada demais. Este é um castigo demasiado cruel. Tanto o sorriso delico-doce da creeper como o olhar venenoso do irmão dela estavam a fazer com que eu me sentisse desconfortável. E finalmente compreendi o meu desconforto. Eu estava constrangido com esta situação. Céus, eu não ficava constrangido desde que era um miúdo.

– LAURA! Eu não sabia que tinha uma irmã tarada! – Admirou-se o tal Brian, com uma exclamação que oscilava entre a surpresa e a fúria.

Nesse momento a creeper soltou uma gargalhada.

– Eu só estava brincando! – Esclareceu ela ainda a rir. Depois virou-se para mim. – Desculpe se o assustei!

«Ah, ah, ah, que brincadeira engraçada» Podia ter dito ironicamente. Mas mais uma vez engoli as palavras e decidi ignorar, que era o que eu habitualmente fazia. Não ia quebrar a minha rotina por causa de duas irritantes crianças.

Recomecei a andar e ouvi logo o eco dos meus passos. Claro, eles continuavam a seguir-me. Como podem existir seres tão teimosos e insistentes? O que posso mais fazer para eles perceberem que eu não os quero comigo? Talvez dizer-lhes na cara! Mas dizem que se contrariamos uma criança ela tem vontade de fazer o contrário, por isso acho que vou continuar com a técnica do desprezo.

– O que achas que ele é? – Perguntou o creeper, com genuína curiosidade.

– Oh, Brian, não é óbvio? Ele é um Enderman!

– O que é isso? – Perguntou de novo levando o dedo indicador à boca e mordiscando como se isto o ajudasse a lembrar de alguma coisa.

– «Isso» é a prova viva de que não estás minimamente atento nas aulas. Nós estudámos todos os mobs e os Endermans tiveram um especial destaque pelos seus poderes impressionantes. Não admira que tires notas tão baixas. Quando faz sol, estás as jogar à bola e faltas às aulas, quando chove, ficas a conversar com o Carriço, quando neva, começam as batalhas de bolas de neve, quando está nublado dormes em cima da carteira...

Graças a uma qualquer divindade o tal Brian interrompeu o sermão da irmã. E ainda bem, porque as minhas orelhas já estavam cansadas de tanto falatório sem sentido e sem utilidade.

– Explica logo o que é um Enderman!

Seguiu-se uma longa explicação. No final, a creepergirl concluiu.

– E assim foi como eu tive a certeza que este senhor era um Enderman. Está mais que óbvio. Já agora... lembrei-me que nós já nos apresentámos mas ele ainda não se apresentou. Qual é o seu nome, distinto Enderman misterioso?

Eu não respondi. Era agora o momento em que eles se fartavam e iam embora. Achava eu...

– Tadinho, deve ser mudo! Temos que lhe arranjar uma alcunha, então! – Sugeriu a creepergirl e aquilo soou como um terrível presságio no meu humilde ponto de vista.

– Já sei, vamos passar a chamá-lo Senhor Mistério!

Quando pensamos que a nossa situação não pode piorar, descobrimos que sempre tem mais um buraco aonde podemos cair. Agora aqui estava eu, rodeado por duas crianças insuportáveis na plena idade dos porquês que me tinham arranjado a alcunha mais ridícula que eu podia imaginar.

– Senhor Mistério, o que são essas fagulhas que o rodeiam? Elas queimam ou tem eletricidade? – Perguntava um dos pirralhos de um lado, tentando segurar as fagulhas nas mãos, saltitando como um coelho.

– Senhor Mistério, porque usa esses óculos escuros se está nublado? – Perguntava o outro pirralho, andando de costas à minha frente, tentando desesperadamente ver por debaixo ou por cima das lentes escuras que eu via agora, serem mais úteis do que eu pensara.

– Senhor Mistério, porque os Endermans se queimam com a água?

– Senhor Mistério, podia ensinar-me alguns movimentos de ataque maneiros?

– Senhor...

– CHEGA! – Gritei, chegando ao limite da minha paciência. Nunca tinha gritado em toda a minha vida e era um extraordinário feito que estas duas crianças tenham feito acabar a minha paciência. Eu pensei que estava tão forte e cruel que já nada poderia afetar a minha indiferença. E era quase vergonhoso perceber o quão errado eu estava. – Parem de me chamar de Senhor Mistério, esse é o apelido mais ridículo que já ouvi! O meu nome é Endy! E não falem comigo, eu estou numa missão muito perigosa e que exige concentração e discrição. Não posso deitar tudo a perder, com duas pulguinhas como vocês a seguirem-me. Por isso eu quero que me deixem em paz, eu e os meus pensamentos.

Eles deixaram os olhões pousados em mim durante longos segundos que quase me corroeram de ansiedade. E por fim a reação veio... eles festejaram! Deram as mãos e começaram uma dança quase essencialmente constituída por saltinhos animados.

– Yey, o Senhor Mis... digo, o Endy não é mudo!

Logo se separaram e puseram os dois as mãos atrás das costas com um ar de anjinho enganoso. Só lhes faltava mesmo a aréola de santos... e o rabinho de demônios.

– Prometemos ficar em silêncio para deixar o senhor pensar nos seus pensamentos! – Prometeram, novamente a falar em uníssono. Essa tendência de falarem a dobrar já está a começar a irritar-me. Devem ser gêmeos, é mais neles que se verifica essa anomalia comportamental tão detestável.

Que gêmeos mais pestes! Apenas uma meia hora com eles e já os odeio profundamente. Como eu pude pensar que crianças deviam ser poupadas ao extermínio? Se eu... tivesse a coragem, juro que os mataria agora mesmo sem dó nem piedade. Mas o meu coração não é de pedra, como eu gostaria que ele fosse. É de gelo... e essas duas pestes estão a perturbar os meus sentimentos impenetráveis. Eu devia matá-los o quanto antes, mas o que podia fazer? Iria me afogar em remorsos, eu nunca matei uma criança, fosse ela mob ou humana. E eu não queria me tornar um completo monstro. Eu só quero que eles me deixem em paz.

«Pelo menos eles estão a cumprir a promessa!» Tentei analisar pelo ponto de vista positivo. O silêncio estava novamente a purificar a minha manhã. Estava a fechar os olhos deleitado com a paz que eu já julgara perdida quando...

– Senhor, quando é que chegamos? – Perguntou o creeper.

Abri os olhos com o desgosto mais amargo. Decidi voltar ao estado de desprezo e não respondi. Mas o pior é que a irmã decidiu responder-lhe por mim e o silêncio que eles prometeram, cessou.

– Idiota, é indelicado fazer essa pergunta! Deixa de ser melga! Pensa comigo... como queres que o Endy te responda quanto tempo falta para chegarmos? Essa pergunta deve ser feita após esta, olha... – Fez uma pausa e dirigiu-se a mim. – Senhor Endy, onde é que estamos a ir?

Não preciso de dizer que voltei a ignorar, certo? Mais tarde porém, começaram os verdadeiros problemas.

– Tenho fome! – Queixou-se o creeper, como se não tivesse as bochechas roliças de fartura. Esse provavelmente nunca passara fome a sério. Talvez... até agora! Eles deviam mesmo pertencer a uma sociedade de creepers. E era lógico pensar que eles se tinham perdido recentemente.

– E eu estou cansada! – Volveu a creeper, num lamentoso suspiro.

E começou de imediato a sinfonia, pareciam dois gatos numa serenata. Pena que eu não tinha qualquer bota ou piano de cauda para lhes atirar em cima e esmagar-lhes os crânios.

E nesse momento eu decidi que tinha de me livrar deles. Já que não iria conseguir ficar em paz com a minha consciência se os matasse, preferi engendrar um plano em que conseguiria fugir das duas lapas, abandonando-as à própria sorte.

– Olha! – A creeper chamou a atenção do irmão e apontou para um descampado à nossa frente onde se via...

– Um minério abandonado! – Completou o creeper e juntos pularam de felicidade e correram em direção ao que lhes devia parecer um tesouro. Não sem antes me agradecerem. E mais uma vez em uníssono o que estava a tornar-se absurdamente chato.

– Obrigado, Endy!

Eu queria replicar que não era minha intenção levá-los a qualquer fonte de alimento. Que não era minha intenção ajudá-los mas mais uma vez me quedei mudo, demasiado impressionado com a minha falta de sorte.

Enquanto eles devoravam os grãos de carvão em completa extasia, eu continuei imóvel, encostado numa árvore. Se eu fugisse agora, era capaz de eles perceberem. A menos que... é isso mesmo! Já tenho um plano brilhante formado. E que não tem como dar errado!

Dirigi-me a uma caverna perto da escavação. Ainda lá restavam restos de fogueiras de algum nómada. Chamei os gêmeos que logo se apressaram e se posicionaram na minha frente, fazendo a saudação militar como se eu fosse general deles. Expliquei-lhes que tínhamos uma longa viajem pela frente, tentei integrar os meus planos como se fossem nossos para os fazer sentirem-se mais confiantes, e argumentei que devíamos descansar. Eles não colocaram qualquer objeção. Bocejaram, como inocentes crianças e deslizaram para o chão. Pouco depois, já estavam em sono profundo, dormindo um em cima do outro. Até que eles eram engraçados quando estavam em silêncio com aqueles olhinhos perturbadores fechados. Afastei o estranho e terno pensamento e teletransportei-me para o lado oposto da clareira. Tentei não agir com infantilidade ao correr em direção à minha recém-adquirida liberdade, mas, mesmo com esse cuidado, o meu gesto ficou a parecer-me demasiado exagerado. Mas, compreenda-se, aqueles gêmeos TNT tinham mesmo feito com que eu perdesse o controlo das emoções. E ali estava eu, com um gigantesco sorriso no rosto, vendo a solidão estender-me o seu braço aconchegante.

Nesse momento deparei-me com algo no meu caminho e travei bruscamente, quase tropeçando. Reconheci o loiro dos cabelos dos dois gêmeos. Engoli em seco, esperando que fosse apenas a minha imaginação. Baixei os olhos e percebi que não era a minha imaginação. De alguma forma inimaginável, os dois creepers estavam à minha frente com os olhos a faíscarem, não de fúria, mas de entusiasmo.

– Faz de novo! – Pediram eles, e não precisei de muita dedução para entender que eles me tinham visto teletransportar.

– Olhem, dá para vocês me deixarem em paz? Eu não quero a vossa companhia, eu estou numa missão muito perigosa e pessoal e não vos quero a seguirem-me como dois cachorros. Voltem para o lugar de onde vieram! E eu nunca vos quis ajudar, foi tudo um acidente! Eu matei aquele humano simplesmente porque queria os óculos de sol dele. Mas se eu soubesse que teria de aturar dois empecilhos como vocês eu não o teria feito.

Os olhos deles humedeceram e em poucos segundos já estavam os dois a chorar desalmadamente. Eu recuei alguns passos para eles não me atingirem com a cascata de água salgada que formavam com os olhos. Quando eu já pensava que devia ter sido um pouco mais... delicado, em expulsá-los, os dois começaram a tartamudear em meio de soluços.

– Nós não temos para onde ir! – Queixou-se o creeper, fungando enquanto grossas lágrimas continuavam a escorrer-lhe pelo rosto.

– Nós passámos a linha e se voltarmos a atravessá-la iremos morrer. É uma espécie de veneno que se implanta no nosso corpo. Os filamentos das flores quando atravessamos de dentro para fora, não atuam devido ao seu sentido, mas se atravessamos de fora para dentro, os filamentos das flores segregam um produto tóxico que nos matará quase instantaneamente. – Explicou a creeper e eu admirei-me de ela conseguir falar com coerência enquanto os soluços lhe estalavam no peito.

– Eles disseram que não iriam procurar-nos se passássemos a linha! Agora estamos abandonados!

Agarraram-se um ao outro e desataram a berrar alto.

– Eu não quero morrer!!!!!

A creeper jogou-se aos meus pés.

– Estamos sozinhos, assustados e não temos para onde ir! Por isso, por favor, por favor, deixe-nos ficar consigo. Nós só queremos um pouco de proteção até arranjarmos um jeito de voltar para casa.

O creeper imitou a posição da irmã e completou:

– Nós faremos tudo o que os senhor disser! Assim se precisar de alguma coisa, poderá contar conosco. E nós não iremos incomodá-lo! Por favor, deixe-nos ficar consigo.

Eu estava completamente aterrado e não sabia sequer o que lhes responder. Mas porquê que aqueles dois se tinham afeiçoado logo a alguém como eu? Eles não me viram a matar aquele humano tão a sangue frio, sem emoção? Eles não tinham ouvido já que aquele salvamento fora um acidente? Eu não lhes explicara já que aquela missão era arriscada e perigosa? Porque é que eles insistem em acompanhar-me? Não é possível que eles tenham sentido uma tão súbita e forte afinidade para comigo. A minha mais íntima vontade era mandá-los embora agora mesmo mas o difícil era encontrar palavras para o fazer. Os dois creepers, tão novos, tão pequenos e indefesos, continuavam ajoelhados à minha frente, implorando e tremendo, temendo a negativa resposta... que poderia condená-los a uma morte quase certa. Realmente se eu nãos os ajudar, existem poucas probabilidades de se manterem vivos durante mais umas três noites. A lei da seleção natural iria logo eliminá-los por serem tão fracos. E se sobrevivessem? Conseguiriam retornar a casa? Provavelmente não e iriam ficar exatamente como eu! Seres solitários e amargurados. À minha frente, via o reflexo do que fora a minha infância. Então... como poderia eu deixá-los desamparados, sabendo todas as dificuldades que teriam de enfrentar? Eu era demasiado semelhante a eles. Sem querer, as imagens vieram à minha mente, as recordações dos tempos que eu passara escondido, amargurado e faminto. Eu conhecia bem de mais a sensação de abandono, para poder sujeitar aqueles dois creepers ao mesmo.

Demasiado orgulhoso para lhes dizer que podiam ficar, apenas continuei a encaminhar-me para Norte. Aparentemente, eles perceberam a mensagem, porque logo me seguiram, a correr para acompanhar as minhas passadas.

– Vês? Eu disse que ele não era tão mau assim! – Sussurrou Brian para a irmã.

Ela sorriu para o céu onde o sol espreitava por entre as nuvens fazendo brilhar as lágrimas no rosto da creeper.

– É mesmo! Eu acho que no fundo, Endy tem um bom coração!

Isso doía demais ouvir. Eu tentava relembrar a mim próprio que eles eram crianças. Inocentes crianças que faziam logo um julgamento bom demais para o assassino que eu era. Eu ainda não conseguia arrepender-me da decisão que tomara, mas já sentia que aqueles dois iriam mudar muito os meus planos. E quando eu pensei que nada, mas mesmo nada, poderia piorar a minha situação... apareceu Ela!


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Então, que acharam?
Já imaginam decerto quem é «Ela», não é verdade?

Humedecer parece erro, mas não é! Umedecer é com H aqui em Portugal!
Enfim, tenham um bom dia, ou noite (dependendo da hora a que estiverem a ler isto) e aguardem o próximo capítulo!
Kissus de caramelo.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "In Purple Eyes" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.