In Purple Eyes escrita por Caramelkitty


Capítulo 4
Passando os limites




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Sabem aquele desapontamento que sentimos quando está planeada uma visita de estudo na escola e depois, à última da hora, a visita é cancelada e fazemos antes uma prova surpresa? Pois é mais ou menos esse o sentimento que me corrói neste momento. Eu pensei que esta prova ia ser diferente das outras. Bem, diferente ela é, mas eu pensei que iria ser no sentido positivo. Pensei que passar 24 horas no mundo «real» sem qualquer vigilância e enfrentando mil perigos iria ser divertido. Sabem que mais? Eu estava errado! E é muito difícil admitir isto, mas quem estava certa era a minha irmã gêmea, Laura. Ela estava receosa, triste, como se fosse iniciar um caminho sem retorno. Eu bem vi quando ela se despediu dos pais. Eu fiquei à porta, à espera dela e ouvi tudo. Era incrível, ela falava como se... como se nunca mais os fosse ver na vida. E por momentos ponderei o quão perigoso poderia ser este estágio. Se havia realmente alguma razão para receio. Mas logo me lembrei que Laura sempre foi assim! Não propriamente medrosa, mas ponderada e cautelosa. Marota como eu, mas não impulsiva, não o tipo de creeper que ameaça explodir por tudo e por nada. Na verdade ela até tem uma secreta fobia de vir a explodir algum dia. Todos nós sabemos que esse é o destino de todos os creepers, mas ela, interiormente, rebela-se e tenta lutar contra esse instinto, essa tendência natural. Mas estou a divagar, peço desculpas. Estava eu a falar da enorme desilusão que tive quando me vi finalmente rodeado pela inesperada e, no entanto, tão esperada liberdade.

Sol escaldante, humidade sufocante, e muitas bolhas nos pés devido à longa caminhada. Eram nesses conceitos que a minha cabeça teimava em fixar-se. Eu estava cheio de calor, cansado, desidratado... só quero ir para casa e beber duas garrafas de petróleo seguidas. O sol estava a começar a pôr-se. Isso fazia o quê? 12 horas que estávamos em jejum? Desesperado, comecei a cavar a terra na estúpida esperança de encontrar uma fonte de petróleo para acalmar a minha sede. Como um condenado que procura desesperadamente um oásis no deserto.

– Brian, isso é inútil! Só há duas fontes de petróleo segundo o mapa, suas localizações incertas.

Quão certinha era a minha irmã às vezes! Dá nos nervos! Ela pode ser encrenqueira como eu, mas tem um cérebro carregado com toneladas de inteligência. Ela que faz os planos funcionarem, ela sempre pensa nalguma solução. Mas, enquanto não a encontra, fica a repetir incessantemente, com uma voz aguda que irrita profundamente: «Brian, aí não, não assim, não por ali, não dessa maneira...»

– Laura, eu estou faminto! Estamos a andar há horas e nem sequer nos cruzamos com outro aluno! – Reclamei.

Pensei em Carriço e na sua parceira. Como estariam eles? Pouco sabia sobre Samantha, achava-a uma rapariga estranha, parecia muda. Quanto ao Carriço, ele é o meu melhor amigo, decerto partilharia comigo alguma da comida que tivesse encontrado. Isto é... se tivesse encontrado, porque parece que não há um torrão de carvão em todo o recinto. Este era o meu plano! União! Unir-me a Carriço, a Lola e aos outros alunos e juntos decerto as coisas podiam correr melhor. Podíamos assustar os humanos de uma vila e levar todos os materiais combustíveis que tivessem.

– Tens de compreender que isto não é fácil! É uma prova de sobrevivência, não esperas que caiam as facilidades todas do céu, pois não? Vamos achar algum local para dormir.

– Eu nunca dormi de barriga vazia, não vou conseguir! – Resmunguei, arrancando um suspiro triste da minha irmã.

Tentei suavizar tanto o tom de voz como a expressão porque Laura não tem culpa do que está a acontecer e deve estar tão faminta e sedenta como eu, a fazer um enorme esforço para pensar. Experimentem ficar horas sem comer para verem como é que o vosso cérebro reage. No meu, já só passam, como num filme, as imagens do que tomei ao pequeno almoço.

Um ruído nos arbustos chamou-nos a atenção e fez-nos saltar de susto. Já na semi-penumbra, consegui vislumbrar as silhuetas de dois creepers que não tivemos qualquer dificuldade em reconhecer. Matthew e Rayne, os nossos inimigos de escola. Eu e Matthew ficamos a observarmo-nos um ao outro com uma postura defensiva e desafiadora. Sustentei com firmeza o olhar vermelho tentando não pensar nos músculos do mais velho que poderiam facilmente vencer a minha resistência média. Rayne, no entanto, permanecia calma e não parecia querer armar uma briga. Na situação em que todos nos encontrávamos, realmente, uma briga era tudo o que menos precisávamos.

Ela sacudiu o cabelo ruivo com altivez antes de começar a falar.

– Ora bem, olhem só quem eles são! O nanico e a magricela! Quando ouvimos vozes, tivemos esperança de encontrar algum grupo capaz de nos ajudar numa importante missão! Logo vi que éramos azarentos... logo o mais fraco dos grupos. O que achas Matthew? – Não deixou que o moreno respondesse, logo avançou no seu discurso. – Pouco importa, eu estou cansada demais para procurar por melhor. Vamos a ver se novatos como vocês compreendem o que eu vou dizer. Eu vim propor um trégua!

Eu olhei para Laura e ela devolveu-me um olhar interrogativo.

– Como assim? – Atrevi-me a perguntar. – Nós não queremos nada que venha de vocês!

Eu sei que podem estar a perguntar-se: mas Brian, não eras tu que ainda há pouco falavas de união? Sim, mas não com Matthew e Rayne. Qualquer aliança com aquelas duas cobras é pedir por uma traição. Nada intimidada, Rayne continuou.

– Poucos metros adiante há uma estação mineira. Os humanos deixaram tudo equipado, picaretas, carrinhos, e toneladas de carvão, vamos poder encher-nos até rebentar. O único problema é que eles fazem parte de um grupo de pelo menos vinte mineiros e atacar assim à toa o que é sua propriedade é bastante arriscado. Por isso o que eu proponho é que, enquanto dois de nós entram na escavação, outros dois ficam de vigia.

Algo que me irrita profundamente em Rayne é a forma como ela nos olha com arrogância mesmo quando está claro que precisa da nossa ajuda. O meu primeiro impulso foi recusar, mas depois o meu estômago roncou, a minha garganta secou ainda mais e a proposta pareceu-me tudo menos desprezável. O que importa afinal a companhia? Não precisamos de ser amigos de Rayne e Matthew, eles vão ser apenas meios para atingir um fim. E será isso que nós também seremos para eles!

– Tudo bem, eu e a Laura aceitamos o acordo! – Afirmei com a voz desprovida de firmeza. Algo me dizia que aquela trégua era mais um dos esquemas manhosos dos irmãos Lysander. Eles dariam um jeito de ficar com todos os mantimentos para eles. Pois bem, eu não sou tolo. Vou virar o jogo deles e conseguir tirar proveito. No momento em que acabei de dizer a frase, veio-me à memória que Laura não tinha aceitado o acordo. Eu estava a tomar a palavra por nós dois. – Não é? – Acrescentei olhando de vislumbre para a minha parceira.

Laura, para meu imenso espanto, não recuou. Talvez por fome, talvez por fadiga, mas eu estou mais a apostar que foi por incredulidade. Afinal, não é todos os dias que os irmãos Lysander, tão ricos e poderosos, pedem ajuda a «alunos de baixo escalão» como nós. Era isso, Laura estava intrigada com o comportamento deles! Matthew ainda era capaz de se rebaixar a isso, mas Rayne? Aquela ruiva cheia de manias e frescuras?

Enquanto avançávamos, seguindo os passos dos mais velhos, Laura sussurrou no meu ouvido:

– Fica atento! Eles estão a tramar alguma, tenho quase a certeza disso.

Nem precisava ela de me dizer! Eu sei que Rayne e Matthew são os antagônicos de confiável. Pedi uma explicação lógica a Laura sobre o que estava a acontecer. Ela respondeu-me que talvez, por serem precisamente creepers rodeados de luxos a quem fazem todas as vontades, eles estivessem a passar mais dificuldades do que nós. Mas eu relembrei-a que este já era o segundo estágio dos dois. Além disso, sempre foram uns perfeitinhos, atletas, inteligentes, graxistas e mentirosos. Dificuldades para creepers assim? Não existem!

Matthew afastou com os braços uma ramagem de carvalho e mostrou o cenário descrito por Rayne. As nossas quatro cabeças posicionaram-se no abrigo do arvoredo e percorremos com os olhos, a paisagem deserta.

– Muito bem, vão lá! Ficaremos de vigia aqui! – Ordenou Rayne.

Que espertinha que aquela ruiva pensa que é! Claro que nós vamos arriscar a pele atacando os negros vagões confiando cegamente nos avisos nos nossos inimigos. Qualquer mínimo som e eles abandonariam o local e entregar-nos-iam aos mineiros, sem qualquer cerimônia, sem qualquer remorso.

– De maneira alguma! Vocês vão e nós ficamos de vigia! – Contrapus.

– Não podemos confiar em vocês! Falharão por inaptidão, não vêm nem uma manada de elefantes aproximar-se quanto mais humanos nesta escuridão. - Rayne mordeu o lábio inferior que era de um perigoso vermelho sangue. – Hum... vão vocês senão nada de acordo.

– O.K – Respondi encolhendo os ombros. Dei meia volta para me retirar do local, mas Matthew segurou-me firme pelos braços.

– Espera! – Ordenou. Dirigiu-se à irmã. – Rayne, vamos lá, eles são mais úteis aqui do que no campo de ação. Vão falhar! Vão mijar-se de medo antes de chegar aos mantimentos. Melhor ficarem aqui escondidos e protegidos como os medrosos que são.

Senti-me um pouco picado, mas não repliquei. É um truque muito velho esse! Ferir o orgulho do oponente para obrigá-lo a fazer coisas estúpidas. Concordei em ficar de vigia e dei um sorriso vitorioso para Laura quando os dois vultos correram silenciosamente para perto das grutas de escavação. Passaram uns bons minutos e comecei a inquietar-me.

– Aqueles filhos da mãe! Aposto que já foram embora após se empanturrarem em carvão. Como podemos ser tão estúpidos? Vem Laura, também quero comer!

Ajudei a minha irmã a descer a ladeira e adentramos juntos na gruta. Não dei outra, corri para os vagões. Como eu tinha calculado, grande parte deles já estavam quase sem conteúdo graças à visita de certos oportunistas, mas ainda havia grande quantidade de carvão e até algum petróleo que escorria de uma engenhoca humana construída à base de pedra e madeira. Estava eu a passar a língua avidamente por essa maquineta quando Laura me puxou a manga do casaco.

– Brian, Brian, eu estou a ver luzes lá fora! Temos de ir embora e imediatamente!

Sempre cabeça fria, a minha irmãzinha tinha ficado à entrada da gruta a vigiar. Tive uma onda de culpa, ela não tinha comido nada. Mas não tive muito tempo para remoer esse sentimento porque Laura puxou-me por um braço e corremos juntos para fora da gruta, para longe da mina. Mas parecia que os archotes se multiplicavam, humanos estavam a aproximar-se... dois dois lados!

Não! Rayne e Matthew! Odeio-os cada vez mais! Porque não disseram que os humanos se tinham separado? Eram mais de vinte sem dúvida e já vinham a correr em nossa perseguição, empunhando as picaretas e espadas tortas de metal. Travei, e o atrito da terra fez-me a planta dos pés arder. Ouvi um grito ao meu lado, quando Laura teve que desviar-se de uma forquilha. Apertei mais forte a mão dela e guiei-a para longe dos mineiros armados, penetrando entre mato cerrado, ramos emaranhados e silvas que nos rasgaram as roupas. O capuz protegeu a cara da minha irmã mas eu ainda fiquei com vários arranhões no rosto. Estava tão escuro, tínhamos perdido qualquer noção de localização. As pernas ameaçavam fraquejar. Até se formavam pontos brancos luminosos na minha vista. Espera! Pontos brancos? Oh, não, acabámos de passar a linha que separa o local de estágio do resto de Minecraft! Tinha a certeza que aquelas luzes brancas nada mais eram senão as belas da noite, as flores luminescentes que nós não deveríamos passar em circunstância alguma!

– Laura, temos de voltar! Acabamos de passar a...

Mas nesse momento, senti que tinha ficado sem chão. Com um reflexo rápido que eu nunca imaginei ter, agarrei a primeira coisa que encontrei ao alcance que por sorte era uma raíz que sobressaía da terra. Ainda tinha a outra mão unida à da minha irmã, ela estava pendurada, agarrava o meu braço com a mão que tinha livre. Consegui ver-lhe o rosto, o que não foi animador. Ela tinha a cara banhada de lágrimas. Estava assustada, mas eu talvez ainda estivesse mais, porque conseguia ver a enorme ladeira que teríamos de rolar. Com alguma imaginação poderia dizer-se que o abismo se aproximava para nos engolir. Um estalido chamou-me a atenção. Era a raíz que estava a quebrar. Rangi os dentes para suportar a dor de ser esticado. Os nossos pesos somados iriam acabar por quebrar completamente o meu único apoio. Quem me dera não ter comido tantas panquecas ao pequeno almoço. Será que seu eu largasse a Laura, conseguiria voltar a subir para sólido terreno?

Não me julguem, é sempre melhor um de nós ficar ferido do que os dois. Afinal, sempre poderia clamar por socorro, por ajuda. Mas por outro lado, apesar de ser o mais racional a fazer, não conseguia soltar a mão dela. Antecipei a queda, momentos antes desta acontecer. Um estalido final e rebolávamos, eu e a minha irmã, pela ladeira inclinada, sendo feridos por paus, pedras e coisas piores. Pelo menos chegámos ao final inteiros... e acordados. Fiquei por momentos de cara no chão, arfando ofegante, a sentir dor por todo o corpo. Ao meu lado, Laura soltava gemidos, enquanto tentava pôr-se de pé. Permaneci mais uns segundos no chão, mas depois fui obrigado, pela minha consciência interior a mexer-me. Cada movimento me fazia ciente de mais uma contusão e de um ferimento. Senti enjoo ao olhar o topo do declive rochoso. Quantos metros? Estava para aí a apostar nuns 15.

Arranquei um espinho da palma da minha mão e troquei um olhar entendido com a minha gêmea. Ambos sabíamos o que aquele abismo significava. Era como que uma proteção contra invasores. E nós agora éramos tratados como invasores. Descer fora fácil (embora doloroso) mas subir aquilo tudo é que era o desafio. Eram poucas as ajudas naturais, a terra era escorregadia, como a lama formada após um aguaceiro. Laura piscava os olhos incessantemente, tentando parar as lágrimas e não parava de murmurar sobre uma «proteção». Se estaria a falar daquela massa rochosa disforme e grosseira, eu não sabia dizer. Talvez se estivesse a referir a uma outra proteção! A algo mais inacessível e perigoso. Afinal, ela é quem estava atenta nas aulas, eu normalmente ou ficava a jogar à bola, despreocupadamente, ou conversava com o meu parceiro de mesa, Carriço.

Isso pode ser benéfico? O facto de eu desconhecer parcialmente a nossa atual situação? Bem, pelo menos não tinha tanta vontade de chorar dado que o desespero estava abaixo na minha escala de emoções. O que mais sentia, depois daquela perseguição brutal era receio. Cada remexer das folhas fazia-me tremer. Agora sim, estávamos por nossa conta e risco! A tão ambicionada e no entanto tão temida, liberdade!


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Notas finais do capítulo

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