Dividida escrita por Amy


Capítulo 3
Enlouquecendo


Notas iniciais do capítulo

Como assim mais de 50 visualizações e só 3 comentários? Quase chorei quando vi :( brincadeira, não chorei, mas poxa, preciso de mais motivação, então deem um sinal de vida pra eu me animar um pouquinho né :3
Quero agradecer a Hella e a nayane bathory, lindas que comentaram e me motivaram a postar esse capitulo, vocês são demais meninas
Gostaria de avisar que a partir de agora os capitulos serão assim, um pouco maiores, mas cheios de emoção e aventuras. Espero que gostem de ler tanto quando gostei de escrever, boa leitura!



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Sua voz soava clara como mil sinos, e ao mesmo tempo tinha o poder de deixar qualquer um alerta mesmo com todos os outros sons vindo da floresta ao seu redor. A garota olhou para a ponta brilhante e afiada da flecha tão próxima de seu rosto, e engoliu em seco. Então olhou para o dono da voz, também dono de uma beleza impecável. Cabelos loiros que caiam por seus ombros, rosto moldado perfeitamente, com traços suaves e quase infantis, porem sérios. Vestes rústicas, mas que passavam uma imagem forte e importante, quase toda verde e marrom, usava um longa capa por cima, e botas de couro de algum animal que ela jurou não conhecer. Enquanto apontava a flecha para a cabeça da garota, mantinha uma postura impecável, o que deixava claro que ela sabia muito bem o que estava fazendo e que não hesitaria em matá-la.

– Responda! – ele brandou.

– Onde exatamente é aqui? – foi o que ela respondeu. Ele pareceu ainda mais irritado.

Mais dois cavalos se aproximaram, um de cada lado, e nesse momento ela pensou que seria seu fim. Agora eles eram três e ela estava machucada, não tinha como escapar e as chances de luta eram nulas. Sua perna começara a latejar, e ela descartou qualquer possibilidade de fuga ou mesmo se mover.

– Calma, Legolas. Não deixe que a longa viagem tire seu bom senso – o homem no cavalo da direita disse. Delilah não pode ver seu rosto pois usava o capuz azul escuro.

– É apenas uma menina perdida – o outro homem, também de capuz, do cavalo a esquerda completou.

– E machucada – disse o da direita.

– Responda o que lhe perguntei! – disse aquele que chamavam de Legolas. Delilah se sentiu perdida por um minuto, dividida entre a confusão e a dor cortante de sua perna.

– Eu sou Delilah Campbell e me recuso a responder a segunda pergunta se não responder a que eu fiz antes – ela disse, soando mais seca do que o necessário. Legolas torceu o nariz em resposta.

– Esta na entrada da Floresta das Trevas, Delilah Campbell. - Disse o homem no cavalo da direita, agora tirando o capuz e revelando seu rosto, tão impecavelmente perfeito quanto aquele que ainda segurava uma flecha apontada para o rosto da garota, seus cabelos eram escuros e mais compridos, seu rosto era mais forte e seus traços mais duros, mas igualmente perfeito - Meu nome é Elladan, filho de Elrond e esse é meu irmão Elrohir, – apontou para o outro homem no cavalo, que tirou o capuz e se mostrou curiosamente parecido com Elladan. Ela quis saber se eles eram gêmeos, porque as semelhanças eram grandes demais para serem ignoradas, inclusive naqueles nomes tão estranhos. O mesmo nariz reto e bem moldado, que o fazia parecer que pertencia a realeza, as mesmas fendas escuras e expressivas em forma de olhos, os mesmos cabelos longos, escuros e brilhantes. – as suas ordens. Esse que lhe aponta uma flecha completamente sem necessidade é Legolas, filho de Thranduil, príncipe dos Elfos do Norte da Floresta das Trevas.

Legolas, contrariado e ainda com um olhar desconfiado, abaixou o arco, mas continuou segurando a flecha, como se estive pronto para atirar a qualquer movimento suspeito.

– Já pode responder agora – disse com a voz cortada em ironia.

– Eu não sei o que estou fazendo aqui. Estou visivelmente perdida, se não consegue ver isso então precisa de óculos. Poucos minutos atrás eu estava deitava da cama, então tinha uma borboleta e me vi caindo e quando dei por mim estava caída aqui, com esse galho na minha perna e esse cara me apontando uma flecha! – explodiu. Os irmãos pareceram achar tudo aquilo divertido, mas Legolas limitou-se a torcer o nariz novamente, totalmente irritado com a forma que aquela garota estranha falava com ele, como se não soubesse quem ele é, ou não desse a mínima.

– Nós a ajudaremos, Delilah Campbell – Disse Elrohir.

– Nós o que? – Legolas interrompeu.

– Pretende deixar a garota aqui, perdida e machucada? – ele não esperou pela resposta, desceu de seu cavalo, sendo seguido pelo irmão e veio de encontro a garota. Se ajoelharam ao seu lado e examinaram sua perna, tentaram mover, mas a garota teve que prender o grito de dor.

Os dois começaram a conversar em uma língua estranha, que a garota não estava entendendo, enquanto Legolas permanecia afastado apenas observando a cena.

– Delilah Campbell, sabemos que isso vai doer, mas precisamos que seja forte – Pediu Elrohir. A garota afirmou com a cabeça, se apoiando nos cotovelos e vendo Elladan posicionar suas mãos sobre o galho que atravessava sua perna.

– Seja forte. Vou puxar no 3, tudo bem? – ele disse, e então puxou, sem contagem, sem nada. O grito que saiu da garganta da garota pode ser ouvido do outro lado da floresta, carregado de dor e raiva e muito mais sentimento do que pretendia. Apenas queria gritar e então gritou, com todas as forças que lhe restavam. Sua cabeça girou e seu corpo amoleceu, sentiu sua cabeça ficar a centímetros de acertar o chão e então a mão de Elladan a segurou. Então o escuro.

Enquanto estava apagada, sentiu algumas das coisas que aconteciam ao seu redor, sem poder ver, sem poder reagir, sem poder falar. Sentiu sendo carregada por um cavalo e ai então pelos braços de alguém por um lugar que pareceu nunca terminar e então novamente só o escuro.

Quando abriu seus olhos embaçados, estava em um quarto redondo e escuro, todo formado por móveis estranhos. Mas a cama era incrivelmente macia então apenas fechou os olhos novamente e dormiu. Sonhou que estava correndo em câmera lenta por uma plantação de girassóis gigantes, sorrindo como não sorria a muito tempo, de braços abertos sentindo o vento nos cabelos. Ai então o vento ficou quente e tudo atrás de si começou a pegar fogo, ela tentou correr, mas tudo continuava em câmera lenta. Tudo menos o fogo. Acordou no exato momento em que o fogo a alcançou.

Deu um pulo na cama, assustada. O lugar era completamente desconhecido, mas de alguma forma parecia aconchegante. Devia ser pela cama macia e pelo lustre de cristal tão grande que não caberia em seu antigo quarto. Se aquilo era uma alucinação, estava demorando mais do que o normal para passar.

Tentou levantar da cama, mas a dor em sua perna a impediu. Lembrou então dos acontecimentos anteriores e encontrou sua perna enfaixada com algo que julgou ser folhas e cheirava a pomada e hortelã.

As grandes portas de madeira foram abertas e uma mulher alta entrou, carregando uma bandeja. Seus cabelos loiros dançavam conforme ela caminhava e sua beleza era desconcertante. Sorria de forma maternal quando colocou a bandeja ao lado da cama.

– Como esta se sentindo? – sua voz parecia tão macia quando o tecido de seu vestido branco.

– Bem – respondeu automaticamente – onde estou?

– Esta na Floresta das Trevas, morada do rei Thranduil e seu filho. Não se preocupe, ninguém aqui lhe fará mal. – ela disse com um meio sorriso – O rei exige sua presença no banquete essa noite.

– Não posso – sentou-se na cama e olhou em volta, procurando uma desculpa rápida – não tenho roupa para ir a um banquete com o... rei. Na verdade só tenho essa roupa e ela esta meio rasgada.

– Não se preocupe minha jovem. Há um vestido a sua espera, ao lado de sua cama. – ela disse.

– E eu nem sei como me comportar perto de um rei. Não, eu não posso.

– Fique calma, apenas responda o que ele te perguntar. E será um jantar sem formalidades, apenas para comemorar a volta de seu filho. Mas devo acrescentar que ele está muito curioso para conhecê-la. – ela caminhou levemente até a porta.

– Por quê?

– Porque não é todo dia que forasteiros humanos aparecem nas fronteiras da Floresta das Trevas, muito menos perdidos. – e saiu, deixando a garota sozinha com seus pensamentos.

– Eu nem consigo imaginar porque – comentou sozinha.

Tomou um pouco da água que havia na taça de prata em cima da bandeja que a mulher havia deixado la, e se levantou. Queria saber que horas eram, mas o quarto não tinha janelas. Pegou o vestido que havia ao lado de sua cama e sentiu que estava participando de alguma pegadinha. Era comprido, feito de um tecido azul claro e branco, trançado nas costas e com um caimento magnífico, que havia ficado lindo após a garota trocar suas roupas sujas por ele. Mas algo não parecia certo e não eram suas longas mangas que escondiam até suas mãos, nem como ele arrastava pelo chão de pedra enquanto ela caminhava para fora do quarto.

Algo em tudo aquilo não parecia certo. Aquela alucinação estava demorando demais para acabar.

Foi acompanhada por dois caras altos, que logo entendeu serem guardas, até um grande salão. O teto era extremamente alto e feito de vidro, tornando possível ver as estrelas e a noite clara la fora. Havia uma longa mesa no meio do cômodo, e varias cadeiras adornadas ao seu redor. Sentada em cada uma, se encontrava um homem de aparência parecia. Extremamente bonitos, longos cabelos loiros – a não ser por Elrohir e Elladan, com seus cabelos escuros – e suas roupas cintilantes. Todos conversavam alto e animadamente, havia também música vindo de todos os cantos e definitivamente motivo para celebração.

– Vejo que finalmente resolveu se juntar a nós, Delilah Campbell – a garota nunca havia ouvido uma voz tão bonita pronunciar seu nome daquela forma, em toda a sua vida. O homem que estava sentado na extremidade da mesa se levantou e caminhou elegante até ela, quase como se seus pés não tocassem o chão. Usava vestes douradas e uma coroa de flores silvestres; em sua mão segurava um cajado entalhado em carvalho. Ele era sem duvidas Thranduil, o rei de quem havia ouvido falar. Tão bonito ou até mais que Legolas, mas sem duvidas muito parecido.

A garota parou, se sentindo intimidada com tantos olhares sobre ela e ainda mais com os olhos do rei sobre ela. Aquele olhar de quem podia enxergar a verdade dentro da alma de qualquer um.

– Diga-me Delilah Campbell, gostaria muito de saber o que a trás a minha floresta.

– Eu também – respondeu num sussurro, então lembrou que estava falando com um rei e aquilo não era forma de responder – Eu não sei, na verdade. Eu simplesmente acordei aqui. Não sei como vim parar aqui e nem sequer sei onde é aqui. Sinto muito.

– Não há o que sentir. Todas as respostar virão a seu tempo. – ele sorriu complacente, sabendo que a garota falara a verdade. – Venha, sente-se conosco e coma. De onde quer que tenha vindo, tenho certeza que deve estar faminta e meu reino não será conhecido pela falta de hospitalidade.

Ela o seguiu e sentou-se de frente para Elrohir, no único lugar vago na mesa. A mesa estava servida com todo o tipo de comida verde, pão, frutas, mas não havia carne em lugar nenhum.

– Então, Delilah Campbell, de onde você veio? – Elladan perguntou, sendo o único ali prestando atenção nela.

– Los Angeles – ela respondeu.

– Onde fica isso? – ele perguntou confuso.

– Ahn... Califória?

– Acho que nunca estive la, nem sequer ouvi falar desse lugar. E olha que já estive em muitos lugares na Terra Média. Como é la? – começou a puxar assunto como se fosse um velho conhecido.

– Chuvoso – não conseguiu pensar em outra palavra para descrever. Era o que lembrava do pouco que conhecia da cidade.

Elladan continuou a fazer perguntas e conversar com ela, então sobrou pouco tempo para se sentir incomodada com os olhos cheios de superioridade e desconfiança de Legolas sobre ela. Comeu pouco e bebeu menos ainda, mas a comida tinha um gosto muito melhor do que tudo o que comera nos últimos dias e o vinho forte que lhe fora servido logo a deixara tonta.

Após o jantar, foi pedido que acompanhasse o rei, o que fez sem discutir, afinal de contar ele era um rei. Chegaram a uma sala em forma de meia-lua, metade fechada pela encosta da montanha onde a fortaleza do rei fora construída, e a outra metade aberta ao ar livre, de onde era possível ver todo o céu salpicado das estrelas mais brilhantes que a garota já vira na vida. Olhando pra baixo era possível ver uma imensa floresta, a se perder de vista e nada mais, pois estava escuro mesmo com a lua crescente.

– Sua chegada não era esperada nem pelos astros - o rei disse sabiamente, olhando para as estrelas, como se visse algo que ela não podia ver.

– Sinto muito, - a garota respondeu - eu também não esperava chegar a lugar nenhum, muito menos sair de onde eu estava.

– Há tempos eu não via o céu tão agitado; sua chegada sem duvida trouxe mudanças, só é preciso saber que de que tipo. É preciso que conte exatamente o que sabe sobre como chegou aqui, é de extrema importância, afinal em tempos sombrios como esses nunca se sabe se você não esta correndo perigo. Ou se você não é o perigo. - e abaixou os olhos, agora escurecidos, na direção da garota, que se sentiu mais intimidada do que nunca.

– Posso lhe garantir que não ofereço perigo algum. Sou apenas uma garota normal, que em um momento de muita tristeza fez um pedido e de algum modo veio parar aqui. Seja lá onde aqui seja. Sinto muito se estou trazendo mudanças ou fazendo sei la o que com os astros, eu não queria nada disso, eu só pedi por um pouco de paz. - então teve que segurar o choro novamente.

– E porque onde estava não encontrava paz? - perguntou o rei.

– Com todo o respeito, não creio que o senhor vá entender. É um rei e parece muito jovem. Duvido que já tenha passado algum tempo preso injustamente, num lugar horrível, por algo que não fez, sozinho com nada além de culpa e tristeza, tendo que viver dia após dia sem ver a luz do sol dignamente, sem poder admirar as estrelas, sem poder dizer boa noite para sua família... - disse ela, e uma lagrima rolou por seu rosto pálido e brilhou antes de cair em direção ao chão.

– Subestima minha idade, minha jovem. Sou mais velho do que aparento e já vivi coisas bem piores do que pode imaginar. Sei como é perder a família; Legolas é a única família que me restou depois de tantas guerras. Já vi coisas horríveis, que não habitariam nem seus piores pesadelos, e espero que nunca habitem. Já fui julgado e esquecido, sozinho, por séculos, depois de me tirarem quase tudo, mas a única coisa que não me tiraram foi a esperança - ele disse. Delilah imaginou que o rei teria usado a palavra século apenas como uma figura de linguagem. Ele não parecia ter mais de 40 anos.

– Sinto muito - era só o que ela conseguia dizer.

– Não sinta, Delilah. Para um rei, passar por todas essas provações apenas o torna mais forte e mais digno de sentar-se ao trono. - ele disse - Não posso deixar que parta até que descubramos seu propósito aqui. Mas também não posso deixá-la a própria sorte, com todo o mal que se espalha la fora. Será minha convidada e minha protegida, enquanto estiver sob o meu teto e os meus cuidados, nada a acontecerá.

– Agradeço muito, mas me sinto perdida. Não sei o que fazer. Não sei onde estou, mas é infinitamente melhor do que de onde vim. Não sei se quero voltar pra la. - disse e pensou pro alguns segundos - Não, é claro que eu não quero voltar pra lá. Mas não posso ficar e ser um peso aqui para sempre, mas também não conheço nada daqui, tenho medo do que posso encontrar na primeira porta que abrir. Como disse, me sinto perdida.

– Não será peso algum, não se preocupe. Como já disse, será minha convidada, e os convidados do rei são de honra. Quanto a sua segurança, pedirei ao meu próprio filho que tome conta disso pessoalmente. Legolas anda meio rebelde, e fará bem a ele ver que o rei por aqui ainda sou eu! - disse ele, tão decidido que a garota, mesmo pouco tentada a aquiescer os pedidos do rei, aceitou sem reclamar.

– Obrigado, do fundo do meu coração. É um homem bom e gentil, entendo porque é rei. - disse ela sincera, mas ele apenas riu, gargalhou.

– Não sou homem algum, minha jovem. Não tenho nada contra tal raça, irmã da minha. Mas sou um elfo, e nós elfos somos uma raça superior aos homens em inúmeras coisas. - e após essa declaração, Delilah pediu desculpa e disse não estar se sentindo bem e se retirou da presença do rei. Era loucura demais, sua cabeça começara a girar e para de acompanhar os fatos.

Elfos? Isso explicava muita coisa. Mas também não explicava um monte delas.

Foi acompanhada por dois guardas até seu quarto e la se despiu do vestido e dormiu instantaneamente ao cair na cama macia. Foi uma noite sem sonhos, em parte porque a garota ainda achasse que estava vivendo um sonho e também porque estava cansada demais de tudo o que acontecia ao seu redor sem conseguir interferir em nada daquela insanidade. Acordou se sentindo outra pessoa. Sua perna quase nem doía mais, se sentia mais viva e mais protegida depois da conversa com o rei na noite passada. Mas ainda assim, algo em sua cabeça permanecia alerta, como se esperasse acordar daquele sonho a qualquer momento.

A mulher, ou elfa, agora que já sabia disso, do dia anterior entrou em seu quarto, trazendo novamente a bandeja e sorrindo gentilmente.

– Bom dia, Delilah. Suas vestes estão sobre a cama, o desjejum logo será servido, espero que esteja se sentindo bem. - disse ela.

– Muito melhor, obrigado. - levantou-se da cama e encarou o vestido. Era verde, simples, mas mesmo assim muito mais trabalhado do que qualquer roupa que ela usara. - O que fizeram com a minha perna, para melhorar tão rápido?

– Não sou a pessoa certa para responder isso, não entendo coisa alguma de cura. - disse, retirando-se do quarto. - Se quiser tomar um banho, encontrará tudo atrás daquela porta. - e saiu.

A garota não havia nem notado que o quarto possuía outra porta alem da que dava para a saída. Descobriu atrás dela outro cômodo, menor que o quarto, onde se encontrava uma banheira de madeira com uma água limpa, quente e cheia de espuma, e sobre uma prateleira ao lado, varias ervas cheirosas. O ambiente estava coberto pelo vapor que saía da água quente na banheira e não era possível enxergar o teto. Delilah torceu pra que houvesse um.

Despiu-se da roupa que tinha no corpo e entrou, sentindo a água quente cobrir seu corpo. Em poucos segundos se sentiu completamente relaxada, renovada, cheia de disposição e animo, não sentia mais dor e sua cabeça estava tão enevoada quanto aquele banheiro, mas era a melhor sensação que já havia sentido em muito tempo.

– Espero que as ervas tenham feito o efeito esperado - ouviu uma voz melodiosa, vindo da porta. Lá se encontrava Legolas, encostado no batente, com os braços cruzados e um sorriso prepotente brincando em seus lábios. Delilah se assustou, mas tudo que estava ao seu alcance fazer era puxar as espumas para certificar de que cobriam seu corpo.

– Já ouviu falar em privacidade, ou você é um pervertido mesmo?

– Meu amado pai já me falou da minha tarefa. - ignorou-a - Devo comentar que não estou nada contente em ser sua babá e muito menos seu guia turístico ainda mais com tantos problemas mais importantes, como aranhas gigantes para serem mortas na floresta. Mas meu pai é rei e está convencido de que há algo especial com relação a você e sua chegada misteriosa. Então terei que lhe acompanhar mais do que gostaria de agora em diante. - disse divertido.

– E isso te da direito de entrar no meu quarto e me ver tomar banho? - perguntou indignada e envergonhada pela exposição.

– Primeiro, o quarto não é seu, você é apenas uma convidada então os aposentos em que se encontra ainda pertencem ao meu pai, e por herança, a mim. Isso me da direito de entrar onde eu quiser. E quanto a te ver tomar banho, - sorriu em deboche - não há nada ai que eu já não tenha vivido o suficiente para me cansar de ver.

– Isso quer dizer que agora prefere optar por ver um homem tomar banho? - perguntou ela, sem se deixar abalar pelas palavras do jovem elfo.

– Isso quer dizer que há muitas outras criaturas mais bonitas tomando banho, e eu podia esta vendo elas e não você. Porem, meu pai acha que é meu dever tomar conta de você.

– Diga ao rei que estou lisonjeada e agradeço a preocupação, mas não preciso de uma babá, muito menos de um pervertido que gosta de espiar as pessoas tomando banho. Agora se me der licença, preciso me secar.

– Oh, não se incomode - disse ele, continuando ali, agora com o sorriso maior ainda.

– Por favor, Vossa Alteza, saia. Agora! - fez sua melhor cara ameaçadora, mas Legolas não se intimidou, apenas gargalhou e lhe tacou uma toalha.

– Te espero para o desjejum. Calce algo confortável, vamos caminhar bastante hoje - virou as costas e deixou o cômodo, levando parte do vapor com ele.

Então era isso, Legolas, o filho revoltado do rei, havia decidido infernizar a vida de Delilah? A garota pensou nisso por um tempo, até não haver mais espuma na banheira. Nunca havia conhecido alguém como ele, com o poder de a deixar tão irritada só com um sorriso debochado. O que ele tinha de bonito, ele tinha de impertinente.

Saiu da banheira e ainda permaneceu um bom tempo no quarto, presa nas amarras daquele vestido. Nunca aprenderia aquilo direito. Enquanto caminhava até a sala de refeições do palácio do rei Elfico, não conseguia parar de desejar que aquilo não fosse apenas um sonho; tudo ali era maravilhoso. Toda aquela decoração rústica, todos os detalhes e todos aqueles... elfos. Ai esta uma coisa que não se acostumaria tão fácil.

– Pensei que tinha se afogado na banheira com toda essa demora – Legolas comentou, em seu lugar na enorme mesa de carvalho, servida com vários tipos de comidas, pães, frutas e coisas que mesmo após ter comido, a garota ainda não fazia idéia do que era.

– Para a sua infelicidade, não. Apenas tive um probleminha com esse vestido estúpido.

– Eu acho que fica lindo em você, se me permite dizer – comentou Elladan ao entrar, com um sorriso gentil e contido. Seu irmão vinha logo atrás, sempre mais quieto e sério.

– Obrigado – Delilah sorriu sem graça, mexendo nas longas mangas do vestido.

– Venha, sente-se e coma. Deve estar faminta – convidou, já sentando ao lado de Legolas na grande mesa.

– Vocês sempre acham que eu estou faminta. Até parece que estão me engordando pra me assar e me devorar – brincou, sentando do outro lado da mesa.

– Pra sua sorte nós não comemos carne, muito menos humana. – Elladan e seu irmão foram os únicos a rir do comentário da garota.

– Nós elfos apenas gostamos de tratar muito bem nossos convidados. É assim em Valfenda e tenho certeza que é assim por aqui também.

– Agradeço muito por isso. Não tive tempo de dizer, mas se não fosse por vocês, eu ainda estaria perdida e machucada por ai.

– Não foi nada, sorte sua que a encontramos. – disse Elladan.

– E como esta a perna? – perguntou Elrohir.

– Incrivelmente melhor. Gostaria de saber o que usaram para curar tão rápido.

– Segredo dos elfos. Não seria tão eficaz se saíssemos por ai contando pra todo mundo, não acha?

Terminaram de comer rindo das historias de Elladan e dos comentários maldosos que o irmão fazia com ele. Legolas parecia quieto e incomodado pelo fato de estarem se divertindo mesmo quando ele estava visivelmente deslocado. Queria rir e ajudar a contar das aventuras dos irmãos, já que tinha participado de boa parte delas, mas não gostava daquela garota e nem do jeito que ela havia aparecido e parecia simplesmente se encaixar ali naquele lugar como se pertencesse a ele. Recusava-se a fazer parte daquilo, então permaneceu em silencio e comeu pelo que pareceu ser uma eternidade, o que achou extremamente estranho. A percepção de tempo de um elfo era diferente das outras criaturas; um século podia passar em um segundo para eles. Mas ali, comendo e olhando aquela garota dos longos cachos ruivos, rindo tão espontaneamente, o tempo parecia passar tão lentamente, quase parando, que nunca havia pensado ser possível.

Quando finalmente acabou, a garota teve que chamar Legolas duas vezes antes que ele fosse despertado de seus pensamentos sobre tempo.

– Não disse que íamos caminhar muito hoje? – disse ela – Estou pronta para essa caminhada, vamos?

– Claro – disse ele, meio a contragosto. Não queria caminhar com Delilah, era uma tarefa estúpida a qual seu pai havia lhe dado. Queria sair com a guarda e proteger os patrimônios de seu pai, patrimônios que logo seriam seus.

Seguiram por um caminho de pedras brancas e polidas até o lado de fora das moradas do rei élfico e a garota não pode deixar de suspirar; tudo ali era lindo. O caminho descia pelo meio de varias arvores e se perdia em distancia, mas não o seguiram. Legolas levou a garota por uma tour por tudo que achava sem graça e cansativo de se ver em todo o reino. Mas ao contrario do que esperava, a garota amou cada pedaço dali, desde as arvores das folhas azuis, o jardim onde elfos cantavam e dançavam sem parar, até a pequena cachoeira ao norte da entrada. Delilah perguntava sobre tudo e Legolas se obrigava a responder, contando historias antigas que às vezes soavam divertidas. A garota por um momento até achou que ele estava se divertindo, que talvez gostasse de contar historias pelo tom de sua voz, mas sempre quando o olhava encontrava um rosto vago ou expressões tediosas. Terminaram a caminhada, Delilah sentou nas rochas na beira da cachoeira e ficou ouvindo os elfos cantando nas arvores próximas. Era fim de tarde e o sol começava a se pôr no horizonte.

– Sua casa é linda – ela disse sincera, balançando os pés em direção a água que caia embaixo dela.

– Obrigado – ele respondeu em pé ao lado da garota. Mesmo após ter sido frio em suas respostas o dia inteiro, a garota ainda o tratava bem. Ele não conseguia entender isso nela.

– De onde eu venho, não existem arvores de qualquer outra cor alem de verde, muito menos elfos. As coisas por aqui são muito mais legais, queria que esse fosse o meu lugar, o meu mundo – sorriu, perdida em pensamentos. Suas pernas balançavam acima da cachoeira, que caia por alguns metros até se perder no rio la embaixo.

– O que há de errado com seu mundo? – ele perguntou, não entendendo. Aquele era seu amado lar, mas não via nada de extraordinário nele.

– Absolutamente nada. Na verdade... o problema sou eu – terminou a ultima parte tão baixo que teve certeza de que Legolas não havia escutado, seu peito deu um solavanco rápido e dolorido. E no segundo seguinte seu corpo se impulsionou pra frente e se viu caindo em direção a água, sem controle algum. O vento e os pingos d’água bateram fortes contra seu rosto, o molhando antes mesmo de colidir conta a água. Foi uma queda de 3 segundos, mas foi o suficiente pra que a garota se odiasse, porque tinha certeza que aquilo significava que estava voltando para o seu mundo e quando acordasse estaria em sua cama dura no Linda Vista novamente. Ela não queria voltar, não agora que estava conhecendo aquele novo mundo, mesmo que cheio de fantasias.

Seu corpo atingiu a água como um míssil. Afundou rápido e não conseguiu lembrar de não respirar. A água invadiu seus pulmões violentamente, rasgando tudo por dentro. Ela quis lembrar como se impulsionava pra cima ou como parar de se debater, mas ali embaixo tudo parecia brilhante e surreal que se sentiu perdida. Se aquilo era só uma ilusão, uma de suas alucinações, que diferença faria morrer? Ela já se sentia morta por dentro fazia tempo, talvez aquilo ajudasse a entender como seria morrer de verdade.

Mas doeu. Doeu mais do que ela aguentaria no mundo real, então ela desistiu de se debater. Fechou os olhos para aquelas coisas brilhantes que via a sua volta e decidiu aceitar que estava voltando pra sua vida normal.

– Delilah! – ouviu alguém chamar com urgência. A voz em sua cabeça lembrou a de Luthor, mas enquanto abria seus olhos doloridos para o que estava a sua frente, encontrou os olhos azuis agitados de Legolas e não aqueles intrigantes olhos multicoloridos. – Você é louca? Porque se jogou daquele jeito?

Ela rolou para o lado aposto e tossiu uma grande quantidade de água enquanto ele falava. Estavam na parte de baixo da cachoeira, na margem do rio cristalino. O cabelo molhado de Legolas grudava em seu rosto, e seu olhar era selvagem.

– Se quer se matar sugiro que corra de encontro aos orcs, não que tente se afogar no rio. – ele, apesar da raiva e da agitação de seus pensamentos, encontrava-se ajoelhado ao lado do corpo da garota, protetoramente, como se estivesse pronto para salva-la novamente se assim precisasse.

– Eu não... Eu cai. – foi tudo o que ela conseguiu dizer. O olhar de Legolas não perdeu a intensidade. – Você me salvou?

– Se eu não o fizesse, meu pai cortaria minhas orelhas fora. É meu dever cuidar pra que nada aconteça com você – ele disse, ajudando a garota a levantar. Seu vestido molhado grudava em seu corpo, que parecia pesar uma tonelada. Em seu primeiro passo em falso, a mão de Legolas foi parar em sua cintura e ele a ajudou a caminhar de volta a fortaleza rochosa do rei élfico, agradecendo mentalmente por não ter acordado em seu quarto no Linda Vista.

– Eu já consigo andar sozinha – disse a garota, quando chegaram a porta de carvalho que dava passagem ao seu quarto. A mão relutante de Legolas deixou sua cintura e ela se apoiou na parede.

– Descanse um pouco, alguém vira lhe chamar quando for a hora do jantar. – ele se virou pra sair, mas Delilah segurou seu braço.

– Obrigado por hoje. Pelo passeio e por me salvar. Tirando o fato de que quase morri, não tenho visto coisas tão bonitas há anos – ela sorriu gentilmente. Ela achou, por um segundo, por algo que viu em seus olhos, que ele fosse retribuir o sorriso. Mas tudo o que ele fez foi uma reverencia formal, sem nem ao menos olhar nos olhos dela.

– Eu só cumpri o meu dever. – e a deixou sozinha no corredor de pedra.

Ela entrou em no quarto se perguntando por que diabos ainda tentava. Estava na cara que não dava pra ser simpática, ou no mínimo educada com aquele elfo. Quando ela achava que ele baixaria a guarda, que responderia da mesma forma que ela falava, lá estava a parede de ignorância cobrindo tudo novamente.

Ela bufou, tirando seu vestido úmido com dificuldade e entrando em sua banheira de água quente. Se perguntara se havia algum motivo para Legolas agir daquela forma com ela, e se ela descobriria isso. Seu corpo relaxou, mesmo ela ainda sentindo alguns lugares em sua perna e braço esquerdo doer. Quando levantou pode ver grandes marcas roxas nos lugares onde doía. Legolas provavelmente calculou mal sua força na hora de tirar a garota da água.

Após se secar, colocou o vestido vermelho de veludo que estava em cima da cama, e nem teve tempo de pensar, caiu sobre ela e adormeceu de cabelos molhados e desgrenhados, com as fitas de seu vestido soltas e com a dor em seu braço desaparecendo lentamente enquanto entrava no mundo dos sonhos.

Nesse, em particular, se sentiu assustada com a quantidade de detalhes. Ela corria pra fora do reino de Thranduil, vendo tudo passar como um borrão entre as arvores escurecidas pela noite, tropeçando em galhos e pedras no caminho, porem as fitas cor-de-rosa de seu vestido esvoaçavam nas suas costas, parecendo asas, deixando-a elegante mesmo aos tropeços. Correu pelo que pareceu ser horas, como se fugisse de alguém, ou corresse para encontrar alguém, mas ela não sabia quem. Passou por uma grande arvore que parecia ter um rosto, esmagou varias castanhas que se encontravam caídas pelo caminho, ouvindo claramente o barulho de cada uma. Correu mais ainda, suas pernas cansavam e fraquejavam, ela tropeçava na barra de seu vestido de veludo, agora sujo de terra e mato, mas ela não parava de correr. A lua começava a subir no céu quando avistou ao longe um agrupamento de montanhas, mas não parou de correr.

Quando alcançou a encosta da montanha, a lua já tinha atingido o topo do céu e iluminava ao seu redor, então finalmente parou. Ofegante, caiu de joelhos nas pedras. Correra por mais de 6 horas pela sua conta mental. Cansada demais pra pensar em outra coisa, deitou no chão pedregoso e adormeceu pensando em o que estaria perseguindo-a ou o que encontraria a sua frente.

Acordou com sons próximos, mas não abriu os olhos. Provavelmente aquela elfa estava vindo chamá-la para o jantar. Aquele colchão nunca pareceu tão desconfortável, parecia feito de...

– Pedra! – exclamou ao abrir os olhos. – Pedras! – foi tudo que viu ao seu redor. Uma grande parede de pedra e terra, um chão de pedras soltas e galhos quebrados. Estava tudo escuro, mas ela imediatamente soube que não estava em seu quarto. A lua brilhava acima de sua cabeça, encoberta por algumas nuvens negras.

Tentou se levantar, mas suas pernas estavam fracas demais. Piscou varias vezes para ter certeza de que dessa vez estava mesmo acordada; a dor em seu corpo dizia que sim. Seu vestido estava rasgado em varias partes, com pedaços de tecido soltos para vários lados. Viu ao longe luzes se mexendo, vozes altas e o som pesado de passos. Sem duvidas era Legolas e um grupo de elfos atrás dela. Ela tentou pensar em uma forma de explicar o que estava fazendo ali, perdida, mas seu cérebro deu um clic rápido e ela lembrou de uma coisa: nunca havia ouvido os passos dos elfos nesses dois dias de convívio, nem sequer uma vez, e tinha certeza de que não eram barulhentos como aqueles.

O desespero a acertou em cheio quando ela viu, virando a grande rocha alguns metros a sua frente, um grupo e horrendas criaturas, com quase o dobro de seu tamanho, tanto para cima quanto para os lados. Sua pele verde e escamosa lançou um cheiro repugnante até ela mesmo ao longe. Suas roupas eram trapos rasgados e sujos, seus rostos fizeram Delilah conter um grito de horror. Tarde demais, eles já tinham visto ela.

– Olha só o que temos aqui, nosso jantar – o que estava mais a frente falou. Delilah levou alguns segundos para responder, no começo teve medo de falar, mas pensou que ficar quieta também não ajudaria.

– Não sou seu jantar, não sou o jantar de ninguém. Meu nome é Delilah. – tentou parecer firme, mas sua voz oscilava e seu corpo tremia.

– Olha só, eu gosto de comida que sabe falar. – disse outro, logo ao lado.

– Gosto mais ainda quando é cheirosa.

– E sabe se defender – iam dizendo.

– Olha só, ela cheira bem. Deve ter um gosto bom.

– Não! – disparou a garota. – Meu cheiro é ruim, horrível. Cheiro a carne estragada e cocô de cavalo. Meu gosto é pior ainda.

– Acho que isso vamos ter que descobrir, menina. – uma criatura gorda tentou avançar pra cima dela, mas foi impedida pelo que estava mais na frente. Ela se encolheu mais contra a parede de pedra.

– Não acho que é uma boa idéia, ela cheira a elfo, se veste como elfo, mas não é elfo algum. Mas esta claro que ela estava com eles, isso será um problema.

– Não estamos entendendo, Iggr. – disse um magrelo, meio amarelado, que segurava uma lança de ferro, todo confuso.

– Se os elfos nos descobrirem, nós estamos mortos. Precisamos de mais de nós, reunir um grande grupo antes do ataque. Se eles vierem atrás dessa menina, precisamos estar em vantagem ou escondidos. Se nós a comermos antes e eles descobrirem, nós estamos mortos.

– Então não comemos agora e comemos depois – disse o magrelo novamente.

– Vocês claramente não são as criaturas mais inteligentes que já vi por aqui – disse ela, fingindo uma calma que não lhe pertencia.

– A quem esta chamando de burro? – aquele que chamavam de Iggr deu um passo a frente.

– Ninguém, você é o mais inteligente do grupo. Pense bem, sou uma convidada importante do rei que se perdeu na floresta, me comer só desencadearia uma guerra e tenho certeza que não estão... preparados para uma no momento.

– O que esta dizendo?

– Digo que deixe-me ir, poupe minha vida e em troca prometo não contar nada sobre vocês, criaturas que eu nem conheço, ao rei. Terão o tempo que quiserem pra se preparar.

– Ela esta mentindo! – Algum deles gritou e um alvoroço de concordância se espalhou.

– E o que te faz pensar que confiamos em você e suas promessas, menina? – perguntou Iggr.

Ela se calou, sem saber o que responder. Ele soltou uma gargalhada estrondosa, sendo seguidos por todos os outros. Era um som feio, rouco e assustador. A garota aproveitou o momento em que eles viraram para discutir o que aconteceria com ela, para lentamente se arrastar para o único lugar que parecia haver saída. Quando estava longe o suficiente, colocou-se de pé e correu. Não conseguiu nem terminar o terceiro passo e algo se chocou contra ela com força, sua cabeça acertou a parede de pedra e ela ficou tonta. A criatura saiu de cima dela e rosnou.

– Nós decidimos que estamos te sequestrando, e que vamos te matar e te comer depois – ele disse. Ela abriu a boca para reclamar, mas ele foi mais rápido e acertou seu rosto com um tapa tão forte que imediatamente ela sentiu sua boca se enchendo de sangue. – Decidimos também que é melhor você ficar calada. Amarrem ela!

Arrastaram-na por vários metros, amarrada pelos pulsos tão forte que podia ver seus dedos ficando roxos pela falta de circulação. Começaram a subir a montanha, Delilah por varias vezes escorregou e caiu contra o chão, sentindo seu rosto e mãos cada vez mais machucados, mas eles não paravam. Chegaram a uma caverna estrategicamente escondida atrás de uma grande rocha e la dentro havia uma cena que fez a garota estremecer. Centenas daquelas criaturas andavam agitadas de um lado para o outro, entrando e saindo de barracas mal feitas por toda a extensão da caverna. Pelo menos 200 deles pararam o que estavam fazendo para encarar e murmurar palavras incompreensíveis enquanto a garota era arrastada entre eles.

Ela se sentia assustada, mas não sentia medo. Sentia seu corpo doer, como se tivesse sido triturada, mas sua cabeça estava atenta a tudo o que acontecia a sua volta. Fora amarrada a uma grande rocha solta, a 50 metros da entrada da caverna, perto de uma barraca que cheirava a carne crua. A sua frente havia uma pequena fogueira, que não era suficiente nem pra iluminar até a entrada.

– Pode olhar a lua até decidirmos o que fazer com você, será a ultima vez que usará seus olhos – ele disse tão perto de seu rosto que ela sentiu seu estomago embrulhar com o cheiro de carne podre que saia de sua boca.

Ele saiu, deixando o magrelo e amarelado como guarda. Eles ficaram discutindo como preferiam come-la, se em um ensopado fervendo ou se preferiam comer a carne crua por partes com pão.

– Acho que devemos comer o ensopado dela com pão.

– Primeiro picamos em pedaços, ai eu posso comer o coração com pão e o resto colocamos no ensopado.

– Vocês podem por favor não ficarem falando sobre como vão me matar e me comer? – ela disse, tentando não soar mal educada.

– E porque não? – ele rosnou de volta.

– Nunca ouviu falar que se o animal souber que vai morrer, estraga a carne? Minha carne já deve estar bem estragada, tenho certeza de que o chefe de vocês não vai querer comer uma carne ruim porque vocês ficaram falando alto demais sobre como iriam me matar. Ele vai ficar bem furioso e provavelmente não vai te deixar comer meu coração. – respondeu. Eles pararam por um momento, analisando as palavras da garota debilmente.

– Ela tem razão, lembra daquela vez que tivemos que comer carne de porco dura porque ficamos torturando ele antes de matar? – o magrelo disse.

– E o que sugere que façamos agora que sua carne já esta estragada? – o outro se virou pra ela.

– Me deixem sozinha, quem sabe assim eu não durmo e esqueço que pretendem me matar, talvez minha carne volte ao normal.

– E se não voltar?

– Ai vocês ainda podem me fazer com ensopado de rã com gengibre. Dizem que tira todo o gosto ruim da carne, mas não é certeza.

– Odeio gengibre. – o magrelo reclamou, batendo sua lança de ferro no chão.

– Mas talvez com rã fique bom, se o gosto de um... – e saíram falando sobre como era melhor fazer um ensopado de rãs, com gengibre ou com outra carne. Ela de repente se sentiu muito mais esperta do que realmente era. Nunca precisou passar por uma situação daquela e estava se saindo muito bem.

Mais algum tempo se passou, enquanto ela tentava se livrar das cordas que apertavam todo o seu corpo contra a pedra gélida, sem sucesso. Se sentia fraca e faminta, como se não comesse a dias. Aquelas criaturas não paravam de passar perto dela, a assustando, embrulhando seu estomago com aquele cheiro ruim e dando nós em sua mente ao pensar demais em como escaparia dali.

A chuva começou a cair do lado de fora da caverna, forte e estrondosa. Raios eram vistos ao longe, nas arvores la embaixo e trovões faziam ela estremecer. A garota se perguntou onde estaria Legolas, que havia dito apenas algumas horas atrás que era seu dever proteger ela. Ele não estava fazendo um bom trabalho no momento.

A garota avistou ao seu lado algumas armas caídas, devia haver ali algo que pudesse cortar aquelas cordas. Talvez aquela faca comprida, mas estava tão longe e ela tão amarada. Foi esticando o pé, tendo que parar toda vez que algum daquelas criaturas passava por perto e lhe dava um olhar amedrontador. Ela não se deixou abalar, continuou esticando sua perna, até que a ponta de seu pé tocou o cabo da faca. A corda quase a enforcava, machucava seu estomago e seus braços, mas ela só parou quando conseguiu arrastar a faca até o meio de seus joelhos e trazer perto o suficiente para tentar cortar as cordas que prendiam seus pulsos.

No exato momento em que escondeu as mãos recém libertadas das cordas, as duas criaturas voltaram, com suas cabeças pequenas e seus corpos enormes, ainda falando sobre como iriam comê-la.

– Foi decidido que você viverá até de manha, a comeremos como café da manha enquanto somos poucos. Você tem pouca carne. – e ele riu escandalosamente. Depois disso um medo começou a aflorar no peito da garota. Ela sabia que ela teria poucas horas de vida se não fizesse algo a respeito, mas o que fazer? Ela era apenas uma humana comum, e haviam tantos deles la que uma fuga seria impossível sozinha. Onde diabos estava Legolas?

Delilah decidiu que não esperaria por ele, ou acabaria morta, e ela não ia morrer ali depois de tudo o que passou. Esperou mais algum tempo, devia faltar pouco pra amanhecer agora. Aquelas criaturas entraram em suas tendas sujas para dormir, até mesmo os dois que estavam cuidando dela acabaram dormindo encostados um no outro, o movimento era restrito mais ao fundo da caverna, a dezenas de metros de onde Delilah estava. Teve certeza de que ninguém a veria fazendo, então cortou as cordas com a faca com muita dificuldade.

Seu corpo dolorido reclamou e rangeu quando ela se levantou. Guardou a faca longa, presa em sua cintura, na fita rosa do vestido, esgueirou-se cuidadosamente entre os objetos espalhados pelo chão e tentou se mover tão silenciosamente quanto os elfos, mas era impossível, seu corpo era grande e parecia mais pesado do que jamais sentira, e caminhar com aquele vestido era desastroso. Contudo, conseguiu atingir a entrada da caverna sem acordar ninguém, arrastando-se pelos cantos mais escuros. Podia sentir o cheiro de sangue seco e sabia que estava vindo dela, de seu rosto machucado, de suas mãos raladas.

Se virou na pedra que escondia a entrada da montanha e não teve coragem de olhar pra trás, com medo de estar sendo seguida por aquelas criaturas. Enquanto corria pelo chão molhado da recente chuva, seu coração batia rápido, parecia sair pelas orelhas, mas ele parou completamente quando ela virou em uma arvore, correndo tanto quanto seus pés aguentavam, bateu contra algo grande e duro e caiu sentada no chão de lama.

– Onde meu café da manha acha que esta indo? – a criatura monstruosa disse, alargando o sorriso assustador.

– Por favor, me deixe ir – sua voz implorava, seu corpo tremia e seus olhos lacrimejavam. Ela sentiu sua mão se fechar sobre o cabo gelado da faca em sua, sem conseguir pensar direito no que estava fazendo.

– Você acha mesmo que pode me matar com essa faquinha? – sua gargalhada ficou mais alta e se espalhou pela floresta silenciosa. Ele avançou pra cima dela, no mesmo momento em que ela tirou a faca de sua cintura, ainda sentada no chão. Os dois corpos se chocaram violentamente, ele rugiu rouco e ela fechou o olhos com força, por um momento houve silencio total. A garota se perguntou se ela tinha morrido, ou estava inconsciente, mas quando abriu seus olhos e tudo voltou a girar, sugando ela de volta para o momento, havia um peso enorme sobre ela, a fazendo respirar com dificuldade. Sentiu algo quente e pegajoso escorrer em suas mãos, sujando seu vestido. A criatura jazia inconsciente sobre ela, enquanto seu sangue escorria e lavava o vestido de Delilah, a faca cravada até a base do cabo no coração dele.

A adrenalina do momento saiu do sistema nervoso da garota, dando lugar agora ao mais puro terror. Ela havia matado ele. Matado.

Ela empurrou o corpo mole para o lado, que caiu com o baque surdo sobre as pedras e galhos no chão da floresta, e se levantou tontamente. Não sabia para onde ir, caminhava em círculos desesperadamente, sua mente trabalhava rápido demais, assustada demais. Ela havia matado alguém, não importava se era aquela criatura horrenda. Ela havia matado, esta todo suja daquele sangue pegajoso, que parecia preto na noite mal iluminada. Ela nunca havia matado nada em sua vida inteira, era uma sensação horrível. Olhou para o corpo ao seus pés e sentiu nojo de si mesma. Se aproximou e retirou a faca de seu peito com cuidado, pensando em pedir desculpa, mas seria patético demais.

Tudo o que conseguiu fazer então foi correr novamente, com lagrimas saltando de seus olhos e ficando perdidas no chão. Estava cansada de correr, de fugir. Não aguentava mais aquilo tudo, será que não podia ter um momento de paz?

Seu corpo se chocou novamente contra algo, mas ela não teve tempo de pensar, apenas moveu sua faca com força na direção do que quer que seja que trombou contra ela de forma automática, não estava em condições de pensar demais em suas ações ou acabaria morta. Uma mão segurou seu pulso e ela seguiu todo o braço até chegar aos olhos azuis faiscantes de Legolas, sua mão soltou a faca e, sem força, seus joelhos se dobraram. Ele caiu com ela, se ajoelhando ao lado, seus braços a envolveram enquanto ela chorava compulsivamente. Soluçou e soltou pequenos gritos de agonia, sentindo seu rosto ferver em contraste com o vento gelado que soprava. Aos poucos o choro cessou, e ela por um momento sentiu a paz que queria.

– Você esta bem? Como se machucou assim? E porque diabos você fugiu? – ele examinou os braços e o rosto da garota, com o coração saltitante. A garota soluçou e tentou não começar a soluçar novamente. Seu corpo estava mais dolorido do que nunca, mas nem se comparava a dor em sua mente.

– Eu... Eu não sei, acordei deitada na floresta, então havia umas criaturas horríveis e eles me sequestraram e iam me comer no café da manha. Eu esperei eles dormirem e fugi. Eu matei um deles, ah meu Deus eu matei ele, Legolas. Eu matei. E ah Deus, temos que correr avisar o rei, eles estão planejando um ataque em breve, só precisam de mais deles. E...

– Shh! – Legolas a calou com o dedo, então ela lembrou que precisava respirar entre as palavras – Quando eu te disse que se quisesse se matar, que corresse de encontro aos orcs, eu juro que não falava sério – disse com um ar preocupado, mas relaxado - Esta tudo bem agora. Vamos te levar de volta e vamos cuidar você e dos seus machucados. Ai então pode contar com calma o que aconteceu.

Ela apenas concordou, sentindo que se abrisse a boca começaria a chorar novamente. Ele a ajudou a levantar e caminhar, porque suas pernas agora fraquejavam apenas por suportar seu peso.

– Coma isso – ele lhe entregou um pedaço de pão escuro, que a garota devorou sem pensar duas vezes, e a fome que estava ali sumiu aos poucos enquanto ele falava – é lembas, vai te manter um pouco mais saudável até chegarmos em casa. É uma longa caminhada e você não deve ter comido nada o dia todo.

– O dia todo? – perguntou confusa – Mas eu só fiquei fora algumas horas.

– Não – ele respondeu, não entendendo a garota, mas tentando parecer compreensivo – Já faz um dia que você fugiu, faz mais de 24 horas que estamos te procurando, mas essa floresta é um lugar grande e cheio de armadilhas.

24 horas? Ela pensou, não podia ser verdade. Pouca horas atrás ela estava em seu quarto, tomando um longo banho, como podia estar a mais de um dia ali e não se lembrar? Estava enlouquecendo, definitivamente.


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Notas finais do capítulo

E então? Me esforcei demais pra fazer esse capitulo.
Quero explicar que: é uma história que se passa em um universo paralelo, antes de toda a história do anél, ou do Hobbit. E eu quis fazer o Legolas com a personalidade um pouco diferente do que eu imagino ele, um pouco mais malvado, mas logo entenderão porque. Espero não ter errado, ou errar nada em relação a história, porque meu conhecimento em Senhor dos Anéis não é tãaaaao avançado assim.
Se alguem quiser saber como imagino os gêmeos Elladan e Elrohir, aqui tem uma ajudinha https://24.media.tumblr.com/e8f5cbf18a9ba12ea66ed95397bdaa7e/tumblr_muvukuQdwc1qjby8qo1_500.png
Mais uns três capitulos e ja passamos pra parte do Loki, onde tudo vai mudar COMPLETAMENTE.
E fora isso, gostaria de dizer que espero vocês amadas nos reviews, criticando ou elogiando, mas quero que me digam o que estão achando.



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