A Razão do Rei escrita por Andy


Capítulo 4
Capítulo 4


Notas iniciais do capítulo

E eis o quarto capítulo! /o/
Mas por que o número de comentários está diminuindo? Vamos lá, galera, comentem! As opiniões de vocês são muito importantes para mim! ^^
Por falar nisso, deixem-me aproveitar para agradecer os comentários! Principalmente as sugestões, estão me ajudando bastante.
E por falar nisso², deixem-me pedir desculpas de antemão pelo tamanho deste capítulo. Eu sei que ele está meio grande demais para o gosto de vocês, mas é que não é fácil redividir a história, depois de já escrita. Estou tentando deixar todos os capítulos com algo em torno de 3000 palavras, 4000 no máximo, mas este ficou um pouquinho maior. Desculpem-me. Espero que ele compense sendo emocionante, ao menos. ^^"
Por favor, sejam pacientes comigo - eu estou tentando me adaptar às exigências de vocês o melhor e mais rápido possível.
No mais, espero que gostem do capítulo! Agora que a história está começando para valer! *---*
Espero poder contar com os comentários de vocês! Até a próxima!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/500297/chapter/4

Havia muito mais deles do que eu havia imaginado. E parecia, afinal, que eles tinham sim um líder: o orc maior, de pele mais escura, que vinha à frente. Ao nos ver, ele falou alguma coisa naquela língua nojenta deles, mas eu não entendi o que foi. Acho que nenhum de nós entendeu.

– Quem são vocês que ousam vir armados e invadir os domínios de Oropher Verdefolha? – Thranduil perguntou, aumentando a voz em tom de desafio. Sinceramente, foi a coisa mais estúpida que ele podia ter feito. Quero dizer, a segunda coisa mais estúpida. A primeira, ele fez um minuto depois.

– Quem é você que pergunta? – o líder replicou, falando na língua dos homens, que já naquela época era a língua comum usada por todos os povos da Terra Média quando precisavam se comunicar uns com os outros. Todos os seus seguidores começaram a rir e a fazer uns barulhos estranhos.

Aí sim seu pai fez a coisa mais estúpida de todas.

– Thranduil Verdefolha, filho de Oropher, é claro! – eu quase podia ver o sorriso convencido dele. Mas fala sério, que ideia foi aquela? Entregar sua identidade para o inimigo, dizer que era o príncipe e estava bem ali, pronto para ser morto?

Imediatamente o líder orc deu um grito, e eu não precisei de tradução para saber o que ele tinha dito: “Atacar!!!”

O grupo de orcs avançou sobre nós, que tentamos lutar como podíamos naquela formação horrível. Quando cinco orcs foram para cima de Thranduil de uma só vez, vários de nós tentaram sair das suas posições e ir em sua defesa, mas ele gritou “Mantenham a formação! Mantenham a formação!” e a muito contragosto todos obedeceram enquanto ele lutava o melhor que podia contra todos os inimigos ao mesmo tempo.

De minha posição, eu estava com as mãos atadas. Eu não podia atirar com tantos aliados à minha frente. Era perigoso demais! Mesmo assim, consegui encontrar uma brecha e arrisquei uma flechada, matando um dos orcs que estavam lutando contra o príncipe. Bem a tempo, aliás. Nem sei o que teria acontecido se eu não tivesse atirado naquele exato momento, porque Thranduil estava completamente de costas para aquele orc e segurando a espada com as duas mãos. Duvido que pudesse se defender. E foi essa constatação que me fez decidir: às favas com a formação.

Mantendo uma flecha pronta no arco, abandonei meu posto e tentei sair daquela confusão. Analisando rapidamente, encontrei um lugar bom para me posicionar: à esquerda da nossa linha de batalha, o terreno se elevava lenta e continuamente. Ao voltar ali meses depois, eu perceberia que se tratava do Morro do Eclipse. Qualquer noite dessas eu te levo lá, é um lugar maravilhoso para se observar a lua nesta época do ano. Bom, enfim, eu comecei a ir naquela direção, planejando subir um pouco e encontrar um ângulo bom para atirar. A alternativa seria subir em uma árvore, mas simplesmente subir por terra para um ponto mais elevado parecia muito mais fácil, rápido e até mais vantajoso.

Mas eu havia cometido um grande erro: enquanto decidia para onde ir, eu baixara minha guarda. Por isso, não percebi aquele orc se aproximando até ele estar quase literalmente em cima de mim. Naquela distância, o arco em minhas mãos, mesmo com a flecha pronta, era completamente inútil. Outra pessoa teria pegado uma faca e atacado com ela, mas não eu. Eu jamais aprendi a manejar facas ou espadas corretamente e mesmo que tivesse duas comigo simplesmente não conseguiria ser rápida o suficiente. Tudo o que eu pude fazer foi fechar os olhos e esperar pelo golpe.

Mas a dor não veio. Em vez disso, senti um empurrão que por pouco não me derrubou e ouvi o som agudo de duas lâminas se chocando. Quando abri os olhos, dei de cara com a ombreira de alguém. Erguendo a cabeça, vi que era ninguém mais ninguém menos que o próprio príncipe! Demorou alguns segundos para eu processar o que tinha acontecido, tempo o suficiente para Thranduil cortar a cabeça do orc com sua longa espada e se virar para mim:

– O que você pensa que está fazendo? – ele estava furioso, mas eu pude ver algo mais em seus olhos. Ele nega até hoje, mas eu juro que parecia preocupação. Assim como eu juro tê-lo ouvido dizer para o orc algo que pareceu muito com “fique longe dela”, o que ele também nega. – Eu mandei manterem a formação, não mandei? – ele praticamente cuspiu as palavras para mim.

Em vez de responder, eu atirei, e a flecha que estava em meu arco passou zunindo por cima do ombro dele, agitando seus cabelos e atingindo bem no meio da testa um orc que estava prestes a desferir um golpe em suas costas. Depois disso, satisfeita por ele saber que estávamos quites, comecei a correr na direção em que o terreno começava a se elevar, sem dar a ele a chance de tentar me impedir.

Eu corri o máximo que pude, chutando alguns orcs no caminho, até que finalmente consegui sair do meio da confusão da batalha e comecei a me distanciar, subindo o morro. Eu olhava para trás a cada poucos segundos para ver se já estava a uma distância boa o suficiente e se não estava sendo seguida. Faltava pouco para chegar à árvore que eu tinha escolhido como referência.

Então veio o grito que fez todos pararem. Um grito de pura dor que mal deixava notar que a voz era feminina. A batalha cessou por um instante e um silêncio horrível se estabeleceu. Espadas ficaram paradas no ar a meio caminho de seus alvos, flechas ficaram retidas nos arcos retesados. Todas as cabeças se voltaram na direção de onde tinha vindo o grito. Inclusive a minha.

Um frio terrível atingiu meu estômago e o chão sob meus pés pareceu desaparecer quando eu vi aquela cena. Aurial. Minha melhor amiga. Sangrando nas mãos do líder inimigo. Ele a tinha capturado e mantinha uma faca em seu pescoço. O sangue vinha de um ferimento em sua barriga: com outra faca, o orc tinha rasgado seu ventre de um lado a outro. Por isso ela tinha gritado. Em suas mãos jazia seu arco, com uma flecha pronta, mas totalmente impotente. Nossos olhos se encontraram por um breve instante e eu tremi ao ver a dor no fundo deles. Um segundo depois, o líder orc cortou a garganta dela.

Todos permaneceram congelados, enquanto o líder orc se preparava para gritar alguma coisa, um odioso sorriso triunfante brotando eu seus lábios. Mas ele não teve tempo de dizer nada, silenciado para sempre pela flecha que saiu não sei bem como de meu arco e atravessou sua garganta.

E aí o caos se instaurou. Um elfo morrer em uma batalha pequena como aquela é uma tragédia, algo inaceitável. O pânico tomou conta de todos. As pessoas começaram a abandonar a formação, ignorando as ordens do príncipe. Alguns se aglomeraram em volta dele, desesperados para protegê-lo, outros faziam como eu e buscavam posições melhores para utilizar suas respectivas armas, e alguns, ainda, fugiam abertamente, desaparecendo nas árvores. Quanto aos orcs, sem seu líder eles pareciam não saber ao certo o que fazer, mas continuavam lutando vorazmente, ávidos por mais derramamento de sangue. Eu continuei paralisada em choque, tentando entender o que tinha acabado de acontecer. Meu arco caiu de minha mão e atingiu meus pés. Eu olhei para ele numa espécie de transe, quase como se não soubesse o que ele era, tentando entender o voo da flecha que tinha acabado de matar aquele orc.

Foi então que eles chegaram. Uma saraivada de flechas vindas das árvores caiu sobre os orcs, matando boa parte deles e me despertando. Eu ergui os olhos e busquei em meio às folhas, até que os vi. Elfos da guarda! Reforços! Sem pensar duas vezes, recuperei meu arco, corri até a árvore mais próxima e a escalei rapidamente, e logo me juntei a eles.

Eu atirava furiosa e quase cegamente, um sentimento de vingança brotando em meu interior e acelerando meus movimentos como nunca. Eu queria descontar minha raiva, queria fazê-los pagar, cada um deles. Não sei nem como te contar isso, Legolas... Mas seu pai sabe. Ele sabe que no momento em que estendi a mão e peguei a última flecha, quando eu percebi que aquele seria meu último tiro, apenas por um segundo eu me vi mirando nele. Em Thranduil, que ainda lutava com um orc no meio da pilha de cadáveres. Mas foi só por um instante, logo depois eu recobrei meu bom senso e virei o braço, atirando no orc contra o qual o príncipe lutava. Quando seu inimigo caiu morto a seus pés, Thranduil olhou em minha direção, tentando ver de onde a flecha tinha vindo, mas eu sabia que ele não conseguiria me ver, escondida em meio às folhas da árvore.

Com a ajuda dos elfos da guarda, a batalha acabou em questão de minutos. Assim que o último orc caiu, eu pulei do meu posto na árvore e corri em direção a onde jazia o corpo de Aurial, sob vários cadáveres de orcs. Com pontapés eu os afastei dela e me ajoelhei, erguendo a cabeça dela com minhas mãos, que logo ficaram encharcadas com o sangue que escorria de sua garganta.

– Aurial... – sussurrei, sentindo as lágrimas lutando para chegar aos meus olhos. Eu não queria chorar ali na frente de todos e as combati como pude. Delicadamente, com os dedos tremendo, eu afastei uma mecha de cabelo que caía em seu rosto.

– Syndel. – uma mão pesada e quente tocou meu ombro. Eu virei a cabeça para olhar. Era meu pai, e minha mãe estava ao lado. Ambos faziam parte da guarda, você sabe, por isso estavam ali. Naquele momento, eles me fitavam com tristeza e preocupação. – Deixe-a conosco.

– Não! – eu praticamente gritei, me agarrando à minha amiga.

– Syndel, querida... – a voz de minha mãe, doce e carinhosa, era pouco mais que um sussurro. – Nós vamos tomar conta dela, eu prometo...

– Não! – minha voz estava começando a ficar chorosa. Isso era ruim. Eu nunca gostei de chorar na frente de ninguém, especialmente dos meus pais.

– Syndy... Confie em nós. – meu pai me chamou pelo apelido, o que só me deixou com mais vontade de chorar. – Por favor.

– Vá para casa, meu bem. – minha mãe estendeu a mão para me ajudar a levantar. – Você não precisa lidar com isso. Já fez mais que o bastante.

Eu olhei para Aurial uma última vez e tomei a decisão. Ficar ali não ia adiantar nada; eu não ia conseguir ajudar e só ia me sentir ainda pior se acabasse chorando na frente dos meus pais. Aceitei a ajuda da minha mãe e ela me abraçou quando eu me levantei. Meu pai se juntou ao abraço e ficamos assim por alguns momentos. Depois eles me soltaram e eu dei as costas para tudo aquilo, me juntando ao fluxo de elfos que estavam voltando para o reino, mas tentando manter certa distância de todos eles. Eu não queria falar com ninguém, principalmente não com a Naïf e minhas outras amigas.

Com a cabeça baixa, eu tentava não pensar, me concentrando apenas em meus próprios pés. “Ainda não”, eu repetia mentalmente para mim mesma. “Ainda não, não pense, não ainda. Só mais um pouquinho até chegar em casa. Só mais um pouquinho e aí você pode pensar e chorar o quanto quiser. Seja forte.”

– Ei, você! – uma pequena parte de mim registrou o som daquela voz (eu a conhecia de algum lugar, mas de onde?) e pensou que “você” devia ser eu, mas eu não dei atenção e continuei me esforçando apenas em respirar e seguir em frente. – Ei! Elfa de olhos cinzentos e cabelo cacheado! – certo, aquela era definitivamente eu. A contragosto, eu parei de andar e me virei lentamente, encontrando quem eu já esperava encontrar. O dono da voz, a última pessoa que eu queria ver naquele momento. Thranduil.

Ele ficou olhando para mim sem dizer nada, com uma expressão estranha no rosto. Até hoje eu não sei defini-la. Ao mesmo tempo em que ele parecia irritado comigo, parecia preocupado e... Assustado, talvez? É provável que meu estado estivesse ainda pior do que eu me sentia, quem sabe. Não sei. Ele se recusa até hoje a me explicar o que ele estava pensando naquele momento, diz que não se lembra. Eu não acredito nele, mas... Bom, no fim, quando eu já estava quase dando as costas para ele de novo, ele perguntou:

– Qual é o seu nome?

– Syndel Luz-lunar*. – para o meu alívio, minha voz saiu firme.

Ele me encarou por mais um instante, percorrendo meu rosto com os olhos, parecendo decidir o que dizer a seguir.

– Bom, Syndel, você já ouviu falar em facas? Ou espadas, talvez? O que estava tentando fazer lá? – ele indicou com a cabeça a direção de onde tínhamos vindo, o campo de batalha. – Se matar? Por que não lutou com o orc, como qualquer pessoa normal faria?

Nada de “Obrigado por me salvar naquela hora.” Nada de “Sinto muito pelo que aconteceu à sua amiga.” Não, ele só queria me humilhar, me ridicularizar. Como se eu já não estivesse sofrendo o bastante. Eu senti toda a minha raiva contra ele voltando e crescendo, se transformando em ódio. É, Legolas, naquele momento eu odiei o seu pai com todas as minhas forças. Cheguei mesmo a me arrepender de não ter atirado nele quando tive a chance pouco antes.

– E Vossa Alteza já ouviu falar em ESTRATÉGIA?? – eu gritei para ele, furiosa, deixando que toda a minha raiva transbordasse em minha voz. Parei para tomar fôlego e assisti satisfeita enquanto a expressão convencida sumia do rosto dele e o choque e o medo tomavam seu lugar. – Ela era a minha melhor amiga, sabia?? E se Vossa Alteza tivesse usado o cérebro e armado uma estratégia em vez de marchar todo convencido e fazer pouco do inimigo, ela não teria pagado com a vida! Pelo vosso erro. E o que Vossa Alteza vai fazer agora?? Ahnm?? Vai trazer a Aurial de volta?? – eu parei de gritar, sentindo que as lágrimas estavam quase vencendo nossa luta silenciosa. Eu não ia, definitivamente não ia chorar na frente dele.

Ele ficou apenas parado olhando para mim, parecendo chocado demais até para se sentir ofendido por eu ter, basicamente, o chamado de burro.

– Não, você não pode, não é? Minha melhor amiga morreu, por sua culpa, e não há nada que você possa fazer para reparar isso. – minha voz mal saía, a dor tomando conta de mim enquanto eu ainda lutava contra as lágrimas. – Eu te odeio. Eu realmente te odeio. – ele não falou nada, mas algo mudou em sua expressão quando eu disse isso. Não sei ao certo com que efeito, e ele se recusa a me contar até hoje, mas eu sei que aquelas palavras o atingiram duramente. – Eu queria que você tivesse morrido no lugar dela.

Eu sabia que dizer aquilo para o príncipe poderia me custar a liberdade, me jogar na cela mais escura da masmorra real pelo resto da eternidade ou até mesmo me matar, mas não me importava. Minha melhor amiga estava morta. E o culpado estava bem ali, na minha frente. Eu precisava que ele soubesse o quanto eu o odiava.

Pacientemente, eu esperei enquanto ele se recuperava do choque, querendo saber o que ele diria a seguir, certa de que eu continuaria a odiá-lo de qualquer forma. Mas eu de forma alguma esperava pelo que ele finalmente disse quando reencontrou sua voz:

– Eu quero lhe fazer uma proposta. – ele falou bem devagar, como se estivesse com medo de mim. E devia estar mesmo. Eu assenti para que ele continuasse, curiosa, mas não menos brava. – Você me ensina a atirar com o arco-e-flecha. E eu te ensino a se defender a curta distância com uma espada ou faca. O que você acha? – ele foi curto e objetivo, direto ao ponto.

Aquilo só fez aumentar ainda mais o meu ódio. Como ele podia ser tão insensível?? Depois do que eu tinha acabado de dizer a ele, que a Aurial tinha morrido por culpa dele... Ele nem ao menos tentaria pedir desculpas ou mostrar o mínimo remorso?

Eu estava tão furiosa que fiquei feliz por não ter mais nenhuma flecha comigo, senão era bem provável que atirasse nele naquele momento. Para evitar fazer algo de que eu me arrependesse, eu respondi o mais rápido que pude:

– Não, obrigada. – fiquei satisfeita por ainda conseguir ser sarcástica, mesmo naquela situação. – Eu não quero nada que tenha a ver com você. – esperando que ele tivesse conseguido sentir todo o desprezo que eu sentia por ele havia anos, dei-lhe as costas e comecei a andar o mais rápido que podia sem correr.

Syndel! – eu mal tinha dado dez passos largos quando ele me chamou. Ele tinha elevado o tom de voz e parecia estar cerrando os dentes, embora eu não tenha me virado para conferir. Foi o tom de comando que me fez parar. – Isto é uma ordem. Eu estou ordenando que você treine comigo. – ele fez uma pausa. – Fui claro?

Eu senti parte da minha raiva se transformando em frustração. Eu sabia perfeitamente que não tinha saída. Por mais que eu o odiasse com todo o meu coração, por mais que eu quisesse matá-lo, ele ainda era o príncipe do meu reino. Eu lhe devia obediência. A única alternativa seria deixar o reino como uma traidora e viver em desgraça. Oropher se asseguraria de que eu jamais fosse aceita em nenhum outro reino élfico. Eu jamais poderia ver meus pais novamente. Simplesmente não era uma alternativa. Eu não tinha escolha.

Eu engoli em seco e senti as lágrimas enevoando minha visão. Sabendo que seria em vão, não fiz esforço algum para combatê-las:

– Sim, Alteza. – respondi alto o bastante apenas para que ele ouvisse. Então a primeira lágrima finalmente venceu.

~~.~~

– A sua mãe segurou o seu pai nos braços quando ele ainda era um bebê? – Boromir perguntou, se aproveitando da pausa que o elfo fez, parecendo precisar de um tempo antes de continuar com sua história.

– Sim. – Legolas finalmente tirou os olhos das estrelas, onde os mantivera durante toda a narração, e se voltou sorrindo para Boromir. Seu humor tinha melhorado muito. Aquelas memórias deviam ser muito preciosas para ele.

– E você não acha isso nem um pouco... Perturbador?

O elfo franziu as sobrancelhas levemente, pensando um pouco antes de responder:

– Eu acho... Acho que para um homem ou um hobbit a ideia deve ser mesmo um pouco... estranha. – ele deu uma olhada rápida para os hobbits e Pippin confirmou com a cabeça. – É só que, quando você vive milhares e milhares de anos, uma década não é muito tempo.

Os outros ficaram quietos por algum tempo, tentando imaginar como seria aquilo. Viver tanto que dez anos não fizessem a menor diferença. Por fim, Sam, o que tinha mais curiosidade sobre os elfos, perguntou:

– Por que crianças élficas são uma raridade?

Todos olharam para o elfo, que hesitou ligeiramente, como se não soubesse o que dizer. Por fim, começou um tanto quanto timidamente:

– Porque... Bom, veja bem... Nós somos imortais. A única coisa que pode diminuir nosso número consideravelmente é a guerra. Mas guerras não são tão comuns assim. Então, se nós, ahnm... Nos reproduzíssemos na mesma velocidade que os homens...

– Nem pensar! Ia ser uma infestação, uma praga, uma epidemia! – Gimli exclamou, ficando de pé em sua exaltação. Obviamente, ele não sabia o significado da última palavra. Os outros riram de leve, até mesmo o próprio Legolas.

– É. Por isso nascimentos élficos são uma coisa rara. E como as crianças crescem muito rápido, é raro vê-las. Acho que é só a natureza controlando as coisas. Ela sabe o que faz. – o elfo acariciou a grama delicadamente, fazendo Sam sorrir.

– E você é um adulto? – os pensamentos de Boromir ainda estavam inquietos com a ideia de uma vida tão longa quanto a de um elfo. Aquela era apenas uma forma indireta de perguntar quantos anos o companheiro de viagem já havia vivido.

– Sim. – os olhos azuis de Legolas sorriam, percebendo a intenção do outro. – Mas eu não vou lhe dizer a minha idade, se é isso que quer saber, Boromir, filho de Denethor.

Boromir tratou de desviar o olhar rapidamente, constrangido, e não replicou. Gandalf sorriu consigo mesmo, divertindo-se muito com tudo aquilo.

– Então, sua mãe lhe ensinou tudo o que você sabe? Sobre o arco-e-flecha? – Frodo parecia ansioso para ouvir o resto da história.

– Sim. Ela era incrível... – os olhos do elfo se entristeceram um pouco. – Em breve você me verá atirando, mestre hobbit... Quando isso acontecer, tenha em mente que minha mãe era pelo menos uma centena de vezes melhor do que eu. Pelo menos.

– E... Como ela morreu, então...? – Sam tentou ser tão delicado quanto o conteúdo de sua pergunta permitia.

– Ela tinha um ponto fraco. – a tristeza voltou para o rosto do elfo definitivamente.

– A defesa a curta distância? – Frodo adivinhou. Legolas apenas assentiu.

– E quanto a você? – Gimli perguntou, aparentemente sem segundas intenções.

Merry piscou, e no instante seguinte uma faca tinha surgido na mão de Legolas. O movimento foi tão rápido que mesmo os outros hobbits, que não tinham tirado os olhos do elfo, não conseguiram ver de onde a arma tinha surgido.

– Eu não sou a minha mãe, anão. Não crie esperanças. – pelo tom de voz dele, ele estava brincando, mas havia algo de presunçoso em suas palavras também. Pippin pensou que a expressão no rosto dele devia lembrar aquela de Thranduil que tanto irritava Syndel.

– Um anão não precisa que o inimigo tenha um ponto fraco para derrotá-lo, não se preocupe, elfo. Nós gostamos mais de adversários fortes. A queda deles é maior. – Gimli replicou no mesmo tom.

– Mas e quanto a Thranduil? – Aragorn perguntou, interrompendo a troca de “ameaças”. – Ele não ia ensinar Syndel a se defender?

– Ah, bem... – o riso de Legolas continha ao mesmo tempo alegria e tristeza.

~~.~~

Legolas tinha os braços cheios de esquilos e coelhos, os quais ainda traziam as flechas atravessadas em seus corpos. Ele e Syndel estavam procurando o último em meio ao mato alto.

– Aqui! – a elfa exclamou. – Encontrei! Finalmente o que eu queria lhe mostrar! Sabia que estava aqui em algum lugar!

Legolas se aproximou a passos rápidos.

– Olhe. O que você vê? – ela erguia o coelho pelas patas traseiras.

O aprendiz olhou em dúvida por alguns instantes, tentando entender a pergunta.

– Um coelho cinzento morto. – respondeu, por fim. – Um adulto. – acrescentou. – Macho. Aparentemente saudável. Com carne o bastante para alimentar uma pessoa, talvez duas. – ele queria que sua resposta fosse o mais completa possível.

Syndel sorriu, apreciando o esforço dele.

– Você esqueceu o fundamental.

– O quê?

– Não está no coelho. Está na flecha... Ou melhor, flechas. – ela esperou que a compreensão iluminasse o rosto dele, o que não aconteceu. – Você usou duas flechas.

– E o que é que tem? – a voz dele falhou, soando aguda demais no final. Ele pigarreou, um tanto constrangido.

Syndel olhou para o filho com olhos carinhosos. Dali a pouco mais de uma semana, ele completaria doze anos de idade e começaria o treinamento de guerra. Tinha crescido tão rápido... Parecia que tinha sido no dia anterior que ele quase tinha acertado Oropher no primeiro dia de seu treinamento com o arco-e-flecha.

Ela suspirou e tratou de assumir uma expressão mais severa. Era fundamental que Legolas compreendesse que o que ela ia dizer a seguir era muito sério:

– Escute, meu filho... O arco-e-flecha possui duas grandes desvantagens. A primeira, eu já lhe expliquei, é a sua pouca utilidade no que diz respeito à defesa a curta distância...

– Sim, mas eu já estou treinando isso com o meu pai há muito tempo.

– Não me interrompa! – apesar do tom de repreensão, ela não soou ríspida. – Eu sei disso, seu pai não para de falar sobre o seu progresso ultimamente... Mas não deixe que isso lhe suba à cabeça! Não negligencie o seu treinamento, ele é muito importante! E não diga a Thranduil que eu te contei sobre os comentários dele, era para ser um segredo! – ela esperou até que Legolas assentisse. Um fogo, uma mistura de determinação e orgulho queimava nos olhos dele. – Bom, como eu estava dizendo, o arco-e-flecha possui duas desvantagens. A primeira você já conhece. E a segunda, pelo visto, ainda não lhe ocorreu. – ela ergueu o coelho novamente. – Por que atirou duas vezes neste pobre coitado?

– Eu... Eu não consegui acertar no meio dos olhos na primeira vez. – ele olhou para o outro lado, insatisfeito por ter que admitir sua falha. Coisas desse tipo estavam se tornando cada vez mais raras. – Eu acertei na perna. Mas queria garantir que ele morresse.

– Aí é que está o problema. A segunda falha do arco-e-flecha, Legolas, é que ele possui uma munição limitada. Por mais que você carregue consigo tantas flechas quanto conseguir aguentar, sempre existirá um número limitado de tiros que você pode tentar. – ela tirou a flecha da perna do coelho com um puxão. – Por isso, você não pode se dar ao luxo de errar o alvo. E jamais deve precisar acertar o mesmo inimigo ou presa duas vezes. Você precisa saber o ponto exato em que atirar e seu tiro precisa ser certeiro. De agora em diante, seu lema será “uma flecha, uma morte”. Entendido?

– Entendido. – Legolas estava olhando para o outro lado, contrariado por estar recebendo uma bronca. Ele estava esperando um elogio por ter conseguido matar todas as presas.

– Além disso... – Syndel suavizou o tom de voz. – Sempre que puder se dar a esse luxo, tome algum tempo para recuperar as flechas dos cadáveres de seus inimigos. Quanto mais você tiver consigo, melhor.

– Tá.

– Legolas... – ela chamou com uma voz doce. Com alguma relutância, o filho olhou para ela. Pela expressão nos olhos dele, ela soube que ele estava mais que simplesmente contrariado. Estava magoado. Afinal, ela não era uma instrutora qualquer; antes de qualquer coisa, era a mãe dele. – Não pense que eu não estou orgulhosa. Você está ficando cada vez melhor, eu estou impressionada com a velocidade com que você aprende. Eu levei muito mais tempo para chegar ao nível em que você está agora. Mas eu não posso ficar batendo palmas para você o tempo inteiro. Você quer melhorar, não quer? Eu preciso corrigir os seus erros.

Legolas olhou para as presas em seus braços. Não era pouca coisa e ele estava muito orgulhoso porque todas as flechas que trazia em sua aljava estavam agora atravessadas naqueles animais, de um jeito ou de outro. Sem voltar a olhar para Syndel, ele perguntou, sua voz ainda cheia de mágoa:

– Você era assim com o papai também? – ele soou como uma criança ao dizer “papai” e percebeu isso, mordendo o lábio inferior numa auto-repreensão. – Quando o estava ensinando?

A mãe não conseguiu evitar sorrir. No final, tudo sempre acabava voltando a Thranduil...

– Ah, não... Não, eu não podia ser tão boazinha com ele. – ela riu com a expressão de espanto dele. – Vem, vamos guardar essa caça toda. Eu vou te contar como seu pai era terrível... Ele bem que merece.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

*Mais uma vez, o nome fica bem melhor em Inglês: Syndel Moonlight. Agora eu entendo o sofrimento dos tradutores brasileiros.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Razão do Rei" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.