Olho ao redor, lentamente recobrando a consciência...

E então, minha boca se abre involuntariamente em choque, lembrando das ultimas imagens que capitei.

Cato, Capital, Guerra, Distrito 13, Tordos...

Meu corpo esta muito debilitado, porem, com algum esforço saio da cama.

Olho para os corredores bem iluminados, mas não distingo muito de onde estou. Não tem janelas ou alguma brecha que me permita olhar para fora.

E assim do nada, me sinto sufocada, preciso respirar antes de pensar em qualquer coisa.

Começo a andar sem direção alguma, muitas pessoas, (todas em um uniforme cinza) passam por mim, alguns me olhando com pena e outros com cara de tédio mesmo.

No meio do caos que se forma dentro de mim, aquela voz me tira dos devaneios e então toda a minha frustação é substituída pela raiva.

Viro-me lentamente encontrando seus dentes afiados, formados em um sorriso que parece ser de alegria.

– Clove! Você acordou! – Enobaria exclama e eu já praticamente corro em sua direção.

– Você mentiu! – Eu grito enquanto tento a agarrar de alguma forma que a machuque ou cause danos.

– Clove calma! – Eu odeio estar machucada! Ela imobiliza meus braços com tanta facilidade que me sinto novamente uma novata no centro de treinamento, sendo ensinada seus primeiros golpes... E o pior nem é a facilidade de imobilização e sim a dor que senti em uma de minhas costelas, subindo ate as costas depois desse contato mais brusco. – Você precisa ficar calma se quiser saber o que esta acontecendo! Eu irei explicar tudo.

– O Cato estava vivo, eles tinham um plano para me tirar da arena, o distrito treze ainda existe e nem se quer ainda toquei no assunto do Ethan que deve estar morto à uma hora dessas e você quer que eu fique calma? – Explodo e sinto vontade de chorar, mas sufoco isso e apenas tento deixar transparecer a raiva e o nojo que sinto no momento.

– Venha comigo até o comendo, lá te explicarei melhor tudo.

– O que é o comando?

– Se você vier comigo ira descobrir. – Enobaria fala como se fosse obvio, bem, na verdade é.

Caminho a passos lentos atrás dela, passando por corredores, pessoas... Estranhamente Enobaria também esta com um macacão cinza, talvez ate alguns números maior que o dela.

O comando é no básico, uma sala cheia de computadores piscando, mapas com o que deve ser o posicionamento das tropas e uma grande mesa retangular com painéis de controle.

As pessoas não me notam, estão todas rodeando uma das telas de televisão, pareço avistar Katniss em meio a eles, e é isso que me desperta e me faz caminhar ate aquela direção.

Katniss.. Minha inimiga na primeira arena, minha aliada na segunda e agora, olhando para seu estado, seus olhos cansados e as marcas que consigo enxergar em seu corpo, uma sobrevivente como eu.

– Katniss... – Eu murmuro, mas ela não me nota, esta muito concentrada na tela a sua frente e um segundo depois eu percebo o porquê, nela Peeta esta sentado junto a Caesar, falando sobre a arena.

Ele não parece ferido ou torturado, sua aparência continua intacta, tanto quanto eu posso me lembrar. Estão usando ele também. Não querem atingir apenas a mim, mas a Katniss também e eu sei que estão conseguindo.

Peeta conta sobre sua experiência na arena, e Katniss toca a tela. Ela parece suar. As palavras de Peeta fazem um silencio perturbador na sala, me sinto em êxtase.

A tela aos poucos volta à programação normal e Katniss parece processar tudo o que ouviu e viu. Ela deve estar feliz em ver Peeta vivo e ileso.

A sala explode em murmúrios falando de como o que Peeta falou esta armado, inimigo, traidor..

Alguém que deve ser um dos homens aqui do comando, bota a mão no ombro de Katniss e ela não hesita em simplesmente a tirar de lá com brutalidade, começando a correr do comando em seguida.

Ela passa por mim e me empurra, uma dor lancinante me preenche novamente junto com um leve gemido.

A confusão na sala já começou, mas não fico ali para saber o que vai acontecer, me preocupo em ir atrás de Katniss.

– Onde vai? – Enobaria pergunta puxando meu braço.

– Atrás da Katniss. – Ela assente e me larga.

Chego aos corredores e procuro algum lugar por onde ela possa estar.

Penso algum tempo e concluo que ela esta em algum lugar escondido ou no mínimo reservado.

– Ei você! – Paro um garoto que aparenta ter uns 15 anos, que caminhava por ali. – Tem algum deposito? Túnel? Eu não sei! Para uma pessoa que quer ficar sozinha? – Ele me olha por alguns segundos como se eu fosse louca, e bem, acho que é isso que aparento ser no momento mesmo, afinal, quantas vezes alguém te pararia para perguntar algo assim?

– Tem um almoxarifado aqui perto, mas eu não...

– Aonde fica?

– Para lá.. – Ele aponta para o outro lado e eu murmuro um “obrigado” saindo na direção do local em seguida.

Eu sei, é um tiro no escuro, Katniss pode não estar lá, mas dai eu paro outra pessoa e pergunto.

Chego ao almoxarifado, e lá esta Katniss, enrolada contra uma caixa de giz.

– Katniss... – Eu murmuro e ela levanta a cabeça para me encarrar.

– Clove?

– Sim... Como esta? – Pergunto me sentando ao seu lado. – Oh! Que pergunta foi essa minha? É só olhar para você por centésimos de segundos que descobrimos que esta arrasada.

– Não quero falar sobre o quão deplorável estou. – Ela murmura e ate sorri um pouco. – Você também esta bem acabada hein.

– Sei que acabada é um elogio perto do que realmente estou.

– Como esta em relação a Cato?

– Eu não sei. Eu ainda não consegui respostas, acordei e já aconteceu aquela confusão. O que me preocupa de fato é saber o que esta acontecendo com Ethan, ele esta vivo? Morto? Aqui ou na Capital? Você sabe? – Pergunto a Katniss deixando a esperança de que ela tenha respostas me envolver e murchar assim que vejo seu rosto assumir a frustação que ela deve estar sentindo.

– Devo saber tanto quanto você. – Ela diz e olha para baixo. – Eles só me dão os meus horários, não falam mais do que acham que eu devo saber e são muito rigorosos. A Capital e os distritos são fichinhas perto das regras que existem aqui. Nada é desperdiçado, tudo é reaproveitado e com um controle absurdo.

– Me sinto claustrofóbica, não vi uma janela nesse lugar desde que chegamos.

– Estamos no subsolo, o distrito treze fica totalmente no subsolo... Eu já estive lá em cima, hoje mesmo, fui “visitar” o distrito doze, eles o incineraram, quase toda a população foi morta. Alguns conseguiram ser salvos pelo Gale, ele os levou para a floresta, mas a grande maioria... – Ela deixa a frase morrer.

– Sinto muito. – Eu murmuro e então nos encarramos, encarramos por um tempo mais longo que o normal e eu me sinto engasgada. Olho para baixo e respiro fundo. Então, simplesmente desabo.

– Eu não queria nada disso. Então por que eu? Eu não pedi para ser o tordo, não pedi para entrar nessa revolução! Eu matei pessoas, feri outras... Eu magoei muita gente! Eu fui treinada para matar, não ter sentimentos! Esta tudo tão confuso! Esta tudo girando! – Quero gritar isso, mas apenas sai um murmúrio. A encaro novamente.

– Eu também não pedi Clove. – Ela me encara também, seus olhos parecem cansados. – Esse é o momento em que nos abraçamos e de alguma maneira muito estranha mantemos uma a outra de pé? – Dou um leve sorriso e estendo os braços ao redor dos ombros de Katniss, ela faz o mesmo em minha cintura e sinto uma súbita vontade de chorar.

Uma lagrima escorre por meu rosto.

– Sim, esse é o momento.