Chrysalide escrita por Alice Burton


Capítulo 2
Normalidade ou quase isso


Notas iniciais do capítulo

Quando o seu cachorro rouba seu travesseiro e ronca a noite toda, você não tem escolha a não ser tomar chá e escrever as coisas que se passam na sua cabeça, não é? (Acho que ando sobrecarregando isso aqui de novos capítulos, rsrs)
Este capítulo não tem relação alguma com o que escrevi 4 anos atrás, mas por que não colocar coisas novas?
Até o próximo capítulo;
x.o.x.o.



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– Você viu o aluno novo do terceiro ano? Jane disse que vão fazer o trabalho de biologia juntos, espero que seja lá em casa, mas não no quarto dela. - Suzan, uma garota de cabelos castanhos claros e lisos que iam até o meio das costas, olhos amendoados nos quais ela passava lápis e rímel cuidadosamente todas as manhãs, conversava em voz baixa com Luana, o que infelizmente para Alicia não era baixo o suficiente, já que ela conseguia ouvir cada palavra.

– Eu soube que ele repetiu um ano, foi expulso ou coisa assim...

– Sorte a nossa, né? Apesar dele não ser da nossa turma, está na mesma escola...

As duas meninas se calaram quando Lilian entrou apressada na sala, com o rosto corado e o conhecido papel amarelo com a letra do Lúcio na mão direita, passou direto por elas e se sentou ao lado da Alicia, mostrando discretamente o papel para a ruiva.

– É perseguição, não é? - Lilian soltou um suspiro baixo.

– Ele adora implicar com os atrasados e você é uma presa fácil perdida por aí. - Alicia respondeu dando de ombros.

– Se importa se eu disser ao meu irmão que vou para a sua casa depois da aula? Ele vai me matar se souber que vou de novo para a detenção.

– Ele é seu irmão, não seu pai Lilian.

– Boa sorte em dizer isso a ele, sério.

A senhora Larsson terminou o que quer que estivesse escrevendo no quadro, coisa que tanto a loira quanto a ruiva saberiam, caso é claro estivessem prestando atenção, e pigarreou alto tentando chamar a atenção da sala. Alicia vagou de volta aos próprios pensamentos, o que induziu Lilian a tentar prestar atenção na alua, agradecendo mentalmente por ser literatura e não matemática.

– Daqui ao resto do semestre reservaremos duas aulas para preparar o Sarau. Discutiremos a peça Les Misérables, de Vitor Hugo, a audição para a divisão de tarefas e escolha de atores será na próxima semana, até lá espero que todos tenham lido o livro.

Foi então que Alicia teve a ideia sensata de olhar para o quadro e notou que era um esquema de horários de audições, não apenas para a turma do primeiro ano, como para todo o ensino médio, o que queria dizer que Lúcio também participaria. Lilian não parecia nada preocupada com isso, se limitou a anotar os horários e a recolher o material para a próxima aula.

– Escuta, diga ao seu irmão que ficaremos na biblioteca, está bem? Vou precisar pegar o livro da senhora Larsson de toda forma e posso esperar por você. - Alicia disse enquanto recolhia as próprias coisas, já que as aulas seguintes eram em direções opostas das aulas da amiga. Amiga, mas que palavra estranha, chegou a fazer a ruiva sorrir para si mesma.

– Fico te devendo essa, meeeesmo. Até lá vou tentar ficar longe do Lúcio.

Provavelmente Alicia teria rido se alguém alguma vez dissesse que o universo poderia parecer normal outra vez, era quase simples ficar perto da loira. Durante as aulas seguintes, a ruiva se dedicou a escrever para Melanie, contando sobre todas as coisas banais que estavam acontecendo, as cartas representavam o único meio de preservar a lembrança dela, já que ninguém mais parecia se importar.

– Hey, Vermontt! Dá para largar o dever de casa atrasado e se concentrar na minha aula? Onde está seu uniforme? - A voz do treinador Hidel trouxe Alicia de volta do mundo em que Melanie existia.

– Desculpe treinador. - Com um suspiro Alicia foi para o vestiário substituir o uniforme brega da escola por um que era pior ainda.

– Muito bem, vocês podem começar com o aquecimento, dez voltas na quadra. Contando...

– Alicia? - Suzan acompanhou a ruiva enquanto elas corriam em volta da quadra, Alicia até acelerou o passo, mas Suzan era uma ótima atleta. - Escuta, a Jane está planejando uma festa esse fim de semana...

– A tradicional festa de boas vindas. - Alicia completou, já conhecia o ritual e participara dele antes, é claro que naquela época achava incrível a recepção de volta às aulas, mas agora isso parecia outra vida.

– Acho que você recebeu o convite, mesmo assim achei melhor perguntar... - Suzan parecia ansiosa, ou talvez fosse apenas o exercício físico, de toda forma Alicia não estava interessada em nada disso, quando a morena percebeu que não receberia resposta, continuou falando. - Talvez você pudesse falar com a Lilian...

– Olha Suzzie, não precisa fingir que ainda é minha amiga ou coisa assim... Se quiser chamar a Lili, faça você mesma. - Depois disso ela deu o melhor de si para se afastar de uma Suzan aparentemente em choque, garotas como ela não estavam acostumadas a não serem idolatradas.

A única coisa que a Alicia odiava mais que as aulas de educação física, eram os vestiários lotados de garotas se trocando e ter que esperar até que houvesse uma cabine vazia para tomar banho e se trocar. Quando finalmente conseguiu a privacidade de uma cabine, fez questão de demorar o bastante no banho quente para que quando terminasse as outras meninas já tivessem ido embora.

When the days are cold
And the cards all fold
And the saints we see
Are all made of gold

Antes de qualquer coisa, Alicia penteava os cabelos, era quase um ritual particular. Ela foi até o armário ainda enrolada na toalha, separou o uniforme limpo e o deixou dobrado em cima do banco, depois encontrou a escova do cabelo e passou pelo menos os próximos dez minutos penteando os longos fios como se o mundo pudesse esperar até que ela terminasse esse pequeno capricho.

When your dreams all fail
And the ones we hail
Are the worst of all
And the blood’s run stale

Pendurou a toalha molhada e começou metodicamente a colocar a roupa, primeiro as peças íntimas, depois a camisa, que infelizmente era quase um vestido branco, já que ela havia esquecido de ajustar o uniforme reserva.

I want to hide the truth
I want to shelter you
But with the beast inside
There’s nowhere we can hide
No matter what we breed
We still are made of greed
This is my kingdom come
This is my kingdom come

Colocou cuidadosamente a mesa de seda fio 20, não havia nada pior que uma garota usando uma meia calça rasgada, a música nos fones de ouvido eram uma barreira para o mundo lá fora, a solidão do vestiário era suficientemente confortável para que ela arriscasse acompanhar a música.

At the curtain’s call
It’s the last of all
When the lights fade out
All the sinners crawl
So they dug your grave
And the masquerade
Will come calling out
At the mess you made

Afinal se sentia aliviada por não precisar dividir aquele momento com Lilian, começava a admitir para si mesma que gostava da companhia da outra, mas a loira tagarela jamais a deixaria apreciar aquele momento. Era como se os corredores vazios fossem a única testemunha de pequenas travessuras, ela segurou a barra da camisa branca como se fosse um vestido muito elegante e ela estivesse prestes a cumprimentar alguém muito importante, depois deu um leve rodopio sem sair do lugar, apenas ela e a voz do desconhecido que embalava a música que saia dos fones de ouvido.

When you feel my heat
Look into my eyes
It’s where my demons hide
It’s where my demons hide
Don’t get too close
It’s dark inside
It’s where my demons hide
It’s where my demons hide

De olhos fechados deixou que um sorriso suave se abrisse em seus lábios, afinal era apenas para ela que a música tocava. Depois disso tudo foi muito rápido, quando abriu os olhos, eram os olhos do Nathan que a encaravam, no primeiro momento ela não notou que o rosto dele estava vermelho como o cabelo dela, tudo o que existia à frente eram os olhos dele. "When you feel my heat, look into my eyes..."

– D-descu... Oh, caramba... sério eu não sabia que você... Hãmm...

O Nathan estava dividido entra o total constrangimento (que é o mínimo que se espera numa hora dessas) e o fascínio do que acabara de observar, definitivamente ela não parecia a mesma ruiva que o atropelou no pátio um dia desses. Só que antes que ele pudesse ficar fascinado de mais e realmente acreditar que fosse outra pessoa, a garota retomou a postura que se esperava de uma encrenqueira como ela.

Idiota! Por que ele tinha que abrir a boca? Ainda mais se nem mesmo era capaz de formar uma frase decente. Então a música não mais tocava, Alicia pareceu notar a situação, como de costume tarde de mais e deixou o celular cair fazendo os fones irem junto. I-d-i-o-t-a.

– Esse é vestiário F-E-M-I-N-I-N-O! Será que você sabe ler? Tem até um desenho na porta para ajudar a identificar. - A ruiva se preocupou em pronunciar cuidadosamente cada palavra, sem atropelar nem esquecer nenhuma vogal ou consoante, só para ter certeza de que ele entenderia o insulto, mas não sei preocupar em colocar o resto da roupa. É claro que o Nathan notou, mas ele é que não ia reclamar.

– Não era pra ter ninguém aqui, tá legal? - Era muito mais fácil esquecer o constrangimento quando ela se comportava assim. - Algum engraçadinho colocou uma bomba de bosta no armário do treinador e o único lugar em que tinha desinfetante era aqui. - Ele disse apontando para o armário de limpeza no fim do corredor, é claro que não era o único lugar, mas era o mais perto.

– E é claro que o bom samaritano tinha que se oferecer para pegar, né? - Ela revirou os olhos, mas foi até o armário, retirou um pano velho, um galão de detergente e entregou para ele. Por sua vez o Nathan abaixou e pegou o celular que a garota havia deixado cair, Imagine dragons - demons, ele havia reconhecido a letra na voz dela, mas sorriu ao ver a música pausada na lista de reprodução. Como Alicia achava que até o ato do Nathan respirar incômodo, ela atirou o pano de limpeza contra o garoto e pegou o celular de volta, normalmente ela sairia do local e o deixaria lá com cara de bobo, mas sair só de camisa e meias pelos corredores da escola tinha cheiro de suspensão. Então ela só ficou lá, encarando o Nathan até ele perceber que essa era a deixa e dar o fora.

Apropriadamente vestida a garota resolveu matar o último tempo na biblioteca, era mais que tempo para encontrar um livro, mas ela podia adiantar um pouco os trabalhos de casa antes de encontrar Lilian na saída. Pelo menos o fim do período letivo podia ter alguma coisa de normal, não é?


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