As Três Lágrimas do Youkai. escrita por Larizg


Capítulo 48
Capítulo 48 – A noite que tudo mudou.


Notas iniciais do capítulo

Olá, mina! Estou meio chateada com os poucos comentários no último capítulo... Bem, aqui está a última parte do flashback. Acabou ficando meio corrido na minha opinião, mas o foco da história não é o passado, e sim o futuro. Espero que tenha sido o suficiente para compreenderem os sentimentos dos envolvidos... =)



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Wendy levou o golpe no lugar de Akarin ao se jogar na frente do ataque com os braços abertos. O ataque abriu um buraco no peito da menina, destruindo seu coração. Mesmo quando caía, seu rosto ostentava um sorriso. Assim que seu corpo sem vida tocou o chão, Akarin correu para perto da irmã e com lágrimas nos olhos gritava em vão por seu nome. Ele a abraçou e puxou para perto, isso só fez com que suas roupas se manchassem de sangue.

O mundo pareceu caminhar em câmera lenta para Tsukiyo. Os sons pareciam ao mesmo tempo abafados e amplificados. Ao longe ela escutou ecoar os gritos de Merioku que despertara para aquela cena de horror. Os sons das lágrimas de Akarin caindo no rosto da irmã pareciam perfurar o coração de Tsukiyo. A cabeça de Wendy pendeu para o lado e seus olhos opacos encararam os da jovem.

E aquilo doía, como nunca havia sentido.

Algo se rompeu dentro de Tsukiyo.

As lágrimas sessaram. A dor chegou ao tal ponto que parou de ser sentida. A emoção deixou de existir. Uma parte de Tsukiyo morreu com Wendy.

O mundo se tornou silêncio, com exceção das risadas de Kouhen. Tsukiyo, sem emoção alguma, encarou o Dai-youkai que ainda de vangloriava do feito e se divertia diante do sofrimento do grupo.

A apatia se tornou raiva.

A raiva se tornou poder.

Tsukiyo olhou para dentro de si mesmo e fez algo que nunca imaginou que teria que fazer. A jovem se via num lugar em sua mente completamente negro, mais parecia uma caixa espelhada. Ela se aproximou de um dos lados e tocou o espelho. Imediatamente, ele começou a rachar e se estilhaçar. Do outro lado, uma criatura estava de pé, com os pés acorrentados no chão encarando-a com um sorriso satisfatório no rosto.

Tsukiyo havia derrubado as barreiras que mantinham a Fera trancada, sempre arranhando esperando para sair.

Tsukiyo, indiferente e fria, começou a se aproximar da Fera. Normalmente a visão daquela criatura era capaz de apavorar Tsukiyo, mas não desta vez.

Não naquele momento.

– Ora, ora. Huhuhu. – riu a Fera se aproximando. – Estava demorando. Veio pedir mais poder emprestado?

Tsukiyo continuava impassível.

– Não será o suficiente. É você que vai agora.

– Vai me libertar? – perguntou puxando as correntes para tilintarem. – Tem certeza?

– O que foi? – provocou de volta diante da dúvida da outra. – Vai perder a chance de se divertir depois de tanto tempo? Ou será que está com medo?

A Fera pareceu ofendida, mas logo recuperou a compostura debochada.

– Ah, eu vou me divertir. A pergunta é: você vai? – perguntou. – Até onde eu sei, é você que teme me libertar, não o inverso.

Tsukiyo se limitou a partir as correntes que prendiam a Fera com um golpe de sua lâmina. Ambas sabiam que uma vez quebradas, aquelas correntes não poderiam ser refeitas. A criatura sorriu como nunca e estendeu a mão para um aperto.

Tsukiyo nem hesitou.

– Apenas faça o que tem que fazer.

Ela apertou a mão da Fera.

Poder correu por suas veias. As feridas cicatrizaram e o yoki liberado era visível de tão denso. As garras e caninos cresceram e sons guturais partiam de sua garganta. A última coisa que Tsukiyo se lembrava de ver era o olhar surpreso de Kouhen e depois...

... nada.

...

Tsukiyo foi lentamente retomando a consciência. A visão foi voltando ao normal e os sentidos reativados. A primeira coisa que notou foi o cheio de ferro, em seguida, o vermelho. Um suspiro surpreso saiu da boca da jovem quando percebeu sua situação.

A sua frente estava Kouhen, o rosto a poucos centímetros do dela. Sangue escorria da cabeça e das laterais de sua boca. Os olhos eram um mistura de raiva e dor. Tsukiyo sentiu algo quente escorrer por seu braço, apenas para notar que ele atravessava o peito de Kouhen. Ela podia sentir o coração do youkai parar lentamente de bater, perfurado por suas garras.

– O q...? – tentou formular a jovem, levemente assustada.

Kouhen riu e encarou-a nos olhos.

– Isso será sua perdição. Eu tenho...p-pena de... vo...cê...

O corpo do Dai-youkai relaxou por completo e ele caiu aos seus pés, sem vida. O choque foi passando aos poucos e Tsukiyo começou a sentir dores por todo o corpo. Tinha cortes em diversos lugares e um ferimento profundo no abdômen. Exausta, ela caiu sobre os joelhos ao lado da cabeça de Kouhen. Eu consegui! Eu o matei! Ela encarava as mãos levemente trêmulas. Mas porque não estou feliz? O peito da garota doía e ao fundo de sua mente ela tinha consciência da Fera sorrindo.

– Tsukiyo? – a pergunta partiu de Merioku. A feiticeira estava de pé ao longe, sua face era receosa.

Ela está com medo de mim. Só então Tsukiyo percebeu seu estado: coberta de sangue, seu e do inimigo. Ela só podia imaginar o que a amiga presenciara. Ela olhou para as garras enlambuzadas de rubro. O que foi que eu fiz?

– Você conseguiu...

A voz partira de Akarin. O rapaz continuava agachado, abraçado com Wendy. Mas olhava para Tsukiyo com uma expressão que ela não pôde decifrar. Seria medo? Orgulho? Ou simplesmente tristeza?

O olhar atordoado de Tsukiyo caiu sobre Wendy. Imediatamente a tristeza e fraqueza se apoderaram. Lágrimas escorreram e lentamente sua visão foi escurecendo.

Desculpe, Wendy...

...

Tsukiyo acordou numa cama larga, com os lençóis brancos cobrindo-lhe até o pescoço. Tentou se sentar, mas dores agudas a atingiram em vários lugares. O mundo rodou e ela levou a mão à cabeça. Suas orelhas haviam desaparecido, era humana novamente. Ela afastou os lençóis e notou que vestia sua calça justa e tinha o tronco coberto com faixas manchadas de vermelho aqui e ali.

– Levou muitos danos. – falou Merioku. A Feiticeira a encarava com olhar cansado, sentada numa cadeira ao lado da cama. – Achamos que talvez não fosse acordar.

– Onde estamos?

– Num quarto qualquer do castelo, ao que parece ele é nosso por direito, sendo você herdeira dele. – comentou. – Depois que derrotamos Kouhen, vários de seus subordinados foi embora e alguns até juraram lealdade a nós, que derrotamos seu líder numa luta, mas nenhum pareceu se irritar. Acho que ele não era bem quisto.

Tsukiyo bufou.

– Posso imaginar... – ela respirou fundo. – Quanto tempo eu dormi?

– Dois dias inteiros.

– Dois dias?! – levou a mão na cabeça em surpresa.

Merioku deu um sorriso fraco, sem saber o que falar. Tsukiyo notou as olheiras da amiga e o estado ainda sujo de suas roupas. Deve ter ficado comigo este tempo todo. Além do cansaço físico, vinha o cansaço mental de tudo que havia ocorrido. Uma sensação quente inundou seu peito e Tsukiyo sorriu com ternura para a amiga, pegando-a de surpresa.

– Obrigada, Meri-chan. Não precisa mais ser forte, agora, eu estou aqui para você.

A morena abriu os braços, convidando a amiga a abraça-la. Merioku saiu da surpresa para a alegria e em seguida lágrimas de tristeza. Sem hesitar, ela se jogou nos braços de Tsukiyo e chorou tudo aquilo que não pôde nos últimos dias. Agora, foi a vez da morena sustentá-la e protege-la, porém, mesmo ela não pôde conter lágrimas que escorriam teimosas pelo rosto.

– Tsuki eu... n-não consigo acred-ditar. Wendy...

– Eu sei. – sua voz fraquejou e ela apertou mais a amiga contra si. – Eu...sei...

Numa tentativa de consolo mútuo, as duas ficaram abraçadas por o que pareceu uma eternidade. Os soluços foram parando lentamente e as lágrimas cessaram, mas não porque a dor se atenuou, e sim, porque já não havia como derramar mais lágrimas. Tsukiyo sentiu uma pontada no abdômen e se encolheu. Merioku se afastou rapidamente, olhando preocupada com a amiga.

– Não se preocupe, já passou. – tranquilizou-a Tsukiyo. – Foi apenas o movimento, nada demais.

A amiga franziu a testa e utilizou seu “tom de reprovação”.

– Seja sincera, viu? Conheço-a o suficiente para saber que sua irresponsabilidade vai me trazer mais dor de cabeça.

– Fazer o que, né? – riu sem graça. Após um minuto de silêncio, a expressão de Tsukiyo tornou a ficar sombria. – Como está Akarin?

Merioku tornou a ficar cabisbaixa.

– Nada bem. Mas o que se pode esperar? – ela suspirou cansada. – Ele não sorri, desde o feito, também não derramou nenhuma lágrima a mais. Ele só... existe.

Akarin... Tsukiyo sentiu o peito doer só em pensar que o doce sorriso de Akarin tivesse morrido também.

– Onde ele está?

– Acredito que na torre norte.

Tsukiyo levantou-se com esforço e após ter certeza que conseguiria andar sozinha, caminhou em direção à saída do quarto.

– Daqui a duas portas vire a direita e entre na quarta porta a esquerda. Suba as escadas e chegará lá. – a amiga acenou concordando com a cabeça. – E, Tsukiyo... não posso perder mais alguém. Traga-o a si... Por favor...

A jovem concordou e seguiu pelo caminho pelo qual Merioku apontara. Para ela, as escadas da torre pareciam intermináveis, mas logo chegou ao topo. O espaço final lembrava uma sala, mas continha diversos objetos cuidadosamente colocados em altares ou em exibição na parede. Todos pareciam igualmente empoeirados, mas tinha lá seu toque de grandeza. Empórios de guerra? Pensou Tsukiyo. Dando de ombros, ela caminhou até a janela do local.

Sentado no telhado do lado de fora, ao lado da torre, estava uma figura escura. O vento balançava seus cabelos negros e a luz alaranjada do crepúsculo refletia em seus olhos tomados de tristeza. Akarin... Tsukiyo sentiu um misto de melancolia e alívio ao vê-lo ali.

Ela passou os pés para o lado de fora da janela e num impulso pulou para o lado dele. O rapaz olhou-a num sobressalto.

– Tsukiyo! Você acordou... fico feliz que esteja bem. Ainda humana, hein? – apesar das palavras, nenhum sorriso surgiu em seus lábios e Tsukiyo sentiu doer no âmago.

– Posso? – perguntou apontando para o espaço ao seu lado.

Ele acenou com a cabeça e voltou a encarar o horizonte. Com o canto dos olhos, Tsukiyo viu que Akarin segurava com todo o cuidado um invólucro arredondado de metal.

Uma urna...

Percebendo a atenção de Tsukiyo, o jovem falou.

– Eu queria enterrá-la junto com o resto do clã sabe? – a voz continha saudosismo e saía com dificuldade. – Mas não daria para levá-la sem que... que o corpo começasse a...a se decompor, é muito longe daqui. Então eu...

Tsukiyo colocou uma de suas mãos sobre a dele. Ele a olhou e se permitiu um leve sorriso diante do olhar de compreensão da amada. Ele segurou a mão dela.

– Wendy nunca foi de ficar presa. – comentou Tsukiyo. – Acredito que era a melhor opção para ela...

O vento bateu forte e ambos souberam que era chegada a hora. Akarin se levantou seguido de Tsukiyo e juntos, abriram a urna, permitindo que o vento espalhasse às cinzas e as levasse para longe dali. Até o lugar onde o dia e a noite se encontravam. Tsukiyo, sem desviar os olhos do horizonte, falou:

– Agora o espírito dela será livre pelo mundo. Ela vai olhar por nós...

– Você acredita?

– No que? – perguntou ao olhar para Akarin.

– Que ela estará lá... olhando por nós?

A voz do rapaz era frágil, como se ele estivesse quebrando por dentro. Provavelmente está... Tsukiyo voltou sua atenção para o céu rosa a sua frente e respondeu com sinceridade.

– Eu não sei. Mas prefiro acreditar que sim. De outra forma, o que é exatamente a vida que não caminhar diretamente para o fim da sua existência? – o vento roçava em suas bochechas e atrapalhava seu cabelo. – Não, eu sinto a necessidade de acreditar que tudo o que fizemos com nossa vida tem um significado. Um significado que refletirá naquilo que é definido como a vida após a morte.

– Eu realmente espero que sim. Sabe, Tsuki? Acho que foi o destino que nos fez encontrá-la. Wendy e eu nunca saberíamos quem destruiu nosso clã se não a ajudássemos. De certa forma, a verdade foi libertadora para mim. Espero que tenha sido para ela também...

– Eu acho que foi.

– Você ainda consegue senti-la?

Diante de suas palavras, nuvens abriram espaço e um filete dos últimos raios de sol do dia caiu exatamente sobre os dois no telhado. Ambos pararam extasiados. A luz era quente e aconchegante, quase... familiar. Por um momento, Tsukiyo sentiu o peito esquentar, como se o espírito estivesse sendo consolado. Wendy? Varias imagens passaram pela mente de Tsukiyo. Foram muitos momentos vividos ao lado de Wendy. Muitas implicações, lutas, risadas, brincadeiras... Só restou a lembrança do sorriso na face de Wendy.

– Sim... – respondeu Tsukiyo com lágrimas nos olhos. – Eu posso senti-la.

Akarin caiu de joelhos, inebriados em emoções que Tsukiyo só podia imaginar. Ela agachou e o abraçou por trás. Ele tremia e lágrimas escorriam sem parar. Seu coração batia diferente, como se a cada momento a rachadura criada nele aumentava lentamente. Seu peito doía e a mente só criava imagens passadas.

– Eu... não pude protegê-la. Não pude. – sua voz não passava de um sussurro, mas era carregada de dor. – Me desculpe, Wendy...

O vento soprou como se tentasse levar a dor para longe. Akarin segurou a mão de Tsukiyo, seu olhar ia longe, além do que os olhos podiam ver. Uma última lágrima caiu.

– Adeus, Wendy...

O sol finalmente se pôs, encerrando aquele momento. A noite se instalou no céu. Era fria e insensível.

Era uma noite sem lua.

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Akarin sentia os braços quentes de Tsukiyo o envolvendo-o. Os seios da jovem colados nas suas costas o permitiam perceber o coração da jovem bater. Aquele som regular e forte trazia tranquilidade para o rapaz, mas não era o bastante para acabar com sua dor.

A morte cria um buraco que ninguém pode preencher...

Quando a noite tomou o céu e o vento tornou-se cortante de tão gelado, os dois resolveram entrar novamente. Akarin pulou pela janela e ajudou Tsukiyo, ainda com dores nos ferimentos, a subir pela janela. A jovem entrou e logo seguiu para a saída daquele cômodo cheio de relíquias, mas algo prendia o rapaz ali. Ele se pegou encaram o horizonte negro pela janela.

– Akarin? – escutou a jovem perguntar. – Está tudo bem?

Akarin agradeceu internamente a presença de Tsukiyo, ela era como um raio de luz em meio a tempestade, pois era exatamente assim que senti seu coração: como em uma tempestade. Ele podia sentir que uma parte de sua alma se fora com Wendy e doía pensar que nunca mais a veria... Que era culpa sua...

– Eu... estou bem. – mentiu. – Só... preciso de um tempo.

Ele sentiu Tsukiyo se aproximar e colocar delicadamente a mão no seu ombro. Em seguida, ela lhe deu um rápido beijo de despedida, conseguindo arrancar um leve sorriso do rapaz.

– Não exagere. – falou cansada.

– Digo o mesmo. Vá até Merioku e peça que aplique mais remédios.

Ela acenou em concordância e saiu.

A atenção de Akarin se voltou novamente para a janela, mas tudo o que seus olhos podiam ver era a expressão final de Wendy. Ela estava sorrindo. Para salvá-lo, ela sacrificou a vida, e ele nada pôde fazer. Não pôde salvar Wendy, não pôde ajudar Tsukiyo. Ele era fraco e por isso não conseguia proteger aqueles que amava.

– Droga!

Num acesso de raiva, Akarin agarrou um objeto próximo, um estranho vaso lacrado, e o arremessou contra a parede. O objeto quebrou-se e uma fumaça roxa se espalhou pelo local.

– Se eu ao menos fosse mais forte! Poderia ter matado logo Kouhen. Wendy poderia ter vivido e Tsukiyo nunca teria sofrido daquele jeito! – o rapaz esmurrou a parede, criando um buraco no local.

Você deseja poder?

Akarin olhou ao redor num sobressalto. Podia jurar que havia ouvido uma voz. Era grave e forte. Mas não havia ninguém ali.

– Quem está aí?

Você deseja poder?

– O que?

Se tivesse poder, ninguém teria morrido. Se não fosse fraco poderia proteger. Se fosse forte não teria que temer mais nada.

A fumaça roxa começou a tomar forma de uma criatura. Um espírito. Feito de fumaça e com dois olhos completamente vermelhos e brilhantes. O rapaz sentiu que aquelas palavras chegavam até seu coração cego de ódio e tristeza.

Se tivesse poder... O que faria para mudar sua fraqueza?

– Eu faria qualquer coisa para impedir que aquilo tivesse acontecido.

Eu posso lhe oferecer poder, mas a pergunta é: pelo que estaria disposto para consegui-lo?

A criatura lhe estendeu o que seria uma mão e esperou pela resposta do rapaz.

Akarin sabia que era uma armadilha, talvez no fundo soubesse, mas estava tomado pelo luto e raiva de si mesmo. Não enxergava mais nada, apenas a possibilidade de conseguir uma maneira de proteger as pessoas que amava. Sim, por elas faria tudo. Não importa o que acontecesse com ele, contanto que fosse capaz de proteger Tsukiyo.

– Não importa o que aconteça com meu corpo, contanto que possa protegê-la.

Akarin agarrou num impulso a mão da criatura, mas não foi capaz de tocá-la, assim que chegou perto, a fumaça começou a se infiltrar e seu corpo. Por um instante, a criatura pareceu sorrir.

Quem falou qualquer coisa sobre corpo?

Uma dor excruciante percorreu pelo corpo e mente do rapaz. Era como se cada parte de si estivesse sendo engolida lentamente.

– O que eu fiz? – exclamou ao perceber a razão voltando lentamente.

Não se martirize rapaz, eu faria isso de qualquer forma. Apenas quis lhe dar a sensação de controle...

– Arg!

Akarin sentiu os olhos arderem e começou a perder controle de si. Era como se estivesse sendo... possuído. Sua consciência foi perdendo espaço para aquela nova criatura. Sentiu-se ser jogado e acorrentado em um canto esquecido da própria mente. Gritava, mas a voz não parecia sair e sua garganta.

Logo, não restava mais nada.

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Tsukiyo e Merioku correram pelas escadas em direção ao topo da torre. O grito de Akarin havia surpreendido a ambas que terminavam de trocar as bandagens de Tsukiyo. Elas irromperam pela porta e no instante em que viram a cena que se passava, ficaram chocadas.

– Akarin!

O rapaz se contorcia a sua frente, e Tsukiyo tentou se aproximar para ajudá-lo, mas uma energia maligna e densa a impediu de se mover. Com o canto dos olhos, percebeu que Merioku estava igualmente imóvel.

De repente, o rapaz parou de se mexer, mas a energia maligna, carregada de ódio, apenas aumentou.

– Akarin? – chamou Tsukiyo apreensiva.

Uma risada cruel partiu de Akarin. Ele se voltou para as duas. Ao invés dos gentis e corajosos olhos negros, Tsukiyo se viu encarando um par de olhos vermelhos carregados de nada além de ódio e crueldade. Ela não sabia o que havia acontecido, mas no momento que encarou aqueles olhos ela soube.

Seu Akarin já não existia mais.

Me desculpe. – a voz não era a mesma de Akarin. – Ele não está mais aqui. Mas não se preocupe... eu vou tomar conta do corpo dele.

– O que fez com ele?!

Rindo, ele andou até ao lado e apanhou no chão um pedaço quebrado de algo. Sem encarar as duas, ele respondeu de forma sugestiva.

Eu lhe dei o poder que tanto desejou. Aliás... – ele olhou de lado para Tsukiyo e Merioku. – Seria uma boa ideia lhe demonstrar o poder que ganhou com nosso trato, hein, Akarin?

Assim que ele terminou a fala, Akarin levantou uma mão em direção à Tsukiyo. Sentindo a intenção do golpe, ela tremeu.

– Não... Akarin... Ele... Ele nunca nos machucaria! – a sensação de perder Akarin foi tão devastadora quanto a de perder Wendy. Seu peito doía e a razão coeçava a se perder. – Akarin, acorde!

Que irritante...

Uma energia roxa partiu para cima de Tsukiyo, travada no chão diante da realidade que se passava a sua frente. Ela encarava o longe. O que esse homem está dizendo? Ele, se foi? Não, não é verdade! Merioku se jogou em cima de Tsukiyo, fazendo-a se desviar do golpe. As duas escaparam por pouco.

– Tsukiyo, o que está fazendo? – Merioku sacudia a amiga.

– Ele, ele está brincando! Só pode ser, não é. Meri-chan? Ele está brincando com a gente.

– Tsukiyo, acorde! Olhe para ele. Não existe mais nada do Akarin que conhecemos. Temos que ir agora!

A feiticeira se preocupou com o estado da amiga. Seus olhos eram vidrados e Merioku percebeu que a sanidade de Tsukiyo estava no limite, perder Akarin logo depois de perder Wendy... Ela tinha medo que o coração de Tsukiyo se despedaçasse de vez. Mas morrer ali não era uma opção. Precisamos de um tempo para analisar o que aconteceu. Uma rajada de energia passou acima das duas e por pouco não as acertou.

Ainda não me acostumei a esse corpo... – Akarin parecia cansado, estava ofegante e se apoiava na parede. – O próximo ataque não errará.

De repente, grande energia maligna foi sendo liberada de Akarin. Era uma energia tão densa que começou a tomar conta do lugar. A energia começou a tocar as paredes e eles começaram a enegrecer. As garotas sentiram um pesar no peito e assim que respiraram o yoki, sentiram os pulmões queimarem. Merioku reconheceu o efeito imediatamente. Se ficarmos mais, poderemos morrer!

– Me desculpe, Tsukiyo, mas precisamos ir. – ela jogou um frasco verde contra Akarin e outro contra Tsukiyo.

A amiga desmaiou num instante e Merioku não esperou para ver se o mesmo havia acontecido com Akarin. Ela passou o braço de Tsukiyo por cima dos ombros e segurou-a na cintura, em seguida, avançou pela saída mais próxima. Ela pulou pela janela com Tsukiyo e escorregaram pelo telhado. Só espero que dê certo. Pensou Merioku. Elas caíram sobre uma árvore e os galhos diminuíram consideravelmente sua caída até o chão.

Quando conseguiu se levantar, Merioku viu Akarin se aproximar da janela. Os olhos vermelhos dele encararam os dela e por um minuto a feiticeira sentiu-se paralisada de medo. Mas o gemido de Tsukiyo acordando a trouxe de volta a realidade. Ao menos um dos meus amigos eu vou salvar! Ela agarrou Tsukiyo e tratou de tirá-las dali. O yoki de Akarin continuava a se expandir, até chegar a floresta. Onde as árvores eram tocadas pelo yoki, elas morriam.

Merioku não perdeu tempo e tratou de se esgueirar pela floresta até a atravessarem completamente. Não posso arriscar parar e ser pega por esse yoki. Quando a travessaram, Merioku olhou uma última vez para trás. Nuvens negras começaram a se formar sobre o castelo, como um presságio ruim. Merioku não compreendia o que havia acontecido, mas algo ela sabia:

Aquele ser causaria grandes impactos no mundo...

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Tsukiyo acordou num sobressalto, procurando por Akarin. Estava num campo, ao lado de uma fogueira. O céu noturno era tomado por uma tempestade que vinha do sul.

– Tsukiyo. – falou Merioku sentada ao seu lado.

– Merioku... – a compreensão bateu. – Onde está Akarin? O que aconteceu?

– Tive que fugir, Tsukiyo, ele nos mataria se ficássemos.

Com a testa franzida e o olhar determinado, Tsukiyo se levantou e caminhou em direção à floresta.

– Aonde você vai?

– Vou trazer Akarin de volta.

Merioku suspirou.

– Tsukiyo, você tem que entender que ele...

– Akarin ainda está vivo! Eu não sei o que houve, mas aquele não era Akarin!

– Se voltar lá vai acabar morrendo. Precisamos primeiro descobrir se realmente podemos reverter seja lá o que tenha acontecido com ele.

– Então está dizendo para esquecermos ele por hora?! Vamos abandoná-lo assim?! Não se importa com o que acontecer com ele, depois do que aconteceu com Wendy?!

– Não ouse dizer isso, eles também são os meus amigos! – explodiu Merioku ao se levantar, assustando Tsukiyo. – Assim como você estou sofrendo por Wendy e estou chocada com o que aconteceu com Akarin, mas precisamos ter calma!

Tsukiyo parou para encarar Merioku. Só agora percebeu o quão abatida a amiga estava. Seus olhos, outrora de um verde tão vivo, estavam opacos e muito cansados. A jovem se envergonhou do comportamento que estava tendo.

– Me desculpe, Meri-chan. Eu estou sendo egoísta. – falou a jovem. – É só que...

A tristeza tomou conta de Tsukiyo, pois não havia palavras para descrever seu desespero de perder mais um de seus amigos. Principalmente, Akarin, seu amado. As lágrimas só não desceram pela determinação de Tsukiyo, que achava que derramar lágrimas seria o mesmo que declarar sua derrota. E ela se lembrava da promessa que haviam feito um para o outro:

“– Ei, Akarin? Se algum dia meu lado ruim se tornar maior que o bom, você promete me impedir.

– Faria o mesmo por mim?

– Eu prometo...

– Eu também... ”

Tsukiyo sentou-se novamente abraçando os joelhos. Esperava não ter que cumprir aquela promessa. Eu... não consigo matá-lo! Não poderei cumprir essa promessa, Akarin! Vou arrumar outra forma, eu...

– Eu sei. – falou Merioku mais calma, se aproximando da amiga.

– Eu vou salvá-lo, Merioku, custe o que custar.

– Eu ajudarei no que puder, mas... Tsukiyo, acha mesmo que ele poderá voltar? Algo realmente maligno se apoderou dele, eu não sei nem como explicar. Era como se... como se a vida se extinguisse de tudo ao seu redor. Sinto que não era apenas um espírio ruim.

– Eu não sei o que houve, mas vou livrá-lo disso. – ela se virou para Merioku. – Algo em mim diz que ele ainda está vivo em algum lugar. Eu realmente acredito nisso. Preciso acreditar que é possível...

– Bom, se tem alguém que pode trazê-lo de volta é você, Tsukiyo. Nunca vi pessoas que se completassem melhor que vocês dois. – um leve sorriso surgiu em seu rosto, contagiando momentaneamente à amiga.

– Assim espero...

A morte cria um buraco que ninguém pode preencher... O amor cria um sentimento que ninguém pode destruir...

...Flashback.

A Fera


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Notas finais do capítulo

O que acharam? Por favor, comentem... Estou desanimando já que não tenho muito retorno...