A Pátria. escrita por A Pátria


Capítulo 2
A Decisão — Clarice




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A manhã estava clara e ensolarada, oque era estranho para uma manhã de agosto. Na verdade, era estranho porque eu estava na Carolina do Norte.
O lugar onde eu moro raramente tem um dia tão bonito quanto este, por isso, vou me arrumar animada. Opto por uma saia xadrez vermelha e a camiseta do uniforme, que também possui alguns detalhes em vermelho. Penteio meus cabelos ruivos com cuidado, enquanto me analiso no espelho como faço todos os dias. Estou com algumas olheiras, mas passo uma camada de maquiagem para disfarçá-las. Ninguém poderia me ver assim. Guardo minha insônia e minha angústia para mim mesma.
A Seletiva. Meu ânimo some imediatamente ao lembrar. É hoje.
Respiro fundo, e termino de me arrumar em silêncio. Minha alegria se foi, e não durou mais que alguns minutos. Sinto uma presença atrás de mim, e me viro rapidamente. Elizabeth, ou melhor, Beth, minha empregada, está me observando, com um olhar tristonho.
— Está quase na hora, meu amor. — Não pude evitar que meus olhos se enchesse de lágrimas. Beth não era da família, mas eu a considero como mãe desde a morte da verdadeira. Ela sempre está comigo nas horas difíceis, ela sabe dos meus medos, e dos meus segredos mais íntimos. Ela acredita em mim, e não faz ideia de o quanto eu a amo por isso. — Desça para tomar seu café da manhã, o motorista está esperando. — Diz ela, interrompendo meus pensamentos.
Ela me fita, e eu corro para lhe dar uma abraço. Um abraço carinhoso, reconfortante, que nem mesmo em meu pai tenho um igual.
— Quero que saiba que, independente da sua escolha, eu confio em você. Acho você capaz de vencer uma guerra inteira sozinha.
— Eu nunca vou ser igual ao meu pai.
— Talvez seja até melhor. Você é meu orgulho. Agora vá.
A olho buscando ajuda, mas ela segue para o meu banheiro, colocando a minha escova de cabelos no lugar.
Desço as escadas, limpando as lágrimas e colocando um sorriso no rosto. Eu tenho que me controlar, mas não vou deixar as pessoas a minha volta preocupadas comigo. Tomo meu café da manhã em silêncio, mas com um sorriso falso no rosto. Beth perceberia, mas meu pai... bem, ele não se importa.
— Tenha um bom dia, pai. — dou-lhe um beijo no rosto e saio correndo.
— Tenha um bom dia, Clarice, querida. Me deixe orgulhoso.
Desde a morte da minha verdadeira mãe, meu pai mudou muito. Antigamente, ele estava sempre de bom-humor e enchia de alegria quem estava por perto. Mas, agora, ele não passa de um homem triste, frustrado, que geralmente está mais preocupado com o trabalho e com bebida do que com sua vida pessoal. Acabei me acostumando a viver com um pai ausente. Mas a falta dele deixou meu coração com um vazio.
Me deixe orgulhoso. Ele nem sabe como eu me sinto. Entro no carro e vou direto para a Charles Harrison School.
Ao chegar, vejo meus amigos, Tiffany, Lisa e Brian. Me aproximo para dar um "Oi" mas eles estão conversando sobre a seletiva, então abaixo a cabeça e vou direto para o banheiro das meninas, um lugar extremamente claro, que é mais usado para espalhar fofocas do que para oque realmente foi feito. Pelo caminho, alguém acena para mim, mas eu ignoro e continuo o meu caminho. Fazer isso já virou uma de minhas manias. Algumas garotas entram junto comigo, e não posso evitar ouvir as notícias do dia. Parece que Noah Thompson entrou para o time de basquete da Harrison, e William Martinez, do terceiro ano, está namorando a Stacy Baker, do segundo ano. Uau. Tiffany vai adorar ouvir isso. Ela sempre teve uma queda por William. Espere... Porque eu estou me importando com William e Stacy? Nunca ao menos conversei com eles.
Acelero o passo e vou em direção a pia, em frente ao espelho. Encaro meu reflexo e fecho os olhos, apoiando meu corpo na bancada. Eu não deveria estar nesse estado. Eu vim de uma família de guerreiros, eu nasci para a guerra. Mas não é fácil aceitar a guerra quando sua mãe morreu em uma.
É só mais uma. Dissera Nadia Diann, antes de partir. Eu já voltei de muitas delas, só mais uma. Pense em mim, eu estarei pensando em você.
Ela não voltou. A dor causada pela perda de minha mãe me trouxe uma dor imensa, o trauma da batalha e um pai alcoólatra frustrado.
Sinto muito a falta dela.
Abro os olhos. A lembrança não durou um segundo. Sinto um olhar sobre mim e abaixo a cabeça, mas logo a sensação passa, pois Blair de La Court sai do banheiro batendo os pés , raivosa.
Blair. Quanto tempo não falo com ela... com certeza ela nem se importa com o meu estado. Eu deveria odiá-la por ter agido de forma tão irresponsável e cruel, mas não consigo. Ela deve ter tido algum motivo.
Meu coração me diz que devo ir atrás dela e esclarecer tudo, mas já faz tanto tempo... não quero me magoar de novo. Blair é apenas uma amiga do passado. Uma amiga do passado que me arranjou muitos problemas.
***
O restante das aulas não é interessante para mim. Meus pensamentos estão a onze anos atrás, revivendo meu melhor verão, na Califórnia. Um piquenique, na praia. Uma simples tarde em família, conversando e observando o mar. Como eu gostava de fazer. Lembro de ter feito birra por um pacote de batatas chip que meu pai havia esquecido no carro, e quando ele saiu para buscá-las, fiquei a sós com minha mãe. Você é esperta, insistente. Disse, entre risadas. Você sempre consegue oque quer. Ás vezes, nossos defeitos podem vir a ser nossas melhores qualidades, sabia?
Última aula antes da seletiva. Finalmente alguém que eu possa pedir conselhos de verdade. Sou a primeira a deixar a carteira, sem antes conversar com ninguém. Espero chegar na aula de história antes que todo mundo, e chego, vendo a Srta. Garcia arrumando seus materiais de trabalho em sua mesa de madeira maciça.
— Com licença? — Bato na porta entre-aberta, para chamar sua atenção. A Srta. Garcia é minha professora predileta, porque está sempre sorrindo e brincando com todos, que de certa forma, lembra a forma como meu pai agia antes da morte de minha mãe. Ela é sábia e gentil comigo, e realmente aprendo com as coisas que ela diz. Alguns alunos a odeiam porque acham que ela tem algum "favoritismo" por mim, mas sei que eles seriam incapazes de fazer algum mal á ela.
— Clarice? Entre.
Me certifico que não tem ninguém se aproximando e vou lentamente até sua mesa, e ela olha nos meus olhos e dá um sorriso gentil. Retribuo com outro sorriso, só que mais nervoso. Pego uma cadeira no fundo da sala e coloco-a do lado da mesa principal. Sento-me, e a professora me olha, intrigada.
— Oque aconteceu? seu pai...?
— Não, não! Não tem nada a ver com meu pai. É só que... a seletiva. Estou nervosa. Muito nervosa. Já faz alguns dias que eu não durmo pensando nisso. Eu não sei oque fazer...
— Se arrisque. — Disse ela, simplesmente. Como ela consegue se manter tão calma vendo alguém tão nervosa?
— Você está dizendo... para eu ir? lutar?
— Eu era igual a você, Parker. Tinha medo de mostrar meu valor. Não tive coragem e olha onde estou! Nessa escola sem graça, dando aula para gente que me odeia. Eu sempre vi potencial em você, mas você precisa mudar. Você se tornou inalcançável demais.
— Inalcançável?
— Bom dia pessoal!
Dez alunos entram na sala, gritando e fazendo piadas. Seguidos pelo resto do pessoal, que se comportava do mesmo modo. Apenas uma pessoa estava deslocada no meio da bagunça. Blair.
Droga.
Vou para minha carteira, encarando a srta. Garcia em busca de respostas.
Pela primeira vez, não presto atenção em sua aula. Fico remoendo suas poucas palavras, tentando entendê-las e finalmente me acalmar. Olho para o resto da sala de aula, todos estão em silêncio. Eles finalmente devem ter se dado conta que alguns deles não estariam mais vivos daqui a umas três semanas. Me acalmo só de saber que não sou a única com essa preocupação aqui. Encontro Lisa Newton, Ela está rindo com Tiffany e Brian. Ela percebe minha confusão e aponta para Crystal, que está em um sono pesado. Não posso deixar de dar risada e mostrar para o resto dos meus colegas a cena cômica que se passava do outro lado.
O restante da aula passa devagar, tanto que quase pego minha bolsa e uso-a como travesseiro. Não estou mais nervosa. Decidi deixar os oficiais decidirem quem está pronto para uma batalha.
— Então pessoal, aqui termina nosso dia de aulas.— Diz a srta. Garcia — Vocês devem seguir para o auditório agora mesmo, pois a seletiva já vai começar.
Lisa se aproxima de mim, puxando conversa.
— Chegou a hora.
— Não me lembre disso. Nossas vidas podem mudar agora. A propósito, William e Stacy estão namorando, conte isso a Tiffany.
***
Espero na porta do auditório o restante dos alunos, porque não quero ficar na frente do palco. Prefiro pegar o pior dos lugares, bem no fundo, onde ninguém possa me ver e ninguém me pressione a levantar da cadeira só porque meu pai foi corajoso o suficiente para fazer isso cinco vezes.
No palco, o diretor esclarecia coisas que eu não conseguia ouvir direito. Eu estava tão concentrada nos meus pensamentos que o mundo real parecia que havia desaparecido.
Acho você capaz de vencer uma guerra inteira sozinha. Dissera Beth.
Me deixe orgulhoso. Pediu meu pai.
Se arrisque. Eu sempre vi potencial em você. Aconselhou-me Srta. Garcia.
Se esse era o meu destino, havia chegado a hora.
— Você acredita mesmo nisso?!
Eu não havia me dado conta que dois garotos estavam conversando ao meu lado.
— Desculpe, oque o diretor disse? não consegui ouvir.
Um dos garotos dirigiu seu olhar rapidamente para mim, como se tivesse se assustado por eu ter dito uma frase para ele.
Inalcançável.
— Hum... é que não vai ter a seleção normal. Sabe, como fazemos sempre. Vão ser 50 selecionados e outros vão ter que se oferecer para lutar. Algo assim... parece que eles não tem grana.
No tempo que eu tentava processar oque estava acontecendo, 50 pessoas foram selecionadas. Eu não era uma delas. Tiffany estava lá. Crystal, James... Até ele. Eles não acreditaram que eu era capaz.
— Agora, depende da coragem que vocês possuem. Preciso de 50 voluntários, que serão treinados com uma menor intensidade, para a economia. Que venham aqui, no palco, os corajosos voluntários.
Agora meu corpo estava tomado de adrenalina. Eles não achavam que eu era capaz, mas eu precisava mostrar que era. Eu tinha uma oportunidade. Era só eu me oferecer, que já estava dentro da batalha. Se eu me oferecesse, poderia deixar meu pai realmente orgulhoso e provar meu valor, como sempre quis. Mas também poderia fracassar, manchando a honra da família Parker. Comecei a sentir meus batimentos cardíacos na ponta dos dedos, quando me levanto e vou para o palco, ignorando os olhares sobre mim e sem pensar no tamanho da responsabilidade que eu estava deixando cair nas minhas costas ao agir de tal modo. Se eu fracassar, não vou estar mais aqui para ver olhares de decepção. Subo as escadas para o palco, fito centenas de estudantes confusos.
— Eu vou lutar!— exclamei, ouvindo os gritos e aplausos animados para a primeira guerreira a se oferecer na Carolina do Norte.


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