Qual é a cor do amor? escrita por hollandttinson


Capítulo 7
Turista.




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Ninguém falou sobre o corpo da garota, em lugar nenhum. Ela tinha vivido e morrido, e ninguém lembrava dela. Exceto por mim. Não sei se ela gostaria de saber que alguém como eu lembrava dela, mas ainda era a única coisa que ela tinha.

Depois do assassinato, Evan Lawrence pegou o seu carro e voltou á viajar. Estava passando por Berlim quando viu um jornal jogado no chão. Era uma coisa muito velha, tinha a foto de um garoto ali, ele estava todo machucado e era o sobrevivente de um bombardeio. Era Rudy. Evan sorriu divertido para a foto e o jornal.

– Esse garoto deve estar dando graças á Deus por estar vivo, deve ter recebido uma boa grana de indenização quando a guerra acabou. Não sei quem ele é, mas quero ser igual á ele quando crescer.- Ele tinha o costume de falar sozinho, já que não tinha amigos. Ele jogou o jornal pela janela e ultrapassou o sinal vermelho, indo direto para Molching.

Rudy e Liesel estavam ajudando o Max á arrumar o porão quando Hans chegou com a noticia de que tinha conseguido um emprego. Naquela noite, houve uma pequena comemoração, mesmo que o emprego não fosse grande coisa.

Hans já tinha uma meta para esse dinheiro: Ele construiria a sua casa, mesmo que ela fosse idêntica á antiga, talvez pior pelo motivo de não ter tanto dinheiro assim, mas ele construiria. E levaria Max para morar com eles.

– Isso supera os níveis dos ridículo, Max.- Rudy resmungou mais uma vez naquela noite. Ele e Liesel estavam no porão com o judeu, ele estava deitado na cama que o Sr. Steiner montou ali á muito tempo. Tinha decidido que dormiria no porão, não queria ocupar espaço ou incomodar, e estava acostumado ao ambiente pequeno e mal cheiroso. Liesel concordou com a cabeça, revirando os olhos. Max sorriu com doçura.

Se ele soubesse o quanto me alegrava vê-lo assim, aqui. Era como se ele estivesse em casa de novo, mesmo que aquilo não fosse a sua casa, mas era como ele disse: Nós estávamos acostumados com isso. E era maravilhoso ver o brilho diferente no seu olhar, ver que ele não tinha mais medo, a segurança brincada de estatua nos olhos de Max Vandenburg e eu adorava isso.

– Não se preocupem comigo, eu vou estar bem. Apenas me deixem sossegado aqui.- Disse Max, apontando para o lugar. Liesel balançou a cabeça.

– Não é porque você viveu mais da metade da sua vida se escondendo, vivendo assim- Liesel apontou para Max- que deve continuar. Tudo é diferente agora, Max.- Ela se agachou na altura dele, para colocar a mão no seu ombro. Max sorriu novamente, a mesma doçura pairando no ambiente. Quando ele sorria assim, eu esquecia que estava em um lugar ruim, eu praticamente ia até o paraíso, se é que eu poderia.

– Pode apostar: Eu sei disso.- Ele disse, dando de ombros depois.

– Quando papai construir a casa nova, você não ouse ficar num porão.- Ela disse, se levantando e arrumando as roupas. Max concordou com a cabeça.

– Talvez eu durma na sala em um sofá nada confortável.- Ele brincou e quando viu o olhar duro de Liesel, riu.- Tenham uma boa noite.

– Obrigado. Pra você também, Max.- Disse Rudy, sendo o primeiro á subir as escadas para a cozinha. Rosa estava na porta.

– Ele não vai sair?- Perguntou, tentando ser o mais grossa possível, apesar de estar visivelmente preocupada com Max. Rudy fez uma careta.

– Não. Liesel tentou.- Rudy deu de ombros e foi em direção ás escadas que davam aos quartos, parando quando vou Rosa falando com Liesel, e então os dois subiram juntos. Rudy levou ela até o quarto onde os Hubermann estavam hospedados, que era o seu “antigo” quarto.- Boa noite, Saumensch.- Ambos riram á menção do apelido de Liesel.

– Boa noite, Saukerl.- Ela disse, abrindo a porta. Rudy entrou com ela no quarto. Liesel ergueu uma sobrancelha e ele deu de ombros.

– Eu queria conversar com você, a gente não teve muito tempo pra isso nesses dias.- Liesel estava lá á 3 dias.

– Certo. Sobre o que você quer falar?- Perguntou Rudy. Ele se sentou em uma cadeira de madeira que tinha ali e Liesel se sentou na cama, esperando.

– Como foi em Berlim? Você foi feliz? Quero dizer... Você se divertiu? Fez muito amigos...- Rudy ficava hesitando á cada palavra que dava, fazendo Liesel revirar os olhos nas ultimas palavras.

– Pra falar a verdade, eu detestei. Preferia mil vezes ter ficado aqui, mas eu sei que provavelmente teria morrido, então...- Ela deu de ombros.

– Então você não fez amigos?- Ele perguntou, encolhendo os ombros. Liesel sorriu.

– Se você não tivesse tentado desde o começo, eu nunca iria fazer amigos aqui também.- Ela disse, ainda sorrindo. Ele suspirou aliviado.

Não era essa a pergunta que ele queria fazer, é claro. Ele queria saber se ela tinha tido um namorado, se algum dia ela tinha dito “sim” á alguém que não fosse ele. É claro que ninguém precisa ter uma amizade duradoura com alguém para namorá-la ou beijá-la, mas pelo que Rudy conhecia dela, Liesel não era esse tipo de pessoa. Talvez ela tivesse esperado por ele, como Rudy esperou por ela.

– Era só isso?- Ela perguntou, prendendo o cabelo num coque. Rudy sorriu.

Ela estava sempre tão bonita. É claro que ele sempre a achou bonita, desde o momento em que a viu, mas antes ele era criança e cego por não ter visto nada igual. Agora as coisas eram diferentes, ele já tinha visto outras garotas, muito bonitas por sinal. Mas nenhuma se compararia á imagem que ele estava vendo agora.

– Era sim. Nos vemos amanhã.- Ele disse, se levantando e indo em direção á cama. Depositou um beijo na testa de Liesel e saiu do quarto.

Rudy vinha dormindo bem todos os dias, com uma paz de espírito que ele não sentia antes. Mas naquela noite, os seus sonhos foram turvos, como se pressentisse algo de ruim acontecendo em breve. Quando acordou, já passava das dez da manhã. Desceu para a sala e Liesel fez uma careta.

– Pra alguém que dormiu tanto, sua cara está bem mal.- Ela disse, apontando para ele, que deu de ombros. Já imaginava que estivesse com olheiras profundas.- Teve um pesadelo?

– Não, mas não consegui dormir bem.- Ele deu de ombros novamente e ela concordou com a cabeça. Rudy olhou ao redor.

– Onde está todo mundo?- Perguntou.

– Papai foi para o seu primeiro dia de trabalho, seu pai foi para a loja e mamãe foi na feira. Max está lá em baixo.- Ela disse.- Mamãe deixou o seu café da manhã, mas acho que está frio.

– Obrigado.- Ele disse, sorrindo. Ninguém esperava que Rosa fosse fazer isso. Liesel se sentou á mesa com Rudy enquanto ele descobria a comida e começava á comer. Quando percebeu que ela observava cada movimento dele, Rudy ergueu uma sobrancelha. E ela riu.

– Eu não tenho mais nada para fazer.

– Ah, eu tenho certeza que me ver comer é algo muito interessante.- Ele brincou, e ela riu. Max apareceu segurando uns livros na mão, sorriu quando viu os dois.

– Bom dia, Rudy.- Ele disse, se sentando do lado de Liesel.

– Agora são dois.- Ele disse, balançando a cabeça.

– Dois “bom dia”?- Perguntou Liesel, pegando os livros com Max para ler os títulos.

– Duas pessoas me olhando comer.- Disse Rudy, apontando para Max com o queixo, o judeu riu.

– Perdão... Eu achei esses livros lá em baixo, são seus?- Perguntou Max, apontando para os livros na mão de Liesel.

– São. Eu peguei na biblioteca do prefeito quando estava hospedado lá.- Rudy piscou para Liesel quando ela o olhou interessada. Max concordou com a cabeça.

– E você os leu?- Perguntou Max. Rudy fez uma careta.

– Eu ia dar de presente.- Ele disse, dando de ombros.

– Á quem?- Perguntou Liesel, devolvendo os livros á Max. Rudy deu de ombros, levantando com os pratos e levando-os á pia.

– Á você. Faz tanto tempo, tinha me esquecido que eu os tinha. Pode ficar para você se quiser, Max.- Rudy disse.

– Mas não é para a Liesel?- Max perguntou, sorrindo ás costas de Rudy enquanto piscava para Liesel, que revirou os olhos.

– Tenho certeza que vocês vão ler juntos.- Disse Rudy, secando as mãos e se virando para os dois.- E então, o que vamos fazer hoje?

– Eu vou ficar lendo meus novos livros, e quanto á vocês?- Perguntou Max, pegando os livros e colocando-os em uma pilha. Liesel olhou para Rudy que sorriu.

– A gente vai desenrolando no decorrer do dia.- Disse Rudy, já pegando a jaqueta para sair, Liesel subiu correndo para sua própria jaqueta e sair com Rudy, estava ansiosa para ver a cidade, mesmo que já tivesse visto várias vezes. Tudo estava totalmente diferente.

Ela constatou isso quando avistou o rio Amper. Agora passavam carros para todos os lados e era um pouco mais movimentado do que antes. Alguns casais enfrentavam o frio e se sentavam no chão, conversando, se abraçando, se beijando. Algumas crianças corriam e outras molhavam os pés na água fria.

– Se transformou meio que num parque, eu não venho aqui muito, só quando tenho que atravessar.- Disse Rudy, explicando a movimentação. Liesel concordou com a cabeça.

– Ter pessoas novas morando por aqui parece ter trazido um monte de coisas boas.- Ela sorriu. Rudy deu de ombros.

– Não sei, ás vezes eu só queria que as coisas voltassem á ser calmas.- Ele suspirou. Continuaram á andar e viram um prédio, que não existia na época que Liesel morava lá.

– E o que é isso?- Perguntou Liesel.

– É o colegial. Perto da rua Himmel tem a escolinha, que é para os mais novos e tem esse prédio, que é mais para os adolescentes. Vai inaugurar esse ano, sua mãe disse que ia te matricular, lembra?- Rudy relembrou uma conversa. Liesel concordou com a cabeça.

– Não é meio escondido?- Perguntou Liesel, olhando ao redor e percebendo que o prédio ficava ao redor de um tipo de bosque.

Árvores grandes e frutíferas serpenteavam o prédio, as paredes eram de um cinza cimento sujo, não parecia o tipo de lugar que ela gostaria de estudar. Era fechado e parecia uma penitenciária, não tinha mais do que 3 andares e as janelas era de um vidro escuro. Todos pareciam ignorar o lugar ou evitá-lo.

– Não tem muita cara de escola.- Disse Liesel. Rudy deu de ombros.

– É porque não abriu ainda não é? Mas acho que vai ser legal, conhecer pessoas novas, fazer novas amizades. Eu sei que não é muito aconchegante, mas quando que a escola pode ser?- Rudy brincou.

– Certo.- Liesel não queria falar naquele assunto, porque de alguma forma estranha ela sentia que não ia ser uma boa idéia.

E eu juro, não soprei nada no seu ouvido, não lhe dei nenhuma dica, foi apenas uma intuição dela, coisa de garota quase mulher. Afinal, ela estava crescendo não é? Sorri comigo mesma.

Eu realmente quis soprar no ouvido da Liesel, que não seria uma boa idéia ir para a escola, mas de nada adiantaria. Seu encontro com Evan Lawrence aconteceria de qualquer jeito.

Eles continuaram andando até chegarem na casa do prefeito. Liesel ficou analisando a casa, era inevitável não lembrar dos momentos que passou naquela casa, não lembrar dos roubos, dos livros, da mulher do prefeito. Rudy também tinha suas próprias lembranças do lugar, mais tristes do que ele queria.

– Você quer entrar? Acho que ela não vai expulsar você.- Disse Rudy, fazendo uma careta.

Pra ser sincera, Ilsa nunca expulsou Rudy de verdade, afinal ele era a única ligação que ela tinha com Liesel, mesmo depois de saber que ela estava viva. Só que Liesel estar viva e provavelmente voltando á qualquer momento fez com que Ilsa ficasse um pouco mais rude, e nosso garoto não gostou. De qualquer forma, Rudy só fingia guardar rancor, no fundo ele era muito grato.

– Não, eu acho melhor não.- Liesel respondeu rápido e segurando o braço de Rudy para impedi-lo. Uma corrente elétrica correu das pontas dos dedos e Liesel e foi até o ultimo fio de cabelo dos dois, fazendo Rudy sorrir um pouquinho.

– Por mim tudo bem.- Ele disse, dando de ombros e oferecendo o braço para Liesel, ao modo cavalheiro do inicio do século XX. Ela aceitou com um sorriso no rosto.

– Você fez perguntas sobre mim ontem á noite, mas ainda não tive tempo para fazer minhas próprias perguntas.- Ela observou enquanto eles faziam o caminho de volta, planejando parar do “parque” que se transformara o rio Amper. Rudy deu de ombros.

– Não importa, minha vida não foi interessante depois que você se foi, nem sei se posso realmente chamar de vida.- Disse Rudy.

Não é como se ele não tivesse nem um pingo de amor próprio ou coisa do tipo, sério, ele tinha amor próprio, era bem egocêntrico quando queria, mas todo mundo sabe, inclusive eu, Liesel e Rudy, que ninguém vive sozinho e para Rudy, viver sozinho era viver sem Liesel.

– Como foi sua estadia na casa do prefeito? Essa é uma das coisas que você ainda não falou tão abertamente. Foi tão ruim assim?- Liesel perguntou, hesitando o máximo possível.

Á alguns anos atrás, ela não pensaria em fazer qualquer pergunta á Rudy porque sabia que ele responderia, afinal ele a amava não era? Ele sempre dizia isso, ou dava a entender todas as vezes que lhe pedia beijos. Pedidos que nunca mais vieram. Não ainda.

Mas agora Liesel não tinha tanta certeza. A menina que costumava roubar livros agora tinha medo de magoar os sentimentos dele, ou fazê-lo ficar magoado, não sabia ao certo o que esperar daquele garoto que um dia foi o seu único motivo para esperar por um dia como esse.

Rudy deu de ombros, não se importava em falar sobre esse assunto com ela, na verdade, gostaria de falar sobre tudo com ela, até sobre o porquê de o céu ser azul, se o assunto aparecesse. Nunca apareceu.

– No começo eu detestei. Estava sozinho na casa de pessoas que eu não conhecia, e tinha todas aquelas lembranças suas e aquele livro preto que eu carregava para todos os lugares, e tinha todas aquelas pessoas, empregados e tudo mais, olhando para mim com pena, me fazendo lembrar que minha família estava morta e meu pai demoraria á chegar, e eu não queria estar ali, no fundo eu bem queria ter morrido. Mas hoje em dia eu agradeço por estar vivo, isso aqui nunca teria acontecido se eu não tivesse sobrevivido.- Ele apontou para os braços unidos dos dois. Estavam passando pela escola do ensino médio nesse momento, Liesel olhou para a escola assustada, tinha tido a impressão de ter visto alguém atrás das janelas.- O que foi?

– Achei ter visto alguém.- Ela disse, olhando mais uma vez. Não tinha ninguém lá. Pelo menos não alguém que eles pudessem ver. Na verdade, 3 pessoas estavam lá dentro. Nenhuma delas eram amigáveis ou coisa do tipo, mas todas elas serão importantes para a história. Explico o porquê depois.

– Você está ficando paranóica.- Disse Rudy, mas ele procurou por alguém na janela mesmo assim, costumava ver a mesma coisa antes, mas preferia fingir que não era nada. Péssima idéia.

– Continue. Sobre a casa do prefeito.- Disse Liesel, puxando ele para que voltassem á andar. O garoto concordou com a cabeça e voltou a relatar sua estadia, sempre lembrando de falar o quanto sentiu falta de Liesel todos os dias e o quanto a mulher do prefeito foi gentil com ele, sempre se preocupando se o melhor amigo da Liesel Meminger estivesse bem.

– Ela gostava muito de você. Com certeza você marcou aquela mulher de jeito.- Ele deu um sorriso. Pensou em dizer que é claro que ela tinha marcado Ilsa, afinal Liesel era Liesel e qualquer pessoa se encanta por essa garota magricela, inclusive eu.

– Ela meio que me tratava como uma filha, ou algo do tipo. Não pensei que levasse tão á sério, não pensei que fosse tão importante.- Disse Liesel, finalmente se sentindo culpada por não ter batido na porta do prefeito e ter ido ver a mulher dele, ela ficaria feliz e Liesel gostava de ver as pessoas felizes. Mesmo que não tivesse feliz, não foi isso que ela sempre fez?

– Não se preocupe, tenho certeza de que ela vai entender.- Rudy disse sorrindo enquanto se sentava escorado em uma arvore. Devia ser a hora do almoço porque as crianças tinham ido embora, provavelmente as mães o chamaram para almoçar. Os adolescentes não precisavam se preocupar com isso, todo dia era dia de se divertir.

– Amanhã nós podemos ir lá?- Perguntou Liesel, se sentando com Rudy e colocando a cabeça em seu ombro. Rudy ficou espantado no começo, mas decidiu aproveitar o momento.

– Podemos ir hoje se você quiser. Podemos fazer o que você quiser, você é a turista.- Rudy brincou, colocando a mão sobre os ombros dela, que riu.

– Nem tão turista assim. Turistas ficam por um momento, eu vim pra ficar.- Ela disse, ainda sorrindo. Rudy suspirou.

– Não tem noção do quanto eu fico feliz por você não ser só mais uma turista.- Ele disse, olhando para o céu e fechando os olhos enquanto agradecia por aquele momento.

(...)


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Notas finais do capítulo

Demorei?
Estou postando essa fic em outro site também, então se vocês acharem ela por aí, não é plagio.



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