Qual é a cor do amor? escrita por hollandttinson


Capítulo 4
Púlpito.




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/498451/chapter/4

Observei a menina que roubava livros descer do carro. Sua garganta estava seca mas seus olhos estavam úmidos.

Então era ali onde Rudy estava enterrado? Naquele lugar sujo e mal-cuidado? Será que eles não pensaram em arrumar, afinal aquele era o corpo de Jesse Owens, do Jesse Owens dela. Limpou o rosto e passou os dedos pelas pétalas macias das flores que trouxe para o túmulo de cada Steiner e o de Tommy, aquelas pessoas que foram tão importantes na sua vida.

Ela sabia que esse dia iria chegar. O dia em que ela encararia de frente a morte de Rudy e de todas as pessoas que ela deixou. Pensar que Rudy morreu chorando por tê-lo abandonado, ou pior ainda, pensar que Rudy morreu esperando que ela voltasse, fazia seu coração bater com dor. A vida era muito cruel com Liesel.

Quando finalmente concluíram todas as pendências em Berlim, Hans achou que não fazia sentido continuar lá, seu lugar era na rua Himmel, onde sempre foi. Sabia que não tinha mais ninguém para olhar feio para eles, todos tinham morrido. E ele devia isso á Liesel, devia isso á Rudy, eles tinham feito uma promessa ao garoto do cabelo da cor de limões, uma promessa á um morto deve ser cumprida, ele acreditava.

Rosa não estava interessada em saber quantas pessoas tinham morrido ali, ou quantas pessoas estavam sofrendo hoje, a única coisa que lhe restava era a dor no peito por ter perdido os 2 filhos. Hans Júnior nunca voltou, eles nunca souberam ao certo se o rapaz ainda estava vivo, mas a guerra tinha acabado, e ele nunca voltou. Hans Júnior esteve comigo a mais tempo do que eles imaginam. E agora Trudy, a doce e gentil Trudy, uma morte tão trágica. Trágica como a morte de Werner. Liesel e Rosa tinham tanto em comum quanto podiam imaginar.

– Ande logo, Saumensch, quero ir para casa... Ou para o que deveria ser a minha casa.- Disse Rosa, colocando a bolsa sobre o ombro. Sua voz era rude como sempre, mas ela tinha mudado muito. Ainda tinha aquele corpo de guarda roupa, mas seus cabelos não eram mais tão castanhos, fios de cabelos brancos já estavam alojados na raiz, mas o coque ainda estava ali. Seus olhos também eram os mesmo, apesar de não serem nada iguais para mim. Quanto tempo eu estive fora, por quanto tempo me distraí?

– Deixe a garota em paz! Ela precisa desse tempo!- Disse Hans, bravo. Ele e Rosa andaram discutindo muito ultimamente, Rosa não queria vir para cá, principalmente porque sabia que era por causa daquele Saukerl imundo dos Steiner, ele não merecia seu tempo. Apesar de ela saber que ele merecia, que ele merecia muito mais do que o seu tempo.

Hans, meu querido e amado Hans. Continuava o mesmo, igualzinho! Apesar de ter sofrido o diabo pela morte de Trudy, pela noticia do bombardeio e por todas as brigas que teve em todos esses anos, Hans ainda era o mesmo homem de sempre. Ele ainda era o papai de Liesel e ainda tocava acordeão. Seus olhos ainda eram mansos, apesar de ameaçarem tempestade, eu sabia que ela nunca viria. Sua voz ainda era a mesma e seu jeito de se mover também. Aquele era e sempre seria o meu Hans.

Liesel andou á passos curtos pelo chão de grama do cemitério, procurava os nomes das pessoas que ela amava. Encontrou o nome de Tommy primeiro e se ajoelhou sobre o púlpito do pior jogador de futebol que ela já viu na vida! Sorriu ao lembrar de todas as caretas que ele fazia e de como ele era gentil com ela e com todos. Quase deu uma alta gargalhada ao lembrar do medo que ele sentiu depois que ela deu aquela surra naquele garoto na escola. Afinal, ela não era uma Dummkopf. Deixou algumas flores sobre o nome de Tommy e levantou-se novamente. Os Steiner agora.

Alguns passos á frente, ela encontrou o tumulo de Kurt, o mais velho dos Steiner. Segurou seu coração na mão ao constatar que estava cada centímetro mais perto do que devia ser o corpo morto de Rudy, aquilo tudo seria muito engraçado para mim, se não fosse tão trágico. Deixou flores sobre o tumulo de Kurt também, apesar de não ter tido uma grande amizade com ela nem nada do tipo, ainda era o irmão de Rudy, ainda era um Steiner.

Todos os outros túmulos Steiner ficaram repletos de flores, ela fez questão de não esquecer de nenhum. Olhou para os pais, a expressão confusa.

– O que houve, Liesel?- Perguntou Rosa, tentando parecer o mais calma e compreensiva possível. Eu estava ali, parada ao lado do tumulo de Bárbara, sentada ao lado das flores e o cartão que Rudy e Alex escreveram da ultima vez que vieram aqui, e eu sorria para Liesel.

– Tem flores e um cartão no tumulo de Frau Steiner... Quem vivo viria aqui?- Perguntou, confusa. Olhou ao redor.- E não tem o tumulo de Rudy aqui... Será que ele foi enterrado em outro lugar?

– É provável que não tenha tido espaço para enterrá-lo aqui, foram muitos mortos aquele dia, querida.- Hans disse, depois suspirou triste.- E quanto ao tumulo de Bárbara, não sabemos quantos corações ela tocou.- Tocou o meu, quis dizer. Mas fiquei quieta, como sempre.

– E onde enterrariam Rudy?- Liesel estava começando á ficar desesperada. Onde ele estava? Onde estava Jesse Owens? Jesus, Maria e José, ela o tinha perdido de novo! Ela quis chorar e eu quis gritar. Humanos sempre tão tolos, tudo estava estampado na cara de Liesel agora, porque ela não conseguia enxergar?

– Eu não sei, querida.- Hans se aproximou, colocando a mão no ombro dela, sempre tentando apará-la quando ameaçava cair, chorar.

– E Alex Steiner? Será que ele voltou depois da guerra? Se ele voltou e estiver na rua Himmel, podemos perguntar.- Rosa só queria arranjar um motivo para sair daquele cenário de morte. Sair do meu cenário. Não podia nem se quisesse, estou sempre á sua espreita, querida.

– Não! Eu quero ver Rudy!- Liesel segurou com forma o tumulo de Bárbara, como se alguém pudesse tirá-la de lá quando ela chora desse jeito, eu mesma não seria capaz.

Ela ainda chorou por um bom tempo até perceber que Rosa e Hans tinha razão. Enquanto o carro andava pelas ruas de Molching, Liesel só conseguia pensar em Rudy e nos momentos que passou com ele. Ter vindo aqui tinha sido uma péssima idéia, lembrar Rudy não era a melhor opção, doía demais.

– Ah, olhem! Não está tão terrível quanto eu imaginei. Restauraram a maior parte das casas! Não fico surpresa que não tenham restaurado a nossa, olha só quanto lixo!- Rosa reclamou enquanto viu os entulhos no buraco que devia ser a sua casa. Balançou a cabeça e olhou para o céu.

Sua garganta estava fechada em um nó completo, ela quis chorar e eu não a culpei, ela merecia uma boa parcela de lagrimas para limpar a alma. Mas aquela era Rosa Hubermann e ela não choraria, mesmo vendo sua casa, onde passou os piores momentos e alguns muito bons, destruída, apenas poeira e escombros. Pessoas boas escolhem formas ruins de agir, de demonstrar, de sentir. No fundo nós sabemos que Rosa é uma ótima pessoa, nós sabemos.

Liesel não saiu do carro, seus olhos estavam paralisados na casa do lado do buraco. Era idêntica á casa de Rudy, á casa que costumava ser de Rudy. O mesmo tamanho, a mesma fachada, a mesma cor, tudo! A única diferença é que parecia mais limpa e não tinham crianças correndo atrás da janela, na verdade, uma cortina tapava a visão de dentro da casa. Liesel suspirou. Então Alex tinha se trancado para a depressão? O Alex que ela conhecia não faria isso.

– Querida, não vai sair do carro?- Perguntou Hans, se inclinando sobre o carro. Liesel engoliu em seco, mas segurou a mão de Hans quando ele inclinou.- Majestade?- Ele chamou e Liesel conseguiu sorrir um pouco.

– Será que ele está em casa? Parece tudo tão escuro lá dentro.- Liesel sussurrou, mas só porque ela começou á falar muito baixo depois que se mudou para Berlim, o que se tornou um enorme problema.

Ela não se deu bem na escola em Berlim, afinal, lá não tinha um Rudy Steiner para fazê-la acostumar com tudo aquilo, com todas as mudanças. No geral, ela ficava trancada na biblioteca o tempo todo e tentava não falar nunca. As pessoas não se aproximavam e 50% das pessoas caçoavam dela, que não se importava tanto já que aquilo a fazia lembrar de Franz Deutscher. Quem diria que Liesel sentiria falta daquele imbecil? E agora ele estava morto, como todos os outros.

– Talvez esteja na loja, quando passamos por lá, vi que estava aberta. Não parecia movimentada, no entanto. Parece que os Steiner estão condenados á miséria, mesmo.- Disse Rosa, olhando a casa de Alex com desprezo. Eu revirei os olhos, já Liesel abaixou os seus.

– Apenas um Steiner, mamãe.- Ela corrigiu, tão baixo que Rosa não pode ouvir.

– Acho que os judeus voltaram para a rua, parece tudo tão movimentado aqui, não é? Talvez ele tenha perdido algumas clientelas antigas.- Supôs Hans.

– Talvez? Todos eles morreram, papai. Todos eles. Estão todos enterrados naquele cemitério imundo agora! Menos o Rudy.- Liesel falou, alto dessa vez. Porque eles ficavam evitando? Porque eles não diziam logo o que todos sabiam: Eles estavam mortos.

– Bem, vamos descobrir onde está o Rudy então.- Disse Rosa, dando de ombros. Tirou o dinheiro da bolsa e entregou ao homem do carro.- Começando na alfaiataria.

– Me... Me deixem ir sozinha, certo?- Liesel pediu, olhando para os pés. Ela também tinha pego o costume de não olhar ninguém nos olhos, eu fui a ultima.

– Certo. Vamos esperar para ver se alguém chega aqui.- Disse Hans, sorrindo para Liesel. Colocou a mão sobre o seu ombro.- Vai dar tudo certo, querida.

– Certo.- Ela sabia que nada ia dar certo, e a única coisa que eu sabia era que ela não sabia de nada.

Abriu a porta da loja devagar, estava com medo do que ia encontrar lá dentro. Um sino anunciou a sua entrada e Alex a olhou e sorriu.

– Bom dia.- Ela sorriu. Ele não a tinha reconhecido.- Eu sou Alex Steiner. Você está sozinha? Não é uma jornalista, é?

– Não, não. Bom dia.- Ela estendeu a mão para apertar a de Alex. Ele parecia bem demais para alguém que tinha perdido toda a família. Na verdade, saber que ao menos Rudy estava vivo acalmava o coração daquele homem. Sempre soube que nunca me arrependeria de não ter levado Rudy naquele dia, tudo tem um propósito.

– Perdão... Eu não faço roupas para garotas. Você veio alugar algo para o namorado ou o seu pai? Perdão se estou sendo muito intrometido.- Alex sorriu tímido, colocou as mãos para cima em sinal de quem se rende. Liesel negou com a cabeça.

– Não. Eu vim encontrar o senhor.- Ela disse, sorrindo. Ele ergueu uma sobrancelha e a analisou. Não parecia estranha para ele, devia conhecer aqueles olhos castanhos em algum lugar, mas onde?

– Eu a conheço? Se a conheço, desculpa, a memória não é tão boa quando se chega á minha idade.- Ele brincou descontraído. Ela sorriu. Estava sorrindo muito, não se lembrava da ultima vez que isso aconteceu, só sabia que tinha sido á muito tempo.

– Claro que conhece! Sou Liesel Meminger.- Ela ergueu a mão para ele novamente, ansiosa. Alex estava paralisada e eu estava agoniada. Quando ela ia encontrar Rudy? Estou cansada de todo esse impasse.

– Liesel? Liesel Meminger? A Liesel de Rudy?- Foi a vez de Liesel parar de sorrir. Ela desceu a mão, abaixando os olhos para as flores que ainda estavam descansando em suas mãos, tão tristes quanto a mesma.

– Rudy... Eu fui ao cemitério e... Eu sinto muito Alex, não tem noção do quanto eu lamento. Quis vir antes, quis ir ao velório e dizer algo á ele, mas não pude eu... Sinto muito!- Liesel quis chorar, mas sabia que aquilo podia desencadear as lagrimas de Alex, ela não sabia que a ele queria gritar de alegria, sair correndo na rua.

– Todos temos de dizer adeus á alguém algum dia... Jesus, Maria e José! Liesel Meminger!- Alex se aproximou e abraçou a garota, abraçou com força.

Me sentei em uma cadeira de madeira ali do lado e observei aquela imagem: Alex estava feliz, como nunca esteve em tanto tempo. Sua alegria estava irradiando, Liesel não compreendia.

– Herr Steiner? Está tudo bem?- Ela perguntou, quando o viu analisá-la varias vezes, emocionado por finalmente vê-la. Então Rudy tinha razão, ela ia voltar! E Max poderia vê-la depois de anos, e Rudy poderia sair da depressão permanente.

Tudo ia melhorar agora, Liesel estava de volta.

(...)


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Finalmente! Continuo achando que a fic está caminhando pra um lado ruim, não estou escrevendo da forma que eu gosto, da forma que eu quero, mas é isso que a gente tem pra hoje. Até o próximo capítulo, meus amores.