Sun Goes Down escrita por Jojo Almeida


Capítulo 7
Katie, 20:45


Notas iniciais do capítulo

EU CONSEGUI ESCREVER ALGUMA COISA PARA O NYAH. AMÉM.
Caramba, não to nem acreditando nisso.
Mil desculpas pela demora.
Não desistam de mim.
Boa leitura :)
(dedicado para a senhorita Laís Mach pela recomendação lindíssima! Muito obrigada pelas palavras, Laís. Você merecia um capítulo mais legal.)



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Eu me estico um pouco mais, ficando na ponta dos pés e apoiando quase todo meu peso na bancada do fundo perigosamente, mas finalmente alcanço a garrafa de whiskey da prateleira de cima.

“Hey! Gardner!” eu pego os copos e me viro, contendo minha careta de nojo. Travis Stoll está em pé do outro lado do balcão, me encarando. Ele parece, por um segundo, diferente. Como se tivesse acabado de cortar o cabelo, ou passado sua camisa amassada a ferro. Tomando fôlego, pergunta: “O que você está fazendo aí?”

“Eu trabalho aqui.” Respondo, e reviro os olhos. Coloco a garrafa no balcão, e encho os copos de gelo.

“Não.” Travis diz. “Não, não, não. Você não é uma bartender!” ele ri nervosamente. “Você é Katie Gardner. E não tem a menor chance de Katie Gardner ser uma bartender.”

“Eu sou Katie Gardner e Katie Garner é uma bartender há três anos.”

Ele não parece nem um pouco convencido, e para provar isso se recusa a virar de costas e me deixar em paz. Fica lá, em pé, me encarando de um jeito estranho.

“Sai daí, Gardner. Alguém pode perceber que você não trabalha aqui.” Diz, sério.

“Mas eu trabalho aqui.” Repito, revirando os olhos, e faço o que posso para gesticular com as mãos cheias na direção do pequeno logo do centauro na minha camisa. “ ‘tá vendo? Eu tenho um uniforme e tudo.”

“Você não pode ser uma bartender.” Travis explica devagar, como se eu fosse uma criança muito pequena.

“E por que não, Stoll?” eu pergunto também devagar, em deboche. “Eu posso ser o que eu bem quiser.”

“Não, não é isso.” ele balança a cabeça. “É que você tem” faz uma careta perturbadora. “morais e” seu rosto se contorce de novo, provando que uma careta ainda pior era humanamente possível. “valores.”

“E o que diabos isso quer dizer?”

“Quer dizer que você não pode passar a noite em um bar servindo bêbados.”

“O que minhas morais e valores têm a ver com meu trabalho?!”

“Quando você é uma bartender?” Travis ri irônico. “Tudo. Gardner, bartenders com morais e valores não existem! Simples assim!”

Eu pisco meio em choque com tamanha idiotice.

“Isso é preconceituoso, Stoll.”

“Viu!” Ele exclama gesticulando com as mãos na minha direção. “Bartenders não falam esse tipo de coisa.”

“Isso é ainda mais preconceituoso!” Eu me exaspero. “Eu sou uma bartender, eu trabalho no Meio-Sangue, eu tenho morais e valores ou sei lá o quê. Você não pode argumentar com fatos.”

“Mas você é Katie Gardner!” ele exclamou, levantando a voz. “Você não é uma bartender!”

“Caramba Stoll, eu não vou discutir com você o que Katie Gardner é ou deixa de ser!”

Ele abre e fecha a boca duas vezes. Eu respiro fundo, e por um segundo tenho certeza que é só isso. Chega, Stoll. É só se virar, e voltar para a mesa. E pronto. Mas ele continua em pé, do outro lado do balcão. Eu tiro o lacre da garrafa com as mãos tremendo um pouco, e sirvo os copos.

“Então é isso?” ele ri nervosamente. “A garota da aula de economia específica é a bartender do bar pé-sujo a três quarteirões do campus. Katie Gardner é uma bartender.”

“É, Stoll.” Eu resmungou. “Eu, Katie Gardner, sou uma bartender! Supera!”

“Por quê?” Travis pergunta, simplesmente.

Eu congelo. Por quê? Que tipo de pergunta é essa? Não tenho tempo para mentir e não consigo inventar nenhum tipo de resposta bem humorada que mude a direção da conversa. Suspiro. A verdade, vai ter que ser.

“Porque paga bem e não é tão ruim quanto parece. E eu preciso do dinheiro.”

“Mas eu achei...” ele para, e limpa a garganta. “Eu achei que aquela coisa das florzinhas era suficien-”

Travis para de falar e cora fortemente, porque eu lanço o pior dos meus olhares na sua direção. E ele sabe. Ele sabe que passou dos limites. Eu me viro, e entrego os copos de wiskey para os dois sujeitos de corte de cabelo militar que se espremiam entre a pequena multidão do balcão, pedindo desculpas. Alguns tentam chamar minha atenção para fazer pedidos, mas eu apenas ignoro.

“Eu estou ocupada, Stoll.” Falo seca. “Vai querer alguma coisa ou não?”

Travis gagueja, mas acaba pedindo uma cerveja. Eu pego a garrafa e uso o abridor com a maior rapidez possível, praticamente jogando a bebida na sua direção. Ele toma um gole e diz para colocar na conta de Connor. Eu levanto uma sobrancelha para ele, mas ele já se virou e começou a desbravar a multidão em direção a mesa em que os outros estão sentados.

Balanço a cabeça, e me viro para uma das garotas exageradamente maquiadas na extrema esquerda do balcão.

“O que vai ser?” eu pergunto impaciente.

Ela nem precisa abrir a boca – eu sei que é um Bloody Mary.

Eu sirvo os clientes praticamente no modo automático. Não consigo parar de pensar na pergunta de Travis.

Eu menti.

Certo, não muito. Nem totalmente. Eu falei uma verdade – mas não a verdade. A verdade não é que eu trabalho no Meio-Sangue por causa do dinheiro (mesmo que Quíron provavelmente me pague 30% mais do que qualquer outro bar da região pagaria). Eu realmente gosto de trabalhar no bar pé-sujo a três quarteirões do campus.

Não foi sempre assim, claro. Eu costumava odiar aquele lugar, até a última fibra do meu ser. Mas isso foi no começo, muita coisa já mudou.

Eu comecei a trabalhar para Quíron numa terça feira. Eu tinha passado a tarde indo de café a café a restaurante a bistrô a loja de roupas no centro, com um currículo ridículo de uma página e meia em mãos. Eles não tinham vagas. Ninguém tinha vagas. Já eram quase seis da tarde quando eu sentei em uma das mesas no lado de fora de um Starbucks e enterrei a cabeça nos braços em exaustão. Eu já estava tão de saco cheio e irritadiça, que não me incomodei de checar antes se a mesa em que sentei estava vazia.

Quíron não gritou comigo. É isso que as pessoas fazem normalmente, no bairro empresarial de São Francisco, quando uma garota exaurida resolve se jogar na cadeira vazia da sua mesa no café. Mas ele apenas dobrou o jornal calmamente, e tirou os olhos de aro de tartaruga, e assentiu com a cabeça na minha direção.

Acho que Quíron tem um semblante bondoso – com a barba vistosa castanha, os olhos azuis e a cadeira de rodas. Eu provavelmente também estava um pouco abalada de ser recusada por tantos lugares em um dia só. Só sei que bastou esse aceno com a cabeça na minha direção para eu desabar.

“Eu não falo Alemão.” Eu ri exasperada. “Eu escolhi espanhol no ensino médio. Por que faz sentido, né? Essa é a Califórnia. Tem espanhol pra todos os lados. Mas, aparentemente, eu devia ter feito alemão. O gerente desse lugar acabou de me recusar – porque eu não falo alemão! E não é nem a primeira vez que eu escuto isso hoje!”

Eu continuei a falar. E falar. E falar. Caramba, em menos de dez minutos, Quíron já sabia minha história de vida, com direito a um relato detalhado sobre como eu estava comendo apenas cup noodles pelas duas últimas semanas porque a empresa de meu pai ia mal e eu não queria pedir ajuda. Ele fazia alguns comentários às vezes, ao mesmo tempo simpático e crítico, quase parental.

“Eu tenho esse lugar no centro, fica a três quarteirões da saída norte do campus.” Quiron disse, mais ou menos quinze minutos depois que eu me sentei. “Eu estou procurando uma atendente há dias. A vaga é sua, se você quiser.”

Eu abri e fechei a boca em choque pela facilidade que ele me oferecia um emprego.

“Mas você nem viu meu currículo!” argumentei, levantando as duas folhas de papel que segurava para ele ver.

Quíron balançou a cabeça.

“Eu não estou procurando alguém que fale alemão.”

Nós conversamos por mais alguns minutos, e ele anotou o endereço do Meio-Sangue no verso de um guardanapo para mim. Simples assim, eu estava contratada. Fui para casa pensando que, pelo nome, o senhor de barba e óculos tartaruga na cadeira de rodas, perturbadoramente parecido com algum grande filósofo do século vinte que eu não conseguia lembrar o nome, devia ser dono de um café chique ou bistrô transado em que os estudantes de humanas frequentassem nos fins de tarde.

Duas horas mais tarde, comecei meu primeiro turno no Meio-Sangue.

Era um bar. Um bar sujo, de esquina, cheio de estudantes que falavam alto e faziam piadas grosseiras. Do lado de fora, a placa preta com dizeres em laranja bem chamativo indicava o Meio-Sangue. Seria fácil de perder o lugar, caso você não soubesse onde estava indo. Você entrava por portas duplas, e aí descia meio lance de escadas. A decoração era em tons de madeira e verde, como um pub irlandês perdido na costa leste, com fotografias muito antigas ou igualmente recentes coladas nas paredes. A iluminação não era lá grandes coisas, mas a ventilação parecia funcionar bem – nenhum perigo de morrer sufocada naquele ambiente subterrâneo sem janelas.

Eu odiei o lugar. Sempre tive claustrofobia e um pavor quase absoluto do subterrâneo, tanto que não ando de metrô. Além disso, era um bar. Admito, Travis está meio certo sobre minhas morais e meus valores. Os caras me cantavam ofensivamente. Eu não conseguia sequer me virar atrás do balcão sem bater em alguma coisa, uma vez que tudo era construído um palmo mais baixo que o normal em adaptação ao proprietário cadeirante. Os turnos noturnos eram longos e cansativos.

Mas Quíron era gentil. Ele era paciente e bom, e me ensinou a não dar espaço para cantadas, a me respeitar e a me virar no emprego. Eu dizia “só mais uma semana, e aí eu me demito”, mas nunca me demiti. No começo, quando eu estava realmente com medo daquele lugar, Connor e Miranda iam comigo toda noite. Eles se sentavam no balcão, e ele estudava cálculo e ela desenhava croquis das pessoas no bar. Nós riamos e conversávamos quando eu tinha uma pausa, e as noites passavam cada vez mais rápido.

As pessoas também não sabem como é interessante estar no outro lado do balcão. Elas sequer imaginam o tanto que você vê acontecer, que você escuta, que você aprende e que voc~e vivencia. Trabalhar no Meio-Sangue não é só lavar copos e servir cervejas.

Eu arriscaria dizer até que o Meio-Sangue é uma das coisas que mais vou sentir falta – em Nove York, digo.

“Hey! Kay!” Connor chama, quando eu passo pela mesa em que ele, Miranda, Polux e Travis estão sentados tentando equilibrar a bandeja de copos acima da minha cabeça.

“Agora não Conn!” eu digo, no exato instante que um dos copos ultrapassa a borda da bandeja. Travis agarra o copo no ar, por algum milagre.

“Cuidado aí, Gardner.” Ele diz inexpressivo. Eu apoio a bandeja na mesa e pego o copo, tentando reorganizar o que carregava para evitar futuros acidentes.

“Valeu, Stoll” agradeço em voz baixa.

“Sentai aí, Kit-Kat. Por favor.” Miranda pede. “Eu ‘tava contando para Trav e Polux agora mesmo sobre aquela vez na casa de veraneio da minha tia avó que-”

“MIRANDA!” eu interrompo em desespero, e consigo sentir minhas bochechas esquentarem. Por favor, não. Qualquer coisa menos aquela vez casa de veraneio da tia avó dela.

Mi gargalha, jogando a cabeça para trás, e eu sei que ela estava blefando.

“Há-há. Muito engraçado.” Eu ironizo irritadiça.

“O que aconteceu na casa de veraneio da tia avó?” Travis pergunta subitamente interessado.

“Nada.” Me apresso para responder, antes que Miranda sequer consiga abrir a boca. Eu olho feio para ela. “Nada aconteceu na casa de veraneio de ninguém.”

“Ah, qual é, Katie!” Mi choraminga. “Essa história é ótima. Deixa eu contar pra eles!”

“Ninguém vai falar dessa história! Nunca!” em mordo meus lábios. “É a minha última noite, Mi. Nós não vamos falar dessa história na minha última noite.” Apelo, em desespero.

“Tá bom, tá bom.” Ela resmunga, derrotada.

“Você sabe o que aconteceu na casa de veraneio?” Travis sussurra para Connor, um pouco alto demais. Eu olho feio para o Stoll mais novo, e ele engole em seco antes de reponder.

“Nada.” Diz, e eu sorrio. Resposta certa, Conn.

“Espera.” Eu falo, finalmente dando por falta de uma coisa. Ou melhor, alguém. “Cadê a Silena?”

“Ela foi pegar um bebida, já faz uma meia hora.” Polux diz, dando de ombros.

Eu me viro imediatamente, e ando até o balcão sem nem me preocupar de pegar a bandeja de novo. Não é difícil acha-la – é a garota sentada em um dos bancos, com três caras a sua volta em profunda devoção. Ela fala animadamente e mexe com um pauzinho na sua bebida, e eles olham para ela hipnotizados.

“Silena!” eu chamo, brava, me aproximando.

“Katie!” Silena exclama com a voz arrastada, sorrindo muito. É tarde demais. Ela está bêbada.

“Silena, o que você está fazendo?” Eu pergunto, puxando a bebida de suas mãos.

“Nada, Katie! Só conversando com meus amigos.” Ela ri bobamente, tentando alcançar o copo. “Olha, esse” ela gesticula para o cara da esquerda. “é o... o ...”

“Ryan.” Ele completa. Silena olha para ele quase que ofendida, mesmo que obviamente não soubesse o nome dele.

“ Si, não.” Eu resmungo cansada. “Hoje é dia 6, lembra? É minha última noite na cidade! Você disse que não ia fazer isso hoje!”

“Isso o quê?” ela se faz de boba. Eu lhe dou as costas, irritada.

“Quíron!” Chamo, me inclinando em cima do balcão. “A Silena está numa nova dieta. Nada de álcool pra ela o resto da noite.” Quíron assente, concentrado no drinque que prepara com a coqueteira.

Eu atravesso o bar mais uma vez, e ao chegar na mesa me abaixo entre Connor e Polux, passando um braço pelo ombro de cada um deles.

“Escuta aqui, vocês dois.” Digo calmamente. “Eu estou transferindo oficialmente a responsabilidade por Silena para vocês. Por favor, façam isso por mim. Só hoje.”

“Eu não-” Connor começa a dizer, mas Polux dá uma cotovelada nele.

“Claro, Kay. Qualquer coisa.”


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Notas finais do capítulo

ai, que felicidade.
O capitulo nem é dos bons - mas pelo menos é alguma coisa!
O que vocês acharam?
Desculpa de novo pela demora, mas o ensino médio está sugando minha vida (e minha médias nem estão todas acima de 80! argh!). Isso quer dizer que talvez estejamos falando sobre mais demora.
TODAVIA, tem um capitulo de Partners in Disguise por vir em breve!
em novidades nada relacionadas: GENTE ADIVINHA QUEM VOU NO SHOW DO ARCTIC NO RIO EM NOVEMBRO
Beijinhos e deixem reviewsss ;)



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