Pale (interativa) escrita por Harpia


Capítulo 4
Explodindo


Notas iniciais do capítulo

Estão presentes nesse capítulo: Greta, Ian, Rebeca, Jinx, Jadine, Allan e Maisha



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Enquanto Greta Green escapou pela larga janela do sanitário feminino nos fundos do bar e disparou em direção às cabanas, Rebeca e Ian ficaram conversando no balcão e planejando aonde se esconderiam quando saíssem do estabelecimento. Mal imaginavam que sua aliada havia sido mais esperta. Eram três horas da madrugada e o silêncio que ela pensou que pairaria sob a comuna foi drasticamente corrompido pelo murmúrio confuso de pessoas ao redor da fonte, pois estava acontecendo uma celebração de rito de passagem pelo último dia de outono. Muitas pessoas de Pale eram pagãs, então comemorações desse gênero sempre ocorriam. Um homem tocava violão e uma pequena plateia o prestigiava cantarolando atrás de uma longa mesa servida com bolos e pães. Greta conseguiu facilmente se infiltrar entre os convidados e aquietar-se em um dos bancos. Ninguém suspeitou que ela era uma garota que acabara de fugir da prisão.

E nem os dois no bar fechado desconfiaram de sua ausência. Após esvaziarem cinco copos cheios, eles se sentiam mais leves e consequentemente mais dispostos a puxar qualquer assunto. Rebeca estava um pouco mais solta e extrovertida, com um braço apoiado sensualmente no ombro de Ian. Não possuía nenhuma intenção, mas estavam dispostos a admitir que tudo podia rolar.

– Nunca pensei que pudesse encontrar alguém como eu aqui em Pale – ele afirmou contente, de alguma forma sua ousadia tinha sido substituída por gentileza.

Ela segurou sua mão e analisou seus dedos. Suas falanges ainda estavam um pouco inchadas devido ao murro que deu em Allan. Gostou do formato das mão dele; era firme e tinha o dobro do tamanho da sua.

– Posso te contar um segredo meu?

– Claro. Pode não parecer, mas sou bom em guardar segredos – Ian garantiu, mesmo não confiando em si mesmo ao dizer essas palavras.

– Eu tive uma única experiência com homicídio, foi um ato de legítima defesa.

– Gostaria que eu pudesse dizer o mesmo. Já matei pessoas inocentes Rebeca – lamentou, a voz rouca minada de arrependimento.

– Quem você matou?

– Em sete de julho, no primeiro dia em que a lua me amaldiçoou, meu pai e eu nos mudamos para uma base militar em Dallas. No quartel nós brigamos antes do jantar. Eu saí enfurecido e me transformei no meio de uma avenida deserta. Quando vi que um carro ia passar com duas pessoas e eu as ataquei para que elas não pudessem contar a ninguém que alguém da minha espécie realmente existe. Esmaguei o crânio deles com minhas patas e me alimentei de seus intestinos. O pior de tudo é que a filha dessas pessoas estava conosco há minutos atrás e se souber disso vai me matar no mesmo segundo.

– Está falando da Greta? Você está bêbado e não está dizendo coisa com coisa, tenho certeza que você não seria capaz de machucar pessoas indefesas.

– E você matou quem?

Hesitante, Rebeca começou a revelar mais detalhes de seu passado sangrento. – Minha vida foi muito solitária, marcada desde o nascimento pelo abandono da minha mãe e mais tarde em um orfanato pelo desprezo das outras crianças. Eu não conversava com ninguém. Passei a vida inteira sendo tratada como um "lixo" social, maltratada, incompreendida e excluída por todos. Não tenho nenhuma lembrança em que qualquer demonstração de carinho esteja presente. Quando fiz 9 anos fugi, fiquei morando na rua. Passei fome até que mulher me viu sozinha e com pena me levou para sua cas, ela morava com seu marido. Já estava me acostumando na minha nova família, mas quando fiz dez fui abusada pelo marido da mulher, com isso eu me tornei fria. Minha primeira vitima foi o homem que me abusou.

– Eu certamente também mataria esse miserável, não permitiria que alguém te fizesse mal.

– Você não é tão terrível quanto parece.

– Existe um lado meu que se doa para poucos.

Ela encostou os lábios nos dele e o beijou lentamente, apreciando cada segundo. Ian a correspondeu e brincou com sua língua. Pôs as mãos em seu quadril e acariciou sua pele macia por debaixo da blusa. Rebeca subiu no balcão e tirou sua blusa. Puxando-o pela nuca, o beijou num ritmo mais selvagem e de repente ele se afastou com uma expressão preocupada.

– Greta ainda não voltou do banheiro!

~

Restavam poucos do grupo na praça quando a sacerdotisa veio chamá-las.

Jinx e Jadine Becker, é a vez de vocês! – seu semblante era puro cansaço.

Hikaru preferia estar dormindo do que guiando um bando de assassinos até o castelo. As garotas se encararam e sorriram, acompanhando os dois guardas. Jinx tinha um sedoso cabelo azul (quase violeta) e sua postura era sorrateira, embora seu estilo fosse chamativo. Com certeza conseguiria ser muito ágil quando o assunto se tratasse de escapar de uma cena de crime.

– Seu cabelo é muito bonito – Jadine comentou baixo, um sorriso fraco estampando sua expressão simpática.

– Obrigada, vivo mudando a cor dele – sem saber responder à elogios, ela apenas sacudiu os ombros timidamente.

A morena entrelaçou seus braços para caminharem lado á lado em direção ao altar do trono.

– Parece que eu estou nervosa? – sussurrou para Jinx, insegura.

Foi sincera. – Sim.

– Nossa, que horror. É tão óbvio assim?

– É, mas vai ficar tudo bem. Nós não vamos criar uma confusão igual ao Ian fez – brincou.

Ao se sentarem nas cadeiras, aguardaram até que as serviçais terminassem de varrer o chão onde os vasos prateados estavam partidos em desastrosos cacos afiados. Elas se entreolharam, imaginando como a briga deve ter sido violenta. Obel pegou um cálice cheio que jazia numa mesinha ao seu lado para beber seu vinho seco servido no intervalo entre as entrevistas.

– O que aconteceu? – Jadine ousou perguntá-lo.

Um pouco surpreso, o imperador respondeu fitando o próprio reflexo no cálice. – Tivemos alguns problemas, mas eles já foram resolvidos.

– Que tipo de problemas?

– Problemas que não tem importância nenhuma para vocês. Por que não começam logo a entrevista? – brandou grosseiramente.

Jadine engoliu à seco e tentou continuar meiga. – Nós temos o direito de saber sobre o que está acontecendo, precisamos saber se Pale tem um sistema seguro ou se estamos chegando ao fundo do poço.

– Não é óbvio que ocorreu uma briga entre o meu sobrinho e um dos recrutas? Era só isso o que você queria ouvir? – ele franziu o cenho e deu mais um gole na bebida.

– Para onde ele foi levado? – botou as mãos na cintura, impertinente.

– Para a prisão.

– Estão todos comentando lá fora. Vi que a aliada no Ian não voltou para a praça, sinal de que ela também foi presa. Você vai soltá-la depois, não é? Ela não merece estar lá por que não fez nada.

Irreverente, Obel completamente ignorou Jadine. – Eu estou te esperando começar, Jinx.

– Fui encontrada na porta de um orfanato. Ninguém nunca soube meu nome verdadeiro, então eu escolhi meu próprio nome. Sempre vivi fugindo do orfanato onde cresci, nunca gostei de pertencer à um único lugar. Quando fiz dezesseis anos, fugi e não voltei mais. Acabei vindo parar aqui.

O imperador sentiu seu coração disparar e tomou um último gole de vinho. Crianças abandonadas em portas de orfanatos sempre traziam seu passado à tona; as vozes sussurravam em sua mente os erros cometidos e a descendência que lhe foi roubada. Com a mente distante, para não ficar mais constrangido ele fez um sinal para que Jadine falasse.

Mesmo sendo perceptível que Obel ficou muito pensativo para prestar atenção, ela contou sua história. – Sempre tive uma vida pra lá de boa. Sempre tive tudo o que eu quisesse e na hora que quisesse. Basicamente meu mundo era cor de rosa, mas nada dura para sempre, tudo mudou quando tive que sobreviver a um acidente de carro que causou lesões que me deixaram por aproximadamente dois meses em coma. Depois que acordei, vi que o mundo não era realmente como eu estava acostumada. Decidi aproveitar mais os momentos que a vida me proporciona, então saí de viajem pelo mundo na intenção de me redescobrir.

Com a apreensão nítida em seu rosto envelhecido, ele as liberou. – Muito bem, já ouvi demais. Podem ir, boa noite.

Conforme se afastava em direção à saída, Jinx o espiou por cima do ombro. O imperador continuava a seguindo com o olhar que ao invés de demonstrar desprezo, demonstrava um estranho afeto. Ao passarem pelas portas do castelo, a sacerdotisa as entregou a chave da cabana. As duas correram pelas ruas até lá, queriam conhecer sua nova "casa". Ao entrarem, se sentiram menos nervosas. Seus vizinhos eram Anna e Kenshin, da janela da sala era possível vê-lo sentado no sofá, segurando seu tablet e reclamando sobre da falta de conexão de internet. Dominadas pelo sono, elas carregaram suas malas que estavam na entrada para os quartos. Haviam duas camas individuais, o colchão estava forrado com cobertores grossos de cor púrpura. Jinx logo retirou seus pertences e lotou as gavetas de um dos dois armários com suas roupas, depois pegou pôsteres que guardava em outra mala para decorar a parede.

– Se quiser, pode me ajudar – ela sugeriu para Jadine.

Corando, sua aliada pegou um pôster do qual estava escrito "Femme Fatale", grudou fita adesiva atrás e o colocou num canto da parede. – Então você não sabe mesmo de onde veio?

– Não, e isso é uma merda – disse sem demonstrar ressentimento.

– Sinto muito.

Ela não se abateu e teve uma ideia inusitada. – Depois que terminarmos de decorar o quarto, tá a fim de fazer uma coisa louca?

– Que tipo de coisa louca?

Jinx abriu um bolso interno da mochila repleta de buttons e chaveiros para mostrar a Jadine as bombas caseiras que trouxe.

– O que você vai fazer com essas bombas? – a morena indagou como se já não fosse óbvio.

– Que tal explodir a fonte da praça?! – rebateu retoricamente, um sorriso psicopata surgindo em seus belos lábios finos.

– Você é louca. Não podemos destruir um patrimônio da comunidade, há pessoas que costumam rezar por lá.

– Só quero me divertir.

– E se nos mandarem para a prisão?

– Se nos mandarem pra lá, pelo menos faremos companhia para o Ian e a aliada dele. Pare de frescura e vem logo comigo – Jinx a puxou pelo braço, arrastando-a para fora do quarto.

Entre risos reprimidos, elas cortaram caminho pela rua de trás das cabanas e desceram a ladeira até o vilarejo dos cidadãos comuns. Havia um grupo de adultos tocando músicas e cantarolando uma canção festiva e desmotivadora ao redor da fonte. Agachada, Jinx esticou o braço até a estátua e acendeu a bomba com seu isqueiro, implantando-a próxima do buraco onde a água caía. Contando até dez para escutar o estrondo da explosão, elas fugiram abaixadas e se esconderam atrás de barris em um beco. Quando o estouro ecoou por toda a comuna, Jadine ficou convencida de que a encontrariam e as prenderiam. A poeira subiu e foi possível enxergar as pessoas alarmadas se afastando da área. Alguns blocos da fonte estavam espatifados, mas a estátua permanecia intacta; talvez pela intervenção da divindade que eles cultuavam? Tomando o outra lado do beco, Jinx e ela retornaram para as cabanas dos assassinos próximas ao castelo.

– Você foi longe demais agora – ela reclamou, a dando um empurrão.

Jinx riu. – Calma, relaxa, ninguém se feriu.

– Mas poderia. Você foi extremamente irresponsável, vou procurar alguém que queira trocar de aliado amanhã de manhã.

– Você está sendo moralista demais, foi só uma brincadeira.

Elas entraram na cabana e Jadine fechou a cara, coagida.

– Uma brincadeira que colocou a vida deles em risco e a nossa também, não quero ser presa.

– Você veio para Pale para ser uma assassina de aluguel e não quer correr o risco de ser presa? Parece até piada.

– Só estava te dizendo que nos arriscamos botando uma bomba na fonte.

– Vou andar por aí.

– Você sabe que se for passear só vai gerar suspeitas quanto ao atentado, né?

Jinx não se importou. Saiu da cabana, subiu o capus da blusa e caminhou despreocupada por cada rua. A temperatura continuava a cair conforme o dia se aproximava, ao ponto de os pulmões doerem ao inalar o ar gélido. Próxima à ponte do castelo, ela avistou um espectro desconhecido debaixo do poste de iluminação. Allan parecia estar perdido, mas na verdade estava só vagando como um fantasma. Ao redor do olho esquerdo havia um hematoma arroxeado. Encarava os recrutas que restavam e cochichava algo com um dos guardas. Pedia para que restivassem cada um deles. Com certeza a notícia da explosão ainda não havia alcançado essa parte da comuna, pois se tivesse o caos seria inestimável.

Allan era inglês. Mudou-se da Inglaterra para a comuna com seus pais quando ainda era um bebê, por causa disso não possui muitas lembranças de sua terra natal. Seu pai foi morto em sua frente quando ele tinha apenas sete anos. Se tornando uma criança vingativa, ele memorizou o rosto do assassino e desde de então o procura como um caçador atrás de sua presa. Passou maior parte da sua infância em um reformatório, pois seu comportamento era muito agressivo e sádico. Seu maior objetivo era encontrar o homem que matou seu pai e fazer o mesmo com ele, mas de uma maneira lenta. Ás vezes antes de dormir pensava sobre maneiras de torturá-lo por horas. Sua mãe ainda vivia no castelo, sempre afundada em livros na biblioteca da ala oeste e ele a protegia com unhas e dentes.

Um guarda se aproximou de uma garota cujo longos cabelos cacheados eram rosa e tomou sua mochila. Ela o deu um chute na perna e abraçou sua mochila, o impedindo de pegá-la de volta.

– Eu preciso te revistar – ele alertou, empunhando sua arma.

Defensiva, a garota se negou entre dentes. – Não vai me revistar, não há nada na minha mochila que vá causar algum problema!

– Parece não ter tanta certeza quando diz isso – Allan debochou, verificando a prancheta da sacerdotisa. – Senhorita Flowers.

– Vão ter que me matar se quiserem abrir a minha mochila - Maisha Flowers assegurou, abraçando a mochila com mais força.

Erguendo uma sobrancelha, o líder não suportou que ela tenha subestimado sua autoridade, então pegou a arma do guarda e mirou em sua testa. – Não é tão difícil de fazer isso.

Jinx percebeu que era a hora de agir porque ninguém mais a defenderia. Arriscada a levar um tiro, segurou arma de Allan e implorou fitando seus olhos azuis. - Parem com isso, deixem ela em paz!


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Notas finais do capítulo

Espero que gostem, estou bem entusiasmada com essa história jlsdlsdjk