Pale (interativa) escrita por Harpia


Capítulo 3
A prisão


Notas iniciais do capítulo

Estão presentes nesse capítulo: Ian, Greta, Allan e Rebeca.



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Anna e Kenshin saíram se esbarrando da sala do imperador, mas Ian Hart e Greta Green entraram de cabeça erguida. Não se sentiam apreensivos, muito menos inferiores diante da nobreza. Ian tinha um estilo básico. Sua jaqueta estava pendurada num dos braços e ele vestia um jeans preto combinando com uma camisa branca. Dava-se para notar que tinha um corpo bem definido que exavalava masculinidade e agressividade, mas seus bíceps não eram exagerados. Como se não bastasse isso, ele possuía olhos azuis naturalmente penetrantes e às vezes até um pouco assustadores. No momento em que se fitaram seguindo lado à lado no salão principal, ele deu um sorriso cafajeste. Greta se sentiu devorada, mas manteve a expressão séria. Ela vestia uma blusa do Iron Man, calça jeans rasgada nos joelhos e calçava um coturno. No seu decote "V" estava pendurado seus óculos escuros indispensáveis apesar de ser noite, afinal, era tudo uma questão de estilo.

Ao pararem em frente ao altar de ouro, ele a mediu cinicamente de cima à baixo. – Não se preocupe, eu vou estar aqui para te proteger. A propósito, porra, você é muito gata, nós vamos nos divertir bastante dividindo a mesma cabana. Sabe se as camas são individuais?

Greta franziu a testa, mesmo achando seu sotaque escocês delirante. – Agradeço, mas não preciso de proteção, sei me cuidar muito bem. E por favor, pare com essas insinuações, você é muito abusado e eu bato com força.

– Não se faça de difícil, eu sei que você não consegue parar de olhar pra mim afirmou convencidamente.

– De todos os recrutas eu tive mesmo que ser selecionada para ser aliada de um prepotente como você! – ela reclamou incrédula.

– Você acha isso de mim agora, mas sabe... As coisas podem mudar. Meu nome é Ian, e o seu?

– Greta. E isso é tudo o que você precisa saber sobre mim por enquanto.

Caindo em si de que estavam diante de Obel, eles se curvaram elegantemente e ao se sentarem nas duas cadeiras disponíveis Ian tentou medir os seios de Greta, mas ela estava sempre vigiando e impedindo-o de analisar demais seu corpo, afinal, era desrespeitoso. O imperador apontou para a garota. Por ser uma pessoa sincera e direta, ela diria tudo o que precisasse ser dito sem temor. Outros traços de sua personalidade era que apesar de ser egoísta, e péssima em dar conselhos, não deixava de ser uma ótima amiga, assim sempre que alguém necessitasse de ajuda ela seria voluntária, mas estava revendo seus conceitos em relação à Ian, não seria tão boazinha com ele, conhecia rapazes do tipo dele e geralmente jamais eram dignos de confiança.

– Fui criada pelos meus avós maternos desde os cincos anos. Meus pais morreram enquanto voltavam pra casa de um jantar entre empresários da multinacional que trabalhavam ela sentiu um aperto na garganta, seu inconsciente a lembrava do passado enquanto tentava impedir as lágrimas de caírem. – Ainda é um caso aberto, os policiais ainda não descobriram o que os atacou naquela terrível noite.

Ela cresceu na simplicidade e sem carinhos, então tornou-se amargurada; não sabia receber afeto, tanto que reprimo e repudio quando alguém que se aproxima de mim para tal ato. Ian tentou reprimir uma careta de aflição, mas não conseguiu. O imperador percebeu seu desconforto em relação à morte ou possível assassinato dos pais de Greta, mas não fez nenhum comentário.

A garota prosseguiu e empunhou sua adaga preta de porte médio, decidindo não falar sobre suas fraquezas. – Sou praticante de Kung Fu e Jiu-Jitsu. Utilizo essa adaga e sempre a carrego no coturno do pé direito, também possuo duas pistolas Glock. Garanto que sou uma criminosa bem difícil de ser apanhada.

– Depois de mim – seu aliado debochou.

Ela resolveu subestimá-lo, sentindo-se ofendida. – Você não deve ser tão rápido no gatilho quanto eu, é uma dádiva que poucos têm.

– Adoro mulheres competitivas.

Obel pigarreou para chamá-los a atenção. – Gostaria de ouvir sobre você, sr. Hart.

– Sou filho único de um militar, logo cresci em bases militares e mudava de países diversas vezes, odiava isso, nunca tive tempo para criar amizades e sempre aprendia novas línguas para me adaptar, mas apesar disso procurei me enturmar e aproveitar minhas viagens da melhor maneira possível. Em algumas circunstâncias sempre arrumava confusões para o desespero do meu pai. Aos 18 tive uma briga intensa com ele, pois eu queria usar meus poderes de lobisomem para ganhar dinheiro, nós estávamos ficando pobres, daí ele achou que podia mandar em mim e eu não concordei com esse dilema, então fui embora de casa para ser o que eu quisesse.

– Então quer dizer que além de tudo vou ser obrigada a dividir o dormitório com um lobo descontrolado? – queixou-se.

– Não sou descontrolado. Minhas transformações costumavam ser dolorosas, pois meus ossos não tinham se acostumado com a mudança brusca se apertavam, mas hoje em dia superei ele explicou da maneira mais paciente que pôde.

– Pode prosseguir, Ian – o imperador tornou a exigir.

Brincalhona, ela meneou a cabeça e enrolou um mecha do comprido cabelo no dedo. De repente um estrondo nas portas do castelo fez com que suas atenções fossem voltadas para trás onde Allan Williams, um dos líderes do Império, entrou sem ser convidado, trazendo um vento gélido consigo.

– Detesto interromper essa entrevista... – lamentou com sua expressão negando a afirmação, mas Allan logo fez questão de deixar claro que não dava a mínima. – Percebam que estou falando como se ela fosse realmente relevante.

– Para mim não há nada que seja irrelevante, principalmente quando se trata do trabalho que os meus assassinos vão executar – sacudindo a perna cruzada, Obel tentou oprimi-lo.

Com as mãos nos bolsos da jaqueta de couro, o líder se aproximou de qualquer jeito. – Preciso de um minuto de sua atenção, tio. É muito importante.

Mesmo ciente de que o assunto de seu sobrinho Allan era de extrema urgência o imperador manteve a inexpressividade carrancuda de sempre em seu rosto velho. – O que você quer?

– Eu vim lhe comunicar de que tenho uma possível testemunha da morte do meu pai que pode nos ajudar a encontrar um culpado, tenho a impressão de que...

Com um riso abafado, Ian cortou sua conversa. – Não poderia ter vindo comunicar depois que terminássemos de falar?

Greta o deu uma inócua cotovelada na costela para que ele se calasse e não desrespeitasse o líder.

– Não Greta, eu estou certo. Não é justo que um imbecil desses venha nos interromper sem sequer pedir licença – sua fachada amigável se desfez, dando lugar à uma fúria eminente;

E resfolegando, Ian se levantou. Não é à toa que dizem que lobisomens têm o pavio curto!

De braços cruzados, Allan ficou cara a cara com seu possível oponente. – Vejam só a que nível descemos. Parece que agora qualquer um pode entrar em Pale, isso é totalmente ultrajante, eu exijo respeito. Não quero que uns imundos como vocês me dirijam a palavra.

– Não respeito ninguém – Sr. Hart cuspiu em seus sapatos de cordovão.

No limite, o líder o empurrou no peito. – Se ponha em seu lugar, você está aqui para me servir e não para dar sua opinião. Caso não seja o suficiente para você, a porta da rua é a serventia da casa.

Vendo que era a hora de agir (já que o imperador não seria nada além de um expectador dessa intriga) Greta separou-os e puxou Ian pela manga da blusa para convencê-lo de aquietar-se e continuar a entrevista. – Deixa isso pra lá, discutir não vai nos levar a lugar nenhum e você sabe disso.

Dando as costas, ele tentou seguir o conselho de sua aliada e ignorar Allan. Não suportava pessoas que invadiam o espaço das outras como se fossem superiores.

Inconveniente, o líder continuou a bombardear. – Soube que você é um licantropo, vou esperar até a próxima lua cheia para arrancar o seu pelo nojento e usar como tapete da frente do castelo para sempre poder pisar em você.

Num átimo, Ian fechou uma mão em punho, virou-se e o golpeou no queixo. Allan cambaleou com a boca ensanguentada e bateu as costas no balcão enfeitados por vasos de prata que caíram e se partiram em mil pedaços no chão. Chocada e ao mesmo tempo admirada com a atitude anarquista de seu aliado, Greta quis usar sua adaga na hora em que os guardas entraram na sala e os arrastaram para fora do castelo ás ordens de Obel "Levem-os para a prisão!". Não houve tempo para escapar, e do que adiantaria?!

– Isso não acabou aqui – ainda caído, Allan o ameaçou antes que eles se dissipassem pelas portas do castelo.

E foi essa tal confusão que Anna e Kenshin testemunharam da janela de sua cabana. Greta gritava e se debatia para que um dos guardas encapuzados não apertasse seu braço com tanta brutalidade, mas sairia impune. Havia uma arma apontada para a cabeça de Ian e mesmo assim ele tentava lutar contra as autoridades. No centro da comuna eles foram levados algemados à uma entrada subterrânea próxima a fonte da praça. No subsolo haviam dezenas de celas, poucas estavam ocupadas. Era um lugar úmido e claustrofóbico, o cheiro de ferrugem das grades predominava na atmosfera tanto quanto a escuridão, já que não haviam vitros e nem ventilação. Geralmente os que eram presos em Pale eram apenas ladrões e cidadãos que se rebelavam contra a administração, os crimes mais graves acarretavam punições como esquartejamento em praça pública. Apesar de tantos horrores, as ruas de Pale eram harmoniosas, as crianças brincavam à vontade no Verão e saiam para os campos na época da colheita. Por mais incrível que pareça, os outros cidadãos que não eram assassinos e desconheciam sobre o trabalho sujo do Imperador não se importavam com o sangue dos desordeiros jorrado nas calçadas.

A primeira a ser jogada na cela foi Greta, que levou uma joelhada nas costas e gemeu, o que fez os guardas rirem. Esfregando os braços para se aquecer, ela se encolheu ao canto e tateou as paredes até encontrar a cama de pedra onde poderia se sentar. Ao trancarem a grade, eles os abandonaram à mercê do frio e fome até o dia em que Allan ou Obel decidisse libertá-los. Com a expressão mais cínica do mundo, Ian encostou-se à parede e acendeu um cigarro com seu isqueiro cromado que reluziu ao invocar da chama.

– Quer um trago?

– Não desgraçado! Estamos presos nessa imundice por sua culpa! - sua vontade era de socá-lo, talvez com mais potência do que o soco que ele deu no líder. Queria afundar sua cabeça na parede, mas não teria coragem de destruir alguém que poderia oferecê-la certos benefícios.

– Se quiser, pode usar meu colo como travesseiro – ele sugeriu impertinente, soltando a fumaça.

– Nem morta! – Greta desistiu de ficar na cama de pedra e decidiu desperdiçar seu tempo andando em círculos.

Lá fora a meia-lua se perdia no céu estrelado e sem nuvens que assumira um profundo tom de púrpura que se fundia ao laranja sem pedir permissão.

Cansado de ver seus movimentos repetitivos, resolveu tomar uma atitude. – Olha, se não quiser mais usar essa cama aí, eu vou me deitar. Meus ossos são fortes o bastante para aguentar.

Ao vê-lo se deitar com uma serenidade impactante sentiu um imenso desprezo. – Como consegue dormir numa situação dessas? Você tem noção de que bateu no líder do clã dos assassinos não é? Não sente nem um pingo de culpa por ter me prendido junto à você? Eu não mereço ficar nessa cela imunda.

– Não estou dormindo. Estou pensando em como sairemos daqui – respondeu sem delongas, as mãos na nuca.

Desdenhosa, ela arqueou as sobrancelhas. – Então você pensa. Impressionante.

– Sabe, foi convincente sua falsa história sobre a morte de seus pais. Pensou que o imperador fosse te dar cortesias por isso?! – jogou a bituca do cigarro fora.

A garota ficou cabisbaixa, as feridas internas ainda abertas demais para ela poder se defender. – Como você ousa dizer uma coisa dessas? Eu não mentiria sobre a tragédia que aconteceu comigo.

Notando o aborrecimento através de seu frisante tom de voz ele resolveu se desculpar. Há meses não se desculpava com alguém, porém sentia-se estranho em relação à Greta. Talvez fosse o jeito como ela brincava com o cabelo ou como ela nunca cedia, previa que seria uma longa jornada ao seu lado.

– Sinto muito por tê-los perdido tão cedo.

– Você diz isso, mas não sente saudade de seu pai ou sequer pensa se ele não está por aí te procurando por todos os cantos.

– Ele foi cruel comigo durante um bom tempo, acho justo.

– Quando suas transformações começaram?

– Há uns cinco anos, eu acho.

– Deve ser terrível ser um lobisomem. Depois que você se transforma, não obedece mais ao seu lado racional.

– Como você poderia saber?!

Sem darem a honra de se comunicarem, eles silenciaram-se por cinco minutos, escutando a respiração um do outro. Os dentes da garota batiam de frio. Um ruído incomum de pedras se partindo ao meio reavivou o estado de alerta de cada um.

Enfim, Greta quebrou o gelo. – Ainda está acordado?

– Sim, você também ouviu esse barulho?

Um alçapão se abriu no teto e desse buraco surgiu uma face.

Rebeca Evans enrugou os olhos para distingui-los. – Vocês querem subir?

– Quem é você e o que está fazendo aí em cima? – ele perguntou erguendo a cabeça.

– Em Pale há um bar chamado 'Druken and locked up' por uma razão – deu um riso encantador e estendeu o braço. – Querem algo para beber?

Greta agarrou firmemente a mão de Rebeca e escalou para subir. A saída do alçapão era de fato em um bar. O estabelecimento estava fechado, mas haviam dois garçons limpando as mesas. Ian conseguiu escalar sozinho com um salto habilidoso.

– Sou Rebeca Evans – ela se apresentou, guiando-os entre as mesas até o balcão para encher copos com cerveja.

Por ser algo comum em Pale, os garçons não se importavam com a presença dos três jovens mesmo sabendo que dois haviam surgido da prisão.

– Não te vimos com o resto do grupo na portaria Greta ressaltou.

Tomando um gole da cerveja que despejou da máquina no copo, ela contou orgulhosamente. – Eu cheguei atrasada e pulei os muros, meu nome não estava na lista e não consegui me infiltrar.

Enchendo seu copo, Ian a questionou. – Isso não é ilegal?

– Por que acha que estou escondida? Esses homens estão me ajudando ela – apontou para os garçons, mas eles já tinham ido embora pela porta dos fundos do estabelecimento.

– Obrigado. Acho que essa é a nossa despedida – ele alertou, puxando Greta pelo pulso em direção ao alçapão.

Rebeca elevou a voz. – Vocês também precisam me ajudar. Tirei vocês da prisão, estão me devendo um favor.

Ele a encarou sério, sendo honesto. – Não gosto de dever favores porque eu não os cumpro.

– Isso não é justo – ela fez um beicinho.

– Pale não é justa.

– É claro que é, ainda não conheci lugar mais perfeito para alguém cuja crueldade não cabe no mundo lá fora. Viajei até aqui assim que vi um panfleto sobre essa comuna – apesar de suas feições meigas, ela parecia ter certeza do que queria.

– Se você veio para cá em busca de um lar acolhedor, veio para o lugar errado. Não há trégua entre homens e assassinos. Eles vão te matar e te comer crua.

– Vou comê-los primeiro e mastigar seus ossos. Ninguém se mete com uma loba.

– Você também se transforma ao luar? – Ian foi pego de surpresa.

– Em certos casos, ser um licantropo é uma vantagem – ela afirmou confiante, passando um dedo sob a borda do copo.

Um dos lados de sua boca se elevaram, ele se armou com um sorriso cafajeste. Greta foi preenchida por ciúmes, como se uma nuvem negra houvesse a envolvido em um manto. Tinha a impressão de que Ian acharia Rebeca mais interessante do que ela.

Enquanto isso, no castelo Jinx e Jadine Becker seriam as próximas.


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Notas finais do capítulo

Recomendo que acompanhem todos os capítulos para não se perderem na história :) nos próximos capítulos vcs vão saber mais sobre o Allan e a Rebeca.