Solitude escrita por Tsuki Lieurance Eriun


Capítulo 1
I - Winter




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/496873/chapter/1

-Sabe...acho que merecemos umas férias.

O rapaz teve que rir com aquele comentário. A garota estava ao seu lado, deitada na grama de uma das clareiras de treinamento da Cidadela. Nathan voltou seu rosto para ela, e logo se deu conta de que Samantha não parecia estar brincando. Seus olhos esmeraldinos fitavam o céu, e sua expressão lhe indicava que realmente estava levando em consideração aquela opção.

-Não se tira férias de uma guerra, Sammy. - argumentou ele, não sem certo pesar em sua voz

-Você falou igualzinho ao papai. - comentou Samantha – Até no mesmo tom. E não sei se isso é algo bom.

-Por que não seria? - questionou Nathan

A garota já estava sentada antes de responder.

-Porque ele pode ser muito pessimista às vezes. Tipo como você foi agora.

-Realista é uma palavra mais adequada.

-Não, não é. - insistiu ela, colocando-se de pé antes mesmo de terminar a fala – Sei que existem cidades que ainda não foram alcançadas por batalhas. Cidades que estão vivendo sua rotina normal, sem treinamentos ou tensão. E vou achar uma assim hoje!

A garota levou a mão ao pingente de seu cordão, que permitia contato com um dragão. Sussurrou as palavras mágicas necessárias, e, em poucos segundos, Ryan pousou na sua frente, provocando uma breve ventania que esvoaçou os curtos cabelos ruivo-acastanhados da garota. O dragão era quase da altura das árvores que os cercavam, e suas escamas eram de um tom claro de azul, entremeadas com algumas de um belo tom escuro.

-Algum problema? - perguntou ele, sempre cauteloso

-Não, não. Só quero dar uma volta por aí mesmo. - sorriu, voltando-se para o garoto em seguida – E você, vem também?

-Dispenso. Estou bem onde estou.

-Ah, por favor, Natani! - contestou ela – Se parar para pensar, você até merece mais essas férias do que eu.

Nathan sorriu ao ouvir aquilo, mas foi um sorriso amargo. Pelo contrário. Se havia alguém que não merecia sensações como paz e alegria – que, no final das contas, era o que se buscava nas férias –, esse alguém definitivamente era ele. Portanto, se limitou a menear a cabeça, em seguida se levantando para desejar-lhe boa viagem. Porém, antes que falasse, ela foi mais rápida.

-E se eu achar um lugar em paz, mas logo depois ele for invadido? - argumentou ela – Ryan pode estar distante e eu precisando de ajuda...

De fato, Samantha tinha usado um bom argumento. Não suportaria saber que algo acontecera a ela simplesmente porque deixou-a sozinha.

-Desde quando você se tornou essa chantagista vil? - indagou

Foi a vez dela rir com o comentário do amigo.

-É para o seu bem, você vai ver. - disse a ruiva, logo adicionando em tom de brincadeira – Céus, eu que pareci minha mãe agora.

-Com a diferença de que ela nunca faria o que você acabou de fazer. - apontou Nathan

A garota riu novamente, já montada em seu dragão. O rapaz acabou dando o braço a torcer, vendo que não tinha saída. Ao menos, acompanhando-a, ele poderia zelar por sua segurança.

-Pior é que estou com a nítida sensação de que vamos nos meter em encrenca. - comentou

-Ah, pare de bancar o irmão chato. - resmungou Samantha – Nós só vamos sumir um pouco. Um dia fora, em uma cidade em paz. Nada a temer, certo?

Nathan se limitou a deixar um suspiro escapar. Algo dentro de si lhe dizia que não seria tão simples, mas decidiu não falar nada. Nada a faria desistir da ideia, afinal. Em poucos instantes, o trio já havia alcançado as nuvens do calmo céu daquela manhã.

A areia sob seus péspraticamente anulava o som de seus passos. A garota era apaixonada por praias por ter sido criada em uma cidade litorânea, então ela nem hesitara ao escolher onde Ryan pousaria. Não só isso, também achara a cidade bem bonita mesmo ao longe, e até mesmo aconchegante. Casas simples eram vistas ao redor de um castelo – provavelmente um dos locais em que se mantinha a política de reinado –, e ao longe podia ser visto singelas montanhas – quase como se quisessem proteger os moradores.

O estranho era que não vira quase ninguém até agora, salvo um grupo de crianças que brincavam alguns metros a frente. Não estava um dia muito quente, mas era uma tarde tipicamente ensolarada, que dava um clima perfeito para ir para praia.

-Estranho a praia estar tão vazia... - ela pensou em voz alta

-Deve ter algum evento importante. - comentou Nathan – Lembra dos navios que vimos aportados no cais na outra parte da cidade?

-Pode ser... - assentiu ela – Será que é algo para toda a população?

-Por que a pergunta? Pensando em entrar de penetra?

-Exatamente. - afirmou a primeira, sorrindo

O rapaz revirou os olhos.

-Você está passando muito tempo com o Allan.

-Nós crescemos juntos, lembra? - riu a ruiva – E, se teve algo que ele me ensinou, foi a sempre procurar o que te faça feliz.

A garota ainda ia dizer mais alguma coisa, mas foi interrompida por um grito a distância9. Uma mulher se aproximava da praia, indo me direção ao grupo de crianças que construía um castelo de areia.

-Crianças! Vocês não deveriam estar em casa, se arrumando? A coroação será daqui a pouco!

Uma menina ainda tentou argumentar, mas a adulta estava irredutível, e logo o pequeno grupo se levantou, ainda que a contragosto. Samantha não perdeu a chance de conseguir informações, e aproximou-se da mais velha.

-Com licença. - pediu, da maneira mais educada possível – Não somos da cidade e estamos um pouco perdidos...

-Ah, com certeza visitantes atraídos pela grande festa da coroação!

-Sim, sim! Onde será?

-No castelo, claro! - informou a mulher, sorrindo – Há mais de uma década as portas estiveram fechadas, mas hoje todos poderemos ver a coroação da Rainha Elsa, e até mesmo terá um baile lá! Agora, tenho que levar essas crianças de volta para seus pais, se não não conseguiremos chegar a tempo.

-Ah, claro. Obrigada pelas informações, nos vemos lá!

A mais velha lhe acenou em despedida, ao que Samantha voltou para onde estava. E seu amigo não pode deixar de perceber o quanto seus olhos brilhavam.

-Demos sorte! Chegamos bem em dia de festa! Não tem férias melhores que essa!

-Desculpe te desapontar, mas acho que não estamos vestidos para um evento tão formal quanto uma coroação. - argumentou Nathan, apontando para suas roupas casuais

A ruiva revirou os olhos, deixando um suspiro escapar. Às vezes, ele parecia se esquecer do mundo mágico em que viviam. Sussurrando algumas palavras, ambos logo estavam com uma roupa formal. Ela agora usava um longo e leve vestido azul-claro, o oposto do tom escuro da roupa formal de Nathan. Sem mais argumentos, ele se limitou a acompanhar a mais nova, que já seguia de maneira animada em direção à rua.

Elsa, a mais nova rainha de Arendelle, era poucos anos mais velha que eles. Era muito bonita, de rosto delicado e expressão ponderada. Seus olhos eram azul-claros, e seu cabelo branco estava cuidadosamente penteado em uma trança presa como coque. Pelo que ouviram, seus pais morreram há três anos, mas ela ainda não podia assumir o trono por causa da menor idade. E o dia da coroação era um marco importante não só por isso: Como a mulher falara, fazia anos que os portões do castelo não se abriam. Nem mesmo sabiam como Elsa era, ou Anna, sua irmã mais nova, tampouco sabiam o porquê. Era um mistério que permeava aquele lugar, e alguns até mesmo desejavam descobrir.

Para Samantha, porém, bastava estar ali. Admirara o coral que cantara em línguas antigas na capela onde foi realizada a cerimônia formal de coroação, e pegou-se pensando como agiria no lugar da jovem rainha ao perceber como ela estava nervosa – até mesmo prendendo a respiração – ao que passou por esse ritual. Em seguida a esse pensamento, de maneira imperceptível, meneou a cabeça, sabendo que ainda demoraria para que a tutela de Esperança passasse para suas mãos. Naquele momento, já estava no baile, deliciando-se com os diversos doces de chocolate dispostos em uma mesa. Até mesmo Nathan parecia aproveitar a festa, apesar de continuar em seu jeito arredio e introspectivo.

-Você realmente não gosta de sair, né? - indagou a mais nova

-Não é por isso. - ele deixou um leve suspiro escapar antes de completar, ainda que meio em dúvida de como expressar o que sentia – É só que... Não sou acostumado a festas.

-Como alguém pode não ser acostumado a festas? - questionou ela

-Crescendo sem uma. - respondeu, simplesmente – Sou uma criança de orfanato. Não temos direito a algo assim.

A garota engoliu em seco. Ele realmente tivera uma vida conturbada, e era melhor deixá-la intocada, pois reviver aquilo só o machucava mais. Buscando uma maneira rápida de trocar de assunto, ela falou a primeira ideia que lhe passou pela mente.

-Quer dançar?

-Eu não sei dançar. - respondeu o rapaz, meramente encabulado

-Um ótimo motivo para aceitar meu convite. - argumentou – Você vai ter que aprender de qualquer maneira.

-E por que eu teria que aprender? - questionou ele, sem entender o que ela dissera

-Em todo final de guerra, há um baile. - explanou Samantha – É uma tradição na Cidadela. E você com certeza vai estar lá...

-Claro, porque faz bem o meu estilo...

-Você pode ir por si mesmo ou eu posso te arrastar. A escolha é sua.

O moreno não aguentou segurar uma risada ao ouvir como ela falara aquilo em tom tão casual. Melhores amigos podiam ser um problema às vezes – mas, por mais que não parecesse, sabiam como ser um problema agradável.

-Tudo bem, eu posso até ir. - foi obrigado a concordar – Mas você não pode me obrigar a dançar.

-Quem disse que serei eu a fazer isso? - indagou ela, com um sorriso malicioso – Duvido que você resista a um pedido daquele olhar heterocromático.

Nathan automaticamente sentiu seu rosto esquentar, como sempre acontecia quando falavam sobre a garota por quem era apaixonado.

-Você sempre argumenta tão bem ou é só quando está decidida a me perturbar mesmo? - perguntou ele, em tom de provocação

-Bem, eu tenho que me esforçar um pouquinho mais quando se trata do meu irmãozinho tímido. - a ruiva lhe direcionou uma piscada

-Irmãozinho? - questionou, destacando a parte diminutiva – Sou mais velho e mais alto que você.

-Não precisava me lembrar disso. - choramingou ela, detestanto como nunca conseguia ser a mais alta do grupo, mesmo não sendo baixinha

Ele riu novamente, mas, antes que ela pudesse retomar a fala, sua conversa foi subitamente interrompida. Por estarem próximos de onde Elsa estava, eles ouviram seu diálogo agitado com a irmã, que estava acompanhada de um rapaz. Pelo tom da conversa, a rainha não aprovava a presença dele no local. Os convidados próximos também pararam suas danças e conversas, e a tensão crescia visivelmente no local. E, antes que pudessem descobrir por que dessa sensação estar lá, Elsa se pronunciou a um guarda real.

-A festa acabou. Feche os portões.

Anna, inconformada, logo correu atrás da mais velha, pedindo para que ela repensasse na ordem. E, ao tentar chamar sua atenção, segurou em seu pulso, retirando uma das luvas que ela usava sem querer. Ela não reagiu bem a isso, pedindo-a de volta, ao que a irmã continuou a pedir sua atenção. Elsa murmurou algo em resposta, e começou a se retirar do salão, nitidamente abatida.

-O que eu fiz para você? - questionou a mais nova, em tom alto o bastante para atrair a atenção de convidados ao redor

-Basta, Anna. - repreendeu Elsa, abraçada ao próprio corpo, sem parar de andar

-Não, me responda! - insistiu – Por que você se fecha para o mundo? Do que você tem tanto medo?

-Eu disse BASTA!

Ao responder, Elsa voltou-se para ela, e inconscientemente movimentou a mão para dar enfase no que dizia. Porém, isso entregou seu segredo. A sua frente, uma barreira maciça de espinhos de gelo foi formada pelo gesto. Um múrmurio de surpresa coletivo foi ouvido, e ainda um ou outro sussurro de algo como “bruxa” ou “feitiçaria”. Nathan e Samantha automaticamente se entreolharam, a surpresa presente em seus rostos. E, quando voltaram a atenção à rainha, perceberam que ela já tinha saído do local.

-Pelas Deusas... - murmurou a garota – Nunca pensei que fosse encontrar alguém assim...

-Assim como? - indagou ele, estranhando a maneira como ela dissera aquela palavra

-Um caso especial de Feiticeira. - explanou, em um tom de voz baixo – Como você sabe, Magos usam um cetro para concentrar energia, orientar a magia... Mas, em raras ocasiões, nasce alguém dessa classe que não usa uma arma, nem sequer consegue invocá-la. A magia até mesmo desperta antes da idade comum disso acontecer e não chega a ser um elemento completo. Digo, o elemento dela não é Água, é gelo. Somente gelo.

-Acho que isso explica porque os portões do castelo ficaram fechados, no final das contas... - comentou Nathan, vendo Anna finalmente sair do estado de choque e ir atrás da irmã, seguida por mais algumas pessoas – Mas por que não percebemos que ela é uma Feiticeira?

-Isso não tem a ver com seu tipo de magia. - respondeu, sabendo que ele se referia ao fato de ambos conseguirem “ler” a energia e diferenciar pessoas que tivessem desertado a magia das que não tinham – Acho que deve ser porque ela não usa seu poder. Dá para perceber que ela o reprimiu o máximo que conseguiu. - por um momento, Samantha fechou os olhos, concentrada – Agora que ela está o usando, consigo sentir essa vibração perfeitamente...

O rapaz sentiu um arrepio percorrer seu corpo quando ele também analisou as energias do ambiente. Sua percepção lhe advertira da presença de algo mais nas redondezas.

-Você não foi a única. - ao terminar de falar, também seguiu na direção da saída, e a mais nova não demorou a entender o porquê, indo logo atrás dele

Ao chegarem do lado de fora – tomando cuidado para não escorregarem, já que o chão do portão que levava para a cidade estava congelado –, perceberam o caos causado pelo poder que fugira ao controle de Elsa. Do céu claro e calor típico do verão, o clima de Arendelle passara para um rigoroso inverno, com direito a nevasca. Anna tentava acalmar as pessoas ali presentes, informando que teriam abrigo contra o frio no castelo, e defendendo a irmã, afirmando que ela não era nenhum monstro.

-Eles não fazem ideia do que é um monstro. - comentou Samantha, em seguida movendo o olhar para o alto e encontrando manchas negras se aproximando – Mas poderiam conhecer se eu não fosse tão bondosa.

De maneira discreta, a garota se escondeu atrás de um dos pilares próximos para invocar seu cetro. Ela já havia se dado conta de que aquelas pessoas não eram do tipo mais tolerante com a magia, mas nem por isso deixaria de protegê-los – apesar de pensar que eles mereciam uma lição. Começou a murmurar um feitiço de proteção, que montaria um escudo em torno da cidade e consequentemente manteria afastados os seres das sombras, que tinham sido atraídos pela liberação repentina de tanto poder, tanta energia concentrar em uma só pessoa. Em poucos instantes o feitiço foi concluído, e ela fez sua arma desaparecer antes de voltar para próxima do rapaz.

-A cidade está protegida. Mas não posso fazer isso pela rainha, ela está fora do meu alcance. Provavelmente a irmã vai querer ir atrás dela, então vou tentar convencê-la a ficar, se não serão duas pessoas em perigo...

-Se você não der um argumento que envolva a segurança de Elsa, ela nem vai te ouvir. - apontou Nathan

-Não seja por isso. - replicou – Você vai atrás dela.

-Porque eu realmente inspiro muita confiança como salvador. - ele respondeu em tom irônico

-Só para começar, eu teria que ficar aqui de qualquer jeito para manter a magia. E, também, ninguém daqui conhece seu passado. - antes de prosseguir, ela voltou-se em sua direção, olhando diretamente em seus olhos – E, pela milésima vez, aquilo é passado. Não me importo com isso. Se quer a minha mais sincera opinião, você tem toda a vocação para ser um herói. - ele sorriu em resposta, uma maneira silenciosa de agradecê-la por sua confiança – Agora, vai logo. Quanto mais tempo você continuar aqui, mais ela estará em perigo.

Nathan assentiu, saindo assim que ela novamente trocou suas roupas com um feitiço, protegendo-os do frio. A ruiva se limitou a respirar fundo e seguir na direção da princesa, emitindo uma prece silenciosa para que as deusas protegessem os irmãos de ambas.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Bem, é isso que temos pra hoje. Logo logo eu volto com o próximo (btw, vai ser uma shortfic, provavelmente três caps) Então, mereço reviews? :3
Ah, e feliz Páscoa!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Solitude" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.