Capítulo 17 – Não faça mais isso

Ismael acordou duas horas depois em uma maca no corredor. Estava com o pescoço doendo e sua cabeça latejando, tudo parecia rodar então fechou os olhos assim que os abriu. Espero alguns segundos e abriu os olhos lentamente.

– Ismael? – Helena chamou. – Querido, como você está?

Sua visão demorou um pouco para focar, mas conseguia ver o cabelo castanho da mulher a sua frente, provavelmente Chris estaria ali também. Lembrava-se muito bem de tudo que havia acontecido, mas não entendia o que se passara. Raiane estava bem dias atrás não estava? Por que havia tido aquela recaída? É verdade que estava tossindo já fazia um tempo, desde o velório de Taila, mas não estava reclamando de dores nem nada.

– Como Raiane está? – sua voz estava rouca e sua garganta seca, queria um pouco de água.

– O médico disse que traria informações logo, mas já faz algumas horas que estão lá dentro – seu rosto parecia preocupado. – Chris foi ver se havia alguma novidade.

– Desculpe ter causado tudo isso dona Helena – ele se sentou na maca e sentiu um pouco de tontura.

– Não se desculpe querido – ela colocou uma mão em uma de suas faces e sorriu levemente. – Não há como controlar essas coisas e estou extremamente feliz por ter conseguido ajudar vocês. Raiane sempre foi uma menina fechada, mas nunca negou ajuda quando precisamos. Estamos apenas retribuindo o favor.

Aquelas palavras rodaram em sua mente durante um tempo. Raiane sempre ajudou as pessoas, apesar de tudo nunca imaginaria a Raiane que conheceu no metrô ajudando alguém e talvez nunca pudesse imaginar se não estivesse morando com ela agora.

Pouco tempo depois Chris voltou com um sorriso e assim Ismael se animou um pouco. Helena teve que segurá-lo na maca e pedir para ficar quieto para que não fosse correndo perguntar o que havia acontecido.

– Raiane está estável por enquanto – Chris sorriu. – O estado que ela chegou aqui parecia pior do que realmente era de acordo com o médico. Doutor Tales disse que devemos aguardar mais um pouco antes de irmos e que seria bom levarmos Ismael conosco – ele tinha algumas rugas ao lado dos olhos que desapareciam quando sorria.

– Acho que não há problema. – Helena sorriu animada para Ismael que finalmente entendeu o que estava acontecendo.

– Pera aí – ele realmente precisava de água. – Eu não vou deixar a Raiane aqui.

Helena suspirou e pediu para Chris trazer água para Ismael. Ela pegou o rosto de Ismael com as duas mãos e olhou dentro de seus olhos.

– Entendo que queira ficar Ismael, mas não fará nenhuma diferença a sua presença aqui. É melhor irmos para casa e esperar por notícias...

– Mas e se ela acordar?! – ele estava ficando agitado e Helena previu isso. – Ela não pode acordar e ninguém estar aqui com ela!

– Tem uma equipe médica inteira aqui...

– A equipe médica não a conhece! – ele tentou se controlar e abaixou seu tom. – Dona Helena, eu agradeço por tudo, mas eu tenho que ficar com Raiane.

Helena soltou seu rosto e suspirou, Chris voltou com água para Ismael e sem nem saber o que estava acontecendo colocou a mão sobre o ombro de sua esposa.

– Vamos Helena, se eu estivesse no lugar dele também não conseguiria ir para casa – Chris tinha olheiras e parecia cansado, mas não parava de sorrir. Helena olhou para ele e para Ismael. Os dois pareciam se comunicar com apenas olhares e em seguida Helena suspirou novamente.

– Tudo bem. Nós iremos e você fica, mas qualquer coisa nos ligue – ela tirou da bolsa um bloquinho e anotou o telefone dela. – Moramos no apartamento bem abaixo de Raiane.

Ismael assentiu e os três esperaram juntos por mais vinte minutos até Helena e Chris dizerem que iriam para casa. Ismael agradeceu o que tinham feito e recebeu apenas sorrisos tanto de Chris como de Helena.

Já estava quase amanhecendo quando Tales, com o rosto totalmente acabado, apareceu e viu Ismael lá. Ele percebeu que o garoto não tinha notado sua presença e aproveitou para analisá-lo um pouco melhor. Os cabelos castanhos estavam bagunçados e seus olhos pareciam cansados já que não tinha dormido um segundo sequer desde quando Helena e seu marido foram embora.

Tales sorriu com a atitude dele, achava bonitinho esse amor deles. Raiane ainda não havia acordado, mas não demoraria a fazê-lo e queria estar lá para ver a reação dele. Ele admirava pessoas fortes como Ismael que mesmo com o choque teve o impulso de trazê-la para o hospital. Graças a isso ela seria salva.

Olhou para seu relógio de pulso e viu que faltava pouco para seu plantão acabar, bocejou e deu uma última olhada em Ismael antes de ir para a copa do hospital. Precisava comer algo. À medida que o descanso do médico ficava mais perto o de Ismael se afastava cada vez mais.

Estava mais do que inquieto e ansioso, era um sentimento totalmente novo que estava tendo. Talvez nunca tivesse acontecido nada parecido com alguém que gostava, ou talvez não houvesse alguém que realmente gostava. Até Raiane aparecer.

Meia hora depois Tales apareceu na sala de espera com um sorriso cansado e olheiras debaixo dos olhos. Ismael se perguntou se era realmente isso que Raiane queria para vida. Bom, não se implica com paixões alheias. Ismael se levantou em um segundo e Tales parou em frente a ele.

– Sim – ele respondeu a pergunta nos olhos de Ismael. – Ela acordou, mas nós temos horários Ismael, não podemos liberá-lo para vê-la agora – antes de qualquer protesto dele Tales suspirou. – Entretanto, estou disposto a quebrar esta regra.

Pela primeira vez em horas, mais pareciam décadas, Ismael sentiu-se um pouco animado. Era como se houvesse uma efervescência em seu estomago ao mesmo tempo em que seu coração parecia pular para fora da boca. Tales reprimiu um sorriso ao ver a expressão dele e o levou até o quarto dela.

Pararam de frente à porta e Tales a abriu fazendo um gesto para ele entrar logo. Ismael deu um pequeno passo antes de entrar por completo e a cena que viu a sua frente era ao mesmo tempo feliz e triste.

Raiane tinha os olhos entreabertos e pareciam focados, mas seu rosto estava vermelho e tinha um inalador preso a sua cabeça e estava ligada a outros vários aparelhos além do balão de oxigênio. Mas Ismael não conseguia não ficar feliz. Ela estava bem afinal.

– Raiane – sua voz foi um sussurro rouco. Sua garganta estava bem seca.

Ele se aproximou da cama e achou ter visto os lábios dela se contraírem em um sorriso. Pegou sua mão e de forma desajeitada ela a apertou.

Sem perceber, Tales estava sorrindo – desta vez abertamente - se perguntando quando teria a oportunidade de presenciar algo assim de novo. Uma chance em um milhão de ver algo parecido com isso. Questionou-se se um dia iria amar alguém. Sentiu-se então melancólico demais e resolveu falar.

– Ela não está em condição de falar neste instante, mas não demorará a se recuperar – Ismael olhou para ele e Tales sentiu seu coração derreter com a gratidão que havia neles, virou-se para Raiane e deu um meio sorriso. – Você tem pulmões fracos, mas resistentes, garota. Seria melhor eu começar a prescrever um tratamento para que fiquem fortes também. Você tem dez minutos – disse para Ismael e saiu.

Os dois observaram o médico sair e encontraram olhares de novo. Raiane levou a mão – fazendo muito esforço – a uma das faces de Ismael. Ele fechou os olhos e sentiu o toque dela. Ela abaixou a mão e Ismael abriu os olhos sorrindo.

– Sei que pareço cansado, não precisa me olhar com essa cara de preocupação – franziu a testa olhando para os olhos de Raiane. Ismael deixou um longo suspiro sair e passou a mão nos cabelos. – Você me deixou mais do que preocupado Raiane, por que não abriu logo aquela porta? Ou não chamou por minha ajuda?

Raiane desviou o olhar e olhou para um ponto em sua coberta. Ismael suspirou e deu um beijo em sua testa.

– Não importa mais, de qualquer maneira – sorriu levemente. – Eu vi que esta melhor, eu vou pra casa tomar um banho e volto logo depois.

Raiane fez um leve sim com a cabeça e Ismael encaminhou-se para a porta, parando logo no batente.

– Só me prometa que nunca mais esconderá algo assim de mim Raiane – o olhar dele era mais do que triste, era desolado. – Nós estamos juntos, não estamos?

Raiane fez outro sim com a cabeça e observou Ismael sair.

Eu sou mesmo uma idiota.