Hálito de Fogo escrita por Caliel


Capítulo 12
Doce amargura de uma despedida




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— Eu lhe avisei. – Acordei recebendo um tapa em minha bochecha direita.

A mesma mulher, de olhos azuis como gelo, lhe encarava. Eles estavam novamente em meio a uma nevasca e ele com roupas chamuscadas gastas.

— Eu lhe disse para fugir. Você deveria ter me ouvido. — Ela bufava de raiva. — Você deu sorte, se não fosse por Hércules você estaria morto e o mundo estaria perdido. — A garota me levantou pela gola da camisa, me arremessou longe.

— Eu não tive culpa! — A cada passo que ela dava em minha direção parecia mais irritada e a tempestade de neve parecia se tornar mais agressiva também, como se o humor dela influenciasse no tempo. — Como quer que eu confie em você se eu sequer sei o seu nome?

— Você não precisa saber meu nome. — Ela parou diante de mim e estendeu uma das mãos, me ajudando a levantar. Quando subi, parei cara a cara com ela, então pude ver melhor seus olhos. — Eu sei o que você está pensando, eu sei as incertezas que você está passando, mas você tem que confiar em mim, por favor. Cumpra o desafio e vá embora sem pensar duas vezes. — Concordei com a cabeça.

— Agora eu tenho que adverti-lo. Devido ao ocorrido provavelmente sua jornada vai se tornar mais difícil. — Ela passou a mão por meu rosto, olhou no fundo de meus olhos e depois pousou a cabeça sobre meu peito, tentando ouvir meu coração bater.

— A Peste o impregnou com sua maldição. Um homem normal morreria em três dias com a maldição em seu corpo, mas graças ao dom que foi concebido a você, seu corpo e sua alma lutam contra tudo isso. Você será mais fraco que um homem comum e mais devagar, mas quando se deixar levar pela coragem, quando estiver disposto a lutar pelo Bem e pela justiça, o poder da ressurreição lutará pelo seu nome, então você será poderoso como é agora e até mais, se souber controlar seu poder. – A garota passou a mão sobre meu rosto enquanto dava um passo para trás.

Quando estávamos distantes, uma camada de gelo se ergueu, me permitindo ver meu reflexo.

— Você vê? Somos opostos. — Meu corpo estava branco e magro, minhas veias, ao invés de terem uma tonalidade comum, estavam pretas, como se meu sangue estivesse sujo, e meu cabelo continuava no mesmo branco de sempre.

— Agora vamos, mostre-se herói. — Fechei meus olhos e quando os abri pude ver meu corpo romper em chamas e a coragem tomar conta de tudo. A pele, antes branca, ganhava um tom moreno, as veias ganhavam um tom vermelho vivo enquanto brilhavam como os desvios do magma de um vulcão, que escorria pelos rochedos, e meus olhos se tornavam alaranjados.

— Isto é o poder Cadmo, este é o seu legado. Cada Cavaleiro possui um, você só precisa aprender a controlar o seu. No mundo dos sonhos eu posso fazer com que você seja o melhor, posso lhe mostrar seu limite e até fazê-lo ultrapassá-lo, mas os sonhos vivem dentro da mente e o verdadeiro poder vem do coração. — A camada de gelo se abaixou e a garota deu um passo à frente. — Então desperte. Desperte e enriqueça seu coração de poder e justiça. O lugar onde o Sol não toca lhe aguarda.

Ψ

Ao despertar, vi a Lua pairar no céu. Meu corpo estava gélido, meus braços brancos e minhas veias negras assim como no sonho. Aparentemente a peste realmente havia feito algo que dificultaria minha jornada.

Olhei para Ascalon. Ela estava no outro canto do quarto, pendurada sobre duas hastes de ferro pequenas, especialmente feitas para se colocar espadas em uma parede. Levantei-me e caminhei em direção a ela. Meu corpo estava cansado e dolorido, demorei muito mais para chegar à espada do que achei que demoraria, e, quando cheguei, parei diante dela.

Será que eu ainda era forte o suficiente para aguentá-la? Não conseguia nem suportar meu próprio peso, quem diria o da espada. Ela sempre fora algo diferente de se manusear, tão pesada em alguns momentos, tão leve em outros.

Eu sentia meu corpo se enfraquecendo e então percebi o que estava fazendo. Coloquei a mão sobre a espada e a erguia sobre minha cabeça com a facilidade de sempre. Eu estava quase me deixando levar pelo medo de não ser mais digno dela, estava sendo fraco e se não provasse a mim mesmo naquele momento que ainda era e sempre seria digno, não teria mais coragem para levantá-la diante de um perigo.

— Muito bom. — Hércules batia palmas enquanto entrava no quarto e dava um sorriso aconchegante. — Esse é o espírito, não se deixar abater pelo medo. Você pode estar fraco por enquanto, mas é porque seu corpo ainda luta contra a peste dentro de você. Logo mais ele irá expurgar o máximo que puder e você não se sentirá como antes, mas forte o suficiente para correr e lutar sem precisar estar completamente em bellator.

— Bellator? — Eu tinha quase certeza do significado da palavra, mas achei melhor perguntar e ter certeza do que pensava porque tudo parecia confuso dentro de minha mente.

— Oh, desculpe, Sabra e Helena me contaram que você nomeou seu bellator com outro nome, como era mesmo? — Hércules pensou um pouco. — Modo herói! – Ele deu risada como um adulto que ria de uma criança por dar nome a algo que já tinha uma nomenclatura. — Bellator vem do latim, significa guerreiro. Cada cavaleiro tem o seus, até mesmo os do Apocalipse. Jorge podia controlar os dragões mais ingênuos, Ícaro controlava os ventos, eu como você pode ver, crio tempestades enquanto controlo seus raios e relâmpagos. Cada um de nós sete tem a missão de avaliá-lo e ver se é digno de portar um bellator, e, caso não seja, devemos treiná-lo até que esteja apto a usar.

Sabra e Helena entraram no quarto e vieram me abraçar, as duas em prantos.

— O que houve? – Perguntei as duas. Helena tentou conter as lagrimas e Sabra começou a chorar mais.

— Você está aí deitado há três dias já, completamente frio, com as veias completamente escuras, respiração lenta e não acordava de jeito nenhum. — Sabra enxugava as lágrimas com os dedos e tentava falar sem se interromper com o próprio choro. — Nós pensamos que você estava morto, mas Hércules disse que uma hora ou outra você iria acordar. — Ela olhou para o semideus e sorriu para ele que se aproximou e começou a falar.

— Você não poderia ter arrumado companheiras mais fiéis para a viagem que vai ter que enfrentar. — Ele passou os braços pelos ombros de ambas e as abraçou. — Além de uma ter um dragão como aliado a outra pode conversar com animais e persuadi-los a ajudá-la.

— Espere, eu achei que você só falava com ele. – Sorri para Sabra que corou, mas sorriu também.

— Nesses três dias, Hércules me ajudou a controlar mais o dom. E eu já disse a ele, eu não os persuado, eu apenas faço deles meus amigos e eles me ajudam, porque amigos ajudam uns aos outros, não é mesmo, Lena? – As garotas sorriram e se entre olharam.

— Lena? É só eu dormir que vocês duas resolvem virar amigas? Acho melhor eu sumir de vez e o mundo todo se acerta. – Helena me olhou com uma cara emburrada e me acertou um soco no braço.

— Nunca mais diga isso, e nós não nos tornamos amigas, apenas passamos a nos suportar. — Sabra olhou para Helena e fez um bico forçado, como se estivesse triste. — Tá, a gente se gosta, mas só um pouquinho. Não se empolguem com a ideia de eu ser doce com vocês sempre. — Nós três caímos na gargalhada.

— Sete, não é mesmo, Cadmo? — Hércules me encarou arqueando as sobrancelhas e sorrindo enquanto eu o olhava com uma expressão de dúvida. — O sete é realmente um número poderoso. Você pode não perceber, mas ele sempre está presente. Ele sempre representou o número divino. Mesmo que você não perceba, tudo que tem sete se torna mais forte, e eu vejo agora, vocês já são três, e essas duas te fazem mais forte. Perceba em seu corpo, sua pele já ganhou uma coloração mais viva e suas veias clarearam.

Realmente meu corpo parecia ter melhorado, até mesmo espiritualmente eu me sentia mais forte.

— E pelo o que caminha, vocês vão se juntar a mais quatro pela jornada, e, mesmo sendo algo aparentemente besta, como vão se chamar? Já temos os Cavaleiros da Ressurreição, os Cavaleiros do Apocalipse, os Ases dos Ares, e vocês? Quem serão?

Sabra e Helena me encararam com a expectativa estampada em seus rostos. Nós seriamos um time, nós e mais quatro, seriamos os sete a salvarem o mundo e agora eu precisava fazer um trabalho de criança e dar nome a nossa união.

— Cada um de nós é diferente. Eu sou o mais corajoso, Helena a mais madura, Sabra a mais benevolente, como os bellatores. — Pensei mais um pouco e vi uma nuvem cobrir a Lua. — Toda vez que um dos Cavaleiro da Ressurreição cumpre seu papel ele sobe aos céus, não é mesmo? Como um corpo celeste — Hércules confirmou com a cabeça. — Então nós honraremos todos que se forem com nossas divergências, nós seremos os Guerreiros Celestiais.

Estendi minha mão direita e Helena e Sabra se juntaram a mim com as suas.

— Eu prometo a vocês, vou salvar Teran, custe o que custar. — Helena aparentemente se incomodou com aquela frase. Desde pequenos eu sempre prometi coisas a ela e nunca as cumpria. — Desta vez vai ser diferente, pode confiar em mim. Pode não ter se passado muito tempo, mas eu mudei muito desde que tudo isso começou. — Helena assentiu com a cabeça e nós três nos abraçamos.

— Bem crianças, agora eu vou ter que interferir no momento de vocês. — Hércules estralou seus dedos. — Vamos todos jantar e comecem a se preparar para o terceiro desafio, principalmente você, Cadmo. Não desmerecendo os outros pelos quais você passou, mas nenhum deles foi feito até o final ou exigia grande esforço. O desafio de Ascalon era você se provar corajoso o suficiente de pegar na espada para salvar um inocente, e o de Alae seria concluído com um duelo, porém desta vez você terá que se mostrar realmente merecedor do que tem e se prova digno de ser conhecido como Cavaleiro da Ressurreição.

Assenti com a cabeça e então fomos todos jantar.

Odin e Kaila nos aguardavam sentados à uma mesa conversando sobre algum assunto importante em um enorme salão repleto de quadros e iluminado a luz de velas.

— Papai, o senhor não pode matá-los. Eles não fazem mal algum à cidade — A garota de cabelos vermelhos protestava e encarava o pai que arrumava a coroa sobre sua cabeça.

— Eu nunca pensei em matá-los, minha filha, mas estes lobos estão caçando próximo demais da cidade e isto assusta alguns cidadãos. Quem sabe eles não nos ataquem pelo fato de as muralhas não permitirem que eles adentrem? Bem, vou reforçar a segurança dos muros, você está de acordo? – Kaila assentiu com a cabeça. — Eu ouvi alguns cidadãos comentarem sobre aquelas piratas, como elas se chamam mesmo?

— As Bruxas do Mar. – Helena respondeu enquanto nos sentávamos à mesa. — É um navio pirata com uma tripulação exclusivamente formada por mulheres. Elas saqueiam lugares que são considerados corruptos e distribuem o que conseguem com os pobres. — Quando nos sentamos alguns empregados do castelo trouxeram diferentes pratos de comida e começamos a nos servir. — Dizem que a base delas fica no continente distante.

— Continente distante? — Kaila olhou entusiasmada para Helena que tirou um mapa dobrado de dentro do bolso.

— Eu ganhei esse mapa quando era mais nova. — Bane havia dado aquele mapa a Helena quando ela lhe perguntou sobre o mar. O mapa tinha o desenho do planeta inteiro, onde havia um grande continente ao centro, Nahiyar. — Helena colocou o dedo sobre um enorme desenho verde em meio à imensidão azul. – E temos também Caramuru. — Ela deslizou o dedo para a direção esquerda inferior do mapa. — É o único pedaço de terra que fica separado do resto. Tem esse nome devido aos seus primeiros moradores, os índios tupis. Caramuru era seu deus dragão. Ele ordenava grandes ondas e tempestades. Antigamente esta terra era o continente sul americano, mas algumas regiões nele se perderam, restando grande parte do Brasil.

Helena adorava contar aquela história. Desde que éramos pequenos ela sempre quis visitar Caramuru.

— Dizem que as bruxas do mar são abençoadas por Caramuru e podem controlar tempestades e tsunamis, alguns até mesmo comentam sobre a capitã da tripulação poder se tornar um dragão, assim como Caramuru.

— Quem sabe um dia podemos visitar o lugar — Odin sorriu para a filha que respondeu animada. — Mas então, caro Cadmo, finalmente acordou! Certa vez eu dormi um dia inteiro, mas havia passado seis dias inteiros acordado lidando com uma invasão à cidade, e você me superou. – Todos à mesa riram.

— Sabra e Helena me contaram muito sobre você, mas elas pareciam não falar do mesmo Cadmo. Helena me contou sobre um menino curioso que ela conhece há 16 anos, que não cumpria as promessas que fazia, que se esforçava muito, mas nunca conseguia ser o melhor do grupo no duelo de espadas e sempre era privado das atividades perigosas. — Helena tentou conter o riso. — Já Sabra me contou sobre um garoto valente que faz de tudo para cumprir a promessa que a fez de protegê-la de tudo de mal que pudesse de acontecer a ela. Ela disse sobre um garoto que venceu um dragão inabalável, um garoto que tem poderes muito além da compreensão humana. Qual desses dois você é? O menino fraco ou o garoto corajoso?

Aquela não era uma pergunta fácil de responder. Desde o momento que me tomei Ascalon em minhas mãos tudo dentro de mim mudou. Era como se algo estivesse adormecido esperando o momento certo de aparecer e me fazer forte.

— Eu acho que não sou nenhum dos dois, meu senhor. — Todos à mesa comiam e se deliciavam com os diferentes pratos sobre a mesa. — Acho que ser quem eu sou vai muito além de cumprir as promessas ou não. De ser forte ou ser fraco. Acho que ser quem eu sou é saber medir as verdades. Nem sempre o que eu considero certo você considera, e Sabra pode considerar de um jeito totalmente diferente, Helena de outro e todos de maneiras diferentes. Ser quem eu sou é tentar pensar ao máximo no bem estar de todos e ser justo. — O rei deixou seus talheres sobre o prato e bateu palmas sorridente.

— Por mais que eu ache perigoso deixar o destino do mundo nas mãos de um garoto, não poderia haver um garoto melhor que você para tal destino. — Todos a mesa concordaram e a noite se seguiu agradável, repleta de risadas e histórias.

Ψ

Quando fui até meu quarto pensei que dificilmente dormiria devido ao sono de três dias, mas graças à maldição da Peste insônia não foi um problema.

No outro dia de manhã fui acordado por Sabra.

— Vamos, acorde, Hércules quer te ver. — A garota toda sorridente trazia uma bandeja com café da manhã. — Coma, tome banho e se arrume, ele disse que é importante que você esteja preparado.

Ainda perdido graças ao recente despertar assenti com a cabeça e comecei a comer enquanto ela saia do quarto.

No meio do banho percebi que as veias de meu corpo estavam quase num tom comum, apenas um pouco mais escuro. Porém, o lado esquerdo de meu peito, exatamente sobre o coração, estava manchado, como se ao invés de sangue meu coração bombeasse tinta nanquim e as veias ao seu arredor apareciam marcadas como raízes de uma árvore podre.

Era como se meu coração fosse um filtro e retivesse o quer que fosse aquilo tentando correr pelas veias de meu corpo.

Ao sair do banho, vi que alguém havia deixado uma troca de roupas para mim. Havia um bilhete junto.

“Sei que isso é do seu gosto, as Parcas me disseram que você gostaria. Caso você pense que isso possa atrapalhar suas lutas, saiba que não, este material veio diretamente do olimpo para lhe ajudar, é a prova de fogo e dificilmente pode ser perfurado.

Não digo que seria algo tão útil quanto um Gládio, mas pode ser realmente de grande ajuda.

Assinado Hércules.”.

Realmente as tais Parcas haviam acertado. Havia uma camisa com botões, mangas longo, o mesmo tom de branco de meu cabelo e um pequeno brasão de um leão estampado no peito. Junto a ela estavam uma calça e um sobretudo preto que ia até a altura da panturrilha.

Peguei Ascalon e ao descer as escadas Hércules me aguardava junto a Sabra e Helena.

— Preparado para o desafio? — Ele perguntou e eu respondi positivamente com a cabeça. — Como eu já lhe contei eu tive de vencer 12 desafios. Claro que não irei lhe fazer vencer os 12, além de serem extremamente difíceis, isso duraria muito tempo, então eu coloquei dentro deste saquinho 12 papéis com os desafios escritos, você vai escolher um e terá de cumpri-lo.

Respirei fundo e coloquei a mão em busca de um dos 12. Passei a mão por um papel e o puxei para cima.

— Vejamos... — Hércules desdobrou o papel e sorriu. — O destino não poderia ter sido mais irônico. Você irá se sair bem neste desafio. — Ele virou o papel para mim. “Hidra de Lerna” estava escrito.

— O que ele vai ter de fazer? Nós podemos ajudar. — Helena parecia aflita.

— Não, vocês podem acompanhá-lo nos desafios, mas interferir num deles jamais. E eu irei explicar o desafio quando estivermos em um lugar distante.

Hércules começou a girar em sua capa de leão, se tornando uma espécie de fumaça branca. Em um piscar de olhos, eu, Sabra e Helena estávamos envolvidos nela e na mesma velocidade que entramos, saímos, porém em um lugar diferente. Estávamos em um campo aberto e repleto de grama.

— Eu tenho uns dotes a mais que vocês nem imaginam. — Ele sorriu. — Como, por exemplo, o poder de convocar um Cérbero, um javali gigante, uma corça com patas de bronze entre outros seres estranhos, incluindo uma hidra. — Ele pigarreou e sua face tomou uma força que transparecia seriedade. — Agora vamos ao o que interessa. Como eu lhe disse, este desafio será diferente dos outros. Você não receberá o Gládio como ajuda para cumpri-lo. Você terá que cumpri-lo. eu não irei lhe entregar o que quer antes que você vença a Hidra e não irei lhe contar como fiz isso. Estamos entendidos?

— Sim. – Saquei Ascalon e respirei fundo. — Pode soltar, vir, sei lá o que raios você vai fazer.

— Exatamente, raios. — Hércules ergueu as duas mãos e alguns raios desceram em espiral em direção ao chão, mas, ao invés de acertá-lo e desaparecerem, eles formaram um amontoado de energia que foi tomando forma, carne, osso, escamas e cabeças, no total, sete.

A hidra tinha cerca de 7 metros de altura, corpo de dragão e sete cabeças de serpentes, mas a cabeça central do monstro era diferente. Ao invés de ter olhos brancos como as outras, seus olhos brilhavam como magma de vulcão e ela era um pouco maior.

Tentei dar um passo a frente, mas rapidamente uma das cabeças respondeu tentando abocanhar o lugar para onde eu me moveria, me fazendo recuar. As cabeças se moviam como legitimas serpentes, sibilando entorno da cabeça central.

Comecei a me sentir fraco, percebendo as veias tomando novamente um tom negro e Ascalon pesar em minha mão. Ela não apenas pesava, mas também queimava, como se rejeitasse meu corpo.

— Alae! – Decolei em direção aos céus e logo mais as veias se clarearam novamente, a palma de minha mão parou de queimar e me senti revigorado. Até aquele momento a coragem parecia ser a única força capaz de inibir o mal, mas Alae também se mostrou um companheiro fiel. O dom da liberdade fez com que meu corpo e a espada fossem tomados por uma espécie de névoa branca, as gravuras sobre a lâmina da espada brilharam no tom azul do céu.

— Vejam só quem aprendeu algo de novo. — Hércules gritava abaixo de mim. — Os Gládios trabalham em conjunto, Cadmo. Eles se deixam mais fortes, basta saber uni-los e tudo se torna mais fácil. – Assenti com a cabeça e parti em direção a hidra numa velocidade de voo muito maior que o comum, facilitando o desvio das mordidas que o monstro tentava acertar em mim e, assim, conseguindo cortar-lhe uma das cabeças, mas o que no começo pareceu um golpe sensacional se tornou num desastre.

No lugar da cabeça que havia cortado outras duas apareceram, então a cabeça central lançou chamas, que foram refletidas pela névoa que Alae me proporcionava.

Então Sabra estalou os dedos e sorriu.

— Cadmo, a lenda dos sete anjos! Lembra? Hércules é um deles, lá dizia sobre um monstro de sete cabeças e o anjo o venceu com fogo! Como eu sou burra, pela cauda de um dragão, todos os Cavaleiros da Ressurreição são descritos no livro e nós não percebemos isso até agora. — Hércules sorriu.

— Você realmente tem ótimas companheiras, mas eu disse que as coisas não seriam tão fáceis. – O semideus olhou para a hidra que avançou sobre mim, mas rapidamente desviei.

— Ascalon! — Meu corpo rompeu em chamas, substituindo a névoa que antes me envolvia e rapidamente cortei a cabeça central da hidra, mas ao invés de inibir o crescimento de outra aquilo fez com que crescessem outras três.

— Corte uma e cresce duas, corte outra e crescem três, e depois quatro, cinco, seis. — Hércules aparentemente se divertia com a situação. — Eu lhe disse, isso exigiria muito mais do que você pode dar com os dois Gládios. — O monstro, então, com uma de suas novas cabeças, lançou um hálito gelado em direção a minha perna, que fez com que a mesma congelasse junto ao chão, permitindo que uma das outras cabeças me acertasse em cheio do peito, me arremessando para longe.

Quando tentei levantar-me, senti uma dor em minha perna, então pude sentir que o osso de meu joelho estava quebrado. Helena soltava um “mas que merda” ao perceber que eu havia me machucado e Sabra corria em minha direção completamente aflita, porém, antes que chegasse a hidra parou em seu caminho, sem atacá-la.

— Eu já lhes disse, vocês não podem interferir nos desafios. — Hércules encarava Sabra, que recuava diante do monstro.

Aparentemente minha regeneração não era tão forte a ponto de curar uma fratura instantaneamente. Eu podia sentir ela se curando, porém lentamente e quanto mais eu tentava me mover mais ela tardava. A maldição da Peste também parecia retardar o fator de cura e se aproveitar da situação. Eu podia sentir o sangue em minhas veias se tornando ácido e corroendo tudo, as chamas de Ascalon começaram a abandonar alguns membros de meu corpo e pude sentir meu coração se esquentar. O bellator tentava manter a parte mais importante a salvo.

Quando pensei sobre o bellator, uma ideia surgiu em minha cabeça. Podia ser algo completamente idiota, eu podia acabar parecendo um idiota gritando ao vento uma palavra em latim, ou aquilo poderia ser minha salvação.

— BELLATOR! — Ao gritar aquilo as nuvens acima de mim começaram a se juntar, as chamas de Ascalon voltaram a rodear meu corpo inteiro, mas desta vez a névoa de Alae se tornou um pequeno vendaval em voltar de meu corpo, assim alimentando as chamas que cresceram e circularam meu joelho quebrado, que, em alguns instantes, parecia novo, possibilitando que eu me levantasse e retomasse as chamas por todo o corpo.

Ao olhar para os céus pude ver que as nuvens ainda pairavam sobre mim, como a vez que Hércules invocou os raios para ajudar-lhe. Jorge me disse que Ascalon sempre foi minha, a espada sempre me pertenceu, talvez todos os Gládios fossem assim, eles não eram conquistas físicas, mas sim espirituais. Sentimento de coragem, de liberdade e o sentimento de poder. Por mais que aquela ideia pudesse ser estúpida, era uma das minhas últimas esperanças.

Ergui Ascalon em direção aos céus enquanto a hidra se aproximava.

— Potestatem! — Um raio desceu em meio às nuvens e acertou diretamente a ponta da espada que se iluminou e irradiou energia por todo meu corpo. Ascalon brilhava no mesmo tom de ouro que Hércules em sua forma de leão quando venceu a Peste, mas ela não estava sozinha. Alae também se tornou dourada e as chamas em volta de meu corpo se tornaram azuladas.

A hidra recuou alguns passos, mas antes que ela pudesse fugir, parti em direção aos céus sobrevoando o mostro.

— BELLATOR! – Desci sendo acompanhado de um raio que acertou em cheio a hidra, fazendo o som de um trovão. Sobre o chão sobrou apenas um amontoado de poeira que começou a se remexer. — Não, por favor, não me diga que desta vez vão crescer duas hidras de uma poeira só. — Hércules sorriu e balançou a cabeça negativamente, assim me aliviando.

Surgiu um pequeno colar de ouro com um pingente em formato de raio.

— Um grande desafio para um pequeno Gládio. — Hércules fez uma cara de aborrecido, mas logo sorriu e me deu um tapinha nas costas, pegou o colar e colocou em volta de meu pescoço.

— O que eu fiz pra vencer a Peste exigiu muito de mim e eu sou horrível com despedidas. — Ao ouvir aquelas palavras, lembrei-me de que Hércules teria que partir. — Então não irei enrolar muito. Você é realmente digno de todos os Gládios que porta, espero que tudo dê certo em sua jornada. O mundo está em boas mãos, e mesmo que eu não esteja por perto para lhe ajudar, minha essência sempre vai estar à disposição, basta chamar. — Ele pousou o dedo indicador sobre o pingente, se tornou névoa, me levou junto a Sabra e Helena de volta para o castelo em Midgard e quando a névoa sumiu, Hércules não estava mais presente na sala. Havia apenas partículas douradas que atravessaram a janela e voaram em direção aos céus.

Aquilo foi tão rápido que eu não tive tempo de me despedir. Eu provavelmente nunca mais iria vê-lo novamente e isso aconteceria com todos os outros Cavaleiros da Ressurreição.

Eu iria criar laços fortes com eles, iria me apegar, iria querê-los ao meu lado em todas as lutas, brandindo suas espadas, decolando com suas asas, destruindo com seus trovões, mas não os teria fisicamente ali. Poderia carregar seus espíritos comigo, mas nunca seria a mesma coisa.

A sensação doce de ter vencido o desafio ganhou um gosto amargo com tudo aquilo.


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