The Forest City escrita por Senjougaha


Capítulo 67
Capítulo 67 - Amaldiçoada


Notas iniciais do capítulo

Me perdoem pela demora!
Mas aqui está um mega capítulo em compensação hahah!
Espero que gostem.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/496121/chapter/67

Respirei fundo e enfiei minha cabeça dentro da banheira.

Precisava estar de cabeça fria naquela noite, não queria que Yukina notasse que havia algo de errado comigo.

Porque ela era minha melhor amiga, e eu não suportaria (não àquela altura) esconder mais alguma coisa dela.

“Desde quando é tão sentimental?”, minha irritante voz interior zombou.

Tirei a cabeça de dentro da banheira cheia e revirei os olhos.

Me levantei e passei a mão no espelho embaçado do banheiro.

Respirei fundo, franzi o cenho.

Tirei a franja do meu olho negro e senti meu estômago afundar quando observei os dois olhos ao mesmo tempo.

O azul cobalto e o negro contrastavam de forma assombrosa e perfeita.

Me perguntei se seria ridículo demais eu usar um tapa olho.

Por que eu não podia ser conformada comigo mesma, como Solara era?

Será que eu me sentiria melhor se usasse a franja presa? Me acostumaria?

Decidi tentar.

Corri para o quarto e vesti a jardineira destruída que passei tanto tempo procurando. Meu pai sabia onde estava, afinal fora ele que a encontrou.

Balancei a cabeça antes que as lembranças daquela tarde invadissem meus pensamentos.

Eu não precisava de pensar naquele momento.

Abri a gaveta da penteadeira e peguei um grampo, prendendo minha franja loiríssima e rebelde para cima.

Tentei esquecer quem sou e perguntei à mim mesma se a garota do espelho era bonita.

Revirei os olhos.

“Por que diabos eu estou tão maricas?”, me perguntei.

Penteei o cabelo e desci as escadas depois de calçar um All Star azul.

Yukina me esperava com roupas exageradamente patricinhas, tanto que pensei em fazer alguma piadinha sobre ela estar fazendo cosplay de Michele.

Fiquei muda ao me lembrar de que Daniel dera em cima dessa mesma Michele semanas atrás.

Até ela era digna de sua atenção, afinal, ela não era eu.

Ergui o olhar e entrei em choque ao constatar que o próprio estava ali.

Com um jeans surrado e uma camisa pólo que ele jamais usaria se fosse AQUELE Daniel de antes, por achar sufocante demais e mauricinho demais.

Revirei os olhos.

– Gola pólo fica ridículo em você - menti.

Daniel me ignorou e saiu pela porta.

– Aonde vamos? - perguntei à Yukina, tentando não me sentir nem um pouco chateada com a atitude do dragão dourado.

– Aonde o vento nos levarrrr - Yukina respondeu com um brilho travesso nos olhos.

Franzi o cenho.

– Certo, vamos sair dessa casa - murmurei.

Yukina me encarou de forma enigmática e se despediu do meu pai com um aceno, enquanto uma troca de olhares entre mim e ele já fora o suficiente.

–--------------------------------------------------------------------------------

Aonde o vento nos levar.

Yukina não estava brincando quando dissera isso.

Um pequeno catavento estava empoleirado na minha laranja berrante e eu me perguntava por que diabos nós estávamos literalmente seguindo a direção do vento.

– Desde as antiguidades os elfos usam as estrelas e o vento para prever o futuro e se orientarem - ela deu de ombros.

Como se fosse uma resposta boa o suficiente.

Bufei e cruzei os braços, já tentando me lembrar desde quando Yukina era alguma drogada.

– Não seja tão descrente, menina - Daniel me repreendeu - Yuki quer te ensinar algo, você se cala e aprende.

O encarei indignada.

Ele ainda a chamava de “Yuki”.

Aquele Daniel esclerosado estava me dando nos nervos. Sua mania de se vangloriar, me diminuir e agir como se fosse o centro do universo fazia com que eu tivesse sérias dúvidas de se queria conquistá-lo de verdade ou não.

Mas era só eu o olhar nos olhos e qualquer dúvida sumia.

Ainda que estivessem mais indiferentes do que quando o conheci, ainda eram os olhos avelãs de Daniel.

E que ficariam dourados a qualquer faísca de raiva.

– Você prendeu a franja - Yukina notou com certa animação - ficou...

– Sua testa é maior do que eu imaginava - Daniel murmurou, cortando a prima.

– Posso garantir que partes do seu corpo são mais pequenas do que eu acho que sejam também - bufei.

– Garanto o contrário - ele sorriu de lado - mas e aí? De que tamanho você acha que elas são?

Senti meu rosto corar.

Eu estava mesmo confessando à Daniel que pensava nele de todos os jeitos?

“Cada vez mais patética, Sardene. Por que não o agarra logo? Vai estar mais perto de conquistá-lo do que está agora”, cantarolou a voz na minha mente.

Mordi o canto da boca para não mandar aquela voz irritante para o inferno.

Congelei no lugar quando algo me passou pela cabeça.

A minha vida toda eu ouvia a voz zombar de mim e me ajudar a fazer certas coisas, mas nunca me perguntara de onde ela vinha.

Oh.

Céus.

– Selene? - Yukina chamou - você está pálida, tudo bem?

Seus olhos gatunos me observavam sem deixar nada passar.

– Está tendo sonhos estranhos de novo? - ela perguntou.

Neguei com um aceno de cabeça.

– Pare o carro - pedi.

Daniel me olhou com diversão estampada na face.

– Por que eu deveria, elfa? - ele perguntou, com ênfase no nome da minha raça.

– Pare o carro, por favor! - pedi e tapei a boca.

Daniel, surpreso, freou imediatamente e eu abri a porta do conversível, jogando para fora do meu estômago toda ansiedade, medo, frustração e tristeza em forma de ácido.

O gosto de bile na minha boca me fez voltar à realidade.

Eu era louca, essa era a resposta para a voz na minha mente.

Ninguém estava falando comigo.

Nenhuma Selene alternativa vivia dentro de mim.

Respirei fundo.

Quando fechei a porta e me virei, pulei de susto.

Daniel me encarava com os olhos dourados e a pele cheia de escamas.

– Daniel, sei que me odeia, mas pare com isso - sussurrei - está me assustando.

Ele voltou a si com a cara fechada e voltou a dirigir.

Suspirei e me encostei no banco.

Me sentia cansada demais para os mistérios de Yukina, mas queria saber para onde estavam me levando.

Para a minha surpresa, a japonesa pulou para os bancos da frente e se espremeu ao meu lado. Me abraçou forte e começou a dizer repetidas vezes que tudo ia ficar bem.

Naquele momento, só naquele momento eu não queria que Daniel estivesse junto. Eu queria chorar, por mais que sentisse que aquilo seria sem motivo e totalmente patético.

A voz dentro de mim provavelmente zombaria de novo se eu o fizesse.

Então engoli o choro, ergui a cabeça e sorri pra minha melhor amiga.

– Você está comigo, então eu sei que vai - respondi.

Os olhos da feiticeira - ou melhor, bruxa - brilharam num verde felino e ela me abraçou mais forte. Podia jurar que a ouvi ronronar.

Quando ia perguntar algo sobre isso, o carro parou.

– Chegamos - Daniel grunhiu e saiu para fora.

Abri a porta e pisei no chão que pensei que fosse ser asfalto, mas meus pés estavam sobre um cascalho fino, quase como areia.

– Onde diabos estamos? - perguntei, franzindo o cenho.

– Não estamos no mundo humano, se é o que quer saber - Yukina respondeu.

– Deserto de Yhale– Daniel murmurou.

Arqueei a sobrancelha.

– O lugar onde todas as feiticeiras ou bruxas fazem suas iniciações - Yukina explicou.

– Você veio pra cá? - perguntei, me sentindo um tanto óbvia.

– Sim - ela assentiu - não tenho memórias boas desse lugar, mas ele deve despertar algo diferente em você.

Tentei sentir algo.

Não precisei de muito esforço para notar que o chão aos meus pés tinha vida, porém estava adormecido.

Tive receio de pisar forte demais e acordar seja lá o que fosse.

– Existem histórias sobre esse lugar - Daniel disse numa voz sombria.

– Não quero saber nenhuma delas - interrompi, sentindo um calafrio na minha espinha.

Daniel me encarou irritado e se distanciou de nós.

– O lugar é sinistro - bufei - por que me trouxe aqui?

Além de pedregulhos no chão, o lugar tinha absolutamente nada.

Era um breu completo que se estendia até onde minhas vistas não podiam alcançar.

– É um lugar onde se pode contatar os deuses - Yukina respondeu.

– É só um lugar cheio de pedras e escuro - franzi o cenho.

Yukina sorriu de lado.

– Essa é a magia do lugar - ela disse - cada um vê de uma forma diferente.

– Certo - digo, um tanto assombrada - alguma explicação de por que eu vejo um deserto de pedras na escuridão?

Daniel deu um sorriso sarcástico, de lado, como se soubesse algo que eu não sabia sobre mim. Eu não gostei nem um pouco, mas por alguns segundos o sorriso do próprio me hipnotizou.

Yukina deu de ombros.

– É instável - ela respondeu - se voltar daqui a algumas horas, sentindo algo diferente, sua visão vai mudar.

– E como é que se contata deuses aqui? - perguntei, desconfiada.

– A sua fé é tão tocante, Selene - Daniel disse com sarcasmo e o tom de voz fatigado.

– A forma como você vê o lugar é que escolhe o deus com quem vai falar - ela disse, tensa - se vê um lugar escuro como o que diz que vê, provavelmente será Tanatos, Hades, Anúbis… Alguém assim.

Pisquei, surpresa e confusa, além de sentir minha espinha se arrepiar por completo.

Um misto de emoções me dominou.

– O que você viu quando veio até aqui? - perguntei.

Yukina sorriu.

– Quando me tornei feiticeira… - ela suspirou - o processo é igual para bruxa e para feiticeira, Selene, mas assim como o lugar escolhe o deus, ele escolhe o que vai ser também, tudo depende do seu estado emocional e do seu coração. Quando eu vim até aqui, vi a mim mesma nadando num lago. Quando vê a si mesmo no Deserto de Yhale, significa que é uma feiticeira.

– E quando se tornou uma bruxa… - continuei.

– Eu vi uma gata - ela respondeu - ela falou comigo, e me contou que eu poderia fazer e viver coisas que jamais imaginava, e além disso, que me ajudaria a proteger você.

– Você fez um pacto com Bastet - concluí.

Yukina assentiu.

– Uau - franzi o cenho - que… legal.

A japonesa revirou os olhos, mas deixou um sorriso fraco escapar dos lábios.

– Vamos, contate alguém - ela disse.

– Eu não vou contatar alguém - entrei em desespero.

O que eu diria à Anúbis/Hades/Tanatos ou seja lá qual deus da morte eu invocaria?

– Selene, sinceramente nós achamos que deveria contatar alguém - Yukina se tornou séria.

– Mas eu não sou como você! Sou uma elfa e meu tipo de magia é totalmente diferente do seu… - insisti.

– Selene, todo tipo de magia dos mundos está de alguma forma, conectada - ela rebateu - certamente vai contatar alguém que te ajudará, alguém que tem a ver com você.

Suspirei.

Yukina entendeu aquilo como um sim e sorriu.

– Não precisa dizer nada em especial - ela disse - apenas conecte sua mente ao lugar, e o lugar vai ouvir você.

Deu alguma dezenas de passos para trás, se juntando à Daniel.

Suspirei pesadamente e fechei os olhos.

Certamente eu tinha milhares de motivos para pedir ajuda divina, mas pedir milhares de coisa seria demais.

Qual preço seria cobrado de mim?

Senti meu corpo flutuar e abri os olhos, sobressaltada.

Eu estava num lugar totalmente diferente do deserto escuro que vira.

Uma mulher com a pele pálida e radiante estava sentada num divã, enquanto alisava seus longos cabelos negros.

Certo. Aquela não era Tanatos nem ninguém do tipo.

– Ah… Oi - cumprimento, incerta de se devo mesmo estar ali.

A mulher me encarou e sorriu. Seu rosto se iluminou, como se me conhecesse mais do que a mim mesma.

Franzi o cenho.

– Quem é você? - perguntei.

– Selene - ela respondeu e virou o rosto de lado.

– Não - franzi ainda mais o cenho - EU sou Selene, perguntei quem VOCÊ é.

– Eu sou Selene - ela insistiu.

Pisquei, confusa.

A mulher gargalhou diante da minha expressão e fiquei um tanto aborrecida.

– Oh, perdoe-me - ela pediu, cessando o riso - mas você é tão “adorável” quanto sua mãe disse que seria.

– Minha mãe? - perguntei, ainda mais confusa - o que tem a ver Adalind com tudo isso?

– Tudo - ela estendeu os braços na minha direção - antes de nascer, você foi nomeada com o meu nome, uma homenagem e um pedido de socorro. Achei graça disso, sua mãe foi um amor, então lhe concedi o dom de ficar mais forte com o surgimento da lua.

Minha boca se abriu num “o”.

– Não pensei que elfos se comunicassem com deuses - resmunguei.

– Realmente, isso não é nem um pouco comum - ela torceu o nariz, depois sorriu - vocês são tão céticos diante das divindades que chega a ser ofensivo.

Franzi o cenho.

– Mas existem exceções - ela continuou - principalmente na hora do desespero… Além disso, a lua e as estrelas são adorados pelos elfos, então indiretamente, eles me adoram.

Seu sorriso travesso e vitorioso chegava a ser engraçado.

Como se tivesse pregado uma peça em todos os elfos de todos os mundos, e eles tivessem caído direitinho.

– Então… Minha mãe me deu o seu nome e você me deixou mais forte - resumí - por que?

A mulher deu de ombros.

– Você tem um futuro conturbado pela frente - ela disse, me olhando com pena - sua mãe sabia disso desde o primeiro dia de gestação.

– Mas e Solara? - perguntei - é filha de Delaryon, assim como eu e…

Me calei quando me dei conta do que havia dito.

Eu realmente acreditava naquilo?

No fundo, sim, eu sabia que era verdade.

A mulher suspirou, como se estivesse sem saber o que dizer.

– Solara, sua irmã… - ela franziu o cenho, preocupada - é um caso à parte.

– Como assim? - perguntei, rindo e confusa.

– Não herdou os poderes de demônio do seu pai - ela deu de ombros - apesar de ser extremamente poderosa também.

Soltei uma gargalhada.

Certamente, aquela Selene era louca.

– Eu não herdei poderes demoníacos algum - neguei.

– Já não perguntou à sua consciência quem é ela? - a mulher disse, fazendo com que eu me calasse.

– Você é louca - acusei, dando um passo atrás.

– Querida, eu sou Selene, a deusa grega da lua, pode me chamar de lunática e eu vou aceitar como elogio, mas “louca” já é demais - ela ficou séria e me seguiu com passos rápidos.

– Diana é a deusa da lua, não você - franzi o cenho.

A mulher revirou os olhos.

– Pra ficar mais fácil o entendimento, eu sou a personificação da lua - ela sorriu - é de mim que a potencialização dos seus poderes vêm.

Me calei, enquanto a olhava com raiva.

– Devia ser grata, Selene - ela me alcançou e segurou meu rosto de forma maternal - você iria invocar aquele sem graça do Tanatos, eu interrompi a ligação para falar com você, além disso… Estou disposta a te ajudar naquilo que vai me pedir.

Franzi o cenho e cruzei os braços.

– E como sabe o que eu vou pedir? - perguntei, cética - se nem eu sei?

– Não precisaria abrir a boca para eu saber o que quer - ela sorriu de forma amável - te vejo chorar por um homem e isso não me agrada.

Arregalei os olhos.

Meu orgulho não permitiria que eu, com ajuda divina, prosseguisse a tentar conquistar Daniel.

Era demais pra mim.

Como se a vida estivesse esfregando na minha cara o quão fracassada eu seria sem os outros.

– Não é uma opção sua negar - ela soltou meu rosto e se afastou, severa - todas as noites, abra a janela do seu quarto e me deixe entrar.

– A que preço vai me ajudar? - perguntei, tensa.

Ela me encarou como se achasse graça do que eu dissera.

– Preço? - ela repetiu - querida, qualquer um que sabe como anda a sua situação jamais pediria algo por isso.

Revirei os olhos.

– Mas já que insiste… - ela pareceu pensar.

Seus olhos se iluminaram, como se tivesse uma ideia genial.

Estalou os dedos e um livro de capa negra surgiu em suas mãos.

– Quero que leia isso - ela disse, entregando-me o livro.

Passei a mão pela capa e consegui ler o título.

“O Livro das Luas”.

O nome me era familiar.

Estava desgastado, as letras em alto relevo quase não existiam mais e o fecho metálico já estava enferrujado, quase impossibilitando sua abertura.

– É um livro de feitiços - constatei ao folheá-lo.

Selene sorriu e assentiu.

– Todos precisam da luz da lua - ela disse - é um livro famoso e poderoso, guarde-o bem.

Assenti.

Abri a boca para perguntar se era só aquilo que ela queria de mim, mas ela não estava mais lá.

Nem o lugar era o mesmo.

Eu voltara ao deserto macabro de cascalho fino, mas Yukina e Daniel não estavam comigo.

Ouvi um farfalhar de asas e minha espinha gelou.

Ela tinha mesmo dito que quebrou a conexão entre mim e Tanatos?

Eu devia ter perguntado por quanto tempo ela conseguiria segurar.

– O que uma elfa faz aqui? - a voz retumbante soou, fazendo os cascalhos no chão tremerem.

Respirei fundo, criando coragem e me virei.

Diante de mim havia um deus grego.

Literalmente falando também.

Sua pele pálida mostrava veias arroxeadas e seus olhos prateados e frios perfuravam a minha alma com mil foices.

Foices como aquela, que ele segurava na mão.

Engoli em seco.

– Eu… - encarei meus pés - não sei.

“Sério, Selene? Está dizendo pro deus da morte que não sabe o motivo de tê-lo invocado?”, a voz perguntou cética.

Mas por algum motivo, a voz estava animada.

– Olhe para mim enquanto fala - ele disse com desapontamento na voz.

Agarrou meu queixo e o ergueu forçadamente.

Seu toque era frio e quase doloroso.

Como se minha alma estivesse sendo sugada para fora do meu corpo e quisesse estar sempre em contato com a mão calejada dele.

Torceu o nariz quando encarou meus olhos.

– Eu não conheço você, garota - ele disse - mas tem os olhos de uma desesperançada.

– Certamente não tenho muito no que me apegar para ter esperança - retruquei.

– Muitos encontram a esperança na morte - ele disse - deseja tentar?

Revirei os olhos.

– Eu não morri até agora - respondi - agradeço a oferta, mas não dessa vez.

Ele largou meu queixo e riu.

– Garota interessante você - ele confessou - mas devo dizer que recusar a minha ajuda é algo bem rude.

– Não sei porque chamei você - resmunguei.

– Porque sei do que precisa, mesmo que aquela velha lunática ache que não, eu sei - ele rebateu.

– Está falando de Selene? - perguntei, franzindo o cenho.

Ele fez um sinal de desprezo com as mãos.

Me viu encarando sua foice e sorriu.

– Parece estar familiarizada com a arma - ele notou.

Invoquei algumas das milhares de sombras que compunham o lugar e forjei uma.

A girei nas minhas mãos com facilidade.

Era minha arma preferida, realmente.

– Oh - ele se surpreendeu - realmente, uma garota interessante.

Tanatos retirou um de seus anéis e o depositou na palma de minha mão.

– Use quando for à guerra - ele disse simplesmente e deu as costas para mim.

– Espera, que guerra? - perguntei.

Ele me encarou de soslaio, como se eu fosse burra por não saber que alguma guerra estaria vindo.

– Vai saber quando ela chegar, oras - ele deu de ombros.

– Mas a que preço está me dando isso? - perguntei.

Torci para que ele não pedisse minha alma ou algo do tipo.

Torci para que ele não pedisse para eu matar alguém.

Ele encarou meus olhos.

Não, ele não estava encarando meus olhos, não os dois.

Ele fitava o olho negro e parecia pensar.

– Você vai enxergar a verdade por trás das sombras de cada pessoa, garota - ele decretou, apontando para o olho negro.

– Como isso pode ser um preço? - perguntei, confusa.

– Acredite, obter poder por si só já é pagar o preço - ele respondeu e sumiu.

Senti meu corpo arrepiar e logo eu estava ao lado de uma Yukina que gritava histericamente.

– Ela voltou! - exclamou, aliviada - ela voltou, Daniel!

O dragão dourado revirou os olhos, bufou e deu as costas.

Me senti chateada.

Ele não estava nem um pouco preocupado comigo?

Fitei o chão de cascalho e observei sua sombra seguí-lo até o carro.

Antes de entrar juntamente com ele, a sombra parou e me encarou.

Congelei no lugar e pisquei várias vezes.

Talvez o sono, o cansaço e todo aquele assunto de deuses estivesse finalmente me deixando louca.

Fitei o chão novamente em busca da sombra rebelde que não seguia o corpo do dono.

Mas ela não estava mais ali.

– O que diabos foi isso? - perguntei, irritada comigo mesma.

– O que? - Yukina perguntou, ansiosa - falou com quem?!

Encarei os olhos preocupados e curiosos da japonesa baixinha ao meu lado e sorri.

– Com Tanatos - respondi somente.

A boca dela se abriu num “o” e seus olhos se arregalaram.

O pirulito que Yukina segurava caiu no chão e ela me seguia a passos trôpegos rumo ao carro.

– E o que ele falou? Como ele é?! - exigiu saber.

– Lindo, alado, sinistro - contei com três dedos - disse pra eu usar o anel que me deu quando a guerra chegar, não entendi direito.

Yukina encarou minha mão à procura do anel falado.

Ele estava no meu anelar, o que me constrangeu um pouco.

Tentei mudá-lo de dedo, mas logo ele estava novamente lá.

– É um compromisso - Yukina piscou, surpresa e estupefata - ele te deu um anel de compromisso!

– Como isso pode ser um compromisso se estou sendo forçada? - revirei os olhos.

Pensei ter visto Daniel apertar o volante com mais força.

Pisquei e encarei suas mãos grandes que conduziam o carro novamente, mas elas estavam normais. Estavam perfeitamente relaxadas.

– Significa que nunca vai conseguir se livrar do presente - Daniel corrigiu a prima - o que ele pediu em troca?

Pensei se devia contar a condição de Tanatos ou não.

Então a minha ficha caiu, finalmente caiu.

Tanatos não me dera um dom por misericórdia, nem nada do tipo.

Não, até porque a morte nunca era misericordiosa para aqueles que ficavam.

Ele me dera um dom amaldiçoado.

– Nada demais - respondi, dando de ombros - acho que vamos descobrir com o tempo.

Me virei de lado e ignorei os olhares curiosos de Yukina, assim como a expressão neutra de Daniel que perfurava meu estômago constantemente.

Soltei a franja e cobri meu olho negro, sentindo-me suja.

– Boa noite - resmunguei.

E adormeci ali mesmo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!