A Lenda dos Corvos escrita por Matheus Hipolito


Capítulo 4
Capítulo 4 - "Ele já foi embora"




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Capítulo 4

Eu cheguei aquela noite totalmente exausto e louco para ir pra cama, mas não iria dormir com o cabelo ensopado de gel, que até agora eu conseguia senti-lo molhado no meu cabelo castanho-escuro.

Quando a água do chuveiro começou a escorrer pelo meu cabelo, foi um alívio surpreendente. Esfreguei-o até sentir meu couro cabeludo arder, depois fiquei imóvel debaixo d'água, deixando toda a ardência indo pelo ralo junto com a água cheia de gel e xampu.

"Mas não entre aqui em hipótese alguma, mesmo que alguém entre na loja e peça algum livro daqui, não faça isso."

Essa frase do Sr. Blaker estava em tona na minha mente, enquanto eu tomava banho.

Eu tentava analisa-la de todas as formas, para ver se conseguia descobrir algo.Mas nada vinha a minha mente. Nada. E eu tinha tantas perguntas.

Por que não posso ver essa sessão?

Por que ela tem que ficar trancada?

Por que alguém iria vir a loja e querer um livro de lá?

Por que?

Não entendia nada, e cada minuto que passava, eu tinha quase certeza de que tinha entrado em um precipício, e não conseguia sair. Precisava saber de tudo sobre a Nightmire Crowns, e pelo que estou vendo, preciso saber de muita coisa.

***

Estava perdido em meio a enormes prédios, mas todos apagados e sem portas, só com janelas de vidro fosco no alto.

Corria pela rua, onde não se encontrava ninguém, só carros abandonados, e um cheiro pútrido no ar.

— Socorro! — Eu gritava — Socorro!

Não sabia porque estava gritando socorro, mas sentia que estava sendo perseguido, ou pior, vigiado. E não por um ou dois olhos, mas sentia milhares de olhos esbugalhados me olhando.

Foi então em que eu ouvi.

Ouvi aqueles gritos que faziam meus ouvidos latejarem e meu coração disparar. Os gritos humanos, mas que não vinham de um corpo como o meu, mas um corpo negro com asas, e olhos amarelos. Corvos.

Ouvi o farfalhar de asas batendo sobre minha cabeça. Não queria olhar, mas sentia-os quase que em cima de mim. Eu gritava, pedindo para saírem, mas eles ficavam gritando e batendo as asas, e eu corria em frente, sem parar, com as mãos acima da cabeça.

E então meu coração agradeceu pelo o que eu vi.

Uma porta se materializou na minha frente, mas não era uma porta normal, ela era de metal com quatro vidros formando um quadrado, mas é como se esse quadrado fora dividido em 4 partes iguais, e as 4 partes com vidros foscos, impossibilitando de ver o que tinha do outro lado. Eu mal pensei na hora, só empurrei a porta e uma luz branca invadiu meu rosto, e então eu fechei a porta atrás de mim com tanta força que meus ouvidos tiniram.

Mas então, toda aquela sensação voltou, e foi então que me dei conta de onde estava. Estava no corredor das celas onde ficavam os corvos no Nightmire Crowns.

Senti minhas pernas fraquejarem, e quando me dei conta estava no chão, com a mão sobre as orelhas, e implorando para que parassem de gritar.

Lágrimas quentes invadiram meu rosto, e eu não conseguia pensar direito, não assimilava o que eu ouvia. Eu iria enlouquecer se ficasse mais um segundo aqui, e então eu senti um líquido quente escorrer pelas minhas duas mãos e então os gritos humanos dos corvos pararam, e eu tirei a mão dos ouvidos.

Minhas mãos estavam vermelhas e quentes, e eu não conseguia nem ouvir minha respiração ofegante.

Olhei para os corvos, eles ainda estavam com os bicos separados, ainda gritavam, mas eu não ouvia, e então eu gritei, o mais alto que eu pude. Não ouvia nada.

Percebi que a cor vermelha sobre minha mão era o sangue que escorrera dos meus ouvidos, e então coloquei a mão sobre as orelhas novamente. Estava desesperado.

Gritava socorro, mas cada vez que eu gritava mais, mais sangue escorria do meus ouvidos. Foi então que eu vi a possa de sangue sobre o chão, e cada vez que meus batimentos cardíacos aumentavam, mais sangue escorria dos meus ouvidos, ou melhor, esguichavam.

E por um segundo apenas, me dei conta de que não conseguiria controlar o sangue, e depois disso, minha cabeça explodiu.

***

Acordei soado, totalmente ensopado, e com a respiração forte.

Eu conseguia ouvir-me respirando. Graças a Deus.

Levantei e coloquei meu chinelo que estava na beirada da cama, fui em direção ao banheiro e joguei água até não conseguir mais, e fiquei inclinado ali na pia do banheiro, com o rosto pingando com a água da pia e me olhando no espelho.

Não havia sangue nenhum, nem na minha cama, nem no chão, em nenhum lugar.

Definitivamente, eu precisava de uma resposta para esse tal de corredor das celas de corvos.

***

— Sr. Blaker — Digo, entrando na Nightmire Crowns, meia hora mais cedo. Não tive fome então vim direto pra cá, depois da última aula, sem comer, e atravessando pares sem olhar para os lados, e atravessando velhinhas no volante. — Eu preciso saber porque existem aquelas celas naquele corredor depois da porta do porão.

— Sr. Roog? — Perguntou Gaspar, com uma cara de confuso, mas sabia bem do que eu estava falando.

— É Rood, Sr. Blaker — Digo, impaciente — Preciso saber porque aqueles corvos estão presos naquelas jaulas, enquanto os outros estão voando por aí.

— Ah, sim — Sr. Blaker sorri, mas parece nervoso — Bem... é que eles estão doentes....

— Não me venha com essa de doentes, Sr. Blaker — Digo, frustrado — Eu sei que eles estão muito bem. Ninguém consegue gritar muito alto quando está doente. E existe muitos ali, não tem como ser todos doentes.

— Sr. Rood — Começa Gaspar — Aquilo também é restrito para funcionários...

— Sr. Blaker, só temos nós dois trabalhando aqui — Digo — Eu preciso saber das coisas que está acontecendo, se não, como vou saber se posso confiar no senhor? Tive pesadelos com esse corredor ontem, e eu preciso saber o que tem nesses corvos.

— Existe muito mais do que tudo o que você possa imaginar, Roger — Sr. Blaker fala poucas vezes meu primeiro nome, e eu já entendi o que isso quer dizer. Quer dizer que ele não está brincando — É algo que você abre mão quando trabalha aqui. Tudo o que o senhor pode saber eu já contei-lhe, e não há mais nada para você saber. Nada.

Isso foi bem pior do que eu esperava, na verdade foi como um tapa na cara, e o pior, ainda não acabou.

— O dever do senhor é me ajudar na loja, somente isso. E pode ter certeza que, mesmo com poucos clientes, o senhor vai receber tudo o que deve, isso é uma promessa.

— Mas Sr. Blaker — Digo — Não temos nenhum cliente.

— Tudo o que você tem que fazer é cuidar das atividades que eu te direciono, mais nada. Tudo o que acontece com finanças da loja, é por minha parte.

Sr. Blaker consegue ser tão sombrio e rígido quando quer. Isso é uma dádiva que eu quero aprender com ele.

— Hoje você irá cuidar dos corvos lá no fundo. Pode colocar isso aqui — Ele procura algo atrás da bancada da recepção, e tira um protetor de orelha laranja — Isso vai ajuda-lo a passar pelo corredor.

Pego o protetor, e me dirijo a escada que desce para o porão.

— Ah — Sr. Blaker vira para mim e fala — Só quero que use um macacão por cima da roupa. Corvos gostam de preto.

Quando desço o porão, tento ignorar todas as gaiolas com corvos entalhados, e fixo meus olhos no enorme macacão fluorescente que está sobre a poltrona velha perto da mesa de centro e do abajur.

Sr. Blaker aparece no porão e diz:

— Essa cor vai ajuda-lo a criar mais vínculos com eles. Eles tem que se acostumar com você.

Espero estar vivo depois de hoje, ai só depois quero pensar nessa história de criar vínculos com corvos.

***

Foi tão difícil quanto eu imaginava.

Levei tantas bicadas que quando cheguei em casa, estava todo vermelho.

Mas eu não vou desistir, parece que tem algo me prendendo lá, algo que me diz para ficar. Talvez seja o Sr. Blaker. Ele é um cara que se deve conhecer bem, parece que tem muitas histórias a se contar, e eu quero ouvi-las.

Quando eu estava lá no fundo da Nightmire Crowns, dando comida para os corvos, na verdade eu estava tentando, porque era quase impossível, eu percebi os olhares dos corvos. Eram firmes e intensos, como se quisessem dizer algo. Mas depois de um tempo os encarando-os, eles iam embora, depois de claro, me dar uma bicada.

Também levei um arranhão no rosto, ou melhor, na minha bochecha direita, e agora está um vergão enorme, e bem dolorido. Minha mãe pediu para colocar gelo, mas acho que só o tempo vai fazer isso passar.

E a última coisa que percebi hoje, lá na Nightmire Crowns, foi o Sr. Blaker conversando com alguém. Pois quando fui embora, que era umas 19:30 (fiquei até mais tarde, porque não consegui cumprir todas as tarefas), ouvi o mesmo som da aterrissagem no meu quarto, na noite em que pesquisei sobre os corvos, e depois o Sr. Blaker disse:

— Ele já foi embora.


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