Winter Soldier - Retomando o Passado escrita por Vendetta23


Capítulo 9
Reencontro




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/494283/chapter/9

Não sei se é o nervosismo me corroendo por dentro ou o medo gritando na minha cabeça, eu ando rápido pelas ruas movimentadas, de vez em quando batendo os ombros contra os de outra pessoa, as luzes que começam a ser acesas me cegam, causam flashes na minha cabeça, flashes de memória que remetem a cada granada que joguei a favor e contra meu país. Perdido no centro da cidade, seus barulhos me causam dores de cabeça que me lembram de cada tiro dado na cabeça de pessoas que nem sequer conhecia. As palavras de milhares de pessoas ao meu redor eram ouvidas, se confundindo com as palavras de ordem que me lançavam, a máquina, o soldado, em uma missão. O mundo girava e eu não conseguia acompanhá-lo, me encostei em um poste de luz para recuperar o fôlego, já suando frio e apertando firmemente o papel com o endereço de Steve na minha mão direita.

Peço direções a algumas pessoas, voz tremendo e olhar inseguro. Agradeço a elas friamente e ando na direção que elas me apontam, às vezes me sentindo humano como qualquer um deles, às vezes sentindo que o soldado tomou controle do homem, marchando em neve. Chacoalho minha cabeça tentando afastar qualquer pensamento sobre a guerra, qualquer preocupação em checar ao redor por alguma ameaça, qualquer busca por pontos vulneráveis das pessoas que passam despreocupadamente ao meu lado. ‘Eu não sou uma máquina. Eu não sou uma máquina. E a prova disso está na minha mão.’ Observo o pequeno pedaço de papel amarelo, suspirando. Enquanto ando, cabeça abaixada coberta por um capuz para que ninguém me reconheça, lanço olhares rápidos para os nomes das ruas com as quais cruzo, esperando que eu chegue antes de Steve no apartamento, eu preciso de tempo para pensar.

Finalmente encontro sua rua cruzando a avenida pela qual estava andando, agradeço silenciosamente a mulher que me apontou a direção certa. Observando os números, concluo que seu prédio deve estar à direita, sigo essa direção olhando para cada numeração na portaria dos prédios.

Eu não sou a mesma pessoa. Eu tenho plena noção disso. Eu me lembro de algumas coisas, o bastante para perceber que eu não consigo ver as coisas como eu via, principalmente eu mesmo, nem me expressar da mesma forma, nem sorrir com a mesma facilidade. Eu não tinha demônios batendo à minha porta, nem temia a escuridão em cada viela mal iluminada. Era tão fácil enfrentar o dia, por mais que tudo tivesse dado errado, nunca fui ‘eu’, sempre fomos eu e Steve, por mais que a pobreza da Grande Depressão nos assombrasse, o medo causado pela iminência da guerra, nós estávamos juntos no final do dia. Nem mesmo o frio intenso que penetra no meu casaco à medida que eu avançava pelo quarteirão foi capaz de apagar o calor dessas memórias. Mesmo assim, ele não queimava como o calor da esperança, se é que eu tenho alguma. Eu me olhei no espelho algumas vezes nesses últimos dias, eu encontrei meus olhos me encarando com desde olhares de ódio a olhares de compaixão. Eu vi coisas que permaneceram, mas também vi mudanças. Eu vi James e também vi o Soldado Invernal, eu vi minha própria pele mas também meu braço esquerdo, reluzindo. Passaram-se setenta anos vividos como outro homem, e agora eu me pergunto se posso algum dia separá-lo de quem eu sou agora.

Paro na frente do prédio baixo de tijolos avermelhados. 103, esse é o número. Dou a volta no prédio para encontrar a escada de incêndio, dou um salto e me penduro o corrimão da escada elevada, subindo até o segundo andar, apartamento 22. Primeiro observo o interior do apartamento, que é bem organizado e tem uma estética limpa. Devo ter esperado por uns cinco minutos qualquer sinal de movimento dentro do apartamento, tudo parece calmo. Dou um empurrão em uma das janelas que dá para a sala, em frente à mesa de jantar, ela está trancada. Tiro a mesma conclusão da janela que dá para a cozinha. Quando me movo novamente para a janela da sala pensando em quebrá-la, ouço um barulho vindo de algumas latas de lixo embaixo da escada de incêndio. Instintivamente, levo a mão à faca que tinha levado das ferramentas do bunker e escondido em minha bota, só então lembrando de sua existência. Era só um gato remexendo o lixo. ‘Você tem que se acalmar, você não quer se encontrar de frente com seu melhor amigo, sua antiga missão, nesse estado de pânico’, utilizo a faca para abrir a janela passando-a por baixo do vidro e destravando a fechadura. Olho para ela durante alguns segundos. Se eu confundi-lo com um alvo novamente, eu posso fazer uma grande merda. Joguei a faca lá embaixo, acertando em cheio o meio da palavra “PLÁSTICO” escrita na lixeira. Ainda me impressiona como eu seja bom, mas me livrar da faca não me fez sentir nem um pouco mais calmo, olho meu braço metálico, afinal, a arma está incrustrada na minha pele e na minha mente, eu sou a arma.

Dou passos cuidadosos para dentro do apartamento, procurando um bom lugar para esperar. Com o escuro e o silêncio, minha cabeça estava bem mais concentrada e as dores diminuíram. Já me direcionando para as cadeiras da mesa de jantar, observo do canto do meu olho um brilho no escuro. Viro minha cabeça rapidamente, levando minha mão ao lugar agora vazio onde estava a faca, me arrependendo imediatamente da decisão que tomei mais cedo. ‘Merda’.

Mas não era um inimigo. O escudo estava ao lado da porta, brilhando em suas cores azul, vermelha e branca. Um rápido flashback me fez lembrar de como ser acertado por ele dói, uma obra de arte, sem dúvida. Me aproximo lentamente dele e o seguro, passando meu braço direito por dentro das tiras de couro e o levantando em frente ao peito. Me sentindo incrivelmente mais pesado, pensei que se devesse ao peso do escudo, mas, ao olhar para baixo e me deparar com o brilho do meu braço reluzindo ao lado do brilho do escudo percebo que estou sustentando dois lados da mesma moeda, dois lados de mim mesmo. Um peso no meu peito me fez largar o escudo aonde o encontrara e me mover para a escuridão da sala de jantar, me sentando na cadeira e tirando o capuz, já com um pouco de calor.

Eu não sei por quanto tempo eu esperei, pareceu uma eternidade, qualquer tentativa de organizar as palavras que irei dizer falha miseravelmente, acabando por formar teias caóticas e sem sentido.

Ouço um barulho vindo do hall, som de chaves na porta. Contraio meus braços automaticamente, mas os forço a relaxaremws contra a urgência com a qual meu cérebro grita para se proteger ou atacar. Eu não estou em um campo de guerra, eu sou o campo de guerra.

A luz se acende. Mal consigo observar o quão rápido Steve pega o escudo e o traz para o peito. Na tensão, esqueci de colocar as mãos em cima da mesa, as coloco logo que percebo isso, mostrando que estou desarmado. Tento não me mover ou parecer que vou atacá-lo, mas não consigo parar as fortes tremedeiras que sobem das minhas mãos para se manifestarem em pequenas contrações em meus lábios e pálpebras. O escudo cai com um estrondo.

“... Bucky?” a voz de Steve quase não sai. A falta do escudo protegendo-o revela um Capitão América em pedaços comparado ao homem do qual me lembrava. Bolsas escuras pesavam embaixo de seus olhos, sobre sua pele pálida e lábios esbranquiçados. De seus olhos à posição na qual se encontrava, era claro que mente e corpo gritavam por uma noite de sono.

“Eu me lembro...” achei melhor dizer antes de tudo “... lembro de nós, da guerra, dos jogos ao Sol, das minhas missões” não ouso me mover, Steve me olha em estado de choque e não consigo traduzir nenhuma emoção que seus olhos expressam, como se estivesse sentindo todas ao mesmo tempo.

Uso toda a energia que me resta bloqueando informações que surgiam de todo o lugar da minha cabeça, elas me sussurravam os pontos fracos de Steve, falavam sobre os melhores objetos que poderiam ser usados ali como armas, gritavam sobre eu ter que me lembrar qual era a minha missão. Melhor amigo e alvo se confundiam na frente dos meus olhos, eu apertei com força minhas mãos, tentando fazer os gritos pararem “Eu não vim para lutar” afirmei com a voz tremendo, não sei se falando com ele ou comigo mesmo. Steve se aproximou andando, pernas tremendo e olhos cheios de lágrimas. Levantei-me rápido da cadeira e recuo até bater de costas com a parede. Ele para.

“Bucky, está tudo bem” Steve disse, fazendo sinal de paz com as mãos.

“Não está, não enquanto eu estiver ouvindo minha cabeça mandar eu te matar” grunhi, cerrando os dentes e tentando suportar a dor que percorria meu corpo.

“Você não me matou antes” Steve rebate, olhar mais calmo mas palavras tensas.

“Antes” disse friamente, resistindo à urgência de atacá-lo, tentando manter o soldado sob controle ‘Minha mente’.

“Nem agora” era como se Steve estivesse vendo um fantasma, olhos vidrados nos meus “Bucky, você não vai me machucar, eu sei que não” ele repetiu meu nome, o soldado lançou mais um ataque mental, mas eu o segurei, eu me segurei “Você é tudo que eu tenho” Steve disse na mais profunda sinceridade.

“Eu tenho você e tenho esse cara na minha cabeça” soltei o ar sem saber o que estava dizendo “E você tem que me ajudar a mandá-lo pro inferno” era o que mais se aproximava de um pedido de ajuda que podia exprimir agora, enquanto nado contra a correnteza.

Steve foi se aproximando devagar, o medo em seus olhos se esvaindo a cada passo, eu tentei sussurrar ‘Não’ até ele estar na minha frente, tremendo, ‘Eu sou a arma’, me envolvendo em um abraço que começou hesitante ‘Eu vou te machucar’ e terminou comigo sendo pressionado fortemente contra seu peito. O calor em mim começou com uma pequena chama que passou a arder mais e mais. Ergui meus braços ‘Missão’ e coloquei o direito em suas costas, retribuindo o abraço de maneira desajeitada, mantendo meu braço mecânico afastado ‘O metal reluz mesmo manchado de sangue’.

“Eu não posso te perder de novo” Steve diz e eu me acalmo em sua voz.

“Não vai” respondo baixo, não é uma mentira mas me sinto igualmente mal por ter feito uma promessa que posso não conseguir cumprir “Eu preciso de ajuda, Steve”, as lágrimas que caem dos meus olhos molham sua camisa.

O soldado ri dentro da minha cabeça, cada vez mais alto.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!